Você está na página 1de 2

A invisibilidade da desigualdade social brasileira (A6 – LES237/ ESALQ –USP)

Carla Rangel, Gabriel Coletti, Guilherme Bertagna, João Pedro Giorgi, Jules Debuly,
Laura Rossini, Luiz Henrique Melo, Marcela Del Carmen, Mateus Giovanetti, Vitor
França

Jessé Sousa (2011) discute a invisibilidade das classes populares no país, que
correspondem a maioria esmagadora da população brasileira. O autor se baseia em seus
livros "A Ralé Brasileira: Quem É" e "Como Vive e Nova Classe Média ou Nova Classe
Trabalhadora?".
O autor ressalta que esta invisibilidade é fruto de uma inadequada “interpretação do
Brasil” que seria incorporada pelos brasileiros como uma segunda natureza. A
propósito, Jessé Sousa salienta que não existe nada no mundo real que não tenha sido
criado por ideias que foram discutidas por elites (cientistas, intelectuais).
Nesta perspectiva, o autor lembra que, na década de 1930, desenvolveu-se o que seria
aceito como a brasilidade, ocorrendo uma “revolução simbólica do Brasil moderno”.
Esse movimento foi impulsionado por dois dos principais pensadores que analisaram a
formação da sociedade brasileira: Gilberto Freyre e Sérgio Buarque.
Gilberto Freyre (1900-1987) foi um escritor brasileiro, formado pelas universidades
Baylor e Columbia, é considerado um dos maiores sociólogos do século XX. Em sua
obra, Freyre transforma a miscigenação da população, vista até então de forma negativa
e naturalizante por não permitir conceber um futuro civilizado do Brasil, em valor
positivo, o que poderia oferecer as bases de uma civilização original nos trópicos.
Assim, Freyre inverte o lugar do mestiço, passado do “tudo de mal” para o “tudo de
bom”. Aí se encontra o símbolo maior da “brasilidade”, com o “jeitinho brasileiro”,
plasticidade e predominância de relações personalistas.
Estas características destacadas por Freyre como positivas da identidade brasileira,
como a emotividade e a cordialidade, são consideradas por Sergio Buarque de Holanda
como prejudiciais ao desenvolvimento nacional. Nesta ótica, o brasileiro teria
dificuldade de diferenciar o interesse público e o privado, utilizando então os recursos
públicos para benefícios privados (o jeitinho brasileiro associado à ideia de levar
vantagem em tudo).
Nesta linha de raciocínio, a comparação do Brasil com os Estados Unidos, devido à sua
condição de potência política e econômica (associada aos valores modernos da
impessoalidade, da eficácia e da racionalidade), leva à mistificação e supervalorização
do povo estadunidense, modelo de honestidade, pontualidade e eficiência, o que
alimenta ideias e discursos conservadores, que ajudam a propagar o complexo de “vira-
lata”. Muitos pensadores brasileiros reforçam estas ideias que colocam os EUA no
pedestal da superioridade em razão de seu mercado eficiente e incorruptível.
Porém, Jessé Sousa argumentar que o Estado e mercado formam um sistema
interdependente, de estreita influência de um sobre o outro. Como exemplo, a última
crise econômica global revela um mercado que corrompe, guiado unicamente por
interesses mesquinhos de investidores. De fato, é o mercado internacional o responsável
por corromper e falsificar relatórios e avaliações, assim tornando a fraude um
instrumentos a serviço de seus negócios.
Com uma visão negativa sobre o Estado, os brasileiros de classe média desenvolvem
um racismo de classes, pois camadas populares apoiam um Estado atuante que possa
atender suas necessidades. Desta forma, são vistas como antiéticas na medida em que
seriam estatizantes.
A “nova classe média”
“Os emergentes são a maior novidade econômica, social e política do Brasil na última
década. Como é uma classe crescente – desde que mantidas as condições favoráveis – e
decisiva para o crescimento econômico brasileiro baseado no consumo interno da última
década, sua importância não só econômica, mas também política, é nodal”.
“Os batalhadores, nome que é uma homenagem a essa classe que se reinventou sozinha
sob as piores condições, representam muito mais uma classe trabalhadora precarizada,
típica do contexto social do pós-fordismo, sem direitos e garantias sociais. O lado
benigno desta nova classe social foi sua ascensão econômica e social. Se o crescimento
recente beneficiou tanto ricos como pobres, aquele mais dinâmico veio da “parte de
baixo” da sociedade brasileira, com efeitos positivos para todos – inclusive para os
setores privilegiados. Esta dinamização ocorre graças a políticas simples, como o Bolsa
Família e o microcrédito.
A compreensão liberal dominante que associa classe à renda é bastante dominante no
Brasil e mantém a ilusão do “milagre”, associado ao mérito apenas individual, sem
considerar as pré-condições sociais. De fato, a chamada nova classe média não tem nada
das classes médias privilegiadas e consolidadas, que asseguram meios para seu filhos
alcançarem muito mais facilmente lugares elevados na sociedade brasileira
Por outro lado, as classes mais desfavorecidas podem ser explicadas por sua impotência
política. O autor enfatiza que a polaridade entre “pobres honestos” e “pobres
delinquentes” não cria condições para solidariedade de classe. Os “pobres honestos”
trabalham com salários medíocres sem reconhecimento, pessoas que vendem sua
energia muscular a preço pífio. Os “pobres delinquentes” se revoltam reativamente de
modo pré-político contra a estrutura que os condenam, tornando-se bandidos, prostitutas
ou alcoólatras. Assim, é criada uma divisão dessas camadas, apresentada na mídia de
forma a distorcer o debate público, impedindo de conhecer a real origem dessa classe.
Portanto, é importante entender as reais origens dessa questão social com vistas a
encontrar soluções, não apenas por meio de incentivos econômicos passageiros, mas
graças a uma reforma de ideias e de espíritos no Brasil. Essa classe explorada e
humilhada precisa da força e apoio para que suas vozes sejam escutadas.

Referências
SOUZA, Jessé (2011), A parte de baixo da sociedade brasileira, Revista Interesse
Nacional, nº 14, pp. 33-41

Você também pode gostar