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Responsabilidade Civil da Administração Pública

Quando se trata de obras públicas, ou seja, contratadas pela Administração


Pública, a responsabilidade do Estado é objetiva (sem culpa). Em nosso
ordenamento jurídico, essa responsabilidade funda-se na Teoria do Risco
Administrativo, ou seja, a Administração Pública responde pelo dano, mas cabe
apurar-se se houve participação da vítima no evento, e em que medida, devendo
ela, se isso se confirmar, responder, na medida de sua participação.
Em caso de o dano haver sido provocado por agente público, ingressa-se contra
a pessoa jurídica de direito público (União, Estado, Distrito Federal, Município),
cabendo a ela o direito de regresso (ação regressiva) contra o agente que
cometeu o delito. Na Teoria do Risco Administrativo deve existir, não obstante,
o nexo de causalidade entre a conduta do agente público e o dano.
Sergio Cavalieri Filho, em sua excelente obra, já citada, preleciona: “A
Constituição de 1988 disciplinou a responsabilidade civil do Estado no § 6.º do
seu art. 37, que tem a seguinte redação: ‘As pessoas jurídicas de Direito Público
e as de Direito Privado prestadores de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o
direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’.”
Entenda-se como agente público “desde as mais altas autoridades até os mais
modestos trabalhadores que atuam pelo aparelho estatal.” E mais adiante:
“Sempre que a condição de agente do Estado tiver contribuído de algum modo
para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a
oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação
ressarcitória.”
Na hipótese de haver concorrência de causas, a responsabilidade do Poder
Público “deverá ser atenuada ou circunscrita ao dano efetivamente causado pela
atividade administrativa”, ainda consoante os ensinamentos de Cavalieri Filho. A
jurisprudência tem admitido a causa concorrente.
Há que atentar-se igualmente que “aquele que contrata com o Estado não é
terceiro; já mantém vínculo jurídico com a Administração, pelo quê, ocorrendo o
inadimplemento estatal, a responsabilidade deverá ser apurada com base nas
regras que regem o contrato administrativo”.
Portanto, “o § 6.º do art. 37 da Constituição só se aplica à responsabilidade
extracontratual do Estado”. Essa responsabilidade, ao teor do referido artigo,
compreende tanto a conduta comissiva (ação), quanto a omissiva (omissão) do
Estado.
O insigne professor e magistrado Sergio Cavalieri Filho ensina que “a partir da
Constituição de 1988, como já registrado, nenhuma dúvida mais pode pairar
acerca da responsabilidade dos entes jurídicos privados que prestam serviços
públicos. Tal como as pessoas jurídicas de Direito Público, a empresa pública, a
economia mista e os concessionários, permissionários e autorizatórios de
serviços públicos estão sujeitos ao mesmo regime da Administração Pública no
que respeita à responsabilidade civil. [...] É que o serviço público, embora
prestado por entidade privada, preserva a sua natureza estatal; a titularidade
continua sendo da entidade pública – União, Estado ou Município [acrescente-
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se também o Distrito Federal] – que recebeu da Constituição competência para
explorá-los (arts. 21, XI e XII; 25, § 2.º; 30, V)”. Não há que confundir empresas
que exercem atividade econômica e empresas prestadoras de serviços públicos.
As empresas de economia mista e empresas públicas sujeitam-se ao regime
jurídico das empresas privadas (Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal etc.), pois suas atividades são meramente econômicas. Já as
prestadoras de serviço público (metrô, telefonia, energia elétrica, transportes
aéreos etc.) estão sob o regime do Direito Público. As primeiras respondem por
elas próprias, e não o Estado. (No caso das sociedades de economia mista, o
Estado responde apenas subsidiariamente pelas suas obrigações, ao teor do art.
242 da Lei das Sociedades por Ações). As concessionárias, permissionárias ou
autorizatórias de serviço público respondem diretamente por prejuízos causados
ao poder concedente, aos usuários e a terceiros, por força do art. 25 da Lei n.º
8.987/1995.
Uma questão candente e que interessa particularmente são os danos
decorrentes de obras públicas. Aqui também fazemos apelo aos ensinamentos
do eminente magistrado e professor Sergio Cavalieri Filho. Segundo ele, “Se a
obra é do Estado e sempre deriva de um ato administrativo de quem ordena a
sua execução, não faz sentido deixar de responsabilizá-lo simplesmente porque
a mesma está sendo executada por um particular, mormente quando este,
comprovadamente, agiu culposamente.” E prossegue: “À administração pública,
e só a ela, competia executar as obras através dos seus órgãos competentes.
Se preferiu cometer a uma empresa privada a realização dessas obras, não há
de ser por isso que a sua responsabilidade deva ser desviada. Tenha-se em vista
que o executor da obra é um agente do Estado, e, como tal, a Administração
responde pelo dano que ele vier a causar, admitindo-se a responsabilidade
solidária do executor da obra no caso de ter agido com culpa, o que, sem dúvida,
torna a posição da vítima mais garantida.” Esse o entendimento reiterado do
STF. No RE 85.079 – “Responsabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público
por dano decorrente de culpa do empreiteiro na realização de obra pública” –, o
Ministro Moreira Alves assim se expressa: “A alusão do art. 107 da Constituição
Federal a danos que os funcionários das pessoas jurídicas de Direito Público,
nessa qualidade, causarem não implica não possam elas ser responsabilizadas
solidariamente com o empreiteiro quando o prejuízo decorra de culpa deste na
realização de obra pública. [...] A culpa do empreiteiro, em face do prejudicado,
só interessa no plano civil, uma vez que a vítima do dano só poderá acionar,
também, o empreiteiro se houver agido com culpa: responsabilidade resultante
do art. 159 do Código Civil.
Não, porém, no plano do Direito Público, em que a responsabilidade do Estado
continua a resultar do art. 107 da Constituição Federal, e não do art.159 do
Código Civil. O prejudicado pode acionar um ou outro, ou ambos conjuntamente,
à semelhança do que decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 84.328
(Pleno, sessão de 13 de abril de 1977), quando encampou a tese da
responsabilidade solidária do dono da obra (mesmo sem culpa deste) e do
construtor.”
Aplica-se igualmente às obras públicas, o que a professora Lúcia Valle
Figueiredo assinalou, muito a propósito, acerca das obras particulares: o dever
de fiscalização do agente público investido nessa função, e como tal

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representando a administração pública, que terá, em caso de desídia ou
corrupção passiva daquele, o direito de regresso, sem prejuízo de instaurar
inquérito anterior à propositura da ação (facultativo, mas tal inquérito
corresponde melhor ao senso de justiça), – instaurado pela pessoa jurídica
interessada ou pelo Ministério Público, quando o agente público apresentará sua
defesa preliminar. Se constatada alguma irregularidade ao cabo do inquérito
instaurado pela própria pessoa jurídica, esta endereçará representação ao
Ministério Público, para que denuncie o agente autor do delito, com fundamento
na Lei n.º 8.429/1992 (Lei da Improbidade). Se condenado, deverá o réu
ressarcir o erário, perderá o emprego a bem do serviço público, e terá seus
direitos políticos suspensos. Assim, escreve a ilustre professora: “Na obra
pública, a responsabilidade com relação a terceiros eventualmente prejudicados
é da administração pública, ainda que na avença se encontre cláusula eximindo-
a de tal responsabilidade, transpassando-a ao construtor.
Inútil, ilegal e ociosa tal cláusula, vez que, com esta, afronta-se o dispositivo do
art. 37, § 6.º do Texto Constitucional.” E mais adiante: “Na hipótese de obras
públicas é inarredável que o agente público, omitindo-se de fiscalizar, também
seja responsável (concorrência de culpas).”
Relativamente à responsabilidade penal, quanto ao desabamento ou
desmoronamento, Lúcia Valle Figueiredo afirma: “Quando se tratar de obra
pública, incontestavelmente, deverá responder criminalmente não apenas o
construtor, mas, também, o agente administrativo que, ao se omitir de fiscalizar,
é também responsável.”

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