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ARBITRAGEM: A JUSTIÇA PRIVADA

Jéssica Bérgamo Miranda*

1 INTRODUÇÃO

Dificilmente muitas pessoas param pra pensar sobre isso, mas se prestar apenas um
pouco de atenção, percebera que milhares de ações judiciais são abertas em um ano, e todos
os elas, estão fadadas a levarem no mínimo duas ou três vezes esse tempo para se encerrarem.
Processos demais, juízes de menos; a grande avalanche processual vem assolando o
sistema judiciário brasileiro a longas décadas. Sem conseguir encontrar nenhuma nova saída
pra essa sobrecarga processual, o sistema, e consequentemente a justiça, se tornam cada dia
mais lentos.
Mas porque não recorrer a meios que já existem? Entre os Métodos Alternativos de
Solução de Conflitos (MASCs) pode-se encontrar a Arbitragem, o mais antigo 1 MASC
heterocompositivo. Essa, possui grande semelhança com o os processos julgados pelo próprio
Estado, apesar de não ser possível a aplicação desse método em todos os tipos processuais, é
aceito nos mais comuns.
O processo arbitral assemelhasse tanto ao processo judicial que pode ser denominado
como um processo privado. Além disso, é muito mais flexível, econômica e pode ter seu
tempo de duração determinado pelas partes.
Incentivar o uso desse método alternativo para a solução de conflitos seria uma saída
quase que perfeita para desafogar o sistema judiciário brasileiro.
De vez em quando, tudo que as pessoas precisam para que possam optar pelo
caminho certo, é um empurrãozinho.

2 UMA BREVE ANALISE ACERCA DA ARBITRAGEM MODERNA

A Lei nº 9.307, de 23 de setembro – também conhecida como Lei da Arbitragem –


entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1996. Entretanto o Instituto da
Arbitragem já podia ser observado desde as Ordenações Filipinas impostas por Portugal.
**
Acadêmica do curso de direito da Faculdade Maringá. jessicabergamomiranda@gmail.com
1
“Segundo Jacob Dolinger a arbitragem já estava presente entre os hebreus na antiguidade, descrita no
pentateuco que relata conflitos decididos por árbitros, a exemplo daquele entre Jacó e Labão.” (Apud JUNIOR,
2018).
Desde sua entrada em vigor, alguns alegam que esse instituto, tem se mostrado um
tanto controverso em relação aos princípios constitucionais (liberdade, eficiência, eficácia e
ampla defesa). Mas, a corrente majoritária defende-o, entre os autores pertencentes a essa
corrente, Matos e Moreira, o fazem quando afirmam:
[...] Seria inconstitucional tal lei se a arbitragem fosse de algum modo
obrigatória e consequentemente restringisse o acesso ao judiciário. Seu uso é
restrito aos direitos patrimoniais disponíveis, aqueles economicamente
mensuráveis, e que o exercício discorre exclusivamente da vontade do
titular, os direitos dos quais o titular pode dispor, ou seja, pode abrir mão ou
não como desejar. Logo, se o titular do direito, que é um direito patrimonial
disponível, pode dispor dele, nada impede de ele escolher a arbitragem para
solucionar litígios inerentes a ele.

Estabelecida a constitucionalidade da arbitragem, é importante defini-la para que seu


funcionamento e suas vantagens sejam de mais fácil compreensão.
Cahali (2012, p. 77), em seu livro, sugere a seguinte definição a arbitragem "As
partes capazes, de comum acordo, diante de um litígio, ou por meio de uma cláusula
contratual, estabelecem que um terceiro, ou colegiado, terá poderes para solucionar a
controvérsia, sem a intervenção estatal, sendo que a decisão terá a mesma eficácia que uma
sentença judicial."
Sendo essa uma das melhores definições encontradas, nota-se que as partes capazes
envolvidas em um conflito que envolva direitos patrimoniais disponíveis ou transacionáveis,
tem a competência de, voluntariamente, nomear um terceiro para solucionar a lide, ao invés
de recorrer a prestação jurisdicional do Estado.
Dessa analise surge a perspectiva de que a arbitragem é um “mecanismo privado de
resolução de litígios, ou meio alternativo de solução de controvérsias, ou, ainda, método
extrajudicial de solução de conflitos” (CAHALI apud DALE, 2015), na proporção em que
tenta encontrar a melhor alternativa aos envolvidos por meio de um terceiro que se encontra
fora do sistema jurídico estatal.

2.1 Itens de Maior Relevância no Procedimento Arbitral

Como a arbitragem possui extrema semelhança com o processo judicial, apenas


sendo privada ao invés de pública, não caberá aqui analise acerca de todas as questões e
procedimentos que envolvem esse método. Dessa forma, serão explorados apenas alguns
fragmentos do procedimento arbitral que não se assemelham aos da justiça pública; sendo
esses: produção de provas na arbitragem, tutelas de urgência e cautelares, carta arbitral,
sentença, invalidade da sentença.
Por ser um procedimento flexível, não existe uma ordem para a produção das provas
no processo arbitral, essa ocorre de acordo com a necessidade, cabendo ao arbitro analisar sua
conveniência2, levando sempre em consideração os princípios do devido processo legal,
contraditório, ampla defesa e igualdade das partes3.
Entretanto, sobre prova a ser produzida deve-se compreender algumas
circunstancias, geralmente, a parte que solicitar a prova arcara com seus custos, mas isso –
assim como quase todas as regras desse procedimento 4 – pode ser alterado pelas partes se
essas estiverem de comum acordo. Ademais, serão admitidas todas as provas que estejam
conforme o ordenamento jurídico atual.
As espécies de meios probatórios utilizados com maior frequência são: depoimento
das partes5, provas documentais, provas testemunhais – oitiva de testemunhas ou depoimento
escrito6 – e provas periciais7.
Quanto a prova escrita (documental), normalmente sua produção é fundamental para
que o árbitro possa resolver o conflito, por isso, também há grande flexibilização na
apresentação desta modalidade de prova ao longo do procedimento arbitral.
No que diz respeito às tutelas de urgência e cautelares, a Lei de Arbitragem nº
9.307/96 foi reformada em 2015, com o base na nova Lei nº 13.129/15. Alterações
importantes foram realizadas, uma delas foi a criação do capítulo específico para tratar sobre
as Tutelas Cautelares e de Urgência8. Após a instauração do procedimento arbitral, caberá as
partes requererem essas tutelas ao arbitro, se já existirem medidas de urgência ou cautelares
concedidas pelo Poder Judiciário – também caberá ao arbitro – mantê-las, modifica-las ou
revoga-las.

2
Encontra-se fundamentos quanto a essa conveniência no art. 22, da Lei de Arbitragem.
3
“A inobservância dos princípios destacados fere a busca da verdade material, maculando a decisão proferida no
Juízo Arbitral.” (SANTOS, 2013, on-line).
4
Sobre a possibilidade de as partes criarem as regras procedimentais da arbitragem, encontra-se explicações e
fundamentos legais nos seguintes artigos da Lei, 9.307: art. 2º, §1º, art. 11, IV, art. 19, § único, e art. 21, caput e
§§ 1º e 2º.
5
“O procedimento de oitiva das partes, via de regra costuma ser desprovido das formalidades conhecidas no
processo judicial, podendo, o advogado direcionar perguntas diretamente para as partes, sem antes consultarem
ao árbitro, o que não significa dizer, que posteriormente o árbitro não poderá interferir, coibindo desta forma
eventuais excessos.” (SANTOS, 2013, on-line).
6
Na arbitragem internacional, o depoimento escrito também pode ser denominado como witness statements.
7
“Se se demonstrar que a prova pericial é justificada, pode nomear peritos mesmo sem o acordo das partes.
Deve, no entanto, justificar a sua necessidade. De resto, as partes têm o direito de impugnar a nomeação de
peritos com fundamentos análogos aos da impugnação do árbitro.” (BARROCAS, on-line)
8
Capitulo esse que se resume aos artigos 22-A e 22-B.
Igualmente instituído pela Lei nº 13.129/15, a carta arbitral – com previsão no art.
22-C – é o meio em que o árbitro (ou o tribunal arbitral) possui para pedir auxílio do
judiciário para se pratique ou determine, geralmente por meio de coação, o cumprimento da
decisão ou pedido proferidos no processo arbitral se uma das parte recusar-se a faze-los por
vontade própria.
O documento final e decisório na arbitragem é denominado sentença arbitral;
segundo Pereira (2015, on-line) essa denominação é dada por dois motivos: “(i) a natureza
jurídica da arbitragem, eis que, inexiste justificativa para a adoção de divergência entre a
decisão proferida pelo juiz togado e do juiz arbitral [...]; (ii) a intenção do legislador em
concretizar e dar maior força ao resultado da arbitragem.”
As sentenças arbitrais independem de homologação judicial, essas decisões geram,
por si só, os mesmos efeitos das sentenças proferidas por juízes togados, valendo, inclusive,
como títulos executivos.
No procedimento arbitral existem sentenças terminativas – que põe fim ao processo
sem julgamento do mérito – e sentenças definitivas – as julgadoras do mérito, que aplicam o
direito material ao caso em tela –. As sentenças arbitrais podem ser ainda: declaratórias,
constitutivas e condenatórias.
Pereira (2015, on-line) leciona que “[...]se, durante o decurso da arbitragem, as partes
chegarem a um acordo quanto à lide, poderão formalizar tal acordo por um contrato simples,
pondo fim ao procedimento arbitral, ou poderão requerer sua formalização pelo árbitro,
através de uma sentença arbitral.”
O art. 33, da Lei nº 9.307, prevê a possibilidade de anulação da sentença arbitral;
essa será nula nos casos do art. 329, dessa mesma lei.
Como nos lembra Fernandes (2013, on-line) “O poder jurisdicional do árbitro
decorre de uma conjunção entre a possibilidade legal de se submeter uma determinada matéria
ao juízo arbitral somada à autonomia da vontade das partes em permitir que os árbitros
solucionem um conflito específico.”

9
Art. 32 É nula a sentença arbitral se:
I - for nula a convenção de arbitragem;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
Por essa razão, a sentença arbitral que ultrapassar os limites dos poderes oferecidos
ao árbitro será invalida. Podendo a invalidade ser absoluta ou parcial.

2.1 Principais Vantagens da Arbitragem

Já que pode ser considerada uma versão privada e mais flexível do processo judicial,
a arbitragem seria o melhor método para desafogar o sistema judiciários brasileiro, ademais
pesquisas mostram que os procedimentos arbitrais possuem diversas outras vantagens.
Entre os autores pesquisados, encontra-se Dale (2015, on-line) que lista as principais
vantagens da utilização desse método, sendo essas: especialização, rapidez, irrecorribilidade,
cumprimento espontâneo, informalidade, confidencialidade e custo benefício.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ser um método alternativo de solução de conflitos, a arbitragem não é


utilizada na medida em que poderia; o ser humano esta adaptado a uma cultura litigiosa que
impede a maioria de perceber as vantagens de usar meios alternativos para resolverem seus
problemas ao invés de recorrer ao Estado a qualquer mero conflito de interesses.
Muito se discutiu tanto antes quanto após a promulgação da lei 9.307 sobre a
constitucionalidade da arbitragem, sobre a equidade das partes perante a lide composta no
âmbito desse procedimento, sobre o caráter publicista ou privatista do referido instituto e se a
arbitragem exerceria, ou não, o poder de jurisdição. Hoje, apesar de sua utilização inferior,
existe pacificação sobre esses temas e a possibilidade de uso desse método.
Seguindo a corrente doutrinária e jurisprudencial, afirma-se que a arbitragem exerce
sim jurisdição. A jurisdição é o Estado que confere e quem confere poder ao Estado é o Povo,
consequentemente se o Povo quer exercer suas liberdades sem a interferência do Estado ele
pode, pois todo o poder emana dele.
Espera-se que os principais questionamentos a cerca desse método tenham sido
esclarecidos e que, agora, sua importância seja notada, para que em algum momento, o
procedimento arbitral passe a ser um meio para a solução de conflitos mais comumente
utilizado, talvez vindo a superar o próprio uso do poder estatal.
REFERÊNCIAS

BARROCAS, Manuel Pereira. A Prova no Processo Arbitral. Disponível em:


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nov. 2020.

BRASIL. Lei n° 13.129, de 26 de maio de 2015. Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de


1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da
arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral
[...]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13129.htm. Acesso em: 22 nov. 2020.

BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm. Acesso em: 22 nov. 2020.

CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. 2ª Edição. São Paulo: Revista dos
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https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/2108/Carta-arbitral. Acesso em: 22 de nov.
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CIMATTI, Isabela. Tutelas de Urgência no Procedimento Arbitral. Disponível em:


https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10284/Tutelas-de-urgencia-no-procedimento-
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DALE, Izadora Faria Freitas Azeredo. Arbitragem: Conceito, Noções Gerais e Vantagens.
Disponível em: https://izadoradale.jusbrasil.com.br/artigos/328586001/arbitragem-conceito-
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FERNADES, Marcos Vinicius Tenorio da Costa. Anulação da Sentença Arbitral.


Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/anulacao-da-sentenca-
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MATOS, Robson da Silva; MOREIRA, Ivonete. Instituto da Arbitragem e o Acesso à


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