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Paidéia, 2002, 12(23), 31-55

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REPENSANDO A INTELIGÊNCIA

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Antonio Roazzi
Bruno Campello de Souza
Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO: O conceito de inteligência é um conceito amplo, com variações enormes entre leigos ou
peritos .relativas ao significado efetivo da palavra. Não surpreendentemente, também há variações enormes
entre autores sobre quais seriam os componentes básicos e as dinâmicas de inteligência, com algumas destas
diferenças originando-se de alterações em conceito e outras surgindo de diferenças no tipo de método de
investigação adotado. Este artigo revisa a discussão sobre este controverso tópico, apontando os pontos fracos
das abordagens tradicionais e atuais sobre este assunto, particularmente em relação ao objetivo das habilida-
des consideradas, e a tendência para desconsiderar os componentes social, cultural e ambiental do pensamen-
to humano. Enfim, tendo como base uma nova teoria do processamento da informação de tipo contextualista,
é apresentada uma nova abordagem para o estudo da inteligência.

Palavras-chave: inteligência e avaliação, inteligência e genética, teoria do processamento da informa-


ção, contexto sócio-cultural.

RETHINKING THE INTELLIGENCE

ABSTRACT: The concept of intelligence is an elusive one, with enormous variations between both
laypeople and experts regarding the actual meaning of the word. Not surprisingly, there are also enormous
variations between authors as to what are the basic components and the dynamics of intelligence, with some
of these differences stemming from differences in concept but others arising from differences in the method of
investigation used. The present article reviews the discussion regarding this very controversial topic, pointing
out the shortcomings of traditional and even current approaches to the subject, particularly regarding the
scope of the abilities considered, and the tendency to disregard the social-cultural-environmental components
of human thinking. In the end, a new approach to the topic of intelligence is presented based on a new
contextualist information-processing theory proposed by the authors.

Key-words: Intelligence and evaluation, intelligence and genetic, information-processing theory, soci-
al-cultural context.

O Problema da Inteligência merar as várias características dessa importante qua-


lidade humana. São opiniões fortes, que parecem
A maioria das pessoas demonstra ter uma com- pressupor a existência de um significado universal e
preensão bastante clara e precisa do. que é "inteli- unidimensional para o termo, ou seja, que se trata de
gência". De fato, basta perguntar a praticamente qual- algo tão simples que qualquer um pode compreen-
quer um algo sobre o assunto, que ele, ou ela, rapi- der. Os cientistas, por outro lado, embora também
damente, e sem a menor hesitação, começará a enu- sejam pessoas (algo dos quais nem sempre.se lem-
bram), já não se mostram tão seguros assim.
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Artigo recebido para publicação era março de 2002; aceito em junho A inteligência tem sido um dos temas centrais
de 2002 da Psicologia desde o surgimento desta ciência há
3
Endereço para correspondência: Antonio Roazzi, Rua Francisco da
Cunha, 654/801, Edifício Villa das Pedras, Boa Viagem, Recife, pouco mais de um Século, e também um dos mais
Pernambuco, Cep 51020-041, E-mail roazzi@npd.ufpe.br polêmicos. Apesar de praticamente todos os teóri-
cos sobre o assunto concordarem com o fato dela ser
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um dos aspectos mais importantes do ser humano, A Abordagem Psicométrica
com influência crucial sobre o saber, a competência,
a tomada de decisões, a resolução de problemas e a Postura Básica
aprendizagem, dentre outras coisas, ainda persistem Uma das primeiras abordagens aplicadas ao
debates calorosos e um clima geral de insatisfação estudo científico da inteligência foi a Psicometria,
no que concerne a uma compreensão científica do uma perspectiva que enfatiza o desempenho intelec-
assunto. Dentre as inúmeras indagações que ainda tual e ps fatores gerais ou específicos que o com-
pairam sem resposta funcional e/ou sem aceitação põem. Ela presume que a inteligência é uma habili-
geral estão questões realmente básicas, tais como: dade mental inata, fixa, abstrata e geral, cujo grau de
- Qual deve ser a definição formal de inteligência intensidade (seja global ou de aspectos isolados) pode
e como se pode medi-la e aos seus diversos atri- ser medido através do desempenho em testes, estes
butos? últimos sendo compostos de uma série ordenada de
- Existe uma única inteligência geral, várias inteli- tarefas ou problemas a serem resolvidos por um in-
gências específicas ou uma combinação de divíduo. Trata-se do paradigma básico dessa abor-
ambas? dagem (Cattell, 1972; Galton, 1869; Spearman, 1904,
- Em linhas gerais, como se manifesta a inteligên- 1923, 1930). Por exemplo, Francis Galton (1869),
cia e quais os fatores que influem no seu funcio- pioneiro no estudo da avaliação da inteligência, acre-
namento? ditava firmemente que a inteligência era uma capa-
- Através de que processo ou processos se desen- cidade fixa e hereditária subjacente a todas as ativi-
volve a inteligência humana e quais os fatores dades cognitivas.
que podem influir nessa dinâmica? A partir da constatação da existência de cor-
Com os esforços teóricos e experimentais de- relações bastante elevadas entre as diversas aptidões
dicados ao tópico da inteligência que foram empre- específicas avaliadas nos sub-itens dos testes, tais
endidos por, literalmente, milhares de pensadores ao como memória, cálculo matemático e percepção vi-
longo de várias décadas, surgiram diversos achados, sual, foram realizados estudos de análise fatorial em
hipóteses, modelos, teorias e, até mesmo, leis que várias amostras para se investigar a possível exis-
trouxeram importantes contribuições para o assun- tência de elementos comuns. Os resultados obtidos
to. Ocorre, porém, que, ao contrário do que poderia sugerem que, estatisticamente falando, tudo se pas-
supor, tais contribuições serviram mais para que fosse sa como se todas as habilidades específicas estives-
adquirida uma visão melhor da abrangência, com- sem direta ou indiretamente associadas a um "fator
plexidade e natureza multifacetada do assunto, do geral" ou "fator g". Como diz Spearman (1927):
que para dirimir dúvidas ou para se chegar a um con- "Exatamente como ocorre na física, toda a ativida-
senso. de mental consiste de manifestações em contínua
O objetivo do presente artigo é o de explorar variação de uma única coisa à qual pode ser dado o
os diversos achados e teorizações da literatura, no nome de energia", (p.133)
sentido de organizar esses resultados, ressaltar os Uma dose desta energia estaria presente em
componentes em comum e identificar novas tendên- todas as pessoas e em diferentes graus, sendo conce-
cias de interesse que possam servir de base para o bida como algo independente do meio ambiente, do
esboço inicial de um conceito simultaneamente prá- conteúdo, da experiência, da educação e dos valores
tico e abrangente de inteligência e também, de uma culturais.
forma operacional de medi-la. Com isso, espera-se Até a metade da década de 60, a existência
contribuir para a criação de bases conceituais que dos testes de inteligência e o uso deles em diversas
sirvam de suporte para a resposta às várias pergun- instâncias não eram questionados. Pelo contrário, os
tas pendentes citadas acima. testes eram vistos como uma das maiores descober-
tas da Psicologia, um sinal emblemático do seu su-
cesso enquanto ciência. Os psicólogos seriam os de-
tentores de instrumentos, quase sobrenaturais, que
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permitiam acesso aos "segredos da mente humana", um total de quatro, não combina com as demais. Um
colocando esses estudiosos numa posição extrema- exemplo típico disso é a série: "árvore", "molusco",
mente privilegiada. De fato, considerava-se que tais "rosa" e "forno". Neste caso, a resposta usualmente
instrumentos forneciam ao psicólogo o dom de ad- dada é "forno", por ser o único objeto inanimado.
quirir tanto conhecimento acerca do intelecto huma- Foi constatado, porém, que, dependendo do tipo de
no, que seria justificável delegar-lhe o poder de am- critério adotado pelo sujeito em sua classificação,
pliar ou limitar as oportunidades educacionais, soci- outras respostas igualmente'facionais podem ser apre-
ais e de trabalho dos seus sujeitos. Era uma situação sentadas. Um sujeito pode adotar o critério "objetos
muito cômoda, dado que os testes eram de fácil uso que se encontram na terra" e "objetos que se encon-
e extremamente versáteis. Isso explica o seu amplo tram na água", de modo que a resposta lógica seria,
uso nas escolas, nas forças armadas, nos órgãos go- então, "molusco". Tal resposta, no entanto, seria con-
vernamentais e até no comércio e na indústria. siderada errada, uma vez que difere daquela que é
mais freqüentemente observada. Como foi enfatizado
Problemas Com a Postura Psicométrica por Strommen, McKinney e Fitzgerald (1977), a res-
posta convencional é padronizada como correta, de
Limitações Teóricas Básicas modo que, os indivíduos que não compartilham o
A Psicometria enfatiza mais a "anatomia" e a conhecimento convencional da maioria - seja por
"cinemática" da inteligência, ou seja, sua estrutura e originalidade ou por apresentarem conhecimento
movimento, do que, propriamente, seus mecanismos convencional diferente - são, por definição, prejudi-
e a sua dinâmica. Assim, a caracterização do intelec- cados. Segundo estes autores, é precisamente neste
to humano que ela produz fundamenta-se mais no ponto que se manifesta a tendenciosidade de classes
fazer do que no ser. A atenção do experimentador sociais embutida nos testes.
está voltada para verificar somente os acertos e os A concepção psicométrica de que a inteligên-
erros numa série de problemas, desconsiderando por cia humana é um fenômeno universal e genérico é
completo as estratégias adotadas para se chegar às uma idéia que, em maior ou menor proporção, têm
respostas dadas. Para cada tarefa, uma resposta, con- caracterizado a investigação deste tópico na Psico-
vencionalmente estabelecida como correta, é a úni- logia. Durante muitos anos os psicólogos aceitaram
ca aceita, sendo as possíveis alternativas excluídas a uma definição da inteligência segundo a qual "inte-
priori. Com isso, nenhuma ênfase é dada aos pro- ligência é o que os testes de inteligência medem"
cessos mentais, exceto apenas pela descrição do su- (Bohring, 1923). Devido a esta definição imprecisa
cesso ou fracasso de um determinado esforço de re- e arbitrária, surge de imediato um problema
solução de problemas. conceituai: Se o elaborador do teste não tem claro
O resultado disso é uma visão simplista da para si mesmo o objeto que se propõe avaliar, como
inteligência, uma perspectiva incapaz de teorizar pode ser considerado confiável o instrumento ela-
acerca das causas de um desempenho intelectual borado para a avaliação desse construto?
observado e/ou sobre os elementos que influenciam Além da questão conceituai, nos últimos anos
tal desempenho. As análises utilizadas para se che- também tem sido observada uma tendência crescen-
gar a esse tipo de definição de inteligência foram de te no sentido de se apontar as problemáticas ques-
cunho bastante pragmático, não contribuindo para o tões acerca da validade dos métodos de mensuração
desenvolvimento teórico do assunto. Além do mais, das habilidades cognitivas. Nesse aspecto, diversas
não foi produzida uma teoria evolutiva sofisticada, limitações têm sido apontadas quanto à inadequação
muito provavelmente devido ao interesse específico das formas tradicionais de avaliação intelectual,
em uma inteligência geral, inata e a uma ênfase de- como, por exemplo, quando são examinadas popu-
masiada em mensurações de habilidades simples. lações com experiências culturais ou escolares dife-
Sigel (1963) analisou as respostas que podem rentes daquelas encontradas nas sociedades e cultu-
ser fornecidas numa tarefa de classificação, onde uma ras ocidentais nas quais (e para as quais) as avalia-
criança era solicitada a identificar qual palavra, de ções foram elaboradas. Este problema torna se ain-
r
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da mais grave quando as avaliações são realizadas rios autores (Dove, 1968; Hudson, 1970; Olson,
sem levar em conta as experiências e práticas dos 1986; Roazzi, 1990; Roazzi, Almeida & Spinillo,
sujeitos envolvidos, e tampouco, a própria situação 1991; Roazzi & Souza, 1999). A maioria das críticas
de teste e o que esta significa para o sujeito. recai sobre os fundamentos da abordagem
Como se pode perceber, as formas de avalia- psicométrica como um todo, com alguns aspectos
ção que constituem a base da Psicometria vieram a aparecendo como fundamentais para uma reflexão:
sofrer críticas bastante severas, sendo identificados as bases culturais e sócio-econômicas dos fenôme-
diversos tipos de limitações, variando desde proble- nos mentais, a relevância das habilidades tradicio-
mas conceituais, até dúvidas quanto à validade de nalmente avaliadas e os conteúdos e natureza dos
tais medidas para avaliação das capacidades intelec- itens de teste usados nas medições. A análise desses
tuais. Trata-se de um conjunto de críticas surgido aspectos pode, até certo ponto, explicar a defasagem
fundamentalmente dos resultados obtidos em estu- observada no desempenho de crianças com diferen-
dos transculturais, onde o desempenho de sujeitos tes experiências socioculturais e escolares quando
oriundos de sociedades ocidentais era comparado submetidas a tais avaliações.
aquele apresentado por sujeitos originários de ou- Ocorre que, os instrumentos utilizados nas
tras sociedades. avaliações psicométricas são claramente tendencio-
sos em termos sócio-culturais, visto que, geralmen-
Críticas às Bases Culturais te, são construídos e aplicados com base em habili-
Estudos comparativos sobre habilidades inte- dades, conceitos, valores e características adotadas
lectuais tem demonstrado que crianças ocidentais e prestigiadas pela classe média branca das socieda-
apresentam um desempenho significativamente su- des ocidentais industrializadas. Em decorrência des-
perior ao daquelas provenientes de outras socieda- se fato, quando exames dessa natureza são aplicados
des, um fato que fez surgir duas perspectivas dife- a uma população que não se enquadra nos moldes
rentes entre os estudiosos: o universalismo, adotado que orientaram a sua elaboração, produzem resulta-
pelos psicólogos que enfatizam as bases universais dos que desfavorecem o desempenho desses indiví-
da inteligência e do desenvolvimento intelectual, e o duos.
relativismo cultural, abraçado por aqueles que sali- Diversos estudos analisaram os resultados de
entam a importância do papel desempenhado pelos avaliações psicométricas aplicadas a diferentes gru-
fatores culturais e ambientais na construção e de- pos étnicos, culturais e sócio-econômicos,
senvolvimento das estruturas intelectuais. enfatizando em suas conclusões a inadequação e os
É interessante observar que, segundo Buck- limites de tais instrumentos (Dove, 1968; Feuerstein,
Morss (1975), os psicólogos universalistas tendem a 1968; Hertzig, Birch, Thomas & Mendez, 1968;
retratar a sua própria postura como apresentando um Hudson, 1970; Mercer, 1971; Scribner, 1986). Estas
certo diferencial moral ou político, argumentando que investigações evidenciam que tais testes
uma teoria geral acerca dos fenômenos intelectuais supervalorizam determinados traços e não medem
opõe-se fortemente às ideologias do racismo bioló- efetivamente as competências de crianças oriundas
gico. Trata-se, porém, de uma vantagem duvidosa, de classes sociais de baixo NSE, ou de minorias ét-
visto que, a defasagem observada no desempenho nicas, por não considerarem as experiências, lingua-
de indivíduos oriundos de sociedades não-ociden- gem, características e valores dos indivíduos perten-
tais pode, muito bem, implicar numa posição centes a estes grupos.
etnocêntrica acerca da "superioridade" das culturas Os resultados contrastantes observados nas
ocidentais, o que eqüivale a um " racismo cultural". comparações entre diferentes grupos de indivíduos
A posição de que existe um atributo humano tornaram-se a principal evidência de que os estudos
chamado "inteligência", e que o mesmo é um fenô- e avaliações sobre a inteligência necessitavam incluir
meno universal, unidimensional e passível de ser em suas abordagens algo que estaria faltando: um
avaliado independentemente das variáveis enfoque sócio-cultural. Em outras palavras, os acha-
socioculturais, tem sido fortemente criticada por vá- dos parecem indicar muito claramente que, de um
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modo geral, as avaliações da inteligência são instru- A grande maioria dos testes de inteligência
mentos caracterizados por bases sociais, culturais e mais comuns não foi padronizada para as classes
ideológicas da sociedade onde foram criados. sociais economicamente desfavorecidas, ou sequer
para outros grupos que não sejam a classe média
As Habilidades Avaliadas e os Procedimentos Uti- ocidental, caucasiana, escolarizada e industrializa-
lizados da. Geralmente, o conteúdo desses testes não envol-
Um outro aspecto da Psicometria que também ve a solução de problemas relacionados a situações
é objeto de críticas refere-se às habilidades avalia- típicas ou socialmente significativas para o universo
das nos testes de Inteligência. Afinal, as funções das experiências dos sujeitos de culturas específicas
cognitivas aferidas nesses testes foram arbitrariamen- ou minorias étnicas. Os conteúdos dos itens basei-
te determinadas como essenciais e gerais com base am-se em vocabulário, experiências e valores da clas-
num tipo bastante específico de sociedade, partindo se média ocidental, com vistas a classificar os indi-
do pressuposto absurdo de que tais habilidades esta- víduos de acordo com habilidades mais abstratas do
riam presentes em todas as culturas e sociedades na que práticas (relacionadas à vida diária). Assim, su-
mesma proporção e com a mesma significação. Ocor- jeitos pertencentes a culturas em que as atividades
re, porém, que os chamados "processos mentais su- práticas são mais valorizadas que as abstratas e em
periores" de uma cultura, ou seja, as habilidades in- cuja sociedade os valores e experiências se distanci-
telectuais consideradas como relevantes ou necessá- am daqueles característicos da classe média branca
rias para o sucesso numa dada sociedade, podem ser ocidental, provavelmente apresentarão um QI bas-
consideradas irrelevantes ou até mesmo negativas, tante limitado, independentemente de quanto suces-
em outra. Além do mais, se existem "universais" da so tenham em seu próprio ambiente.
inteligência e do desenvolvimento intelectual (sen- Mas não é apenas a relevância das habilida-
do até bem provável que existam), com certeza, não des selecionadas que é questionada. Também é pas-
são estes que são avaliados pelos atuais testes sível de crítica a forma como elas são avaliadas, ou
psicométricos da inteligência. seja, os procedimentos de exame.
Olson (1986) afirma que os testes Crianças com um background típico de classe
psicométricos, na realidade, medem formas especí- média, muito provavelmente estarão mais familiari-
ficas de competências lingüísticas e lógicas extre- zadas com certos procedimentos acadêmicos bási-
mamente valorizadas pelas classes média e alta das cos (por exemplo, escutar e prestar atenção, resolver
sociedades ocidentais, produzindo uma avaliação um item de cada vez, sentar-se quieto e obedecer à
restrita e ideologicamente limitada. Um exemplo dis- figura de autoridade) do que as crianças com outro
so ocorre no teste de inteligência Wechsler, onde as tipo de experiência. Acontece que, geralmente, a si-
habilidades mentais são avaliadas verbalmente, atra- tuação de teste de um exame psicométrico típico, em
vés de questões do tipo: "Quantas asas tem um pás- muito se assemelha às situações vividas dentro do
saro?" (conhecimento geral), "O que você faria se contexto escolar, onde um adulto está constantemente
visse um menino esquecer seu livro ao deixar seu avaliando as respostas das crianças. Assim sendo, as
lugar em um restaurante?" (informação prática e crianças de NSE baixo não-escolarizâdas, provavel-
capacidade para fazer julgamentos sociais) e "De que mente terão maior dificuldade em lidar Corri tais si-
modo uma hora e uma semana se parecem?" (capa- tuações do que as crianças escolarizadas dás classes
cidades lógico-abstratas). Já as habilidades não-ver- mais favorecidas. Afinal, tarefas como completar
bais são avaliadas por tarefas tipo: montagem de sentenças e figuras, ou, então, detectar diferenças e
objetos (capacidade de construir uma forma concre- semelhanças entre elas, estão bem mais próximas do
ta a partir de seus componentes), arranjo e contexto escolar do que da vida diária de indivíduos
complementação de figuras (memória visual) e du- de baixa renda. Além do mais, com freqüência tais
plicações de padrões gráficos através de pequenos tarefas estão fortemente baseadas em conteúdos es-
cubos (capacidade de analisar o todo em suas partes colares, em oposição a um conhecimento mais prag-
componentes). ' mático dos elementos do quotidiano. Espera-se, por-
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tanto que, os indivíduos inseridos num ambiente onde com gêmeos e famílias. De fato, se uma dada habili-
o uso e a aplicação de testes faz parte do universo dade possui um elevado grau de hereditariedade, isto
cultural que os rodeia, provavelmente tenham maior é, se a variabilidade em uma população está associa-
experiência com estes tipos de itens do que aqueles da a uma grande variabilidade genética, é de se es-
que não estão expostos regularmente a isso. perar uma relativa semelhança entre as habilidades
Assim, a familiaridade com a situação de tes- de diferentes indivíduos, caso eles compartilhem
te pode vir a influenciar o desempenho dos sujeitos, genes relevantes. Conseqüentemente, indivíduos ge-
ajudando ou limitando a expressão de competências neticamente idênticos, como são os gêmeos
que estariam relacionadas à resolução do teste. univitelinos, deveriam ser muitíssimo similares; já
Outra questão importante é a de que, muitas pais e filhos, irmãos e irmãs, que compartilham apro-
vezes, as crianças não se sentem motivadas para res- ximadamente metade dos seus genes, deveriam ser
ponder aos itens de uma determinada tarefa. Isso é bastante similares; enfim, o nível de similaridade
de extrema relevância ao se considerar a relação que deveria atenuar-se em função da diminuição do ní-
existe entre inteligência e motivação, ilustrada pelo vel de parentesco. Estudos básicos nesta perspectiva
fato de que os processos intelectuais se tornam mais tem, na realidade, encontrado uma associação posi-
aguçados quando se torna necessário resolver pro- tiva entre similaridades genéticas e níveis de QI.
blemas que se interpõem entre o indivíduo e o obje- Acontece, porém, que o inevitável problema
tivo que ele ou ela se propõe a alcançar (Roazzi & com estudos envolvendo os membros de uma mes-
Dias, 1994). ma família é que tais indivíduos geralmente vivem
juntos, compartilhando o que é, em grande parte, o
Inteligência e Hereditariedade mesmo tipo de influência ambiental. Para eliminar
Nos últimos anos, um número considerável de esse obstáculo, os pesquisadores têm adotado a es-
resultados tem sugerido que a inteligência não é ape- tratégia de investigar pessoas que são geneticamen-
nas uma capacidade abstrata, geral, inata ou estável, te relacionadas, mas que foram criadas separadamen-
e sim uma característica humana resultante, não ape- te, e pessoas sem nenhuma ligação de parentesco,
nas de fatores genéticos, mas também de experiênci- mas que foram criadas juntas. Apesar dos resultados
as individuais e seus condicionantes (Berry, 1984; destas investigações terem apontado que gêmeos
Duyme, 1988,1990; Flynn, 1980; Horn, 1983; Scarr idênticos criados separadamente ainda apresentam
& Weinberg, 1983; Schiff &Lewontin, 1986; Schiff, um QI bastante similar (isto é, que o QI é, em grande
Duyme, Dumaret & Tomkiewicz, 1982; Skeels, 1966; parte, hereditário), esses estudos apresentam uma
Sternberg, 1984). série de limitações. Primeiramente, o número de gê-
Antes de entrar no mérito das implicações dos meos comparados é, em geral, extremamente redu-
estudos acima, porém, é interessante analisar resul- zido, muito provavelmente não sendo representati-
tados da literatura a respeito da relação entre here- vos da população como um todo. Além do mais, o
ditariedade e inteligência. A questão que os inves- nível de diferenciação do ambiente, assim como a
tigadores se põem é: A inteligência é herdada dos distância geográfica entre eles, não está muito clara.
pais - como a cor da pela e dos cabelos - ou é o fruto Um número significativo de gêmeos criados separa-
de estímulos que o meio ambiente oferece às pesso- dos tinham sido adotados por uma tia, às vezes mo-
as? Qual o papel desempenhado pelos fatores here- rando muitos próximos de seus irmãos gêmeos, su-
ditários e pelos fatores ambientais no desenvolvimen- gerindo, desta forma, um elevado nível de similari-
to intelectual? Qual o peso específico destes fatores dade do ambiente. De fato, nos casos em que o am-
na inteligência como um todo? biente diferia de forma clara, os escores de QI tendi-
Evidências que apontam na direção da impor- am também a se diferenciar (Bouchard, 1990). Real-
tância do ambiente ao qual o indivíduo encontra-se mente é uma pena que esses estudos de gêmeos cria-
adaptado no desenvolvimento da inteligência se ori- dos separadamente não tenham controlado devida-
ginam, sobretudo, de estudos que envolvem varia- mente as variáveis ambientais, dificultando qualquer
ções ou similaridades nos genes, tais como estudos inferência confiável a partir dos resultados obtidos.
Repensando a Inteligência 37
Por outro lado, os estudos envolvendo adoção avaliando crianças negras, brancas è de raça mista
fornecem evidências muito úteis acerca do papel de- adotadas por famílias brancas. A hipótese dessa in-
sempenhado pela hereditariedade na inteligência. As vestigação era a de que as crianças teriam os mes-
crianças adotadas não são geneticamente relaciona- mos níveis de desempenho em testes de QI, isto é,
das com a família que as criam, de modo que as dife- que as diferenças raciais normalmente observadas
renças genéticas e ambientais não se confundem, à no QI desses grupos eram conseqüência de fatores
exceção dos casos em que as agências de adoção, culturais e não de diferenças genéticas. Os resulta-
em seus procedimentos de escolha de pais adotivos, dos encontrados confirmaram a hipótese, ou seja,
procurem selecionar indivíduos que se pareçam o tanto as crianças negras adotadas, quanto as de raça
máximo possível com os pais biológicos. Um estudo mista apresentavam escores acima da média em re-
ideal de adoção é aquele que fornece informações lação à população branca, e consideravelmente aci-
sobre o QI dos pais de cada criança - tanto dos ado- ma da média em relação às crianças criadas em co-
tivos, quanto dos biológicos - e em seguida compara munidades negras, apesar de ficarem em torno de 6
os filhos adotivos com os filhos biológicos. Até o pontos de QI abaixo dos filhos biológicos dos pais
momento, estudos com esse nível de cuidado adotivos. Esse resultado é similar ao encontrado por
metodológico ainda não foram realizados. Entretan- Eyferth em um estudo com filhos ilegítimos de sol-
to, duas conclusões preliminares podem ser inferidas dados Americanos brancos e negros que ocuparam a
a partir dos estudos disponíveis atualmente (Hom, Alemanha após a II Guerra Mundial (ver Flynn,
1983; Scarr & Weinberg, 1983; Schiff & Lewontin, 1980). O conjunto destes resultados indica não exis-
1986), a primeira, é que a correlação de QIs entre tir um argumento convincente em prol de uma causa
pais biológicos e seus filhos é maior do que aquelas genética para a baixa média nos escores de QI de
entre pais adotivos e seus filhos adotados, dando crianças americanas da raça negra.
suporte à noção de que os genes desempenhariam Um outro importante estudo que questiona a
um papel mais preponderante do que o do ambiente causalidade genética da inteligência é a investiga-
na similaridade intelectual entre pais e filhos. A se- ção francesa realizada por Michel Schiff e seus co-
gunda conclusão é a de que as crianças criadas em legas (Duyme, 1988,1990; Schiff, Duyme, Dumaret
famílias adotivas, com todas as suas vantagens soci- & Tomkiewicz, 1982; Schiff & Lewontin, 1986). A
ais e econômicas, e com familiares com QIs acima amostra investigada era formada por 32 crianças
da média, demostram um nível mais alto de QI do adotadas, antes do primeiro mês de vida, em famíli-
que seria de se esperar, considerando o nível de QI as de classe média a alta. As mães biológicas e seus
de seus pais biológicos, caso os pais biológicos se- pais presumidos eram todos trabalhadores não
jam oriundos de ambientes com baixo nível sócio- especializados. Os escores de QI das crianças e o
econômico. Estes dados indicam claramente que o seu desempenho escolar foram comparados ao de
ambiente desempenha um papel no desenvolvimen- crianças da população em geral, com os de crianças
to intelectual da criança que não pode ser despreza- da mesma classe social de origem e com os dos seus
do. Dessa forma, se os genes herdados dos pais po- meio-irmãos biológicos. As crianças nesse grupo
dem determinar o potencial que os indivíduos pos- comparativo possuíam as mesmas mães biológicas
suem para a inteligência, é o ambiente no qual ojn- das crianças adotadas, apesar dos pais serem dife-
divíduo está inserido que determina de que maneira rentes, na maioria dos casos, e tinham uma idade si-
o indivíduo irá desenvolver tal potencial. milar. Entretanto, elas não tinham sido adotadas em
Dois pontos importantes podem ser levanta- famílias de classe média a alta; pelo contrário, ti-
dos a partir de estudos de adoção^da inteligência: o nham sido criadas em famílias de trabalhadores não-
primeiro diz respeito às diferenças em QI entre gru- especializados, a maioria com a mãe biológica, ape-
pos que diferem tanto em termos dos genes, quanto sar de algumas ficarem com seus avós ou madrastas.
do ambiente. Nesse sentido, o estudo de Scarr e Os resultados apresentados na Tabela 1 mostram,
Weinberg (1983; Minnesota Adoption Study) inves- claramente, diferenças marcantes entre crianças
tigou a questão racial subjacente aos testes de QI, adotadas e não-adotadas (apesar de compartilharem
38 Antonio Roazzi
a mesma mãe) e os desempenhos refletem claramen- As conclusões desses estudos depõem forte-
te a classe social na qual eram criadas. A diferença mente a favor da influência dos fatores ambientais
decorrente da classe social foi especialmente evidente no desempenho intelectual. Caso seja controlada a
em termos dos históricos escolares, com as crianças classe social, as crianças adotadas apresentam, sem
de classe média a alta tendendo a progredir de forma sombra de dúvida., os mesmos níveis de desempe-
gradual e sem percalços ao longo do processo de nho do que as outras crianças comparadas.
escolarização.
Tabela 1: Desempenho escolar e escores de QI de crianças adotadas em famílias de classe média:
comparação considerando a classe social de origem e a população geral

DESEMPENHO ESCOLAR E TRABALHADORES NÃO CLASSE NORMA


ESPECIALIZADOS MÉDIA ALTA NACIONAL
ESCORES DE QI Meio-irmãos Levanta- Crianças Levanta-
de crianças mento adotadas mento
adotadas Nacional Nacional
HISTÓRICO ESCOLAR
Número de fracassos entre 32 crianças da mesma faixa etária 16.1 16.5 4 4 11.2
que as amostras de irmãos e adotados
Taxa de fracasso: % em classes de recuperação 66 67 17 17 46
Taxa de fracasso grave: % em educação especial permanente 33 34 3 3 18
GROUP QI TEST
Média 95.1 95.0 106.8 110.0 99.2
% de QI abaixo de 85 21 21 5 3 16
QI DO WISC
Média 94.2 110.6 100
% de QI abaixo de 85 25 3 16
Nota: Adaptado de Schiff e Lewontin (1986).
Uma outra investigação com crianças enquanto que aquelas, filhas de pais de NSE baixo,
adotadas, também realizada na França, que mostra a apresentaram um QI médio de apenas 98 (uma dife-
importância, tanto de fatores ambientais, quanto dos rença estatisticamente significativa de mais de 15
componentes biológicos, é a pesquisa realizada por pontos). Ocorre, contudo, que também existe evidên-
Capron e Duyme (1989). Nessa investigação foram cia clara de um efeito do ambiente familiar e social
estudados os QIs de 38 crianças de 14 anos de idade atuando após o nascimento, independentemente dos
que foram adotadas e o nível social dos pais adotivos pais biológicos, dado que, quando os pais adotivos
e biológicos. Na Tabela 2 estão apresentadas as pertencem a um nível sócio-econômico abastado, o
médias e os escores extremos do QI das crianças. escore médio de QI é de 111.60, baixando para 99.95
quando os pais adotivos não apresentam qualquer
Tabela 2: Escores médios e extremos do QI das qualificação profissional (uma diferença estatistica-
crianças mente significativa de quase 12 pontos).
Pais Adotivos Pais Adotivos Média A influência de fatores ambientais fica de-
de NSE alto de NSE baixo monstrada sem ambigüidades, porém, os resultados
Pais Biológicos entre 99-136 entre 91-124 113.55 referentes às influencias biológicas, embora sugesti-
De NSEalto
Pais Biológicos entre 91-125 entre 68-116 98 vos, não permitem que se estabeleça explicações
De NSE baixo causais. Trata-se de uma preocupação que pode ser
Média 111.601 99.95 encontrada em Capron e Duyme, pois ressaltam o
Fonte: Adaptação de Capron e Duyme (1989)
fato de que nada permite se afirmar que os efeitos da
A primeira constatação é a de que a origem "bagagem" advinda dos pais biológicos seja pura-
biológica parece efetivamente influenciar o desem- mente genética. "Nou n 'utilisons pas um marqueur
penho intelectual, tendo em vista que crianças nas- génétique, mais environnemental. // nefaut done
cidas de estudantes universitários ou de famílias de pas extrapoler" (apud Biétry, 1989). Afinal, é per-
NSE alto apresentaram uma média de QI de 113.55, feitamente possível que exista uma influência
Repensando a Inteligência 39
ambiental sobre o feto durante o período de gesta- atingir níveis de eficiência intelectual unanimemen-
ção, ou até mesmo sobre o próprio bebê, durante os te considerados como elevados. Conseqüentemente,
primeiros dias após o nascimento, o que interferiria, apesar do fato de as crianças diferirem consideravel-
assim, com o seu genótipo. Por exemplo, inúmeros mente em suas capacidades intelectuais, apesar da
trabalhos na literatura tem demonstrado a influência elevada probabilidade dessas diferenças apresenta-
da desnutrição durante a primeira infância sobre o rem um componente genético substancial, os dados
posterior nível intelectual da criança, podendo tais disponíveis sugerem que são os fatores ambientais
efeitos serem observados até mesmo em animais. os principais responsáveis pela incapacidade de de-
Estudos em ratos sobre os efeitos da desnutrição da terminadas crianças em atingirem níveis de eficiên-
mãe sobre a qualidade da aprendizagem de seus cia cognitiva adequados, mesmo sem apresentar dis-
descendente,s têm mostrado que os efeitos negati- túrbios neurológicos específicos.
vos podem ser observados até na segunda geração A partir das discussões e evidências acima,
(Biétry, 1989). Assim, qualquer inferência de dados várias conclusões podem ser destacadas, sendo elas:
sobre a influência biológica no desempenho intelec-
- Até hoje não é possível encontrar modelos explíci-
tual precisa ser tomada com muito cuidado, como
tos e verificáveis acerca do impacto dos genes e da
pode ser constatado em Capron e Duyme quando
hereditariedade na inteligência;
afirmam: "Les theories génêtique nous indiquent que
- As evidências que indicam a importância do papel
l'on nepeutpas utiliser Vhéreditabilitéen génêtique
desempenhado pelos fatores genéticos no desenvol-
humaine. Ilfautfairepreuve d'une extreme prudence
vimento da inteligência são derivados de estudos que,
quand on parle de Vinfluence defacteurs génétiques,
em sua grande maioria, não estão isentos de proble-
compte tenu de la complexité des phénomènes. Ce
mas metodológicos, tais como a escassez das amos-
qui reste démontré sans ambiguité. c'est Vinfluence
tras a partir das quais os dados são coletados e o di-
de l'environnement sur les performances du quotient
fícil controle dos fatores ambientais relativos às fa-
intellectueF (apud, Biétry, 1989, p. 25).
mílias de origem em relação às famílias adotivas.
Um outro tipo de estudo que proporciona uma De fato, a existência de diferenças culturais sistemá-
via alternativa relativamente direta para se avaliar a ticas e de discrepâncias nos ambientes psicológicos
plasticidade das características cognitivas é aquele entre diferentes grupos raciais e sócio-econômicos,
que inclui estudos de intervenção como o Projeto tornam questionáveis as tentativa de se extrair con-
Heber, Garber, Harrington, e Hoffman (1973). Tra- clusões significativas acerca das diferenças genéti-
ta-se de uma demonstração clara e direta da eficácia cas em QI;
das modificações ambientais adequadas, no sentido - Por outro lado, a influência de fatores ambientais
de acelerar o desenvolvimento cognitivo. Nesse es- sobre o QI fica demonstrada de modo sólido. Além
tudo, um programa compreensivo de intervenção fa- do mais, o fato de que uma determinada característi-
miliar produziu uma diferença de 30 pontos em QI ca humana ser influenciada pela genética, não signi-
entre um grupo experimental e um grupo controle, fica que a mesma não possa ser modificada também
cada um composto por 20 crianças selecionadas ale- a partir das pressões do ambiente;
atoriamente, todas filhas de mães cujos QIs foram - Alterando características do ambiente, é possível
avaliados como sendo inferiores a 75. Durante um reforçar ou enfraquecer a propensão produzida pe-
período de mais de 05 anos, o QI médio do grupo los genes, um fato que torna os estudos sobre os
experimental permaneceu ao redor de 125. As cri- condicionantes ambientais mais promissores para ob-
anças do grupo experimental eram avaliadas através jetivos psicológicos e, sobretudo, educacionais.
de testes independentes, administrados por outros
É importante observar que esse maior interes-
psicólogos, pesquisadores que não estavam ligados
se pelo ambiente não implica, necessariamente, mjm
de forma alguma ao projeto. Os resultados mostra-
desprezo pela importância que pode ser atribuída aos
ram que, sob condições favoráveis, mesmo os filhos
estudos sobre o cérebro e os mecanismos neurais
de pais cujas capacidades cognitivas são baixas a
capazes de produzir diferentes tipos de comporta-
ponto de excluí-los das profissões médias, podem
mento inteligente. Além do mais, o meio, diferente-
40 Antonio Roazzi
mente dos genes, é mais facilmente manipulável, por (1) as leis que governam o processamento de dados,
isso, é necessário muito mais cuidado no estudo do ou seja, a transformação de dados em informação,
primeiro, do que no dos últimos. independem dos conteúdos sendo trabalhados; (2)
existe uma analogia entre a mente humana e um com-
A Abordagem Cognitiva putador.
O primeiro pressuposto peca por não conside-
Postura Básica rar a possibilidade de que dados diferentes possam
Diferentemente da Psicometria, a abordagem ser tratados de formas diferentes pela mente humana
da Psicologia Cognitiva busca identificar os elemen- segundo a natureza dos conteúdos envolvidos, o que
tos estruturais, esquemas lógicos e processos de fun- entra em contradição com diversos resultados da li-
cionamento da atividade mental na tentativa de criar teratura. O segundo privilegia um determinado tipo
uma visão sistêmica da inteligência baseada em me- de arquitetura de processamento (a "Máquina de von
canismos cognitivos, sua arquitetura e sua dinâmi- Neumann", para ser mais específico) em detrimento
ca. A partir desse paradigma essencial derivam di- de uma miríade de outras possibilidades
versas escolas específicas, sendo algumas das mais computacionais (redes, processamento distribuído,
proeminentes: processamento paralelo, etc).
- Processamento da Informação: Explora as Existe ainda a limitação produzida pela difi-
categorizações lógicas da atividade mental e procu- culdade em se estabelecer uma representação lógi-
ra compreender como o indivíduo busca e processa co-simbólica satisfatória de estados interiores de
informações consideradas relevantes para a solução natureza volitiva, afetiva e emocional, fatores cuja
de uma dada tarefa ou problema; importância para os processos de pensamento já foi
- Desenvolvimento: Propõe modelos da cognição enfaticamente demonstrada (Ceei & Roazzi, 1994;
humana fundamentados na dinâmica da evolução das Dias & Harris, 1988; Jahoda, 1986; Laboratory of
estruturas, esquemas e processos mentais de um in- Comparative Human Cognition, 1982, 1983, 1986;
divíduo ao longo da sua vida; Roazzi, 1986, 1987a, 1987b, 1989, 1990; Roazzi &
- Lógica Mental: Procura caracterizar as operações Bryant, 1997; Roazzi & Dias, 1987, 1992, 1994;
lógicas mais básicas da inteligência humana, comuns Roazzi & Ceei, 1995; Wagner, 1978).
a toda a humanidade, e descrever todos os processos
mentais observáveis como sendo uma combinação
de tais operações básicas. Psicometria e Psicologia do Desenvolvimento
As virtudes da abordagem cognitiva e dos seus Cognitivo: A necessidade de considerar o papelão
paradigmas asseguram o potencial para uma com- ambiente
preensão bastante ampla e abrangente da inteligên- Embora nas abordagens cognitivas a inteli-
cia, muito embora não garantam que todas teorizações gência seja concebida de forma bem diferente da-
produzidas venham a realizar tal potencial. quela adotada pela psicometria, havendo uma ênfa-
se em mecanismos, estruturas e processos, ainda exis-
Críticas aos Modelos Computacionais te amplo espaço para críticas. De fato, é possível iden-
Historicamente falando, coube à perspectiva tificar, nos estudos e teorizações da psicologia do
do processamento da informação o papel maior no desenvolvimento cognitivo, o mesmo tipo de negli-
abandono do pensamento "behaviorista" que gência a relevância dos fatores sociais, culturais e
permeou a primeira metade do Século XX (Bruner, ecológicos no desenvolvimento e atuação dos pro-
1997; Roazzi, 1999a, 1999b). Com sua ênfase nos cessos mentais que foi observada anteriormente.
mecanismos e processos, ela foi o principal movi- Nas abordagens cognitivas, as habilidades
mento que levou à chamada Revolução Cognitiva. mentais geralmente são tidas como sendo reguladas
Acontece, porém, que, apesar dos seus importantes
feitos, os teóricos do processamento da informação
usualmente adotam dois pressupostos problemáticos:
Repensando a Inteligência 41
por estruturas operacionais lógicas bastante ca da teoria piagetiana, afirmando que esta apresen-
dissociadas dos contextos sócio-culturais onde elas ta uma abordagem essencialmente individualista do
se manifestam. Ainda que a interação com o meio- desenvolvimento intelectual, onde o papel das expe-
ambiente seja considerada um elemento que possa riências específicas na elaboração das estruturas
vir a influenciar a aquisição e o desenvolvimento das cognitivas não foi devidamente explorado. Os está-
estruturas mentais, normalmente não se define cla- gios descritos por Piaget para se alcançar o pensa-
ramente tal meio e, tampouco, o tipo de influência mento operacional parecem não ter qualquer relação
que ele exerce sobre as estruturas, processos e es- com as exigências do meio externo, estando relacio-
quemas mentais. nados apenas a uma organização endógena do orga-
O próprio processo de desenvolvimento nismo. O pensamento infantil é interpretado ainda
cognitivo é colocado em uma esfera abstrata, além em termos da presença ou da ausência de certas com-
de qualquer influência relevante do ambiente. A te- petências, e não como manifestações diversas de uma
oria piagetiana, por exemplo, procurou definir uma mesma competência.
linha de progressão universal do pensamento base- Enfim, dois pontos precisam ser ressaltados
ando-se fundamentalmente nos aspectos lógicos e em relação a psicologia do desenvolvimento
biológicos. Como diz Piaget: "Every psychological cognitivo e a avaliação do inteligência. Em primeiro
explanation comes sooner or later to lean either on lugar, do ponto de vista evolutivo nos últimos anos
biology or logic" (Piaget, 1950, p.l). Assim, a inte- tem se reforçado a idéia que o desenvolvimento ocor-
ligência é vista por Piaget como sendo, fundamen- re tanto de maneira quantitativa como de forma qua-
talmente, uma característica do indivíduo. Em se litativa, com alternância de fases nos quais as mu-
encontrando diferenças entre indivíduos, elas são danças são continuas e graduais e de fases nas quais
consideradas principalmente como sendo devido a estas mudanças são de maior envergadura e rapidez.
fatores hereditários, pois, a inteligência seria deter- Esta nova forma de ver o desenvolvimento tem leva-
minada principalmente por fatores genéticos. do os pesquisadores a prestarem uma maior atenção
O modelo piagetiano visa observar e descre- em aspectos que considerem dimensões não somen-
ver analiticamente o desenvolvimento como uma te quantitativas, ou seja, existe uma tendência em
seqüência invariante de estágios qualitativos, nos não se basear simplesmente em avaliações padroni-
quais ocorrem reorganizações em novas estruturas zadas relativas às "normas" - típicas da abordagem
qualitativamente diferentes, resultantes de pequenas psicométrica, que informam principalmente sobre
mudanças graduais e reestruturações parciais. Estas aspectos quantitativos da inteligência, mas em ava-
estruturas derivam das anteriores e são organizadas liações baseadas na aprendizagem e em parâmetros
de forma hierárquica. O mecanismo de transição que fundamentam a análise do desenvolvimento de
consiste na interação do indivíduo com o ambiente, forma mais minuciosa. Esta mudança de perspectiva
e é tipicamente construtivista. E o processo de possibilita que seja reconhecida a utilidade de infor-
equilibração, o qual, através dos seus dois momen- mações relativas ao "o que" e ao "como" das dife-
tos, assimilação e acomodação, que permite ao in- renças individuais. A fase de quantificação, para ser
divíduo adquirir novos conhecimentos. Os instrumen- útil, deve decorrer da fase de conceitualização e de
tos da pesquisa piagetiana são, geralmente, a obser- avaliação do o que seja compreendido nas várias
vação semi-experimental e a entrevista clínica. Os habilidades ou funções cognitivas.
instrumentos de mensuração são as escalas ordinais, Em segundo lugar, na abordagem da psicolo-
que conservam os princípios da organização hierár- gia do desenvolvimento cognitivo, a inteligência é
quica e focalizam a atenção na seqüência do desen- vista como sendo a expressão de estruturas mentais
volvimento intelectual mais do que na de manipulação do conhecimento, porém, normal-
"previsibilidade" ou na posição de uma criança em mente, isso é feito sem que ela seja compreendida
comparação com as normas da sua idade cronológi- também como o uso de estratégias voltadas para a
ca. formulação da realidade. O modelo é, sem dúvida,
Light (1986) tece alguns comentários acer- consideravelmente mais adequado do que o modelo
42 Antonio Roazzi
adotado pela psicometria, utilizando, inclusive, e Carraher & Schliemann, 1983) desaparecem de for-
metodologias mais adequadas para a realização de ma dramática quando o contexto de comunicação
comparações transculturais se comparada a entre o sujeito e o experimentador é controlado de
metodologia psicométrica tradicional. Entretanto, forma a eliminar possíveis "pistas enganadoras" que
apesar das diferenças, ambas as perspectivas consi- poderiam levar as. crianças a interpretações erradas
deram o indivíduo como, essencialmente isolado do sobre o que devem fazer.
meio social e cultural no qual a sua inteligência se Carraher e Spinillo (1989) estudaram o signi-
estrutura, se manifesta e se desenvolve, não apre- ficado social que a fala do examinador tem para uma
sentando um modelo explicativo que inclua os as- criança em contextos experimentais, observando di-
pectos sócio-culturais na construção do comporta- ferentes níveis de desempenho em tarefas cognitivas
mento intelectual. em função do uso e da compreensão do verbo "per-
guntar" em crianças de 05 a 06 anos de idade. Nessa
Ignorando o Papel do Contexto Experimental investigação, duas condições experimentais distin-
Como já foi visto anteriormente, as evidênci- tas foram contrastadas criando-se dois diferentes
as mais atuais sugerem que a inteligência envolve contextos via manipulação das informações que pre-
um conjunto de competências funcionais de um in- cediam a tarefa experimental. Na Condição I, a ins-
divíduo ou grupo tomado a partir de um determina- trução do experimentador era um comando implíci-
do quadro cultural. Assim sendo, surgem várias im- to, que permitia uma interpretação inadequada da
plicações em termos da própria situação contextual parte dos sujeitos; na Condição II, as crianças eram
da avaliação, considerações, cujo impacto, vai além solicitadas a brincar de "A Rainha mandou você...",
dos exames em si, dos itens de testes ou mesmo do onde o experimentador era a "Rainha" (ou sua voz)
material de avaliação, para incluir a própria situação e tudo que ordenasse deveria ser fielmente obedeci-
de exame. Com isso, conclusões bem diferentes das do. Nessa última condição, a instrução do
tradicionalmente encontradas podem ser derivadas experimentador era um comando explícito. Ao se
acerca do desenvolvimento cognitivo, ou do nível comparar os resultados, observou-se um desempe-
de aptidão de indivíduos oriundos de grupos social- nho significativamente superior das crianças de
mente "desfavorecidos" quando as situações de tes- ambas as idades na Condição II com relação à Con-
te, ainda que apelando para as mesmas funções dição I. Este achado sugere que o experimentador
cognitivas de testes formais, são retiradas do con- deve sempre certificar-se de que os seus sujeitos com-
texto de vida dos sujeitos. partilham de seu ponto de vista quanto ao que de-
Em termos de desenvolvimento psicológico, vem fazer na situação experimental, sendo indispen-
um estudo de Roazzi (1986), mostrou que, crianças sável, para isso, uma grande sensibilidade com rela-
de rua originárias de bairros pobres do Brasil, que ção aos fatores sociais presentes, particularmente ao
ganhavam a vida como vendedoras ambulantes de se planejar estudos sobre a aquisição da linguagem.
doces, apresentavam insucesso na prova piagetiana O significado que a fala do experimentador tem para
de inclusão de classes quando a mesma era apresen- uma criança na situação experimental precisa ser
tada de maneira formal, contudo, os mesmos meni- analisado com cuidado, não sendo possível a formu-
nos e meninas eram perfeitamente capazes de resol- lação de conclusões confiáveis sobre a competência
ver tal prova quando ela era apresentada num con- dela sem uma avaliação crítica que considere tam-
texto do seu cotidiano (no caso, interação compra- bém o desempenho em situações extra-laboratório .
dor-vendedor). Mais recentemente, o mesmo autor Istomina (1975), investigando crianças de 03
(Roazzi, 1989; Roazzi & Bryant, 1997) mostrou a 07 anos de idade acerca do desenvolvimento da
como as diferenças entre as classes sociais na tarefa memória, contrastou, de forma similar ao estudo de
piagetiana de conservação (diferenças que, segundo Carraher e Spinillo (1989), duas condições experi-
a literatura, geralmente mostram uma superioridade mentais. A primeira condição consistia na
de crianças de nível sócio-econômico médio, como memorização de uma lista de palavras de acordo com
é o caso de Carraher, Carraher & Schliemann, 1985 os modelos metodológicos tradicionais, na segunda
Repensando a Inteligência 43
condição, a criança era solicitada a memorizar a lis- atitude de profundo respeito e deferência frente à
ta de palavras dentro de um contexto significativo, autoridade (na situação experimental, o
especificamente, memorizar uma lista de itens que experimentador desempenha exatamente esse papel).
deveriam ser comprados em uma loja de brinquedo. Dasen (1974) também encontrou resultados seme-
As palavras utilizadas em ambas as condições apre- lhantes entre as crianças aborígenas na Austrália, as
sentavam tamanho, significado e complexidade com- quais são ensinadas a não expressar ou manter suas
paráveis. Os resultados mostraram um desempenho opiniões quando estas estão em discordância com as
significativamente superior na segunda condição (de dos adultos, sendo esperado que modifiquem suas
jogo), levando Istomina a concluir que a capacidade afirmações quando contra-argumentadas, visto que
de memorização é mais alta quando ocorre no con- uma contra-sugestão é interpretada como crítica.
texto de uma atividade significativa para a criança. Greenfield (1966) observou que as crianças
Tais resultados apontam ainda para a importância de Wolof analfabetas interpretavam as ações do
aspectos metodológicos que precisam ser considera- experimentador em termos de magia quando este
dos nas investigações sobre os processos intelectu- modificava a quantidade de água de recipientes di-
ais. versos.
A situação experimental é, na realidade, um Ghuman (1982) afirma que as diferenças en-
contexto social partilhado por um examinando e um contradas no desenvolvimento cognitivo de crianças
examinador, podendo esse fato entrar em jogo, tanto de sociedades não-ocidentais podem ser explicadas
como elemento facilitador, quanto como um fator de muito mais em função da complexa interação entre
impedimento para a exploração adequada do fenô- fatores socioculturais e operações intelectuais, do que
meno em estudo. Os sujeitos infantis, sobretudo, em termos de um baixo potencial genético.
podem falhar no uso apropriado de determinadas Todos esses resultados indicam a necessidade
competências em alguns contextos e não em outros, de se considerar a percepção e a interpretação que a
podendo, estes últimos, atuarem como fatores criança pode ter das questões do experimentador.
limitantes na expressão de certas competências. Algumas vezes, as respostas podem não ser a ex-
O papel do contexto experimental na investi- pressão das reais competências ou habilidades do
gação dos processos intelectuais também é enfatizado sujeito, mas sim a expressão da maneira como a cri-
por Brown e DeLoache (1983), segundo as quais, ança interpreta a situação experimental à luz dos
antes de se extrair conclusões acerca da competên- valores e convenções de sua sociedade. Quando o
cia de sujeitos em uma dada investigação, é necessá- contexto experimental faz sentido para o sujeito, e
rio que o experimentador saiba o que a tarefa requer quando este contexto permite demonstrar suas reais
e como o examinando interpreta não só a tarefa em capacidades de realização, os resultados são bem
si, como também, a situação experimental como um mais favoráveis do que quando o contexto não satis-
todo. Enfatizam ainda a necessidade de investiga- faz a tais critérios. Isso é, sobretudo, mais significa-
ções experimentais serem complementadas por es- tivo quando as crianças são investigadas, uma vez
tudos etnográficos. que suas habilidades lingüísticas e de raciocínio são
Ghuman (1975,1978), investigando o conceito ainda mais dependentes do contexto do que a dos
de conservação em crianças da cultura Punjabi de adultos.
10 a 11 anos de idade, observou que estas, quando
solicitadas a justificar suas respostas frente à tarefa Em Busca de uma Nova Perspectiva
de conservação de área e de comprimento, tendiam
a modificar as respostas iniciais, independente de Inteligência e contexto sócio-cultural
estarem corretas ou não. A atitude adotada durante a A maior parte das pesquisas voltadas para o
situação de teste era de que: "Se eu estivesse certo, estudo da relação entre inteligência e hereditarieda-
não seria solicitado a explicar as razões de minha de tem sugerido que a capacidade intelectual, embo-
resposta". É relevante que, na sociedade em ques- ra certamente apresentando componentes inatos de
tão, as crianças são estimuladas a desenvolver uma origem genética, é mais do que consideravelmente
44 Antonio Roazzi
influenciada pelas experiências individuais e seus renças ambientais podem afetar significativamente
condicionantes. Essa postura, que ressalta a impor- a seqüência de desenvolvimento de um indivíduo, e
tância das pressões ambientais na aprendizagem de até mesmo gerar modificações nas suas estruturas
novas habilidades e na aquisição de estratégias de cognitivas. Em outras palavras, todas as evidências
adaptação, tem gerado um interesse crescente pelo e teorizações recentes indicam que os processos in-
estudo da inteligência enquanto uma competência telectuais envolvem experiências em contextos só-
ligada a fatores culturais e pragmáticos, isto é, a con- cio-culturàis, sendo socialmente constituídos e mo-
textos particulares e significativos de vida, passan- dificados. Surge, assim, a necessidade de que a inte-
do a mesma a ser compreendida em função das prá- ligência, e suas diferentes formas de expressão, se-
ticas culturais dos indivíduos (Irvine & Berry, 1988; jam compreendidas através de uma análise das ex-
Roazzi, 1986,1987a, 1987b). Tal mudança de pers- periências e dos contextos sócio-culturais nos quais
pectiva gerou transformações significativas a nível o indivíduo constrói e desenvolve o seu comporta-
metodológico, com implicações práticas na interven- mento intelectual.
ção psicológica envolvendo fenômenos intelectuais
(Almeida, Roazzi, & Spinillo, 1989) e no papel do A Necessidade de Ir Além da Dimensão Acadêmi-
psicólogo na busca por uma explicação mais ca
abrangente e adequada dos mecanismos mentais É relativamente fácil verificar que os tradici-
(Spinillo & Roazzi, 1989). onais testes de inteligência geralmente abrangem
Essa nova abordagem sócio-cultural tem, ini- competências e habilidades relacionadas a ativida-
cialmente, como principais representantes os pesqui- des letradas, que são adquiridas dentro do contexto
sadores da Escola Soviética (Davydov & educacional formal. Tradicionalmente, tais exames
Radzikhovsky, 1980; Kozulin, 1984; Luria, 1976; valorizam fortemente as capacidades verbais e lógi-
Vygotsky, 1962), os quais enfatizam a importância co-matemáticas dentro de um contexto acadêmico,
do papel desempenhado pelos fatores culturais em ou seja, competências bastante apreciadas na cultu-
oposição a uma abordagem da inteligência tomada ra ocidental. Trata-se de um viés que persiste mes-
como uma entidade abstrata independente. Segundo mo quando se trata das avaliações mais voltadas para
eles, as formas complexas da atividade mental são processos, como o são as usadas nas abordagens
sistemas funcionais que se modificam e evoluem cognitivas. A adoção de uma perspectiva mais
como resultado de assimilações das experiências cri- abrangente da inteligência requer que se vá além das
adas e acumuladas no curso do desenvolvimento his- tarefas cognitivas associadas ao contexto escolar,
tórico das sociedades. Segundo Vygotsky, a compre- chegando à cognição da vida diária, ou seja, a estrei-
ensão da psicologia individual só pode ser alcançada ta interação entre sociedade, comportamento intelec-
através da observação das características intelectu- tual e o produto de atividades particulares. É preci-
ais do indivíduo, junto com uma análise da interação so, portanto, partir do princípio de que, compreen-
social, tendo em vista que, as primeiras se desenvol- der tais habilidades em contextos específicos leva a
vem via processos de internalização que surgem a um entendimento mais claro dos processos mentais
partir da experiência em atividades socialmente em si, ou seja, que é preciso procurar uma definição
estruturadas oferecidas pela cultura. da inteligência que considere também o ambiente,
As influências culturais na aquisição de es- ou seja, associada às situações do quotidiano e seus
truturas cognitivas não estão necessariamente restri- contextos.
tas às diferenças observadas entre indivíduos de di- As posições mais contextualizadas, voltadas
ferentes continentes, países ou regiões, mas abran- para a influência dos fatores socioculturais na inteli-
gem também sujeitos de uma mesma localidade que gência, têm procurado lidar com as questões citadas
pertencem a meios diferentes (por exemplo: classe acima, diferenciando entre uma inteligência abstrata
social alta, média ou baixa, sociedade de origem ur- e uma concreta, ou então, entre uma inteligência te-
bana ou rural, etnia caucasiana, negróide, oriental, órica e uma prática (Wagner & Sternberg, 1986). A
semítica ou mista). Os resultados indicam que, dife- partir dessa postura, foi possível observar que, uma
Repensando a Inteligência 45

realização satisfatória em domínios "escolares", não ocidentais urbanas, são geralmente consideradas
implica necessariamente em uma boa realização em como formas mais complexas, sofisticadas e, conse-
situações mais "práticas". Também foi constatado qüentemente, "superiores" de inteligência. Também
que muitos dos sujeitos hábeis na aquisição do co- por esse motivo, o termo "inteligência prática" é
nhecimento tácito do chamado "mundo real", não quase sempre interpretado como um conjunto de
apresentam desempenho particularmente bom nas habilidades mais primitivas e elementares. Excluin-
medidas mais acadêmicas de inteligência. Além dis- do-se um julgamento de valor apriorístico, ambas, a
so, também ficou claro que o sucesso em diferentes inteligência prática e a inteligência acadêmica, po-
situações não implica sempre nas mesmas compe- dem ser concebidas como legítimas manifestações
tências, tampouco, que todas elas tenham a mesma intelectuais, com a única ressalva de que a inteligên-
importância ou que sejam efetivamente necessárias cia prática está estreitamente relacionada a objeti-
para a realização acadêmica. vos pragmáticos dentro de determinadas culturas ou
Para Bruner (Bruner, Olver & Greenfield, classes sociais. Afinal, muitas das soluções dos pro-
1966), a inteligência aparece como a assimilação de blemas que estão inseridos em situações práticas da
instrumentos fornecidos por um meio cultural espe- vida diária envolvem um grau de abstração e de com-
cífico, consistindo tais instrumentos de modelos sim- plexidade comparável àqueles encontrados na solu-
bólicos e de artefatos tecnológicos. É possível veri- ção de atividades acadêmicas. Assim, a questão de
ficar uma imensa variação entre as diferentes cultu- se as avaliações de processos intelectuais devem
ras quanto ao uso desses instrumentos e quanto às enfatizar a inteligência prática ou a inteligência aca-
formas de desenvolvimento de habilidades e conhe- dêmica só pode ser respondida em função da popu-
cimentos específicos. Nas sociedades ocidentais ur- lação de sujeitos que vai ser avaliada. O que deve
banas, por exemplo, a escola, sendo uma instituição ser evitado é a postura de que a inteligência acadê-
social, assume um papel fundamental no desenvol- mica seja considerada como a única forma de ex-
vimento cognitivo através do estímulo a formas cada pressão do comportamento inteligente, e que outras
vez mais abstratas de pensamento, formas estas bas- manifestações sejam tomadas como inferiores ou
tante divorciadas de experiências práticas diárias. Em inadequadas. Cabe aqui ressaltar as afirmações de
outras sociedades, entretanto, as experiências práti- Hudson (1970), quando ele enfatiza os aspectos prag-
cas podem ser mais valorizadas do que as experiên- máticos da inteligência, enfatizando a necessidade
cias acadêmicas formais. da pergunta: "Inteligência para quê?".
Um exemplo dessa separação entre inteligên-
cia teórica e inteligência pratica é dada por Scribner Reabilitando o Processamento da Informação
(1986), o qual distingue um pensamento "teórico", A base das teorias do processamento da infor-
mais formal e abstrato (acadêmico), e um pensamento mação é, simplesmente, o princípio de que as ativi-
"prático", mais diretamente ligado às experiências dades intelectuais tem como fenômeno essencial a
diárias dos indivíduos e às situações extra-escolares transformação de dados em informação através da
de aprendizagem. É interessante observar que tal dis- aplicação de uma lógica. Os eventuais vícios que se
tinção não implica necessariamente que, em grupos observa nessa postura, particularmente, a indepen-
menos escolarizados, as pessoas não possuam ou não dência dos conteúdos, a metáfora mente-computa-
façam apelo a abstrações no seu dia-a-dia. De fato, dor e a redução do pensamento a regras de ação
existe evidência de que algumas delas recorrem à (Bruner, 1997), não são intrínsecos a essa aborda-
manipulação de abstrações bastante sofisticadas gem, mas apenas uma polarização paradigmática
(Cole, Gay, Glick & Sharp, 1971; Gladwin, 1970). conjuntural perfeitamente evitável. Em outras pala-
Apenas ocorre que tal utilização é feita no quadro vras, as críticas que geralmente são feitas a essas te-
das situações reais ou diárias dos indivíduos (Neisser, orias não são conseqüências inevitáveis do seu pres-
1976a, 1976b). suposto básico, mas apenas uma nuance específica
É fácil verificar que as experiências acadêmi- surgida de um posicionamento no espaço-tempo cul-
cas, por serem as mais valorizadas nas sociedades tural da Psicologia Cognitiva. Chalmers (1999) for-
s 46 Antonio Roazzi
nece uma demonstração clara disso em termos de prevalecer enquanto espécie, parece inevitável con-
lógica formal, provando que a aceitação do axioma cluir que alguma forma de capacidade extra de
do processamento da informação não implica neces- processamento foi agregada àquela do cérebro para
sariamente em dizer que o cérebro humano seja uma tornar isso possível. Em outras palavras, parece que
máquina de Turing ou que tenha uma arquitetura de qualquer modelo científico do pensamento humano
von Neumann, tampouco significa que os fenôme- precisa levar em consideração alguma forma de
nos cognitivos tenham que ser reduzidos a proposi- cognição extra-cerebral. Essa perspectiva é
ções do tipo "se-então" (if-goto). substanciada por diversos estudos, incluindo auto-
res que não se filiam a qualquer tipo de abordagem
Uma Nova Abordagem do Processamento da In- dos processos mentais baseada no processamento de
formação informações (Cole & Englestrom, 1993; Hutchins,
1995a, 1995b; Kirsch, 1995; Lave, Murtaugh & de
Necessidades Computacionais de Sobrevivência la Rocha, 1984; Pea, 1993; Turner, 1996).
Para poder atingir o sucesso no jogo Adotando-se uma abordagem construtivista,
evolucionário da seleção natural, os seres humanos pode-se dizer que a cognição ocorre através da
dependem da sua habilidade de gerar, manipular e interação entre um indivíduo cognoscente e um ob-
aplicar o conhecimento de várias formas, o que, den- jeto cognoscível. Nesse sentido, o conhecimento é
tro de uma perspectiva baseada no processamento algo que é construído por alguém a partir de algum
da informação, significa que eles precisam ser capa- tipo de troca comum ou mais objetos (Bruner, 1997;
zes de realizar operações lógicas com grande eficá- Luria, 1976; Piaget, 1977; Seminerio, 1996,
cia. Ocorre, porém, que mesmo as tarefas perceptuais Vygotsky, 1984).
e psicomotoras mais simples requerem uma enorme Com base no pressuposto de que o cérebro não
quantidade de processamento de dados (exemplos oferece capacidade de processamento de dados em
em Pinker, 1998). Sendo esse o caso, pode-se imagi- quantidade suficiente para atender às exigências im-
nar a tremenda capacidade que se faz necessária para postas pela necessidade de sobrevivência e bem-es-
dar conta das atividades mais complexas envolvidas tar, conclui-se que algo, fora do cérebro, tem que
na busca da sobrevivência e do bem-estar. fornecer a capacidade adicional que se precisa; para
que possa processar informação, é preciso que esse
A Insuficiência do Cérebro algo funcione como uma estrutura organizada.
O cérebro humano é claramente o mais pode- Combinando todos os elementos acima, tem-
roso mecanismo computacional conhecido, porém o se um retrato da cognição humana, onde existe um
imenso tamanho dos desafios de processamento de indivíduo interagindo com um dado objeto
dados que ele precisa enfrentar é suficiente para que cognoscente com a ajuda de um estrutura extra-ce-
se questione a noção de que esse órgão possa provi- rebral processadora de dados presente no ambiente.
denciar, por conta própria, aquilo que se faz neces- Todo esse processo pode ser chamado de "Mediação
sário. Considerando o fato de que ambientes huma- Cognitiva" (ver Diagrama 1, abaixo).
nos tendem a aumentar rapidamente a sua complexi-
dade ao longo do tempo (séculos, ou mesmo déca-
das), enquanto que o cérebro tende a evoluir num
passo extremamente lento (centena de milhares ou
mesmo milhões de anos), é relativamente fácil acei-
tar a idéia de que é exigida, dos seres humanos, al-
guma forma de capacidade adicional.

Cognição Extra-cerebral
Dado o argumento acima, junto com o fato de
que a raça humana tem sido capaz de sobreviver e
Repensando a Inteligência 47

Em outras palavras, a proposta teórica é a de Já a mediação interna necessita realizar as


que seres humanos adquirem conhecimento acerca funções de gerenciamento dos mecanismos externos
de objetos através da interação e por meio da ajuda de mediação, ou seja:
de estruturas no ambiente que fornecem capacidade Acesso à mediação externa;
de processamento adicional aos do cérebro. Codificação/Decodificação de
representações;
Mecanismos de Mediação
Buffers de entrada e saída.
No conceito de mediação cognitiva, as
É importante acrescentar que, considerando o
estruturas de processamento extra-cerebral de dados
princípio construtivista de que o conhecimento é
constituem mecanismos que são relativamente
construído através da interação (Bruner, 1997; Luria,
independentes do indivíduo. Para que esse indivíduo
1976; Piaget, 1977; Seminério, 1996; Vygotsky,
se beneficie de tais estruturas, é preciso que ele, ou
1984), chega-se à conclusão de que a gênese, da
ela, tenha mecanismos internos capazes de
mediação cognitiva começa a partir da existência de
estabelecer ligações com esses recursos exteriores e
um conjunto de estruturas no ambiente que se
de utilizá-los de modos favoráveis. Assim, tem-se
colocam entre o indivíduo cognoscente e o objeto a
que os seres humanos possuem uma unidade interna
ser conhecido. Inicialmente, tais estruturas atuam
de processamento que, através de mecanismos
como fontes de ruído, com os mecanismos internos
internos de mediação, acessa e faz uso de mecanismos
de mediação sendo desenvolvidos como uma forma
externos de mediação de modo a obter maior eficácia
de compensar esse ruído e, mais tarde, como um meio
no processamento de informações acerca dos vários
de usar o potencial de processamento de informação
tipos de objeto.
que elas tem.
Para que atue como suporte ao pensamento do
indivíduo, a mediação externa precisa ocorrer de
Evolução Cognitiva
modo a realizar tarefas de natureza específica, a
Quando se estabelece que a superação de
saber:
limitações individuais em cognição é algo qué emerge
Fornecimento de pressupostos para a partir de uma necessidade imposta pela seleção
dar sentido a ill-defined problems; natural, segue que, a criação de mecanismos de
Compressão de dados, correção de mediação é parte de um processo evolucionário.
erro e filtragem de ruídos; Assim sendo, espera-se que tal desenvolvimento
Processamento auxiliar (entrada/ ocorra através de uma sucessão de etapas, sendo
saída, processamento lógico). impulsionado por um processo aleatório de tentativa
48 Antonio Roazzi
e erro, estocasticamente caminhando em direção a altamente complexa. As habilidades necessárias para
estruturas de mediação cognitiva cada vez mais se dominar o seu uso incluem a escolha, instalação e
poderosas e sofisticadas. operação de hardware e software, assim como o
Com base no que se conhece atualmente acerca acesso, navegação e busca de informações na
dos impactos de fatores ambientais na cognição Internet. Da mesma forma, vários conceitos
humana é possível inferir que os mecanismos de sofisticados, tais como "digital/analógico",
mediação cognitiva evoluíram de uma natureza "interatividade", "interface" e "redes", precisam ser
psicofísica para uma dimensão social e, em seguida, incorporados pelo indivíduo. Já sob o ponto de vista
para um paradigma cultural. Afinal, isso não apenas funcional, os computadores e a Rede Mundial de
corresponde à ordem em que tais coisas emergiram Informações permitem a aquisição e produção de
na história da humanidade, mas também, à ordenação conhecimento em quantidade e sofisticação nunca
da menor para a maior complexidade. dantes imaginadas. Com base na perspectiva teórica
do modelo sendo proposto, o papel da tecnologia da
Tabela 3: Estágios da evolução cognitiva informação no pensamento humano pode ser
considerado como sendo uma nova forma de
Formas de Mecanismos Mecanismos
Mediação Externos Internos mediação cognitiva, uma forma com alcance muito
Psicofísica Física dos Objetos e Sistemas Sensorials maior do que o das modalidades anteriores. Trata-se
do Ambiente de uma Hipercultura, onde os mecanismos externos
Grupo Interação em Grupo Habilidades Sociais
Social
de mediação passam a incluir os dispositivos
Cultura Sistemas Simbólicos, Conhecimento computacionais e seus impactos culturais, enquanto
Práticas e Artefatos Tradicional e/ou Formal que os mecanismos internos incluem as competências
necessárias para o uso eficaz de tais mecanismos
Naturalmente, cada novo passo assimila os
externos. Em termos de impactos observáveis, isso
anteriores, integrando-os com as novas aquisições
significa que todas as habilidades, competências,
para formar uma estrutura completamente inédita.
conceitos, modos de agir, funcionalidade e mudanças
É interessante notar que, a natureza estocástica do
culturais ligadas ao uso de computadores e da Internet
processo evolucionário descrito acima, assim como
constituem um conjunto de fatores que difere
os aspectos supramencionados do desenvolvimento
substancialmente daquilo que, tradicionalmente, se
dos mecanismos de mediação, fazem com que um
percebe como cultura.
dado mecanismo interno de mediação possa acessar
De acordo com o modelo da mediação
e utilizar, com diferentes níveis de eficácia, mais de
cognitiva, cada etapa no processo da evolução
um tipo específico de potencial mecanismo externo
cognitiva representa uma mudança profunda nos
de mediação. Assim, as capacidades internas que se
mecanismos internos e externos que são usados por
desenvolvem como o resultado de uma forma
um indivíduo para potencializar as suas atividades
específica de mediação cognitiva podem, e de fato
intelectuais. Desse modo, espera-se que tais
"vazam", para outros contextos e situações,
mudanças no pensamento sejam de natureza
fornecendo ainda mais vantagens cognitivas. Cada
estrutural, afetando a própria dinâmica dos
uma das formas de mediação acima está de acordo
fenômenos cognitivos, incluindo sua interação com
com os achados de diversos autores (Bruner, 1997
variáveis psicológicas relacionadas, tais como,
Cole & Englestrom, 1993; Galef & Whiskin, 1998
valores, estratégias, escolhas, preferências e
Hutchins, 1995a, 1995b; Kirsch, 1995; Lave
comportamentos.
Murtaúgh, & de la Rocha, 1984; Mackintosh, 1994
McNeíis & Boatright-Horowitz, 1998; Pea, 1993
Pinker, 1998; Turner, 1996). Evidências Empíricas
Dados produzidos por um estudo transversal
observacional com 3.700 alunos entre 11 e 19 anos
ffipercultura
de idade pertencentes às classes média a alta
A tecnologia da informação trás, em sua
confirmaram três previsões importantes do modelo
essência, uma estrutura lógica e matemática
Repensando a Inteligência 49
que foi esboçado: eventos no mundo ou as estratégias cognitivas
A Emergência de Uma Hipercultura: Existe utilizadas pelos indivíduos para solucionar os muitos
evidência de que, sob um ponto de vista relacionai, problemas concretos da vida diária, tais como quando
as variáveis envolvendo computadores e a Internet se compra, vende, mede peças de madeira,
formam um grupo claramente diferenciável do encomenda mercadorias, constrói paredes, calcula
conjunto maior de variáveis; porcentagens, faz uma aposta no jogo do bicho e
A Hipercultura Está Associada a Vantagens assim por diante.
Cognitivas: Não apenas existeuma correlação entre
o índice Hipercultural e a auto-avaliação da própria Questões Pedagógicas
inteligência, criatividade, sociabilidade e domínio da Uma conseqüência educacional direta da
língua inglesa, mas também o uso de computadores tendência à supervalorização das habilidades formais
e da Internet está associado a um desenvolvimento e acadêmicas é a propensão a se observar apenas o
cognitivo mais precoce, mais duradouro e de maior que ocorre com o aluno no cenário da escola e dos
alcance; exames, ignorando que, um grande número de vezes,
A Hipercultura Está Associada a Diferenças um aluno com baixo rendimento escolar é capaz de,
Estruturais no Funcionamento Mental: O índice fora da sala, raciocinar, deduzir, calcular e construir
Hipercultural está correlacionado com a preferência modelos sofisticados para a resolução de problemas.
por um certo tipo de ambiente de estudo, com a Uma vez que se tenha superado esse forte viés
importância dada a determinados valores e com os a favor do conhecimento formal, tem-se toda uma
critérios usados para escolher um curso no vestibular, nova postura perante comparações de desempenho
além do fato de que a interação com os computadores entre grupos oriundos de experiências de vida
e a Internet está associada a diferenças substanciais diferentes. Afinal, dado que, em muitos casos, os
na dinâmica do desenvolvimento cognitivo. mesmos invariantes lógicos estão subjacentes a
Os resultados acima mostram que a teoria da atividades cognitivas dentro e fora da escola, ou seja,
mediação cognitiva são robustos o suficiente para que as crianças resolvem problemas em situações
permitir ao menos três expectativas válidas quanto extra-classe utilizando os mesmos princípios lógicos
aos impactos da introdução da TI na vida dos' seres que estão embebidos nos conteúdos de sala de aula,
humanos. torna-se forçoso deduzir que as diferenças em
rendimento observadas são, em grande parte,
Conclusão resultado do uso de estratégias diferentes, e não,
necessariamente, de problemas de base lógica ou
A Complexidade do Quotidiano conceituai.
O conjunto dos resultados empíricos e teóricos
avaliados acima questiona, antes de mais nada, o Questões Teóricas
pressuposto de uma superioridade absoluta do Em decorrência dos pontos acima descritos,
conhecimento formal, desenvolvido em contextos um dos aspectos fundamentais a ser considerado em
escolares, sobre outros tipos de conhecimento. A qualquer teoria da inteligência é o de buscar um
tradicional postura perante o assunto mostra-se como modelo que valorize as influências do ambiente nos
uma desmedida supervalorização de determinados processos cognitivos. É necessário reconhecer que o
paradigmas escolares, acompanhada de uma meio é, de alguma forma, internalizado pelo
subvalorização das várias atividades cognitivas indivíduo, gerando lógicas e sistemas simbólicos
complexas implícitas à vida quotidiana. Em outras específicos, além de particularidades quanto à
palavras, é óbvio que se tem privilegiado a maneira de representar o mundo. Naturalmente, a
capacidade de lidar com conteúdos abstratos em inteligência reflete tais variações e é por elas
contextos acadêmicos em detrimento de inúmeras influenciada. A elaboração de um modelo dessa
outras capacidades mentais tão ou mais sofisticadas, natureza irá depender principalmente de estudos
tais como o talento para organizar os objetos e interclasses e transculturais que permitam, não
50 Antonio Roazzi
apenas.detectar as eventuais discrepâncias entre os cognitivas possuem aspectos que não podem ser
grupos comparados, como também construir uma considerados como isentos de influências socio-
melhor compreensão de suas peculiaridades. culturais, passa a ser inevitável que a avaliação dessas
A partir destas conclusões, torna-se essencial habilidades não pode ser operacionalizada ou
para a psicologia, a elaboração de uma teoria do incorporada nos exames, independentemente de
desenvolvimento da inteligência e uma forma de construtos sociais e culturais. As tarefas elaboradas
avaliação que envolva as influências do meio para avaliar as habilidades cognitivas, quaisquer que
ambiente. Essa procura se insere numa tendência sejam, são orientadas, conscientemente ou não, em
maior do "pensamento contemporâneo", no sentido direção a valores e construtos particulares típicos da
de procurar perspectivas mais abrangentes. A cultura do país, região e classe social do autor. Isso
Psicologia não pode deixar de considerar que, implica em dizer que os níveis de desempenhos
atualmente, a humanidade está passando por devem ser necessariamente interpretados em termos
mudanças radicais em suas formas de pensamento, de diferenças sócio-culturais, o que requer muita
análise e explicação dos fenômenos da vida cautela. Deficits aparentes não refletem
quotidiana; deixa-se uma análise permeada por um necessariamente uma ausência ou escassez das
tipo de mentalidade estática e volta-se para outra, habilidades sendo medidas, sendo possível, talvez
caracterizada por uma mentalidade flagrantemente até provável, que sejam discrepâncias decorrentes,
dinâmica (McNicholl, 1976). por exemplo, da não-familiaridade dos sujeitos com
a forma de apresentação da tarefa pelo
Questões Metodológicas experimentador.
Em termos da metodologia da pesquisa sobre
a inteligência, existem duas grandes conclusões que Novas Tendências
podem ser extraídas das reflexões que foram A pesquisa atual progride em direção a uma
realizadas até o momento. nova dimensão, uma perspectiva que acrescenta os
Em primeiro lugar, está bastante claro que é pontos de vista da historicidade e do relativismo.
preciso ressaltar a necessidade de se prestar muita Nela, o pensamento e o saber não podem ser mais
atenção não somente ao contexto social no qual as considerados como imutáveis e fixos, como ocorre
habilidades cognitivas se desenvolvem e são com a mentalidade estática, mas sim, como um
expressas, como também ao significado da própria processo de transformação voltado para uma
situação na avaliação. O motivo para isso é fato de mentalidade mais dinâmica, onde o presente e o
que as tarefas cognitivas não são atividades simples futuro são mais enfatizados. Afinal, se tudoestá em
e descontextualizadas, praticamente todas elas movimento, se tudo muda, o que se torna importante
envolvem complexas representações sócio- é a tendência das coisas.
cognitivas. Quase sempre tais tarefas envolvem A história é valorizada uma vez que revela a
outras pessoas (na maioria dos casos, ao menos o gênese, o progresso do universo e da sociedade, dessa
examinador), de modo que é muito importante a forma preparando os indivíduos para o futuro. Nada
habilidade em lidar com esses outros, em termos de é reconhecido como fixo e estável, mas sim como
expectativas, interesses e intenções. Além disso, em contínuo fluxo. Esta mudança reflete-se no tipo
existe também a questão do significado do material, de visão que o indivíduo tem da realidade, na sua
do ambiente e da situação associados ao contexto "weltanschaaung", influenciando o modo de pensar
experimental, além do significado da tarefa em si. do indivíduo nos vários setores da sua vida. O
Em suma, a realização de um exame não pode ser indivíduo torna-se mais consciente de que
descrita como sendo uma situação na qual são significados e valores são produtos da inteligência
apresentadas "tarefas cognitivas puras", isoladas do humana e que, considerando que esta se desenvolve
contexto social mais amplo em que estão inseridas no decorrer da história, expressando-se de modos
(Roazzi, Almeida & Spinillo, 1991). diferentes segundo a época e o lugar, os elementos
Em segundo lugar, dado que as habilidades que constituem o núcleo da cultura tambémnão são
Repensando a Inteligência 51

idênticos em todos os lugares. A natureza humana humana se fundamenta em construções válidas e


não é mais tratada em abstrato e sim inserida na sua funcionantes dentro de uma comunidade que as
realidade existencial, num meio histórico e social reconhece e utiliza devido a uma história de
específico. É nesse contexto que se manifesta mais a atividades conjuntas. Trata-se, portanto de modelos
noção de "diversidade" do que a de "identidade". que valorizam a origem cultural e histórica da
Considerando tudo, já não faz muito sentido realidade, em função da qual as aquisições que
falar de uma "cultura humana". Afinal, a cultura não acabam parecendo objetivas e sem rivais cessam de
é única, mas pluriforme e dinâmica. Apenas num caso parecer, desta maneira se mudarmos o ambiente
particular ela é representada pela nossa sociedade cultural, época, ponto de vista, entre outros. Mesmo
moderna científica. Essa nova noção de cultura recusa aquisições cardinais da nossa cultura ocidental (como
um pensamento fixo, definido, amarrado a princípios a de mente individual, de determinantes biológicos
eternos e a suas essências imutáveis. O tempo estende do comportamento, de propriedades físicas dos
o seu domínio também para o pensamento e para o objetos separadas das pessoas que as experienciam)
conhecimento, o qual torna-se temporalizado, dado são consideradas construções culturais, em lugar de
que é visto como em progresso contínuo e sempre óbvias e indiscutíveis. De fato, o peso das tradições,
submetido às exigências inéditas da experiência e a hereditariedade, o patrimônio de recursos já
do aqui-e-agora, ou seja, dos fatores situados no acumulado de uma comunidade, limitam as
espaço e no tempo. possibilidades de construção da realidade. Se é a rede
Assim, tanto o conhecimento, quanto as cultural que nos faz existir e nos torna "funcionais"
habilidades intelectuais devem ser vistos como (Geertz, 1973), de fato, não se pode prescindir as
estando em evolução contínua e dinâmica, sob pena direções que já estão estabelecidas, mesmo sendo
de uma visão necessariamente reducionista e parcial, objeto de contínua reconfiguração. A necessidade de
um divórcio entre dimensões que, por natureza, não medir-se continuamente com os instrumentos que
podem ser compartimentalizadas. Em outras palavras, estão já a disposição, evita de eliminar, no presente,
uma visão estática implica num divórcio do o momento da interação, mostrando pelo contrário
conhecimento formal (elaborado pelas leis da lógica como esta se alimenta de projeções em direção do
através da dedução), do conhecimento construído futuro e de lembranças do passado.
pela experiência (conhecimento elaborado pelo É preciso a elaboração de uma abordagem
indivíduo em sua atividade de adaptação ao meio) de tipo construcionista (Gergen, 1994), que procure
ou mesmo, numa discrepância entre o que uma evitar que os conceitos elaborados se tornem
criança sabe fazer na vida quotidiana e o que ela excessivamente rígidos, se caracterizando como
demonstra fazer em contextos mais formais (i.e., em decontextualizados. As construções são poderosas
provas escolares). geradoras da realidade, entretanto é útil e necessário,
Em suma, a noção de que as habilidades especialmente no âmbito científico, questioná-las. As
cognitivas e intelectuais são um traço da mente referências teóricas do construcionismo nos
humana que é anterior e independente das convidam em não considerar definitiva uma certa
competências específicas desenvolvidas por um análise, em não enrijecer os limiares e as distinções
indivíduo ao longo de sua vida é praticamente como se fossem inamovíveis. Por esta razão, tem sido
impossível de ser defendida. A crença de que esta proposto substituir um conceito de cultura como
capacidade pode ser avaliada por meio de medidas sistema monolítico, reconduzível a uma região
livres de influências sócio-culturais é, na melhor das geográfica ou a uma tradição precisa, o conceito de
hipóteses, um mito. O objetivo mais adequado e "culturing", isto é, de co-construção da existência,
realista para se ter em mente, tendo em vista tudo o na qual a pluralidade e as misturas são contínuas e
que foi exposto, é o desenvolvimento de as fronteiras são de trabalho. Em uma ótica
procedimentos através dos quais se possa aferir a construcionista, portanto, o passado e o futuro se
influência recíproca de fatores socioculturais e voltam para operar no presente, situados, e passíveis
cognitivos. É preciso reconhecer que a realidade de recontextualização.
52 Antonio Roazzi
Em outras palavras, é preciso que a Carraher, T.N. & Spinillo, A.G. (1989). Níveis de
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