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Lucas Sã o Thiago

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2017.2

Universidade Federal da Bahia (UFBA) – Faculdade de Direito

Direitos das Obrigações I (DIRA90)

Docente: Raphael Rego

Data: 05/12/2017

Assunto: Pagamento (Caderno de Milena Góes)

A extinção legal e esperada das obrigações é o pagamento. As obrigações nascem para


se extinguir, ao contrário dos direitos reais. Essa extinção pode se dar de diversas
formas, a forma adequada e desejada é o pagamento.

O pagamento é o meio esperado para a extinção das obrigações. A relação obrigacional


é uma relação jurídica transitória. A intenção do ordenamento jurídico é que essa
extinção se dê, preferencialmente, com o pagamento.

Na noção de obrigação como processo, busca-se a maior satisfação do credor com a


menor onerosidade para o devedor. O pagamento é a relação esperada para a extinção
da relação jurídica obrigacional. Nem toda extinção da relação obrigacional é
pagamento.

O pagamento não é, necessariamente, a entrega da quantia em dinheiro, indo além da


entrega de pecúnia. O pagamento é o cumprimento perfeito da prestação devida. É
aquele cumprimento que se parte da pessoa de quem se esperava o cumprimento, em
favor da pessoa que esperava o cumprimento, no tempo correto, na forma correta, no
lugar correto.

O pagamento é a entrega da prestação devida (dar, fazer ou não fazer), na natureza


devida, na quantidade devida e como era devido. O pagamento é a extinção adequada e
perfeita.

a. Natureza jurídica
O pagamento é ato-fato jurídico. Um fato jurídico em sentido amplo é
composto por um suporte fático que prevê hipóteses de fato que, se verificadas
na vida real, a norma jurídica incide, dando a esses fatos o potencial de
produzir efeitos jurídicos previstos no preceito da norma jurídica.

Esses fatos podem ser conformes ou contrários ao direito. As condutas


humanas em que a vontade, para a norma, é irrelevante, constituem os atos-
fatos. A norma desconsidera a vontade para a produção de efeitos.

O pagamento envolve uma conduta humana, mas essa conduta, para ingressar
no mundo jurídico, a norma considera irrelevante a presença ou qualidade da
vontade envolvida.

Pelo plano da validade, só transitam aqueles atos jurídicos pelos quais a


vontade é um ato relevante. Assim, os atos-fatos jurídicos não transita no
plano da validade.
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Dessa maneira, o pagamento não será analisado no plano da validade; não


existe pagamento nulo, anulável, inválido.

O pagamento é um ato-fato jurídico real. O pagamento é a realização, a


concretização de um comportamento devido. O devedor deve uma prestação
(dar, fazer, não fazer). Essas prestações são devidas de forma abstrata e, com o
pagamento, ocorre a concretização ou materialização do que é devido.

Os atos reais, enquanto categoria de ato-fato, são aqueles condutas humanas


em relação aos quais a lei está preocupada com o resultado material da
conduta; a realização material do resultado.

O pagamento passa do plano da existência, diretamente, ao plano da eficácia.


O efeito esperado do pagamento é o efeito liberatório, liberando o devedor da
obrigação, pois essa estará distinta. Esse pagamento é eficaz ou é ineficaz?

Em determinadas hipóteses, é possível a repetição do pagamento. Não


significa invalidade do pagamento.

b. Princípios
O princípio da boa-fé objetiva está diretamente relacionado à noção de
obrigação como processo, envolvendo os deveres anexos e o adimplemento
ruim.

O pagamento ou extinção adequada significa a satisfação real, que adota a boa-


fé objetiva como modelo de comportamento.

O princípio da pontualidade não se relaciona apenas ao aspecto temporal. A


pontualidade significa que a obrigação deverá ser cumprida ponto a ponto, no
lugar devido, nas condições devidas, pela pessoa que deve em favor da pessoa
a quem se deve, no tempo devido. O cumprimento deve ser satisfatório.
Havendo falha na pontualidade, o credor pode se recusar a receber.

Princípio da identidade. O credor não pode ser obrigado a receber


prestação diversa daquela que lhe é devida, ainda que a prestação diversa
seja mais valiosa.

Princípio da exatidão. O aspecto formal da obrigação deve ser


respeitado, que se relaciona com o tempo e lugar.

Princípio da integridade. Ainda que a prestação seja divisível, nem o


devedor pode ser obrigado a pagar, nem o credor pode ser obrigado a
receber a prestação fracionada. Ainda que seja possível fracionar a
obrigação, o seu cumprimento, a priori, deverá ser de forma integral. O
cumprimento só não será integral se as partes concordarem.

Há uma exceção ao princípio da integridade, na hipótese de


parcelamento compulsório. Na execução, o devedor, intimado para
pagar, pode optar (direito potestativo) pela realização de parcelamento
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compulsório. O devedor, ao invés de pagar integralmente, oferece uma


entrada de 30% do valor da dívida e o restante parcelado em 6 vezes.

CC. Art. 916.  No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e
comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de
custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja
permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de
correção monetária e de juros de um por cento ao mês.

c. Sujeitos
Refere-se a quem paga e a quem se paga.

i. Solvens
Quem paga a prestação devida recebe o nome de Solvens. Em regra, o
solvens será o devedor. O devedor pode pagar através de representante
legal ou convencional. Se o devedor tiver morrido, cabe o pagamento da
prestação aos seus herdeiros, nos limites da herança (intra viris
hereditatis). Aquilo que exceder as forças da herança pode ser paga pelos
herdeiros, mas será mera liberalidade.

Além disso, excepcionalmente, aceita-se o pagamento realizado por


terceiro, sujeito estranho à relação jurídica obrigacional. Por qualquer
motivo, esse terceiro resolve pagar a prestação. Esse motivo que leva o
terceiro a pagar vai classificar esse terceiro como:

O terceiro interessado é aquele que tem um interesse jurídico no


pagamento. O patrimônio dele poderá sofrer as consequências do
inadimplemento. Para não sofrer essas consequências, ele realiza o
pagamento. Para se configurar como terceiro interessado, o único
critério é a presença do interesse jurídico, que está relacionado com o
interesse patrimonial. Fiador.

Quando pagamento é realizado por terceiro interessado, o credor sai da


relação jurídica obrigacional, pois está satisfeito; todavia, esse
pagamento realizado por terceiro interessado não tem efeito liberatório,
ou seja, o devedor não estará exonerado, estando ainda obrigado a pagar
ao terceiro interessado que efetuou o pagamento. O terceiro interessado
que paga ao credor se sub-roga nos direitos do credor. A relação jurídica
obrigacional se mantem, mas muda-se o sujeito na posição de credor. O
terceiro interessado se sub-roga em todos os direitos do credor
originário.

O terceiro não-interessado é aquele que tem um interesse moral ou outro


interesse não-jurídico no pagamento. Todo pagamento feito por terceiro
que não tenha seu patrimônio sujeito à invasão em razão do
inadimplemento é pagamento de terceiro interessado. Esse terceiro pode
efetuar o pagamento em nome do devedor ou em nome próprio.
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Quando o terceiro não interessado paga em nome do devedor, ele está


praticando uma liberalidade, é um ato gratuito, não havendo direito à
qualquer contraprestação.

Quando o terceiro não interessado paga em nome próprio, surge, em


favor dele, direito de reembolso. A relação jurídica obrigacional original
se extingue e surge, em favor desse terceiro, um direito novo, a pretensão
ao reembolso por aquilo que ele pagou. O direito de reembolso é um
direito próprio, uma pretensão autônoma. O terceiro não interessado
não terá qualquer dos direitos que favoreciam o credor originário.

Bel é pai de Durval. Durval contratou com Ivete um empréstimo e ficou


devendo a ela 100 mil reais. Durval afiançou essa dívida; Daniela foi
fiadora dessa dívida. Veio o vencimento e Durval não pagou. Preocupado
com o inadimplemento provocado por seu filho, Bel toma a iniciativa e
efetua o pagamento a Ivete, realizando-o em nome próprio. A relação
obrigacional se extingue e surge, para Bel, o direito de reembolso. Bel
não pode cobrar o reembolso de Daniela, pois fiança se extinguiu com a
extinção da obrigação.

No pagamento pelo terceiro interessado, este poderá cobrar do fiador,


caso haja, pois a relação obrigacional ainda existe e ele se sub-roga nos
direitos do credor.

Existem duas hipóteses em que não há direito de reembolso em favor de


terceiro não-interessado que paga em nome próprio: quando o terceiro
paga sem a ciência do devedor ou se houve recusa qualificada do
devedor. A recusa qualificada do devedor ocorre quando ele se opõe ao
pagamento, e somente vai obstar o direito de reembolso em favor do
terceiro, se o devedor se recusa a aceitar o pagamento e tem meios,
recursos suficientes para saldar a dívida.

ii. Accipiens
O accipiens é aquele a quem se paga. Em regra, quem recebe o
pagamento é o credor. Também é possível fazer esse pagamento a
representante do credor, quando ele tiver poder para tal. Trata-se de
poder específico para dar quitação, que deve estar previsto no mandato.
Também pode receber aquela pessoa que portar a quitação.

A quitação é a prova do pagamento, o documento que o credor entrega


ao devedor, que prova que o devedor pagou e está exonerado. A pessoa
que porta a quitação, ou seja, que porta esse documento liberatório em
favor do devedor, em regra, está autorizado a receber o pagamento.

O devedor pode se recusar a pagar a quem a quitação, se houver, no caso


concreto, evidências que o levem a desconfiar da sua legitimidade para
portar a quitação.
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CC. Art. 311. Considera-se autorizado a receber o pagamento o portador da


quitação, salvo se as circunstâncias contrariarem a presunção daí resultante.

O que acontece quando o pagamento é feito a quem não está autorizado


para receber o pagamento? Quem paga mal, paga duas vezes. O devedor
poderá ser obrigado a pagar novamente. O pagamento realiza a quem
não está autorizado a receber é um pagamento ineficaz.

Esse devedor não poderá se recusar a pagar ao credor ou outrem


autorizado alegando que já pagou.

Existem exceções, hipóteses em que o pagamento equivocado tem efeito


liberatório.

Credor putativo. A boa-fé pode servir para dar efeitos a atos


nulos. A putatividade é o reconhecimento que o ordenamento
jurídico dá que a boa-fé pode dar efeitos a atos, inicialmente,
inválidos ou ineficazes. O pagamento indevido, feito a quem não
era credor, poderá ter eficácia liberatória se for feito de boa-fé, se
houver putatividade. São circunstancias em que a boa-fé objetiva
autoriza que o devedor esteja liberado se ele efetuou o pagamento
a quem não era credor, mas parecia ser. O cedido que paga ao
cedente, depois da cessão de crédito, mas antes de ter recebido a
notificação. O credor real vai perseguir seu crédito nas mãos do
credor putativo, que o recebeu indevidamente.

Pagamento feito a quem não era credor, mas depois se tornou.


Jorge deve a Mateus 100 mil reais. Mateus tem um filho chamado
Wesley. Jorge paga os 100 mil reais a Wesley. Jorge pode ser
obrigado a pagar novamente a Mateus. No meio tempo, Mateus
morre. Quando Mateus morre, esse crédito se transmite para seus
herdeiros. Wesley não poderá cobrar novamente o pagamento da
quantia. Tem efeito liberatório o pagamento feito a quem não era
credor mas que, posteriormente, se torna credor.

Ratificação. Se o pagamento foi feito a quem não era credor, mas


o credor ratifica esse pagamento, obviamente, o devedor estará
liberado.

Prova de que, apesar de ter efetuado o pagamento a pessoa


errada, o pagamento reverteu em favor do credor. O devedor
pode se exonerar fazendo prova de que o pagamento à pessoa
errada reverteu em favor do efetivo credor.

Pagamento feito a incapaz. É um caso especial. Nada impede que


incapaz seja credor, mas ele não pode, sozinho, dar quitação. Se o
devedor efetua pagamento ao incapaz, não assistido ou não
representado, a eficácia depende se o devedor tinha ou não
conhecimento da incapacidade. Se o devedor não tinha
conhecimento da incapacidade, o pagamento terá efeito
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liberatório, pois foi feito de boa-fé. Se o devedor tinha


conhecimento da incapacidade, ele só estará exonerado se fizer
prova de que a quantia se reverteu em favor do incapaz.

2. Objeto
a. Princípios
Em relação ao objeto do pagamento, há de se respeitar os três princípios
decorrentes do princípio da pontualidade:

Princípio da exatidão. O pagamento deve ser realizado exatamente como


projetado; da forma (qualidade e quantidade) como as partes ajustaram nesse
pagamento.

Princípio da identidade. O credor não pode ser obrigado a receber coisa


distinta daquela que lhe é devida, ainda que seja mais valiosa.

Princípio da integridade. Ainda que o objeto seja divisível, o credor não pode
ser obrigado a receber de forma fracionada, salvo na hipótese de parcelamento
compulsório.

b. Obrigações pecuniárias
Entre as obrigações de dar, existem as obrigações de dar dinheiro. A coisa a ser
dada é uma determinada quantia em dinheiro.

A obrigação de dar dinheiro atende a alguns elementos e normas específicos. O


Código Civil estabelece que as obrigações pecuniárias devem ser pagas pelo
seu valor nominal e moeda corrente. O que é devido não é a cédula de
dinheiro, e sim a quantia. A regra é que o dinheiro é fungível, apesar de a nota
ser infungível. Nada impede que determinada quantia em dinheiro seja, por
ato de vontade, considerada infungível.

i. Nominalismo
A obrigação pecuniária é devida pelo valor, pela quantia, e não pela nota.
A obrigação em dinheiro é, de regra, uma obrigação fungível.

CC. Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em


moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes.

Hoje em dia, é possível que esse valor nominal da obrigação pecuniária


se torne totalmente desatualizado, em razão da inflação. Esse fenômeno
era mais visível nas décadas de 80 e 90. Com a inflação muito alta, o
poder de compra do dinheiro diminui bruscamente. O perigo das dívidas
com seu valor nominal é justamente esse, principalmente, quando o
tempo do pagamento está muito distante à contração da obrigação. Pode
ser que, ao tempo do pagamento, a obrigação não corresponda ao poder
de compra do momento em que a obrigação foi contraída. O valor
nominal nao leva em consideraçao a evoluçao dos preços na economia.

ii. Dívidas de valor


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Além das dívidas pecuniárias, existem as dívidas de valor, quando, no entanto, o


dinheiro não constitui objeto da prestação, mas apenas representa seu valor, diz-se que
a dívida é de valo
. O exemplo do carro popular.

iii. Cláusula de escala móvel


Nossa doutrina e lei preocupou-se em incorporar a ideia de dívida de
valor, que é a pactuação de que a dívida seja paga não pelo seu valor
nominal, mas pelo seu poder de compra. Isso significa dizer que as
partes podem convencionar que, ao invés de o pagamento ser 25 mil
reais, ser o valor, à época do pagamento, da compra de um carro
popular.

O que se quer preservar é o valor no sentido de poder de compra daquela


moeda.

Da mesma forma, é possível que se pactue a cláusula de escala móvel. A


cláusula de escala móvel se aplica as prestações pecuniárias sucessivas,
que são aquelas que devem ser pagas em períodos sucessivos de tempo,
com diversos períodos de vencimento. A cláusula de escala móvel é o
reajuste dessas prestações, para que elas se readaptem ao poder de
compra da moeda.

A clausula de escala móvel se aplica para casos em que há vencimentos


em longos períodos de tempo. Objetiva-se que, depois desse longo
período de tempo, mantenha-se o poder de compra daquele
parcelamento.

A priori, se o pagamento for pelo valor nominal, não haverá reajuste. O


reajuste não se confunde com correção monetária; correção monetária é
consequência do inadimplemento, opera por força de lei, não decorre da
compactuação. O reajuste decorre da manifestação de vontade das
partes. Se nada for pactuado, permanece-se o pagamento pelo valor
nominal.

Nos casos de cláusula de escala móvel, havendo deflação, é possível que


o valor da obrigação seja reajustado para menos.

iv. Onerosidade excessiva


CC. Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção
manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução,
poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto
possível, o valor real da prestação .

No Código de 1916, sobrevinha o princípio do pacta sunt servanta. Isso


gerava situações de desigualdade.

Existem contratos que são bilaterais. Quando há a pactuação, surgem


obrigações para ambas as partes, ou seja, toda parte tem o direito a uma
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prestação e o dever a uma contraprestação. Ambas as partes são credores


e devedores uma da outra.

Contratos unilaterais são aqueles que somente uma das partes tem
deveres.

Nos contratos bilaterais, da prestação, a parte 1 é credora e a parte 2 é


devedora; da contraprestação, a parte 1 é devedora e a parte 2 é
devedora.

Nos contratos bilaterais, existe algo que deve ser mantido, tanto no
momento em que o contrato surge, quanto no momento em que ele deve
ser cumprido: sinalagma ou equilíbrio contratual. O sinalagma é o
equilíbrio da prestação em relação à contraprestação.

O ordenamento jurídico exige que, se de um negócio jurídico surgem


obrigações para ambas as partes, essas obrigações devem guardar entre
si não identidade, mas equilíbrio, razoabilidade, proporcionalidade.
Significa dizer que não há equilíbrio contratual se celebra-se o contrato
de compra e venda de uma casa no litoral norte por 3.000 reais.

Desde o nascimento do contrato, até a sua extinção, o sinalagma deve


permanecer.

A lesão é uma causa de anulabilidade do negócio jurídico em razão da


onerosidade excessiva. Refere-se à desequilíbrio contratual na origem do
negócio jurídico. No direito brasileiro, não existe invalidade
superveniente.

Em obrigações, trata-se de um desequilíbrio entre prestação e


contraprestação que não havia no momento na gênese, mas que, em
razão de circunstâncias supervenientes, o sinalagma é quebrado. O
sinalagma existia no momento da gênese do contrato, mas desaparece
supervenientemente. Há uma desproporção entre o que é devido por
uma parte e pela outra.

Se o negócio vem a se tornar desequilibrado, por qualquer motivo


posterior, tem-se a quebra do sinalagma. O ordenamento jurídico não se
mantem neutro, não se prende ao pacta sunt servanta. O Código de 2002
traz a previsão da cláusula rebus sic stantibus; no estado atual das
coisas; as coisas estando assim. O legislador compreendeu que a
exigibilidade da prestação somente se mantem enquanto houver o
equilíbrio. Esse equilíbrio é verificado no momento do surgimento do
contrato. Se determinadas circunstancias, posteriores ao surgimento da
obrigação, fazem com que haja um desequilíbrio, ou seja, se há alteração
nas circunstancias que provoque quebra do sinalgma, aquela
exigibilidade da obrigação não é mais absoluta. Não se pode mais falar
em pacta sunt servanta, nessas obrigações.
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O Código permite que o magistrado revise as cláusulas contratuais,


intervindo no conteúdo obrigacional, a fim de adequar a prestação
devida à essas circunstâncias supervenientes, com o objetivo de manter o
equilíbrio contratual.

Nosso legislador, tanto na lesão quanto na revisão de contrato, pela


onerosidade excessiva, busca mitigar o pacta sunt servanta e preservar o
equilíbrio negocial.

Não é qualquer desequilíbrio contratual que autoriza a anulabilidade ou


a revisão do contrato, ou seja, essa busca pelo reequilíbrio contratual não
é uma busca puramente objetiva (analisar o desequilíbrio). O código civil
condiciona a anulabilidade pela lesão à premente necessidade ou a
inexperiência da parte desfavorecida.

Da mesma forma, não é o simples rompimento do sinalagma que


autoriza a revisão da obrigação pelo magistrado para que ele adeque a
obrigação a uma nova realidade. O Código Civil subordina essa
possibilidade à situação em que esse desequilíbrio contratual decorre de
circunstâncias imprevisíveis; não poderiam ter sido previstas pela parte,
no momento em que a obrigação foi contraída. O contrato pode ser
mantido, quando revisado e adequado à nova situação.

A simples inflação não é causa imprevisível, não justificando a revisão do


contrato pela onerosidade excessiva. Há discussões sobre o desemprego
ser ou não causa imprevisível.

No regime do código civil, o legislador condiciona a revisão do contrato à


essas circunstâncias supervenientes serem imprevisíveis. No regime do
CDC, basta o rompimento do sinalagma para que o contrato seja
revisado.

O índice que as partes podem adotar para reajustar o valor das


prestações é qualquer um. As partes podem pactuar o índice do reajuste
por qualquer valor. A Constituição proíbe que esse reajuste use como
parâmetro o salário mínimo.

CC. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a


suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim;

A moeda corrente, atualmente, é o real. Assim, as dívidas em dinheiro


devem ser pagas em real.

v. Obrigação valutária
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As obrigações de pagamento em moeda estrangeiro são obrigações


valutárias. Essas obrigações são nulas. O código civil fulmina qualquer
obrigação de pagamento em moeda estrangeira.

A pactuação de pagamento em moeda estrangeira é nula. No Brasil, o


Código proíbe essa pactuação. Ademais, a moeda estrangeira não pode
ser utilizada como indexação.

As exceções à pactuação de pagamento em moeda estrangeira previstas


no decreto-lei 857/69 e na lei 8.880/94.

Obrigações que envolvem comércio exterior. O contrato de câmbio é a


conversão de uma moeda em outra. O contrato de exportação e
importação.

vi. Cláusula-ouro
Também são nulas as obrigações que preveem pagamento em ouro. No
entanto, o ouro pode ser usado como padrão de conversão, como
indexação.

3. Prova
O pagamento, uma vez feito, de forma perfeita, extingue a relação jurídica obrigacional;
efeitos liberatórios. Se o credor cobrar novamente o devedor, este pode se exonerar,
provando que já pagou.

O pagamento pode ser provado por qualquer meio, todavia, o meio mais robusto de se
provar o pagamento é a quitação. A quitação é a prova mais forte e robusta de que o
pagamento foi realizado. Não é a quitação que exonera o devedor, ela somente prova
que o pagamento foi realizado.

A quitação se instrumentaliza, ganha forma com o recibo. Quitar, etimologicamente,


vem do latim quietare, que significa acalmar. O devedor que recebe a quitação está
tranquilo pois, se exigido novamente, não precisará pagar.

Quitar, no sentido de dar a quitação, significa dar ao devedor a prova de que ele pagou.
Essa prova se materializa através do recibo.

a. Presunção relativa
O recibo faz surgir a presunção de que houve o pagamento. A quitação gera a
presunção de que o devedor realizou o pagamento.

A presunção relativa significa que, ao dar a quitação ao devedor, o credor


somente poderá exigir o pagamento se fizer prova de que não recebeu.
Inclusive, essa é a demonstração de que não é a quitação que extingue a
obrigação pois, se a quitação for dada, sem o pagamento, este ainda poderá ser
exigido, se o credor prove tal fato.

Não é a quitação que extingue a obrigação, mas o pagamento.


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A quitação é um direito do devedor. Se o credor se recusar a dar a quitação, o


devedor pode reter o pagamento, se recusar a pagar. Nesse caso, quem estará
em mora será o credor.

Quando o credor dá a quitação do principal, presume-se que, com a quitação


do principal, o acessório foi quitado.

b. Forma
De que forma deve ser dado o recibo? Qual a forma exigida para a quitação?
Qualquer forma, de preferência, por escrito. Ainda que a lei exija forma
específica para o negócio jurídico, a quitação das obrigações dele decorrentes
pode ser dada por qualquer forma.

Se Jorge e Mateus celebram entre si o contrato de compra e venda de um


imóvel, a forma desse contrato deve ser de escritura pública. Para a quitação,
pode ser usada qualquer forma, inclusive, instrumento particular.

CC. Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular,
designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este
pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu
representante.
Parágrafo único. Ainda sem os requisitos estabelecidos neste artigo valerá a
quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida.

A quitação é válida, ainda que haja omissão de alguma dessas informações.

c. Prestações sucessivas
Quando o pagamento deve ser feito em prestações sucessivas: prestação 1,
prestação 2, prestação 3, a quitação da última prestação, da prestação mais
recente, faz presumir a quitação das anteriores.

Essa regra admite ressalva pois, quem dá a quitação, pode deixar expresso que
a quitação não se refere às prestações anteriores.

O credor poderá cobrar as quitações não pagas, caso não tenha expressado
ressalva, mas terá de provar que não recebeu o pagamento das prestações
anteriores.

d. Juros
Se o credor dá a quitação referente ao montante principal, presume-se que,
nessa quitação, está inserida a quitação dos juros.

João pegou emprestado na mão de Daniel 10 mil reais (mútuo feneratício;


juros de 1%). Ao final do prazo, João paga e Daniel dá a quitação. Apesar de
não fazer previsão direta dos juros, presume-se que estes estão inseridos.
Daniel poderá cobrar esses juros depois, mas terá que cobrar que esses juros
não estavam inseridos na quantia recebida.

e. Entrega do Título
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Em algumas obrigações, a entrega do título ao devedor faz presumir a


quitação. O título é um documento que representa algo. O título de crédito
representa o direito de crédito do credor. Portanto, ao entregar ao devedor,
presume-se a quitação.

f. Despesas
Salvo manifestação em sentido contrário, as despesas relacionadas com o
pagamento e sua prova deverão ser suportadas pelo devedor. É lícito, a priori,
no pagamento pela internet, o devedor ter que pagar algo a mais pelo boleto.

O Código presume que o devedor tem que pagar as despesas em relação ao


pagamento e à prova do pagamento. As despesas do pagamento correm contra
o devedor. Pode haver ressalva em sentido contrário.

A exceção à essa regra, quando o credor der causa ao aumento dessas


despesas, ele deverá pagar essas despesas relacionadas ao pagamento e sua
prova. O credor deverá pagar a diferença das despesas. Quando a entrega da
coisa deve ser feita no domicílio do credor e o credor se muda.

O devedor está exonerado no momento em que posta a coisa nos correios,


salvo disposição em contrário.

4. Local
Onde o pagamento deverá ser realizado?

Obrigações quesíveis (querable) deverão ser pagas no domicílio do devedor. Na regra,


compete ao credor ir buscar o pagamento. Como a regra é que as obrigações sejam
quesíveis, nestas, dado o vencimento (tempo do pagamento), o devedor não está
automaticamente em mora. Ele estará em mora a partir do momento em que for
procurado pelo credor.

Obrigações portáveis (portable) deverão ser pagas no domicílio do credor. Compete ao


devedor, vencida a obrigação, procurar o credor para efetuar o pagamento. Nas
obrigações portáveis, no conteúdo da obrigação, tem-se a prestação, os deveres anexos
e o dever de procurar o credor. O dever de procurar o credor e ter a iniciativa de um
pagamento está inserido no conteúdo da obrigação. Se da data do vencimento, o
devedor não procurar o credor para efetuar o pagamento, automaticamente, ele estará
em mora.

Como saber se uma obrigação é quesível ou portável? Em regra, elas são quesíveis. No
entanto, podem ser portáveis por força de convenção, de lei ou da natureza da
obrigação.

O tributo é uma obrigação portável; o contribuinte tem o dever de procurar a Fazenda


Pública para realizar o pagamento.

Quando a obrigação envolver imóvel, o local do pagamento é o local onde o imóvel


estiver situado.
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CC. Art. 328. Se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações


relativas a imóvel, far-se-á no lugar onde situado o bem.

Se no contrato houver previsão de mais de um lugar para o pagamento ser efetuado, a


escolha é do credor. Essa regra é estranha e contraria a lógica das obrigações, que
buscam facilitar o pagamento.

5. Tempo
O pagamento também pode ser chamado de vencimento. Quando a obrigação deverá
ser cumprida? Em regra, o vencimento é imediato, ou seja, contraída a obrigação, ela é
imediatamente exigível. Nascida uma obrigação, ela se torna exigível de imediato.

A exceção mais clara é a convenção em sentido contrário, quando as partes pactuam


que a obrigação deverá ser cumprida em tempo futuro. As partes pactuam o
vencimento da obrigação, sua exigibilidade, para uma data futura, isso é um termo; as
partes estão subordinando a eficácia da obrigação (exigibilidade) a um evento futuro e
certo.

A obrigação nasce no momento em que ela é celebrada, porém, se coloca-se o termo, a


obrigação existe, é válida, mas não produz seus efeitos. Somente no vencimento, ela
passa a produzir seus efeitos típicos (exigibilidade).

As partes podem não ter convencionado vencimento em data futura e, ainda assim, o
vencimento não ser imediato.

Nas obrigações que por sua própria natureza demandam tempo para o
cumprimento. A obrigação de construção de um imóvel.

Quando o pagamento tiver de ser feito em local distinto daquele em que o


negócio jurídico foi celebrado.

Se há o vencimento previsto para data futura, o credor está proibido de exigir esse
pagamento antes do vencimento. A cobrança antecipada é cobrança indevida,
constituindo ato ilícito.

a. Vencimento antecipado
Em determinados casos, ocorrerá a antecipação do vencimento. O vencimento
está previsto para um data futura, mas o credor estará autorizado, em razões
de circunstâncias excepcionais, a exigir antecipadamente o pagamento. São
hipóteses em que o credor corre o risco de não receber; há sinais muito claros
de insuficiência patrimonial do devedor e, forçar o credor a esperar o
vencimento, comprometeria o direito do credor receber seu crédito.

CC. Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo
estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro
credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias,
ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Lucas Sã o Thiago
14
2017.2

Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva,
não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.

Quando um determinado credor tem o seu crédito garantido por hipoteca, o


credor é hipotecário, quando seu crédito é garantido por penhor, o credor é
pignoratício. O credor hipotecário tem como garantia de seu credito um
imóvel. O credor pignoratício tem como garantia do seu crédito um bem
móvel.

Quando esse imóvel ou móvel forem penhorados por outro credor, ou seja, por
alguém que não foi o credor hipotecário ou pignoratício, esse crédito garantido
pela hipoteca ou penhor tem vencimento antecipado.

Existe um determinado crédito, esse crédito foi garantido ou por um imóvel ou


por um móvel. Se a dívida não for paga, o imóvel ou móvel serão vendidos para
satisfazer o credor. O credor é surpreendido quando percebe que o móvel ou
imóvel que garante o seu crédito está penhorado. Outro credor invadiu o
patrimônio do devedor e encontrou o bem móvel empenhado ou o bem imóvel
hipotecado. Assim, o vencimento do crédito desses credores é antecipado.

O credor hipotecário e pignoratício tem prioridade absoluta no recebimento do


crédito do imóvel hipotecado ou móvel empenhado. A priori, esses credores
não poderiam exigir o pagamento, pois o vencimento ainda não teria chegado.
Por isso, o legislador admite que o crédito garantido por hipoteca ou penhor
tenha vencimento antecipado.

Quando o crédito estiver garantido, por garantia real (penhor ou hipoteca) ou


pessoal (fiança), e há o enfraquecimento ou a perda dessa garantia, o devedor
poderá reforçar ou estabelecer outra garantia.

Um crédito garantido por fiança. De repente, o fiador pode desistir de ser


fiador. O credor perdeu a garantia que tinha, podendo exigir que o devedor
substitua ou reforce essa garantia. Se o devedor não substituir ou reforçar essa
garantia, o vencimento é antecipado; o credor poderá exigir o pagamento
imediatamente.

Se o devedor substitui ou reforça essa garantia, o credor somente poderá exigir


no vencimento previsto.

O vencimento a prazo ou vencimento por termo, presume-se que o termo é em


favor do devedor. Por isso, o credor não pode cobrar de forma antecipada.

b. Pagamento antecipado
O devedor pode pagar de forma antecipada, com uma ressalva, desde que, no
caso concreto, isso não cause prejuízo ao credor. A presunção de que o termo é
em favor do devedor é uma presunção relativa. As circunstâncias do caso
concreto podem tornar excessivamente oneroso ao credor receber de forma
antecipada.
Lucas Sã o Thiago
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2017.2

Juros remuneratórios são juros que remuneram o tempo do dinheiro;


remuneram quem empresta dinheiro. Juros moratórios são aqueles que
sancionam o atraso do pagamento.

Se esses juros remuneram pelo tempo que o dinheiro foi emprestado, quando
o devedor pagar antecipadamente, ocorre o deságio.

A obrigação está para ser paga ao final de um ano, 100 mil reais com juros de
12% ao ano. No vencimento, deve-se pagar 112 reais. Se paga-se a prestação em
6 meses, o pagamento antecipado enseja o deságio: o abatimento proporcional
dos juros.

Isso está expresso no Código do Consumidor, mas implícito no Código Civil.

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