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DIREITO DA FAMÍLIA/ P/L

17 de janeiro de 2012

Profs. José Reis Lamego/Margarida Silva Pereira

António e Beatriz casaram civilmente em janeiro de 2010.

Três meses antes, haviam celebrado Convenção antenupcial da qual constam as seguintes cláusulas:

1. António doa a Beatriz o seu imóvel X, declarando que tal doação é irrevogável.
2. Beatriz declara que nunca assumirá qualquer responsabilidade na educação dos filhos que
venham a ter.
3. Nos três primeiros anos do casamento vigorará o regime de comunhão de bens adquiridos.
Se, então, Beatriz vier a integrar um escritório de advocacia, o que sempre desejou, o regime
de bens passará a ser um regime misto.

Em fevereiro de 2011 Beatriz descobre que António casara com ela só e só para adquirir a
nacionalidade portuguesa. Apesar de António se revelar um companheiro “irrepreensível”,
Beatriz quer “providenciar a invalidade do casamento”.
Em maio de 2011 o casal compra uma viatura para facilitar a vida profissional de António.
Em junho, António gasta 700 euros, que Beatriz deixara numa carteira, para decorar o seu
local de trabalho. Beatriz fica muito irritada com o sucedido: nunca tinham falado sobre o
assunto, era uma verba auferida por ela.
As desavenças aumentam depois do nascimento da Iva, em junho de 2011. António sustenta
não ser o pai da criança e pretende tomar as medidas necessárias a tal demonstração e
subsequente produção de efeitos legais.
O advogado que acompanha o caso diz então que afinal tudo decorreria facilmente, caso
terminasse a divergência acerca de Iva: Beatriz quer que a filha estude, a partir dos três anos,
num colégio religioso. António pretende, por sua vez, proporcionar a Iva uma educação
laica, “e ela um dia resolverá a questão religiosa”.
Quid juris?
(13 valores)

II

Comente UMA das frases.

“… o novo artigo 1671º… emerge com enorme ganho de causa na segunda metade dos anos
setenta”.
(5 valores)

“A redação da Lei das Uniões de Facto, em matéria de efeitos jurídicos da demência


subsequente ao início da vida em comum, é um ponto de referência na compreensão do
atual Direito da Família”.
(5 valores)

Apresentação da prova: 2 valores


Tópicos de correcção

A e B, nubentes, celebram, antes do casamento civil, convenção antenupcial. Não havendo


referências a que algo obste a tal, entendemos que a convenção celebrada validamente, ao abrigo da
liberdade que a lei confere. (referenciar a liberdade de convenção, artigos 1698º e ss.).

São conhecidas três cláusulas desta convenção.

De acordo com a primeira, B faz uma doação a A. Trata-se de doação entre nubentes (artigo 1753º e
ss.) Nos termos do artigo 1758º, estas doações não são revogáveis por mútuo consentimento dos
contraentes.

As responsabilidades parentais competiriam a um dos cônjuges, sendo esta matéria relativa a


matéria parental e não tendo por isso acolhimento em convenção antenupcial (alínea b) do nº 1 do
artigo 1699º).

Última cláusula, contendo a estipulação de um eventual regime sucessivo de bens, ou melhor, de


mudança de regimes sob condição. No entanto, dada a especificidade do caso apresentado, a sua
concretização dependerá sempre da vontade de um dos cônjuges, aquele na esfera do qual possa a
condição concretizar-se. Só se Beatriz aceitar o trabalho no escritório mudará o regime de bens.

Este factor afigura-se impeditivo da validade da cláusula. Assim, esta sempre seria nula. É-o ainda
pelo facto de afirmar a opção vaga por um regime “misto”: tal regime só seria aceitável desde que
delimitado nos seus traços, o que não acontece ( artigos 1713º e ss.).

A e B casam em regime de comunhão de adquiridos (artigos 1717º e ss., 1722º e ss.).

Descobre-se que A só pretendera adquirir a nacionalidade portuguesa com este seu casamento, não
tendo dado conhecimento da intenção a Beatriz.

Não se vislumbram fundamentos de invalidade. O dolo é irrelevante nesta sede (artigos 253º e 254º;
omissão do dolo no elenco das invalidades matrimoniais).

A viatura é comprada com dinheiro de B. Em regime de comunhão de adquiridos, competia apurar


do caráter do bem, próprio ou comum (artigos 1722º-1731º): traço geral da lei.

Os 700euros auferidos por Beatriz são bens próprios (artigo 1724º): regime de administração (alínea
a) do nº 2 do artigo 1678º; nº 1 do artigo 1681º).

Pode B interpor deste modo ação contra A, a fim de reaver a quantia, caso não se concretize outra
forma de pagamento.

Surgem problemas atinentes aos Direitos dos Menores: base constitucional, artigo 36º CRP.

A impugnação da paternidade de Iva implicará ação judicial. Sobre A impende a presunção


adveniente do casamento (nº 1 do artigo 1796º). A ação judicial de impugnação da paternidade
(artigo 1838º) é complexa, restrita.

O advogado que acompanha a causa afirma que “tudo se resolverá” caso o casal chegue a acordo
acerca da educação da criança.
O interesse da Menor não é “moeda de troca” em apaziguamento conjugal! Iva tem o direito a conhecer a sua
proveniência em qualquer circunstância e independentemenete das consequências. Se dúvidas subsistirem, deve
o Ministério Público atuar

Resolverá nos termos da lei: não condicionando o direito da menor ao conhecimento da sua
identidade/origem familiar, que decorre da dignidade humana.

Estão agora esses problemas concentrados na educação da criança: os pais, (ora assumidos),
pretendem sistemas educativos diferentes para ela.

Trata-se de questão essencial na vida da menor, em que impera o seu interesse superior. Na falta de
acordo, o Tribunal deverá intervir. Será este o momento? Ou antes, uma vez que se presume
divergência n meio? Ou deverá aguardar o desenvolvimento da menor, uma vez que a questão não
se coloca de imediato? (referências legais ao regime das responsabilidades parentais: matérias de
especial importância para a vida do meenor, artigo

II

A introdução do princípio da igualdade entre os cônjuges marca a fosionomia jurídica do Direito da


Família que sai da Reforma de 77. Remete-se para o estudo das fontes constitucionais e para os traços
caraterizadores da Reforma de 77.

III

A União de Facto pressupõe na sua última versão legal, como condição de produção de efeitos
jurídicos, a existência de estado permanente de lucidez mental. Se isso não se verificar considera-se
que deverá reiniciar a contagem do prazo de dois anos.

Assim parece dever entender-se a alteração operada com a Lei 23/2010: agora, o artigo 2º b) ressalva
dos obstáculos à produção de efeitos da União os casos de anomalia subsequente à vida comum.

A norma parece incidir sobre uma União de Facto juridicamente relevante.

Leitura contrária representará um retrocesso na preservação da saúde pública e na imagem social do


instituto.

No entanto, é possível sustentá-la.

Por uma das soluções alternativas caminharia o comentário pretendido. Não está vedada
interpretação teleológica e atualista da lei. O termo “união de facto” não possui, no diploma em
vigor, um sentido unívoco. Todavia, o artigo 1º identifica a União de facto com a situação que perfaz
dois anos e produz efeitos jurídicos. Cremos que deva constituir o critério de interpretação de todo o
instituto positivado.

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