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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

Florianópolis (SC), 21 de julho de 2008.

O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Santa Catarina (CRMV-


SC), em reunião com os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária dos Estados do Rio
Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e
Ceará, onde recebeu apoio desses Conselhos, a respeito da preocupação sobre a proposta
de mudança do Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem
Animal (RIISPOA), promovida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA).
A referida proposta encontra-se em consulta pública e tem por finalidade “adequar” o
desrespeito à legislação hoje em vigor, transformando a inspeção e fiscalização industrial e
sanitária de produtos de origem animal, de permanente ou periódica, através de auditorias,
com a passagem de responsabilidades para a indústria produtora, ou seja, abrindo mão de
um ato de polícia para um ato de mera vontade particular/empresário.
Esta experiência tem se demonstrado ineficiente e os exemplos surgidos com
freqüências (escândalos do leite UHT e adição de água ao frango), têm demonstrado grave
problema a saúde pública e golpe contra a economia popular.
O MAPA vem priorizando os estabelecimentos exportadores, especialmente os de
carnes (abatedouros), em detrimento daqueles que comercializam para o mercado interno, a
população brasileira como um todo.
Para exemplificar, no caso do Estado de Minas Gerais, onde ocorreu o incidente com
o leite UHT, existem menos de 200 Médicos Veterinários Fiscais Agropecuários, para um
número aproximado de 1.800 indústrias na área de leite. Situação calamitosa do ponto de
vista sanitário e higiênico.
A proposta do MAPA fere frontalmente a Lei n° 1.283, de 18 de dezembro de 1950
que estabelece em seu artigo 1º a obrigatoriedade da prévia fiscalização, sob o ponto de
vista industrial e sanitário de todos os produtos de origem animal, estando sujeitos a
fiscalização prevista nesta Lei os animais destinados à matança, seus produtos e
subprodutos e matérias-primas, o pescado e seus derivados, o leite e seus derivados, o ovo
e seus derivados, o mel e cera de abelha e seus derivados.

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Ainda o art. 3º da mesma Lei, estabelece que a fiscalização far-se-á: a) nos


estabelecimentos industriais especializados e nas propriedades rurais com instalações
adequadas para a matança de animais e o seu preparo ou industrialização, sob qualquer
forma para o consumo; b) nos entrepostos de recebimento e distribuição do pescado e nas
fábricas que o industrializem; c) nas usinas de beneficiamento do leite, nas fábricas de
laticínios, nos postos de recebimento, refrigeração e desnatagem do leite ou de
recebimento, refrigeração e manipulação dos seus derivados e nos respectivos entrepostos;
d) nos entrepostos de ovos e nas fábricas de produtos derivados; e) nos entrepostos que, de
modo geral, recebem, manipulam, armazenam, conservam ou acondicionam produtos de
origem animal; f) nas propriedades rurais; g) nas casas atacadistas e nos estabelecimentos
varejistas.
Para a realização da prévia fiscalização é obrigatório, e necessário a presença do
Médico Veterinário, e na condição de agente público, com poder de polícia, quando dos
procedimentos de inspeção, julgamento e destinação dos produtos, subprodutos e matérias-
primas, e de fiscalização das atividades de processamento e das condições de higiene
operacional. A ação é indelegável por disposição constitucional, pelo caráter de poder de
polícia como ação de Estado, que lhe é competente, indelegável ao particular.
Entendemos ser inadmissível que se transfira ao particular uma atividade do Estado,
referente a Saúde Pública e, principalmente a segurança alimentar, haja vista estar
quebrando os princípios da imparcialidade imposta pela Lei. O que o governo está
pretendendo é passar seus encargos, indelegável ao particular, desconsiderando o custo
social. Como imaginar que o empresário vai produzir e inspecionar sanitariamente seus
produtos, através do seu funcionário, sem a devida independência para fazê-lo, tentando
executar as tarefas de inspetor em nome da população. É difícil de imaginar essa
possibilidade. Como empregado, o profissional, necessariamente obedece ao seu patrão
que mantém seu vínculo empregatício, e deve trabalhar na defesa dos interesses patronais.
Já como inspetor - particular, com freqüência, terá que agir contrariando interesses de seu
empregador, podendo colocar em risco a sua estabilidade no trabalho. Impossível de
imaginar a situação do Médico Veterinário para administrar o conflito de interesses em jogo,
do seu patrão com saúde pública.
Dados estatísticos do MAPA revelam que historicamente os números de
condenações de matérias-primas e produtos de origem animal são significativos, gerando

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prejuízos as empresas inspecionadas, garantindo, no entanto, a saúde do consumidor,


como interessado maior no sistema sanitário.
Na proposta do MAPA em seu art. 13 §1º diz que: “é obrigatório a inspeção em
caráter permanente em estabelecimentos de abate das diferentes espécies animais”, e no
inciso I, diz que “no que se refere ao pescado a inspeção permanente se aplica
especificamente aos estabelecimentos de abate de répteis e anfíbios”. Por último, no §2º, do
mesmo artigo, diz que “os demais estabelecimentos que constam nesse regulamento terão
inspeção periódica”. Com esse propósito, automaticamente, exclui os demais
estabelecimentos, como na área de leite, de pescado (a exceção dos répteis e anfíbios),
estabelecimentos de carnes que não realizam abate e estabelecimentos de ovos e mel, de
possuírem inspeção permanente do MAPA. Transferindo esse trabalho ao próprio
empresário.
Ao mesmo tempo o inciso II do artigo 13 é contraditório ao § 1° do art. 13, quando diz
que “os procedimentos de inspeção previstos nesse artigo poderão ser alterados” (grifo
nosso) mediante a aplicação da análise de risco, envolvendo, no que couber, toda a cadeia
produtiva, segundo os preceitos instituídos e preconizados pelos organismos especializados
reconhecidos internacionalmente, observados, no caso do abate (grifo nosso), as
peculiaridades das diferentes espécies. Portanto, nem mesmo os estabelecimentos de abate
é garantido a inspeção permanente. Dentre vários enunciados na proposta do MAPA sem
justificativa legal é impossível de operacionalização, citaremos alguns: No art. 6°, inciso I,
diz das atribuições das ações do DIPOA “coordenar e executar” (grifo nosso), as atividades
de inspeção e fiscalização industrial e sanitária dos estabelecimentos registrados ou
relacionados no MAPA e dos produtos de origem animal, comestíveis ou não, e seus
derivados, destinados ao comércio interestadual ou internacional.
Como a regulamentação em discussão prevê inspeção permanente apenas nos
abatedouros, como seriam executadas (grifo nosso) com inspeção periódica as seguintes
atividades, entre outras?
Art. 216 – O julgamento das condições sanitárias(grifo nosso) do pescado resfriado e
do congelado deve ser realizado de acordo com as normas previstas para o pescado fresco,
naquilo que lhe for aplicável.

Art. 217 – Considera-se impróprio para o consumo, o pescado:

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IV – portador de lesões, doenças ou substâncias(grifo nosso) que possam prejudicar a


saúde do consumidor.
V – que apresente infecção muscular maciça por parasitas;
§ 1º - O pescado nas condições deste artigo deve ser condenado, podendo ser
transformado em produto não comestível, considerando-se os riscos de sua utilização.
(proprietário da empresa, responsável pela fiscalização e inspeção vai condenar, o produto
impróprio?).

Art. 701 – Os produtos de origem animal, nacionais ou importados, quando


devidamente rotulados, terão livre trânsito em território nacional e conforme o caso, além de
rotulados devem estar acompanhados de certificado sanitário expedido em modelo próprio
pela autoridade sanitária(grifo nosso) competente do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.
Questiona-se:
A autoridade sanitária vai assinar o certificado em seu escritório?
A autoridade sanitária vai deixar certificados assinados em poder da empresa?
A empresa só vai comercializar nos dias em que houver inspeção periódica?
A autoridade sanitária vai assinar certificados atestando a qualidade dos produtos
cuja fabricação não assistiu e não controlou? (Formulação, higiene do ambiente, dos
operários, do equipamento).

A proposta de reformulação parece querer convencer que os Programas de Análise


dos Perigos e Pontos Críticos de Controle, Boas Práticas de Fabricação e Programa Padrão
de Higiene Operacional substituiriam a inspeção permanente.
Na realidade esses programas não são sistemas de inspeção e sim meras
ferramentas que visam tornar a inspeção mais eficiente e melhor definir as
responsabilidades.
Agora acreditar que auditorias periódicas, para verificar a execução correta desses
programas por parte das empresas, através de anotações, é de uma ingenuidade
inacreditável.
São públicas as ocorrências como a adição de formol no charque, excesso de amido
em salsichas e mortadelas, adição de uma quantidade inacreditável de água no frango
congelado, fraudes no beneficiamento do leite, essas as conhecidas.

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Se o Brasil fosse um país onde não houvesse tanta impunidade, onde grande parte
dos empresários tivessem uma mentalidade sanitária que se sobrepusesse aos lucros, e a
ética não fosse uma moeda tão desvalorizada, até se admitiria discutir métodos de inspeção
diferentes da Inspeção Permanente.
Ainda em termos de legislação que fortalece o entendimento de função pública
podemos citar a Lei nº. 1.283, de 18 de dezembro de 1950, com a redação dada pela Lei nº.
7.889, de 23 de novembro de 1989, ao estabelecer a competência privativa da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a inspeção sanitária e industrial de produtos
de origem animal.
Idêntico entendimento está contido no Decreto nº. 5.471 de 30/03/91, que
regulamenta os artigos 27-A e 29-A da Lei 8.171 de 17 de janeiro de 1991, em seu art. 142
que diz “A inspeção higiênico-sanitária, tecnológica e industrial dos produtos de origem
animal é da competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
A Lei 8.071 de 17/01/91, regulamentado pelo Decreto nº 5.041 de 30/06/06, em seus
Artigos 27, 28 e 29 e artigo 133 do declinado dispositivo preconiza: o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que
aderirem aos Sistemas Brasileiros de Inspeção de Produtos e Insumos Agropecuários
assegurarão: II – que o pessoal técnico e auxiliar que efetua as inspeções seja contratado
por concurso público. IV – previsão de poderes legais necessários para efetuar as inspeções
e fiscalizações e adoção das medidas previstas neste Regulamento.
Regulamentando o Decreto nº. 5.741 de 30/03/06, o MAPA através da Instrução
Normativa nº. 19, de 24/07/06, em seu anexo I, no art. 8º do Inciso I - Recursos humanos
em seu parágrafo 1º dizem que: “Médicos Veterinários e auxiliares de inspeção, oficiais e
capacitados, em número compatível com as atividades de inspeção, lotados no Serviço de
Inspeção, que não tenham conflitos de interesses e possuam Poderes Legais para realizar a
inspeção e fiscalização com imparcialidade e independência.”.
Do pouco acima dito, Senhor procurador do Ministério Público Federal, já convence a
direção deste Conselho, com total apoio dos demais dirigentes dos Conselhos Regionais de
Medicina Veterinária supra declinados, que os serviços de inspeção e fiscalização de
produtos de origem animal, necessariamente, terão que ser feitos por Agentes Públicos com
Poder de Polícia. Não é admissível permitir que sejam essas tarefas, tão importante e
necessários a saúde pública, exercidas por empregados prepostos dos diretamente

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envolvidos e interessados no processo produtivo do abate, industrialização até o consumo


da população desses produtos.
Isto posto, diante da gravidade do problema, solicitamos a Vossa Excelência a
devida intervenção em face do MAPA/União Federal visando evitar que a população
brasileira, mais uma vez, seja declarada órfão de qualquer proteção à segurança da sua
saúde em função do consumo de produtos de origem animal e seus derivados.
Na certeza da costumeira ação deste conceituado órgão, aproveitamos do ensejo
para reiterar protestos de elevado respeito e consideração.

Atenciosamente,

Méd. Vet. Moacir Tonet


Presidente do CRMV-SC
CRMV-SC n° 0837

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