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Gladir Cabral

João Leonel

o menino e o reino
Meditações
diárias para
o natal
O MENINO E O REINO - MEDITAÇÕES DIÁRIAS PARA O NATAL

CATEGORIA: Devocional | Espiritualidade | Vida cristã

Copyright © 2014, Gladir Cabral e João Leonel

Publicado originalmente em formato impresso por


Comunicarte – Missão Social Evangélica

Primeira edição eletrônica: Dezembro de 2014


Capa: Neriel Lopez
Diagramação: Bruno Menezes

Publicado no Brasil com autorização


e com todos os direitos reservados pela

EDITORA ULTIMATO LTDA


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Telefone: 31 3611-8500 — Fax: 31 3891-1557
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INTRODUÇÃO

TEMPO DE NATAL. Tudo parece passar tão rapidamente e


mergulhamos numa correria tão grande que, sem nos darmos
conta, logo virão as festas de fim de ano, as férias de verão, a volta
às aulas, até que tudo volte à rotina de sempre. Muito facilmen-
te, o Natal acaba chegando sem que estejamos preparados para
vivenciá-lo como é devido, como uma oportunidade para sensi-
bilização espiritual, compartilhamento de comunhão e esperança,
como alegria e paz em família.
Este pequeno livro devocional nasceu do desejo de fazer do
Natal uma experiência significativa, marcante. Cada meditação,
cada proposição de leitura bíblica e cada citação poética é um
convite à pausa de toda correria e à meditação serena sobre o
sentido desta estação de celebração da vida.

4
Outro motivo que inspirou a elaboração deste livro é a
convicção quanto ao valor do exercício devocional. A qualidade de
nossa experiência cristã está diretamente relacionada com a nossa
disposição para ler as Escrituras, meditar e orar diariamente. Estes
breves textos funcionam como encorajamento e provisão para as
horas devocionais. Uma espécie de “Meditações do Advento”.
O termo “Advento” vem do latim e quer dizer: vinda, visita.
No calendário cristão, é o tempo de comemorar a vinda do
Senhor Jesus, tanto a primeira quanto a segunda vinda. Trata-se
de um momento muito importante na vida da Igreja cristã
que marca o início do calendário litúrgico, que começa com o
Advento, segue para o tempo comum, depois a Páscoa, depois
outro tempo comum.
Durante o período do Advento, preparamo-nos para celebrar
a vinda de Jesus. Relendo os profetas e passagens dos evangelhos,
vamos refletindo sobre o significado de Sua encarnação. Lem-
bramos da esperança de salvação e graça acalentada pelo povo de
Israel quanto à chegada do Messias e o estabelecimento do reino
de Deus. Lembramos também da segunda vinda de Jesus, em
poder e glória. Enfim, tomamos consciência de que precisamos
de um Salvador.
O Natal pode parecer uma festa bem estranha para os que
não creem nas promessas das Escrituras. Também é estranho o
modo como a secularização tomou conta da festa: o consumismo
exagerado, os enfeites de gosto bastante duvidoso (para dizer o
mínimo), as convenções e costumes que conseguem, no máxi-
mo, fazer ecoar mensagens vagas de boa vontade entre os seres
humanos.
Queremos mais. Queremos o Natal centrado na pessoa e na
mensagem de Jesus. Concordamos com o que disse certa vez o
místico alemão Angelus Silesius: “Se Cristo nascer mil vezes em
Belém e não nascer em nossos corações, ainda não chegou o
Natal em nós”.

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Neste livro você encontrará diariamente uma mensagem
sobre o Natal e, depois dele, sobre o novo ano que se aproxima.
Queremos refletir sobre a encarnação, sobre o menino Deus, sobre
a salvação que irrompeu em graça em nosso mundo. Acompanhe-
nos. Dê-nos a alegria de compartilhar com você o que temos
ouvido, visto e experimentado a respeito do nosso Salvador.

Gladir Cabral & João Leonel

6
1 de dezembro

PORQUE O SENHOR É BOM!


1. Aclamem o Senhor todos os habitantes da terra!
2. Prestem culto ao Senhor com alegria;
entrem na sua presença com cânticos alegres.
3. Reconheçam que o Senhor é o nosso Deus.
Ele nos fez e somos dele:
somos o seu povo, e rebanho do seu pastoreio.
4. Entrem por suas portas com ações de graças
e em seus átrios com louvor;
deem-lhe graças e bendigam o seu nome.
5. Pois o Senhor é bom e o seu amor leal é eterno;
a sua fidelidade permanece por todas as gerações.
(Salmo 100)

TENHO de mudar! Preciso mudar!


Talvez você já tenha sentido necessidade de assumir um olhar
com o qual, a partir de determinado momento, passaria a enxer-
gar a vida. Deixar de ser guiado pelas circunstâncias. Deixar de
sentir-se uma mera confluência de fatores externos. Reconhecer
que, do jeito que está, não dá!
Algumas pessoas levam isso a sério, muito a sério! O salmista
foi alguém assim. Comprometeu-se a ter um olhar que dirigiria e
condicionaria tudo quanto viesse a fazer e pensar. Para ele, acima
de tudo, Deus é bom!
Tal decisão não surgiu do nada e nem de um dia para o outro.
Ela é fruto de experiências com Deus. Embora não saibamos quais
foram, elas o levaram a sentir-se criado pelo Senhor, ovelha de
seu rebanho. Sentiu vontade de louvar e de testemunhar o nome
do Senhor. Estava tomado por um desejo incontido de falar ao
mundo sobre a bondade de Deus.
7
A bondade que o salmista experimentou expressou-se con-
cretamente na misericórdia e na fidelidade divinas. Apesar de
nossas fraquezas, Deus nos ama, nos chama e nos quer junto
de Si. Apesar sermos infiéis por vezes, Ele continua fiel às suas
promessas a nós. Deus é bom!
Isso não significa que o salmista não tenha passado por
provações e lutas. Pelo contrário, certamente elas vieram,
curvaram-no com a violência de seus ventos, quase o submergiram
com a pressão de suas águas. Mas Deus continuou sendo bom,
sua misericórdia continuou a ampará-lo, sua fidelidade continuou
a socorrê-lo.
Deus é bom! Acima de tudo, Ele é bom!

REFLITA
“Toda a natureza humana resiste vigorosamente à graça porque a
graça nos transforma, e mudar é doloroso” (Flannery O’Connor).

8
2 de dezembro

O SENHOR DO TEMPO
1. Senhor, tu tens sido a nossa morada
de geração em geração.
2. Antes que nascessem os montes
ou que tivesses formado a terra e o mundo,
desde a eternidade até a eternidade, tu és Deus.
3. Tu reduzes os mortais ao pó
e dizes: Tornai-vos, filhos dos homens.
4. Pois mil anos aos teus olhos
são como o dia de ontem, ao findar-se,
e como vigília noturna.
5. Tu os arrebatas, como por uma torrente, são eles qual um sono.
De manhã são como a relva que cresce,
6. de manhã, brota e cresce;
de tarde, é ceifada e seca.
7. Pois somos consumidos pela tua ira
e, pela tua cólera, somos conturbados.
8. Diante de ti, puseste as nossas iniquidades
à luz do teu rosto, os nossos pecados secretos.
9. Pois todos os nossos dias se passam na tua ira;
gastamos os nossos anos como um suspiro.
10. Os dias da nossa vida elevam-se a setenta anos
ou, em caso de vigor, a oitenta anos.
O que lhes faz o orgulho é enfado e miséria,
porque depressa passa, e voamos.
11. Quem conhece o poder da tua ira
e a tua cólera, segundo o temor que te é devido a ti?
12. Ensina-nos a contar os nossos dias,
de sorte que alcancemos um coração sábio.
13. Volta, Jeová, até quando?
E tem compaixão dos teus servos.

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14. Sacia-nos de manhã com a tua benignidade,
para que cantemos de júbilo e nos alegremos em todos os nossos dias.
15. Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido
e pelos anos em que temos visto a adversidade.
16. Apareçam aos teus servos as tuas obras,
e a tua glória, sobre seus filhos.
17. Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus.
Estabelece tu sobre nós as obras das nossas mãos,
sim, a obra das nossas mãos, estabelece-a.
(Salmo 90)

ABRO a agenda para ver os compromissos do dia e tomo um


susto. Meu Deus, já é dezembro! E ainda há tanto trabalho pela
frente, tanto projeto para terminar, tantos relatórios a serem
preparados… e tantas reuniões! É impressão minha ou os dias
estão passando cada vez mais rapidamente? Sei não, a sensação
que tenho é de que o tempo está me ultrapassando e a vida escorre
entre os dedos como areia fina, como folhas amareladas de um
velho livro.
Vou até o quarto, pego minha Bíblia e folheio suas páginas
finas e doces, páginas que não precisam ser arrancadas. Sinto
assim um cheiro bom de eternidade. Ao mesmo tempo, passo a
refletir sobre a vida como se ela fosse um livro cujos capítulos estão
sendo escritos assim, misturando planos e frustrações, projetos e
acidentes. Também vejo passar diante de meus olhos a história do
mundo, o movimento das cidades e a correria dos povos.
O que é o tempo? O que é vida? Mistério silencioso que as
páginas amareladas de um calendário não explicam, mas que as
linhas e entrelinhas das Escrituras revelam com tanto cuidado.
O tempo é um mestre rigoroso e por vezes cruel. Tudo o que o
calendário parece ensinar é que, como numa canção na voz de
Mercedes Sosa, “o tempo passa e vamos ficando velhos”.

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Mais poderoso que o tempo é o Senhor do tempo. O salmista
vê, nas ruínas do corpo e na velhice, a sombra de uma pena, uma
condenação, uma ira que consome. Mas não se desespera, não
se entrega aos pensamentos sombrios da culpa e do medo. Ele
clama ao Senhor do tempo para que ensine a habilidade rara de
contar os próprios dias, de saber de cor sua própria finitude e,
assim, encontrar sabedoria. Ele também clama por compaixão,
misericórdia, benignidade e alegria. O salmista sabe que o Senhor
do tempo é também Senhor da alegria, que é fruto da sua graça
e bondade.
As Escrituras nos falam de um Deus que não se deixa afetar
pelo tempo, um Deus que jamais fica velho ou ultrapassado.
Ele mesmo habita a eternidade e é Senhor do infinito, mas vem
visitar e redimir as criaturas que vivem na dimensão do tempo.
Em Cristo Jesus, o Deus Eterno vem habitar conosco, seres que
precisam contar as horas, os dias, os meses e as estações.

REFLITA
“Habitantes do tempo, permanecemos às vezes com um pé na
eternidade. Deus, como diz Isaias (57.15) ‘habita a eternidade”,
mas permanece com um pé no tempo” (Frederick Buechner).

11
3 de dezembro

UMA CRIANÇA INESPERADA,


MAS BEM-VINDA!
18. Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi desta maneira: Estando Maria, sua
mãe, já desposada com José, antes que se ajuntassem, ela se achou
grávida por virtude do Espírito Santo.
19. José, seu marido, sendo reto e não a querendo infamar, resolveu deixá-
la secretamente.
20. Quando, porém, pensava nessas coisas, eis que um anjo do Senhor
lhe apareceu em sonhos, dizendo: José, filho de Davi, não temas
receber a Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado é por virtude
do Espírito Santo.
21. Ela dará à luz um filho, a quem chamarás JESUS, porque ele salvará o
seu povo dos pecados deles.
22. Ora, tudo isto aconteceu, para que se cumprisse o que dissera o Senhor
pelo profeta:
23. Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho,
e ele será chamado Emanuel,
que quer dizer Deus conosco.
24. José, tendo despertado do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara
e recebeu sua mulher; 25 e não a conheceu enquanto ela não deu à
luz um filho, a quem pôs o nome de JESUS.
(Mateus 1.18-25)

ELES ouviram um choro fraquinho.


Inicialmente não sabiam de onde vinha. Salvo engano, não
havia criança pequena na vizinhança. Com um pouco mais de
atenção, seguiram em direção ao som. Desconfiados, pararam
diante da porta de entrada de sua casa, moradia humilde,
construída com tábuas de madeira. Ao abrir a porta e ver o recém-
nascido ali fora, envolto em panos, o casal de velhos não titubeou
e o recolheu para dentro do lar.

12
Eles não se perguntaram se teriam condições de criar mais
uma criança entre as muitas que já haviam nascido naquele lar.
Não refletiram se teriam condições de passar noites acordados, de
assumir cuidados médicos e de educação daquele pequenino. Não
pensaram no que os vizinhos e parentes diriam daquela loucura.
Não. Era uma criança abandonada que precisava de um lar. E
havia achado. Simples assim.
Jesus também chegou a um lar de modo incomum. José e
Maria estavam noivos e não haviam ainda assumido a intimidade
física de casal. De repente, Maria aparece grávida. O texto diz
apenas que ela “achou-se” grávida. Em bom português, apareceu
grávida! Bem, ela sabia que estava grávida e nós, que lemos o
texto, também sabemos. Mas José não. Diante do fato consu-
mado, aquele homem justo resolve não denunciar a mulher às
autoridades por adultério, mas sair de casa.
Só não levou adiante o plano porque um anjo o informou
em sonho sobre o que acontecera. Ao acordar, desistiu da ideia e
aceitou a gravidez de Maria. E, em obediência ao anjo, batizou o
filho com o nome de Jesus, o salvador do seu povo.
José e Maria assumiram um alto preço ao aceitarem serem
canais pelos quais o Salvador viria ao mundo. Ela, levando em
seu corpo o ser divino-humano. Ele, tomando sobre si a respon-
sabilidade de manter o casamento, mesmo diante do falatório de
conhecidos e religiosos. Cada um com sua parcela de compro-
misso. Cada um com sua fé em ação.
Natal. Tempo de celebrar a chegada do menino Deus, do
Salvador Jesus. Tempo de sermos gratos àquele casal palestino e
de exaltarmos a fé que tiveram. Tempo de pensarmos nas consequ-
ências de sermos discípulos de Jesus no mundo em que vivemos.
Temos acolhido a criança como fizeram José e Maria? Temos
disposição para assumir os sacrifícios decorrentes dessa decisão?
Se temos, então Natal significa para nós “boas novas de grande
alegria!”.

13
REFLITA
“Olha o que foi meu bom José
Se apaixonar pela donzela
Entre todas a mais bela
De toda a sua galileia” (Georges Moustaki).

14
4 de dezembro

O MENINO E O REINO
1. Então, do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes sairá um
renovo que dará fruto.
2. Descansará sobre ele o Espírito de Jeová, Espírito de sabedoria e
de entendimento, Espírito de conselho e de fortaleza, espírito de
conhecimento e de temor a Jeová,
3. e terá o seu prazer no temor a Jeová. Não julgará segundo a vista dos
seus olhos, nem reprovará segundo o ouvir dos seus ouvidos;
4. porém com justiça julgará os necessitados, e com equidade reprovará
em defesa dos mansos da terra. Ferirá a terra com a vara da sua boca
e matará ao perverso com o assopro dos seus lábios.
5. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade, o cinto dos seus rins.
6. O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará ao pé do cabrito;
o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um menino
pequenino os conduzirá.
7. A vaca e a ursa pastarão, as suas crias se deitarão juntas, e o leão comerá
palha como o boi.
8. A criança de peito brincará sobre a toca do áspide, e a criança desmamada
meterá a mão na cova do basilisco.
9. Não farão dano, nem destruirão em todo o meu santo monte, porque
a terra será cheia do conhecimento de Jeová, assim como as águas
cobrem o mar.
(Isaías 11.1-9)

EM contraste com os reinos deste mundo, movidos pela força


das armas e garantidos pelas articulações políticas, o profeta
Isaías anuncia a vinda do Reino do Filho de Davi, o Reino do
Messias. Muitos filósofos e poetas sonharam utopias, sistemas
políticos funcionais, lugares encantados onde tudo seria perfeito,
ignorando é claro a força do pecado que atua na natureza humana.
Esse sonho alimentou algumas revoluções e criou muitos heróis e

15
muitos planos frustrados em toda parte deste mundo: repúblicas
democráticas, repúblicas ditadas pelos sábios, como as que
desenharam Platão e Thomas Morus, experiências anárquicas, até
mesmo o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, verdadeiras
reconstruções de uma sociedade aparentemente sem conflitos.
Isaías fala de um sonho maravilhoso que pouco a pouco vai
tomando forma na cultura judaica: o sonho de um Reino de
Deus. O diferencial entre o Reino de Deus e as demais utopias
é que o Reino de Deus acontece por manifestação direta do
Eterno, e não por esforço ou planificação humanos. O Reino de
Deus não estabelece castas sociais nem reprime liberdades, não
surge de acordos políticos nem de pactos sociais. Ele nasce da
esperança teimosa no poder que o Senhor tem de recriar céus e
terra conforme a sua vontade.
O Reino de Deus se torna presença com a chegada do menino
Jesus, torna-se pleno e dramático no momento da crucificação,
torna-se narrativa boa que se espalha pelo mundo afora, liberta,
redime, transforma, faz pulsar corações e tremer impérios. A
esperança do Reino divino resiste às repressões políticas, aos
planos de extermínio e sobrevive à sedução do poder, tornando-
se dissidente quando a corrupção invade sacerdotes e crentes.
Essa esperança alcança o nosso tempo e continua apontando
inquietamente para o futuro, para o retorno de Jesus e a
implantação do Seu Reino, que não pode se compara a nada
do que é deste mundo.
Os sinais do Reino são muitos, as bênçãos que ele traz trans-
cendem valores políticos ou interesses internacionais. O Salvador
será cheio do Espírito Santo e receberá dele inúmeros dons, como
a sabedoria, o conhecimento, a competência, o poder, o temor
do Senhor e o conhecimento da vontade de Deus. Esse Reino
trará plena justiça para os necessitados do povo, para os pobres, os
esquecidos, incluindo a completa punição dos maus e a eliminação
de todo foco de corrupção.

16
O Reino de Deus será também caracterizado pela paz plena
entre povos e nações, e até mesmo entre homens e animais.
Mais do que paz, será um reino de harmonia, onde a violência
será completamente superada. Para que isso ocorra, é preciso
um recomeço, uma obra de restauração, é preciso regeneração
completa de todas as coisas.
Finalmente, o Reino será marcado e assinalado pela glória de
Deus, que se espalhará por toda a terra, que se dará a conhecer
e encherá cada recanto deste universo. A fé no Menino que
implanta o Reino nos põe em movimento e nos faz desejar a
mudança das coisas.

REFLITA
“Vejam o menino: mãos tão delicadas,
despidas de glória... ainda assim é Deus
Deus virou menino, Deus desceu na estrada
do tempo e da história para os que são Seus” (Jorge Camargo).

17
5 de dezembro

SINAL DIVINO!
10. De novo, falou Jeová com Acaz:
11. Pede a Jeová, teu Deus, um sinal embaixo nas profundezas, ou em
cima, nas alturas.
12. Respondeu, porém, Acaz: Não pedirei, nem tentarei a Jeová.
13. Disse Isaías: Ouvi, agora, ó casa de Davi; porventura, não vos basta
fatigardes aos homens, mas ainda fatigais também ao meu Deus?
14. Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal; eis que uma donzela
conceberá, e dará à luz um filho, e por-lhe-á o nome de Emanuel.
(Isaías 7.10-14)

VIVEMOS em um mundo complexo.


Por conta disso, praticamente tudo o que nos cerca necessita
de regulamentações e especificações. As relações trabalhistas, o
trânsito, os equipamentos eletrônicos e até o casamento estão
envolvidos em normas e regras que buscam definir papéis, dar
garantias, gerar certezas.
Esse fato é potencializado pela insegurança humana. Afinal,
quem de nós, pelo menos uma vez na vida, não se deu mal por
não ler adequadamente um contrato, não prestar atenção às placas
de sinalização, não levar a sério uma bula de remédio?
Temos a tendência de transferir esse quadro para a relação
com Deus.
Nossa vida com ele, se não tivermos cuidado, será regida por
uma série de estipulações e contratos. Tornamo-nos legalistas.
Passamos a exigir direitos como se Deus estivesse obrigado, por
força contratual, a nos atender. E, o que é o pior, muitas vezes
nem nos damos conta disso.
Para além da falta de fé, essa é uma visão profundamente
equivocada que desconsidera o fato de que, antes de pensarmos

18
em Deus, ele pensou em nós. Antes que o amássemos, ele nos
amou. E que a relação que temos originou-se no chamado divino.
Por vezes, a falta de compreensão sobre a vida com Deus é tão
grande que alguns se julgam no direito de exigir sinais a ele. “Se
Deus quer que eu me case com tal pessoa, que me dê um sinal!”.
“Se Deus deseja que eu fale de evangelho para meu amigo, que
ele me conceda um sinal!”. “Se Deus quer que eu vá à igreja, que
me envie um sinal do céu!”. Esse linguajar está muito próximo
daquele utilizado por Satanás ao tentar Jesus (Mt 4.1-11).
Entretanto, há momentos em que o próprio Deus não apenas
se dispõe, mas decide a nos dar sinais. O texto de Isaías 7.14 é
um deles. Acaz, rei de Judá, estava aflito porque Síria e Israel se
uniram para destruir Jerusalém. Deus, por sua vez, assegura que
os inimigos do rei seriam derrotados e permite que Acaz peça
um sinal de que isso se realizaria. O rei, temeroso, rejeita fazê-lo.
Deus, então, por intermédio do profeta, afirma que daria um sinal
de que tal aconteceria: a virgem conceberia e daria à luz um filho
que seria chamado de Emanuel.
Sabemos como o Novo Testamento atualizou o texto de Isaías.
Mateus 1.23 atribui a Jesus Cristo o título e o papel de Emanuel:
Deus conosco.
Diante das dificuldades e complexidades da vida, em lugar de
pedirmos sinais da bondade de Deus, é necessário que vejamos o sinal
já dado a nós: Jesus Cristo. Ele é o grande, o maior sinal de que Deus
está conosco. Jesus, Emanuel, sinal maior do amor de Deus neste Natal!

REFLITA
“Emanuel
Nosso Deus está conosco
E se Deus está conosco
Quem será contra nós
Nosso Deus está conosco
Emanuel” (Michael Card).

19
6 de dezembro

UMA VISITA MAIS DO QUE ESPECIAL


26. No sexto mês, foi enviado, da parte de Deus, o anjo Gabriel a uma
cidade da Galileia, chamada Nazaré,
27. a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da
casa de Davi; o nome da virgem era Maria.
28. Aproximando-se dela, disse: Salve, altamente favorecida! O Senhor é
contigo.
29. Ela, porém, ao ouvir essas palavras, perturbou-se muito e pôs-se a
pensar que saudação seria esta.
30. Disse-lhe o anjo: Não temas, Maria pois achaste graça diante de Deus.
31. Conceberás no teu ventre e darás à luz um filho, a quem chamarás
JESUS.
32. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe
dará o trono de seu pai Davi,
33. e ele reinará eternamente sobre a casa de Jacó, e o seu reino não
terá fim.
34. Maria perguntou ao anjo: Como será isso, uma vez que não conheço
varão?
35. Respondeu-lhe o anjo: O Espírito Santo virá sobre ti, e a virtude do
Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, o que há de nascer
será chamado santo, Filho de Deus.
36. Isabel, tua parenta, também ela concebeu um filho na sua velhice, e já
está no sexto mês aquela que era chamada estéril;
37. porque nenhuma palavra vinda de Deus será impossível.
38. Disse Maria: Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a
tua palavra. E o anjo retirou-se.
(Lucas 1.26-38)

UM grande susto, foi o que experimentou Maria ao receber a


visita do Anjo Gabriel. Anjos são figuras muito discretas, gentis e
cordiais, mas não aparecem todo dia nem a todo mundo. Por esse
motivo o susto da jovem e a insistência do anjo em acrescentar

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um “Não tenha medo” ao já dito “Paz seja com você”. Mesmo
assim, o estranhamento da jovem Maria foi grande. Afinal, ela
não prestava culto a anjos nem os procurava por meios de velas,
invocações e rituais.
O anjo fez uma saudação que já é em si impressionante. Maria
deve ter ficado pensativa ao ouvir o “Você é muito abençoada” e
“O Senhor está com você”. A saudação do Anjo faz unir três graças
fundamentais na vida de uma pessoa e presentes em Maria: paz,
bênção e presença do Senhor. Contra todas as estatísticas, contra
todas as probabilidades, Maria era uma mulher feliz, não por ter
muitas propriedades, por estar prometida a José ou por ser muito in-
teligente, mas porque em sua vida se confirmava a vida de Alguém.
A reação de Maria foi de estranhamento, como compreender
aquela aparição e aquelas palavras? O Anjo entrou em detalhes,
anunciou uma gravidez sobrenatural, como seria o processo de
fecundação e quais seriam o gênero e o nome da criança: “Jesus”.
E o estranhamento não se deu por falta de inteligência ou por
ignorância, pelo contrário, a jovem sabia muito bem que certas
coisas eram impossíveis.
A resposta do Anjo enfatiza o poder do Senhor de transcender
as possibilidades e extrapolar as expectativas humanas: “Para Deus
não haverá impossíveis”. E a atitude final da jovem Maria foi de
consentimento humilde e sincero: “Sou serva de Deus. Cumpra-se
em mim o que tu dizes”.
Essa jovem inteligente, sensível à fé e disposta a servir ensina
muita coisa a nós que vivemos muitas vezes estagnados em nos-
sas esperanças e expectativas em relação à vida e à história, a nós
que ficamos travados diante das impossibilidades e das fobias
tantas que nos cercam e sufocam. Ela se abriu corajosamente à
mensagem do Anjo e se preparou para transcender os limites de
sua vida bastante limitada.

21
REFLITA
“Alegra-te, favorecida
Teus caminhos Deus já conheceu
Maria, não temas
O Senhor contigo estará” (Guilherme Kerr & Jorge Rehder).

22
7 de dezembro

A LUZ DA VIDA!
1. No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
2. Ele estava no princípio com Deus.
3. Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito foi feito sem ele.
4. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
5. A luz resplandece nas trevas, e contra ela as trevas não prevaleceram.
(João 1.1-5)

DESDE os tempos primordiais a luz é elemento imprescindível


para a sobrevivência do ser humano. Inicialmente ligado às horas
do dia, findas as quais se recolhia às suas cavernas e abrigos, o ser
humano experimentou uma revolução com a descoberta do fogo.
Agora suas atividades poderiam adentrar a noite, além da possibi-
lidade de aquecer-se do frio e preparar refeições mais saborosas.
Por sua importância, a luz foi quase que imediatamente
transformada em símbolo, metaforizada. Em relação de oposi-
ção às trevas, a luz simbolizou e simboliza alegria, renascimento,
renovação, pureza, a divindade.
O evangelho de João, diferentemente de Mateus e Marcos,
não apresenta a encarnação e o nascimento de Jesus Cristo. Não
há descrições de sua chegada neste mundo, nem de sua infância.
Não. João pensa de outra forma. Para falar de Jesus ele vai longe,
ao princípio de tudo. No princípio da criação Cristo, o Verbo ou
Palavra (traduções para logos), estava lá. Ele não apenas estava
com Deus no momento inicial, mas ele era Deus.
E o que, para João, caracteriza o Verbo como Deus? O fato de
ter criado todas as coisas. Sem ele, nada que existe, nada do que
conhecemos, nada do que nos alegra, existiria. E sabe por quê?
Por que a vida estava nele.
23
Como alguém desprovido de vida poderia criar um universo
tão palpitante? O planeta terra cheio de cores, diversidade, gêne-
ros, enfim, cheio de vida? Não. Ele precisava ser cheio, pleno de
vida. E era. “A vida estava nele”. Tudo o que o ser humano anseia
de plenitude para sua existência estava no Verbo.
E como João caracteriza essa relação doadora de vida do Verbo
para com a humanidade? Luz! “A vida era a luz dos homens”. A
vida do Verbo que reverberou em nós transmitindo-nos vida é
comparada à luz que ilumina um canto escuro, que permite ver
o que está por trás de fendas, que se projeta no espaço definindo
formas. A luz que traz à existência!
A luz do Verbo resplendeceu nas trevas, e as trevas não con-
seguiram resistir a ela. Nossa existência é um testemunho de que
as trevas foram vencidas pela luz!
Mais à frente João afirma que o Verbo se fez carne na pessoa
de Jesus Cristo. Jesus nos criou, Jesus nos dá vida, Jesus ilumina
nossa vida e nossa alma.
Jesus, o Verbo, o doador de vida e luz manifestou-se criança.
Bebê que precisou de seus pais, de pessoas que cuidassem dele, de
médicos que lhe dessem remédio, de professores que o ensinassem.
A luz que precisou ser iluminada. Mas ele foi e é a verdadeira luz,
diante da qual todas esmaecem.
Jesus, o Verbo, nossa luz.
Que as luzes deste natal, que iluminam corpos e olhos, nos
lembrem e despertem em nós gratidão ao refletirmos sobre aquela
criancinha, que embora frágil, era e é a luz do mundo. Nossa luz.
Luz que nos dá vida!

REFLITA
“Não podemos ver a luz em si mesma. Podemos apenas ver o
que a luz ilumina, como o pequeno círculo da noite onde a vela
brilha – o brilho do mogno, uma taça de vinho, um rosto que
nos contempla na sombra” (Frederick Buechner).

24
8 de dezembro

VIDA DE REFUGIADO
13. Depois de haverem partido, eis que um anjo do Senhor apareceu em
sonhos a José, dizendo: Levanta-te, toma contigo o menino e sua mãe,
foge para o Egito e fica ali até que eu te chame; pois Herodes há de
procurar o menino para o matar.
14. José levantou-se, tomou de noite o menino e sua mãe e partiu para
o Egito,
15. e ali ficou até a morte de Herodes; para que se cumprisse o que dissera
o Senhor pelo profeta: Do Egito chamei a meu Filho.

A matança dos inocentes


16. Herodes, vendo-se iludido pelos magos, ficou muito irado e mandou
matar todos os meninos que havia em Belém e em todo o seu termo,
de dois anos para baixo, conforme o tempo que tinha com precisão
indagado dos magos.
17. Então se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias:
18. Ouviu-se um clamor em Ramá,
choro e grande lamento;
era Raquel chorando a seus filhos
e não querendo ser consolada, porque eles já não existem.
(Mateus 2.13-18)

EM 2013, uma multidão abandonou a cidade de Antakya, na


Síria, e partiu em direção a Turquia. Era tempo de guerra. Mais
de 300.000 pessoas arriscaram a travessia da fronteira e os perigos
da viagem. Automóveis velhos carregando trouxas de roupas,
malas, cadeiras, panelas, carroças levando famílias e seus poucos
pertences. Entre eles, mulheres grávidas levando seus filhinhos,
rostos tensos, voltados para o chão. Que triste cena!
José e Maria, fugindo de Belém e buscando refúgio no Egito,
escapam por pouco de um massacre. As forças de Herodes se

25
voltam contra as crianças de Belém. Os corações de José e Maria
estão aflitos. Não conhecem a estrada, muito menos o que a vida
lhes reserva além da fronteira, mas seguem adiante, confiados na
orientação de Deus. Sabem que, ainda que o pior aconteça, Deus
estará com eles.
José e Maria encarnam a angústia de todos os refugiados deste
mundo, todos os que têm a vida a preço, caçados nas matas e
desertos, vivendo no provisório das barracas e dos campos de
refugiados, passando pelos olhares desconfiados dos guardas de
fronteira e das pessoas que olham de soslaio das frestas e janelas
das casas por onde passam. Deus tem um carinho todo especial
pelos refugiados deste mundo, Seu Filho amado também foi um
refugiado, um perseguido político, alvo da ira dos homens.
Há tantos refugiados de guerra por este mundo afora. Cada
grito de dor, cada choro abafado é uma súplica que chega aos
ouvidos de Deus. Que ele ouça esses gritos e console aqueles que
têm que abandonar seus lares e aqueles que nem têm mais lar
para abandonar. Amém.

REFLITA
“Na estrada, na estrada, José e Maria,
Pelos pampas gelados, cardos e urtigas.
Na estrada, na estrada, cortando campo
Sem abrigo nem pousada, sigam andando.
[...]
Na estrada, na estrada, José e Maria,
Com um Deus escondido… ninguém sabia!”
(Félix Luna e Ariel Ramirez).

26
9 de dezembro

ANTES E DEPOIS DE MIM


1. Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão.
2. Abraão gerou a Isaque; Isaque gerou a Jacó; Jacó gerou a Judá e a
seus irmãos;
3. Judá gerou de Tamar a Perez e a Zara; Perez gerou a Esrom; Esrom
gerou a Arão;
4. Arão gerou a Aminadabe; Aminadabe gerou a Naassom; Naassom
gerou a Salmom;
5. Salmom gerou de Raabe a Boaz; Boaz gerou de Rute a Obede; Obede
gerou a Jessé,
6. e Jessé gerou ao rei Davi. Davi gerou a Salomão daquela que fora
mulher de Urias;
7. Salomão gerou a Roboão; Roboão gerou a Abias; Abias gerou a Asa;
8. Asa gerou a Josafá; Josafá gerou a Jorão; Jorão gerou a Uzias;
9. Uzias gerou a Jotão; Jotão gerou a Acaz; Acaz gerou a Ezequias
10. Ezequias gerou a Manassés; Manassés gerou a Amom; Amom gerou
a Josias,
11. e Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos no tempo do exílio em
Babilônia.
12. Depois do exílio em Babilônia, Jeconias gerou a Salatiel; Salatiel
gerou a Zorobabel;
13. Zorobabel gerou a Abiúde; Abiúde gerou a Eliaquim; Eliaquim gerou
a Azor;
14. Azor gerou a Sadoque; Sadoque gerou a Aquim; Aquim gerou a Eliúde;
15. Eliúde gerou a Eleazar; Eleazar gerou a Matã; Matã gerou a Jacó,
16. e Jacó gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se
chama Cristo.
17. Assim, todas as gerações desde Abraão até Davi são catorze
gerações; também, desde Davi até o exílio em Babilônia, catorze
gerações; e desde o exílio em Babilônia até o Cristo, catorze
gerações.
(Mateus 1.1-17)

27
QUANDO somos crianças, a concepção de “tempo” é diferente
daquela que teremos décadas à frente.
Em minha infância, presentes só eram vistos no aniversário e
no Natal. Como faço anos em junho, tinha de esperar exatamente
seis meses para ver um presente. E como o tempo demorava para
passar!
Crianças e jovens são impacientes. Para eles, não é fácil ad-
ministrar o tempo.
A genealogia de Jesus trata do tempo. Longo tempo. Tempos
antigos. Fala daqueles que vieram antes, muito antes de Jesus Cris-
to. O evangelista retrocede a Abraão e caminha até José e Maria.
Por que começar a história de Jesus com uma genealogia?
Afinal, ele é o Deus encarnado, aquele que se manifestou no
tempo e espaço para salvar o ser humano. Não é isso que importa?
A genealogia nos lembra que Jesus, enquanto homem, precisou
de uma família, de ascendentes que se sucedessem até chegar a ele.
E, desse ponto de vista, Jesus carregou traços físicos, psicológicos
e de personalidade de seus familiares. Provavelmente, deve ter sido
parecido com um tio ou primo. Talvez ao nascer os familiares
discutiram sobre a semelhança da criança com outras da família.
E, certamente, José e Maria devem ter identificado olhos, boca,
nariz e cabelo semelhantes aos seus.
Há mais. Para que Jesus viesse até nós seus familiares enfren-
taram lutas e provas. Pense em Abraão, nas mulheres Tamar,
Raabe, Rute, Bate-Seba, no rei Davi, em Josias e em outros até
chegar a Maria, sua mãe. Quantas dificuldades! Quantas barreiras
a serem vencidas!
No entanto, Jesus não é apenas resultado de uma sequência
genealógica. Por sua morte e ressurreição, ele alargou ao hori-
zonte sua genealogia. Agora, todos quantos o reconhecem como
Senhor podem ser chamados de “filhos de Deus” (Jo 1.12). Ele
nos introduziu em sua família!
28
Eu e você fazemos parte de uma família.
Talvez não seja a família ideal, mas é nossa família. Devemos
muito àqueles que vieram antes de nós.
Natal é tempo de reconhecimento. Reconhecer o quanto de-
vemos aos nossos queridos, dos quais vários já partiram. Tempo
de reconhecer que devemos louvar a Deus por suas vidas.
Por outro lado, é tempo de ter convicção de que a continuidade
de nossa família depende de nós, de nossas ações. Como influen-
ciamos nossos filhos? Como preparamos a próxima geração?
E, acima de tudo, é tempo de refletirmos sobre a alegria de
podermos trazer outras pessoas para participarem da família
cristã, da celebração do Natal, da continuidade da genealogia de
Jesus Cristo.

REFLITA
“A família humana. Essa é uma boa frase a nos lembrar de que não
apenas viemos da mesma origem e vamos em direção ao mesmo
final, mas que enquanto isso nossas vidas são complexamente e
inescapavelmente ligadas. A fome em uma parte do mundo afeta
pessoas em todas as partes. Um assassinado em Dallas ou Saraie-
vo afeta a todos. Ninguém é uma ilha. É muito bom lembrar”
(Frederick Buechner).

29
10 de dezembro

LÁ VEM O SOL
1. Mas para a que estava aflita não continuará a obscuridade. No tempo
passado, ele tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali,
porém, no tempo vindouro, tornará glorioso o caminho do mar, além do
Jordão, o distrito das nações.
2. O povo que anda nas trevas vê uma grande luz; aos que estão de assento
na terra da sombra da morte, a estes raia a luz.
3. Tens multiplicado a nação; tens-lhe aumentado a alegria; alegram-se
diante de ti segundo a alegria do tempo da ceifa, como exultam quando
repartem os despojos.
4. Pois tens despedaçado o jugo da sua carga e o bordão do seu ombro,
que é a vara do seu exator, e como fizeste no dia de Midiã.
5. Todo calçado de quem anda calçado no tumulto e toda capa revolvida
em sangue hão de ser queimados como pasto do fogo.
6. Porque a nós nos é nascido um menino, e a nós nos é dado um filho; o
governo está sobre os seus ombros, e ele tem por nome Maravilhoso,
Conselheiro, Poderoso Deus, Eterno Pai, Príncipe da Paz.
7. Do aumento do seu governo e da paz, não haverá fim sobre o trono de
Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e para o firmar com juízo e
com justiça, desde agora e para sempre. O zelo de Jeová dos Exércitos
cumprirá isso.
(Isaías 9.1-7)

O AMANHECER de cada dia é sempre um espetáculo de glória,


até mesmo nos dias cinzentos e de chuva. O dia que nasce traz
algo de provocação às tristezas da noite e aos desalentos antigos.
Sorrateira e silenciosamente, o sol surge no horizonte, dispersa a
grande sombra noturna e põe as aves para cantar.
Essa é a visão de Isaías quando contempla as cidadezinhas fron-
teiriças ao norte de Israel, Naftali e Zebulom. Foram as primeiras
populações a sofrerem a ameaça do rei da Assíria, as primeiras a
serem invadidas e despovoadas. Ali a história anoiteceu primeiro
para o povo de Israel.
30
Como toda terra de fronteira, cheia de misturas culturais, hi-
bridismos todos, mesclas de sotaques, culturas, agitações políticas
e histórias, muitas histórias trazidas por viajantes, comerciantes
e, é claro, invasores.
Veio a Isaías uma palavra do Eterno. Essa palavra o fez antever
tempos de luz e alegria, bem além da escuridão daqueles dias de
ameaça de invasão. Ele olhou para o futuro e viu o sol nascendo no
horizonte da história. E proclamou: “O povo que andava em trevas
viu uma forte luz; a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas”.
Assim com naqueles tempos passados, há muita treva ao nosso
redor, muita crise econômica circulando de boca em boca, muito
medo, muito sofrimento desabando sobre os povos, nuvens pe-
sadas sobre o futuro do mundo.
A mensagem de Isaías proclama a chegada da luz e a restau-
ração da alegria, alegria maior do que do das colheitas fartas,
maior do que aqueles que vêm a guerra terminar em vitória. O
profeta também fala de libertação, de fim de toda escravidão, de
opressão humana.
Mais ainda, o profeta antevê dias de paz. Não uma paz de
quem derrota os inimigos. Não a simples ausência de guerra.
Ele fala da paz que vem como bênção sobre as mesas e sobre os
corações, como vida plena e farta. Paz que sempre vem acompa-
nhada de justiça, pois paz sem justiça é só alienação. O profeta
anuncia paz que se espalha pela terra e se confirma nas mudanças
da história.
Finalmente, o sol que desponta no horizonte da história se
materializa na figura de um menino, que filho nosso e filho de
Deus. Um menino que é a afirmação da vida perante toda ameaça
de morte, uma proclamação da esperança em meio ao desespe-
ro. Esse menino que nascerá vem para fazer tremer impérios e
reinos. Ele é sinal da graça de Deus. Por isso, ele recebe títulos
misteriosos: Conselheiro Maravilhoso, Deus Poderoso, Pai Eterno,
Príncipe da Paz.

31
Esse menino um dia vai se chamar Jesus, nossa mais preciosa
esperança.

REFLITA
“E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou o amanhecer...” (Taiguara).

32
11 de dezembro

MADIBA MORREU
5. Tende em vós este sentimento que houve também em Cristo Jesus,
6. o qual, subsistindo em forma de Deus, não julgou que o ser igual a
Deus fosse coisa de que não devesse abrir mão,
7. mas esvaziou-se, tomando a forma de servo, feito semelhante aos
homens;
8. e, sendo reconhecido como homem, humilhou-se, tornando-se
obediente até a morte e morte de cruz.
9. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu o nome
que é sobre todo o nome,
10. para que em o nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos
céus, na terra e debaixo da terra,
11. e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para glória de
Deus Pai.
(Filipenses 2.5-11)

EMBORA fosse esperado, o informe oficial da morte de Nelson


Mandela no dia 5 de dezembro de 2013 trouxe um sentimento
de profunda tristeza e prostração ao mundo todo. Madiba, como
os sul-africanos carinhosamente o chamam, estava morto.
Empresas de notícias se apressaram para transmitir a notícia e
veicular matérias com o histórico desse grande líder sul-africano.
Os canais de televisão exploraram à exaustão o fato.
Mandela foi comparado a Gandhi e a Martin Luther King,
entre outros. Sua luta contra o apartheid e pelos direitos dos
negros de seu país durou décadas e o fez conhecido em todos os
cantos da terra. A lucidez, a consciência de fazer política pelos
desfavorecidos e o espírito pacífico de Madiba inspiraram e ainda
inspiram multidões.
No início de suas atividades, Mandela estava tomado por um
espírito bélico, chegando a participar de ações armadas. Preso,
passou 27 anos em reclusão, sendo libertado com 72 anos de
33
idade. Atribui-se ao período de cativeiro a mudança de espírito
em Mandela. A privação da liberdade certamente permitiu uma
profunda reflexão a respeito dos destinos de sua nação e de como
atuar para transformá-la.
Encarnação. Deus feito homem. O apóstolo Paulo reflete e
afirma que Jesus Cristo “não considerou que o ser igual a Deus
era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo
a ser servo, tornando-se semelhante aos homens” (Fp 2.6-7. Nova
Versão Internacional).
A encarnação foi um ato de total humilhação. O Verbo, a se-
gunda pessoa da Trindade, sendo Deus assumiu a forma humana
com todas as suas limitações e viveu entre nós. E fez ainda mais.
Tornou-se nosso servo. Jesus viveu sua vida visando servir-nos a
ponto de caminhar para a cruz e sacrificar-se nela. Mas não foi o
fim. Deus o ressuscitou e o exaltou a fim de que todos se dobrem,
reconhecidos, diante dele.
Humildade, humilhação. Nelson Mandela tornou-se um
grande estadista, entre outras coisas, por ter aprendido lições de
humildade. Jesus, sem necessitar, resolveu fazer-se humilde e servo.
Paulo inicia o texto de Filipenses afirmando que devemos ter
o mesmo sentimento de Jesus Cristo (v. 5).
Natal, tempo de alegria, tempo de celebrar a encarnação do Filho
de Deus. Tempo de lembrarmos que devemos seguir seu exemplo.
Amarmos os seres humanos para além das barreiras de cor, gênero,
nacionalidade, status social, credo religioso. Tempo de sermos servos
uns dos outros. Tempo de sermos discípulos de Jesus Cristo.

REFLITA
“Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua
pele, ou de sua origem, ou de sua religião. As pessoas aprendem
a odiar, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a
amar, pois o amor vem mais naturalmente ao coração humano
do que seu oposto” (Nelson Mandela).

34
12 de dezembro

MARIA MARIA
39. Naqueles dias, levantando-se Maria, foi apressadamente à região
montanhosa, a uma cidade de Judá,
40. entrou na casa de Zacarias e saudou a Isabel.
41. Apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança deu saltos no ventre
dela, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo
42. e exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é
o fruto do teu ventre!
43. Como é que me vem visitar a mãe do meu Senhor?
44. Pois, logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, a
criança deu saltos de alegria no meu ventre.
45. Bem-aventurada aquela que creu que se hão de cumprir as coisas que
lhe foram ditas da parte do Senhor!
(Lucas 1.39-45)

MARIA vai visitar sua prima Isabel, esposa de Zacarias. Isabel,


que antes não podia ter filhos, está grávida e muito feliz. Depois
de tão grande sinal do poder de Deus em sua vida e em estado
de graça, isto é, carregando dentro si uma vida que logo nascerá,
Isabel vê o mundo de um jeito diferente, mais sensível e mais
claro, percebendo o valor de pequenas coisas, como uma roupa
de criança sobre uma cama, as vestes que seu marido usa em seu
ofício no templo, ou enxergando agora a mão de Deus agindo
na vida das pessoas.
Maria traz alegria ao coração de Isabel, uma alegria espiritual
e profunda. Prova disso é a manifestação súbita do Espírito Santo
naquele momento e o movimento saltitante da criança em seu
próprio ventre: “Logo que ouvi você me cumprimentar, a criança
ficou alegre e se mexeu dentro da minha barriga” (Lc 1.44).

35
Quanta felicidade pode trazer essa moça chamada Maria? A
felicidade de alguém que abriga em seu ventre o Filho de Deus,
o Redentor da história, e dará à luz Àquele que é a luz do mun-
do. Maria traz também a felicidade dos que creem de coração
completo nas palavras do Senhor, pois nela se deu o milagre da
fé genuína. Maria é moça pobre, humilde em sua mais bruta e
singela verdade, mas dentro dela em estado de gestação, agita-se
um mundo.
Bendito é o Senhor, que visita nossa casa com seu imenso
amor. E que se fale sempre bem de Maria, sua mãe bendita que
o acolheu com fé e amor plenos.
Jesus é nossa alegria, nossa festa, nossa esperança de mudança
e redenção. Amém!
Milton Nascimento escreveu certa vez uma canção que se
tornou um hino da dignidade de toda mulher brasileira. Toda
mulher, jovem ou idosa, grávida ou estéril, casada, solteira ou
viúva, deveria mesmo aprender e cantar esse hino todos os dias:
“Maria Maria”. Segundo ele, Maria era uma mulher simples, de
infância breve, operária, lavadeira de roupa, viúva com seis filhos,
que trazia em si a força da alegria e da esperança indestrutível,
pessoa humilde, pobre, guerreira, que se autodefinia como solitária
e solidária, mulher de fibra, dessas que fazem o Brasil ser um país.
Maria, a mãe de Jesus, se torna de certa maneira um símbolo
de toda mulher que aprende a rir, em esperança, quando sabe
que “deve chorar”, pois “não vive, apenas aguenta”. Ao mesmo
tempo em que representa a figura de toda mulher que tem “raça
e gana sempre”, Maria aprende que nada se pode fazer sem “graça
e sonho”. Ela é “dor e alegria”. Ela é “pele e marca”. Ela “possui
a estranha mania de ter fé na vida”, pois tem fé no Redentor da
vida, Aquele para o qual nada é impossível.
Como disse certa vez Martinho Lutero a respeito de Maria, a
mãe do nosso Salvador: “Nenhuma mulher é igual a ti. És mais que
Eva ou Sara, bendita acima de toda nobreza, sabedoria e santidade”.

36
REFLITA
“Não se pode negar que Deus, ao escolher e destinar Maria para
ser a Mãe do seu Filho, concedeu a ela a maior honra que existe”
(João Calvino).

37
13 de dezembro

PRESENTES À(S) CRIANÇA(S)


1. Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes,
vieram do Oriente uns magos a Jerusalém, perguntando:
2. Onde está aquele que nasceu Rei dos Judeus? Porque vimos a sua
estrela no Oriente, e viemos adorá-lo.
3. O rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e, com ele, toda Jerusalém;
4. e reunindo todos os principais sacerdotes e os escribas do povo,
perguntava-lhes onde havia de nascer o Cristo.
5. Eles lhe disseram: Em Belém da Judeia, pois assim está escrito pelo
profeta:
6. E tu Belém, terra de Judá,
não és de modo algum o menor entre os lugares principais de Judá;
porque de ti sairá um condutor,
que há de pastorear meu povo de Israel.
7. Então, Herodes chamou secretamente os magos e deles indagou com
precisão o tempo em que a estrela tinha aparecido;
8. e, enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide informar-vos cuidadosamente
acerca do menino; e, quando o tiverdes achado, avisai-me, para eu
também ir adorá-lo.
9. Os magos, depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela, que
viram no Oriente, ia adiante deles, até que foi parar sobre o lugar onde
estava o menino.
10. Ao avistarem a estrela, ficaram extremamente jubilosos.
11. Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-
se, adoraram-no; e, abrindo os seus cofres, fizeram-lhe ofertas de ouro,
incenso e mirra.
12. Sendo em sonhos avisados por Deus que não voltassem a Herodes,
seguiram por outro caminho para a sua terra.
(Mateus 2.1-12)

38
OUÇO o som de buzinas e de autofalantes. Em seguida, vejo o
caminhão com várias pessoas sobre a carroceria e com um grande
número de pacotes coloridos passar chamando a criançada. Após
o caminhão seguem vários carros de apoio.
A carreata do bem acontece todo final do ano. Ela percorre
a rua de minha casa e segue até o final do bairro onde moram
pessoas de condições humildes.
Lá chegando, é feita a distribuição de presentes às crianças.
Terminada a entrega, algumas passam em frente de casa. Da janela
de meu quarto consigo ver as carinhas de alegria. Não importa
se a boneca é uma imitação de grifes famosas, ou se a bola de
plástico dali a alguns dias estará furada, ou mesmo se o carrinho
logo perderá as rodas.
Não importa. O fato é que essas crianças, tomadas de alegria,
foram lembradas. Pessoas vieram até elas e trouxeram presentes.
Que festa! Em um mundo desumano e de apagamentos sociais,
lembrar de uma criança pobre significa muito.
Os pais ficam gratos. Afinal, por mais baratos que sejam
os presentes, liberam o pouco de dinheiro que possuem para
comprar talvez um panetone, ou, quem sabe, com um pouco
mais de esforço, uma carne que poderá até ser a surpresa da ceia
humilde de natal.
O texto bíblico indicado acima testemunha a sensibilidade de
pessoas importantes que se lembraram de uma humilde criança
na Palestina.
Embora o relato se revista de tensões, afinal, o falso rei Herodes
deseja utilizar os magos para seus intentos assassinos, há também
no texto um elemento de delicadeza e de alegria. Protegidos por
Deus, os magos conseguem se desvencilhar das garras de Herodes
e, dirigidos pela estrela, chegam à humilde Belém e visitam a
criança.

39
Imagine a surpresa da família de Jesus ao ver aqueles homens,
certamente muito bem vestidos, com ares aristocráticos, entrarem
na pequena casa e, após saudarem seus moradores, depositarem
presentes diante daquela pequena e pobre criança!
O recém-nascido era considerado por eles o rei dos judeus.
Claro que a sequência do evangelho de Mateus corrigirá essa visão
demonstrando que Jesus é o rei do universo, senhor de tudo e de
todos. Mas, naquele momento, reconhecer aquela criança como
rei dos judeus significava muita coisa.
O texto relata que eles estavam cheios de alegria e de júbilo.
Sim, pois faziam parte do restrito círculo de pessoas que consegui-
ram ver e reconhecer o menino Jesus. E mais, tiveram o privilégio
de presenteá-lo. O texto silencia a respeito da reação da criança.
Certamente não entendeu o que ocorria ao seu redor. Também
não revela a reação de Maria. O mais importante é realçar a alegria
de quem presenteia.
Sim, é verdade. As pessoas que passam diante de minha casa
conduzindo o caminhão e os carros com presentes são as mais
felizes, mais até do que as crianças que recebem os presentes. E
têm razão para isso. Afinal, elas são privilegiadas por poderem dar
presentes. E para crianças que precisam deles.
Que tal, neste Natal, levar presentes para crianças carentes?
Para um orfanato, para uma entidade de assistência social. Existem
tantas! Ao dar presentes, pense no menino Jesus, pense que poderá
alegrar, em nome de Jesus Cristo, crianças que talvez, sem você,
permanecerão esquecidas neste natal.

REFLITA
“Aqueles reis do distante oriente,
Vieram a Belém para adorar
O menino que traz alívio pra alma cansada
De quem o buscar.

40
“Louvado seja o pequeno menino de Belém.
Glórias a Deus nas maiores alturas.
O mistério da vida naquela manjedoura se desfez.
A alegria invadiu a casa em santa folia” (Carlinhos Veiga).

41
14 de dezembro

MAGNIFICAT
46. Disse Maria:
A minha alma engrandece ao Senhor,
47. e o meu espírito alegrou-se em Deus meu Salvador,
48. porque pôs os olhos na baixeza da sua serva.
pois, de ora em diante, todas as gerações me chamarão
bem-aventurada,
49. porque o Poderoso me fez grandes coisas.
Santo é o seu nome.
50. E a sua misericórdia estende-se de geração em geração
sobre os que o temem.
51. Manifestou poder com o seu braço,
dissipou os que tinham pensamentos soberbos no coração.
52. Depôs os poderosos dos seus tronos
e exaltou os humildes.
53. Encheu de bens os famintos
e despediu vazios os ricos.
54. Socorreu a Israel, seu servo,
lembrando-se de misericórdia
55. (Como falou a nossos pais.)
para com Abraão e a sua posteridade, para sempre.
(Lucas 1.46-55)

PODE uma mulher cantar em tempos como estes? Pode uma


mulher pobre encontrar motivo para cantar em um mundo tão
desigual e desumano? O que esperar da vida quando os ricos e
poderosos se tornam cada vez mais ricos e poderosos e os pobres
e miseráveis se tornam cada vez mais pobres e miseráveis?
Entretanto, há uma voz que toca o coração dessa mulher e que
traz a resposta. Há uma voz que a faz cantar um canto de alegria
e coragem, como o de uma virgem que descobre a alegria de ser

42
mãe, como a de um povo que descobre a alegria de ser livre, como
a de um guerreiro que descobre o caminho da paz. Essa voz “nos
alerta” e ensina que “é preciso ter força, é preciso ter raça sempre”,
ainda que essa força venha misturada à fraqueza.
É preciso que o riso aformoseie o rosto, ainda que molhado
pelo choro. É preciso que o som da alegria quebre o silêncio do
terror e da morte. É preciso que a vida “severina” aprenda a vencer
as incontáveis léguas dos descaminhos da morte.
Maria sabe que vive, e “não apenas aguenta”, pois traz em
seu corpo a prova maior de que o tempo é de mudança e graça:
o Deus conosco. Então ela canta: “Minha alma engrandece ao
Senhor!”. O canto de Maria declara que há Alguém maior que
reis e poderosos, Alguém que traz esperança e vida aos pobres e
famintos. Ela anuncia a presença de Deus na história humana, a
presença redentora de Deus no mundo.
A experiência de Maria confirma que o Senhor faz o pobre
cantar de esperança. Ele anima o abatido, enxuga as lágrimas dos
que já não encontram consolo em si mesmos e em ninguém. Ele
torna grande nossa vida breve. Quebra o orgulhoso, derrota os
poderosos e redime o humilde.
Certamente, Maria haveria de provar em sua própria vida
mistérios de fazer calar seu pobre coração. Aliás, muitas coisas
sobre o menino Jesus ela guardaria a sete chaves em seu humano
coração (Lc 2.19).

REFLITA
“Tu já foste indefesa criança
Não consigo entender,
Como pude tomar-te em meus braços
E envolver o teu ser,
Tantas noites ouvi o teu choro

43
A pedir pão e leite, consolo.
Carecias pra tudo de alguém,
E até pra dormires também
Um balanço e a minha voz pra te ninar.

“Teus primeiras passinhos e quedas


Com orgulho segui,
Ensaiaste as primeiras palavras
Que entender eu fingi.
Travessuras sem mal de menino,
Quantas vezes me deixaram rindo.
De repente o menino cresceu,
Tão bonito e viril se tornou,
Tudo tão depressa que eu nem percebi.

“Mas ao olhar o presente eu vejo


As multidões te seguindo
Buscando paz, esperança e conforto
Que estão nas tuas palavras.
O Teu poder cessa a fúria do mar
E enfermidades se vão,
Quando ordenas, se vão!

“Hoje eu entendo as palavras do anjo


Quando ele disse o Teu nome.
Tu és a tão esperada promessa,
O Deus do céu entre nós,
És do teu povo o Libertador,
Tu és o meu Salvador,
O Cordeiro de Deus.

“E pensar que algum dia te embalei


Em meus braços, Jesus!” (Stênio Marcius).

44
15 de dezembro

E VIMOS…!
14. O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade,
e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.
(João 1.14)

Dentre um grande número de expressões de uso popular, com


sentidos que vão muito além daqueles com os quais a gramática,
a etimologia e a semântica ficam à vontade, há uma que diz:
“Viu agora?”
Geralmente nós a utilizamos ao final de uma explicação como
sinônimo de “compreendeu”?
“Viu?”, isto é, “compreendeu?”, revela um processo de inte-
ração com o que nos cerca. Nem sempre compreendemos o que
vemos e/ou ouvimos. Por vezes, vemos e ouvimos, mas não con-
seguimos elaborar a imagem ou as palavras. Nosso cérebro e nossa
psique não captam todas as nuances daquilo que nos envolve.
Por outro lado, “ver”, com o sentido de “compreender”, pode
ultrapassar em muito o aspecto tátil e material do verbo. Isso
acontece no evangelho de João.
No início do primeiro capítulo, o autor apresenta o Verbo
como criador do universo, ao lado de Deus e sendo Deus. Ele
introduz João Batista como testemunha histórica do Verbo e,
de forma inusitada, afirma que a sociedade (o “mundo”) não o
reconheceu, esclarecendo que alguns, no entanto, o receberam,
tornando-se filhos de Deus.
Por fim, e de forma categórica, o narrador introduz uma
afirmação que, situada historicamente, transcende as demais:
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de
verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”.
45
Para além da ação criadora do Verbo e de sua divindade, o
narrador destaca o fato histórico de sua encarnação. “O Verbo se
fez carne”. – A segunda pessoa da Trindade tornou-se um de nós,
se fez gente, diz ele. Mais do que isso, afirma de modo enfático
que Jesus Cristo “habitou entre nós”. Ele conviveu com galileus
em suas vilas e mercados, caminhou pela Samaria e foi visto por
muitos, transitou pelas ruas de Jerusalém e esteve em seu Templo.
E fez isso “cheio de graça e de verdade”.
O Verbo todo poderoso, criador e Senhor de céu e terra, esteve
entre os humildes e pobres, nos ensinou sobre Deus, curou nossos
doentes, expulsou demônios de nossos amigos e acariciou nossas
crianças, recorda o evangelista. Jesus Cristo viveu graciosamente
entre os seres humanos.
Mas o evangelista vai ainda mais longe. Ele proclama em claro
e bom som: “… e vimos a sua glória, glória como do unigênito
do Pai”. Vimos. Entendemos. Compreendemos.
A graça de Jesus derramada sobre aqueles homens e mulheres
os levou a concluir, a ver, que Jesus Cristo é o Filho de Deus. Jesus,
em seu amor, graça e misericórdia manifestou-se “glorioso” a eles.
E nós?… Vemos?… Compreendemos?
Embora Jesus não ande fisicamente entre nós, podemos tes-
temunhar que ele habita conosco cheio de graça e de verdade?
Temos visto isso?
Natal é tempo de celebrar a chegada do Filho de Deus. Jesus
Cristo, gracioso, está entre nós. Como sabemos disso? O teste-
munho de uma vida transformada por ele confirma esse fato. A
única e verdadeira resposta é: “Vemos a sua glória, glória como
do unigênito do Pai”.

REFLITA
“Deus te chama para o lugar onde tua mais profunda alegria
se encontra com a mais profunda fome do mundo” (Frederick
Buechner).

46
16 de dezembro

GLÓRIA IN EXCELCIS DEO!


8. Naquela região havia pastores que viviam nos campos e guardavam o
seu rebanho durante as vigílias da noite.
9. Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor brilhou ao redor
deles; e encheram-se de grande temor.
10. Disse-lhes o anjo: Não temais; pois eu vos trago uma boa-nova de
grande gozo que o será para todo o povo:
11. é que hoje vos nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é Cristo
Senhor.
12. Eis para vós o sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e
deitada numa manjedoura.
13. De repente, apareceu com o anjo uma multidão da milícia celestial,
louvando a Deus e dizendo:
14 Glória a Deus nas maiores alturas,
e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem.
15. Quando os anjos se haviam retirado deles para o céu, diziam os
pastores uns aos outros: Vamos já até Belém e vejamos o que
aconteceu, o que o Senhor nos deu a conhecer.
16. Foram a toda a pressa e acharam Maria, e José, e a criança deitada
na manjedoura;
17. e, vendo isso, divulgaram o que se lhes havia dito a respeito deste
menino.
18. Todos os que o souberam se admiraram das coisas que lhes referiam
os pastores;
19. Maria, porém, guardava todas essas palavras, meditando-as no seu
coração.
(Lucas 2.8-19)

OS PASTORES já ajuntaram seus rebanhos no aprisco e estão


à roda da fogueira contando histórias e cantando canções. Eles
conhecem o silêncio dos desertos, a alegria dos vales e a solidão
das madrugadas. Lembram-se de seu ancestral, Davi, que nasceu

47
tão perto dali, o menino que um dia também foi pastor, mas que
se tornou o maior rei de Israel. Um deles comenta que Deus cuida
de seu povo como um pastor amoroso e cuidadoso.
A noite é fria, mas bela e estrelada. Enquanto compartilham
o pão e as palavras, uma voz quebra o silêncio da noite: “Não
tenham medo!”. É um anjo do Senhor que veio anunciar o
nascimento do Salvador, na mesma cidade em que nasceu Davi.
De repente, uma multidão de anjos aparece cantando no céu:
“Glória a Deus nas alturas! Paz na Terra às pessoas a quem ele
quer bem!”.
Os anjos do Senhor visitaram os pastores que trabalhavam
nos campos. Propositalmente, o Senhor não procurou os palácios
e mansões de Jerusalém ou Roma. Ignorou teólogos, sacerdotes
e mestres da religião. Preferiu habitar corações aquecidos pela
esperança, pessoas em cujos olhos ainda brilhava o lume da fé.
Misterioso é o sinal que o Senhor escolheu para confirmar as
palavras do anjo: “uma criancinha enrolada em panos e deitada
numa manjedoura”.
A glória do Senhor brilha no céu estrelado de anjos que vi-
sitam pobres pastores e de pastores que visitam uma estrebaria
para saudar uma criancinha recém-nascida enrolada em panos e
deitada numa manjedoura. São pessoas simples, de poucas pala-
vras, visto que quase ninguém dá crédito a palavras de pastores
de ovelhas. Contudo, a glória do Senhor também se revelou a
eles e os fez porta-vozes de uma grande novidade: “na cidade de
Belém nasceu o Salvador, o Messias, o Senhor”.
Certa vez, um monge celta orou da seguinte maneira: “Meu
querido Senhor, sejas tu uma chama brilhante diante de mim.
Sejas tu uma estrela-guia acima de mim. Sejas tu um suave ca-
minho sob mim. Sejas tu um pastor bondoso atrás de mim hoje
e para sempre” (Columba, 521-597).

48
REFLITA
“Olhem para cima, vocês cujo olhar está fixo nesta Terra, que estão
enfeitiçados pelos pequenos acontecimentos e mudnças na face da
Terra. Olhem para estas palavras, vocês que, desapontados, aban-
donaram o céu. Olhem para cima, vocês cujos olhos estão pesados
de tantas lágrimas e que estão sobrecarregados de tanto chorar
pelo fato de a terra ter-nos excluído de modo tão desgracioso.
Olhem para cima, vocês carregados de culpa e que por isso já não
podem mais erguer os olhos. Olhem para cima, sua redenção está
próxima. Algo diferente do cotidiano está para acontecer. Fique
atento, vigie, espere por mais um breve momento. Espera e algo
novo irá acontecer com você: Deus virá!” (Dietrich Bonhoeffer).

49
17 de dezembro

MEU CHÃO, MEU CORAÇÃO


2. Mas tu, Belém Efrata, que és pequena para se achar entre os milhares
de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de ser reinante em Israel e
cujas saídas são desde os tempos antigos, desde a eternidade.
(Miquéias 5.2)

O VELHO empório na esquina da Quintino Bocaiúva. A ladeira


tortuosa que desce em direção à vila Barth. A praça Peixoto Go-
mide, onde bandeiras eram hasteadas em dias cívicos. O campo
da Associação Atlética onde sonhei ser jogador de futebol. A rua
Campo Salles com suas lojas. O pastel na feira de domingo. As
barrancas do rio Itapetininga.
Não. Não são meras referências da geografia da cidade onde
nasci. Não são apenas ruas, prédios e lugares. Não é apenas pe-
dra, cimento e asfalto. Não. Pelo contrário, é uma parte de mim,
um pedaço do meu ser. A cidade onde nasci e me criei preserva,
guarda, retém fragmentos da minha vida em forma de memórias
concretas. Em troca, em forma de retribuição agradecida, para
onde vou levo esse chão no meu coração.
Somos o lugar onde nascemos. Somos seu pó, seu cheiro, suas
cores, seus sentimentos.
“E tu, Belém Efrata, pequena demais […] de ti me sairá o que
há de reinar em Israel”. O Messias, o Salvador Jesus Cristo nasceu
em Belém. Esse fato é relembrado pelos evangelistas Mateus (2.6)
e João (7.42). Este, inclusive, a chama de “aldeia”. Lugar pequeno.
Mas o que importa? Dela veio Jesus Cristo. E com ele chegou
até nós Belém. “Beth-Lehem”, a “casa de pão”, onde o pão da
vida encarnou. E, como pão, sentimos seu cheiro, provamos seu
sabor abençoador, nos nutrimos de sua salvação. E com ele, veio
até nós Belém.
50
Belém, cidade de Davi. Mas antes dele de Noemi, que dela
precisou sair, pois havia acabado o pão. Terra de Boaz, homem
bondoso que se casou com Rute. Rute, ancestral do rei Davi e
de Jesus Cristo.
Belém, terra que se conhece conhecendo sua gente. Cidade
humilde, pequena, vila mesmo. Mas que em sua pequenez se
agiganta por trazer ao mundo pessoas de fé, homens e mulheres
ligados a Deus. E, por fim, o Salvador, Jesus Cristo.
Deus tornou-se humano por intermédio de Maria. Mas o
espaço físico em que isso se deu foi Belém. Dessa forma, a cidade
participa do plano de salvação da humanidade.
Jesus viveu pouco em Belém. Seus pais moravam em Nazaré
e se deslocaram para Belém por força de uma lei que obrigava
as famílias a se recadastrarem na cidade de seus ancestrais. Logo
depois, Deus orientou José e Maria a fugirem da cidade, pois
Herodes pretendia matar a criança. Apesar do pouco tempo,
certamente Jesus levou consigo traços de Belém.
O pão da vida carregou consigo a casa de pão.
Natal é celebração em família. É o momento em que familiares
se dirigem para suas cidades de origem – à semelhança de José
e Maria – para se reunirem e reavivarem memórias antigas. Ao
mesmo tempo, as famílias manifestam gratidão à terra que os
gerou, e o fazem da forma mais profunda possível: proclamando
e celebrando nela o nascimento de Jesus Cristo, o Salvador.

REFLITA
“Cidadezinha de Belém
[...] em tuas ruas escuras brilha
A eterna Luz.
As esperanças e temores de todas as eras
Se encontram esta noite em ti” (Phillips Brooks & Lewis Redner).

51
18 de dezembro

SER OU NÃO SER


32. Os fariseus ouviram murmurar a multidão essas coisas a respeito dele,
e os principais sacerdotes e os fariseus mandaram os oficiais de justiça
para o prender. [...]
45. Voltaram, então, os oficiais de justiça aos principais sacerdotes e
fariseus, e estes lhes perguntaram: Por que não o trouxestes?
46. Responderam os oficiais: Nunca homem algum falou como esse homem.
47. Replicaram-lhes os fariseus: Estais vós também iludidos?
48. Porventura, creu nele alguma das autoridades ou alguns dos fariseus?
49. Mas este povo que não entende a Lei é amaldiçoado.
50. Nicodemos, um deles, que antes fora ter com Jesus, perguntou-lhes:
51. Porventura, julga a nossa lei a alguém, sem primeiro ouvi-lo e saber o
que ele faz?
52. Eles lhe responderam: És tu também da Galileia? Examina e vê que da
Galileia não se levanta profeta.
(João 7.32,45-52)

NUNCA pensei que isso fosse acontecer comigo. Já fiz teatro


de arena, circo mambembe, já me apresentei em colégios, em
circuitos universitários, mas essa de representar Jesus numa peça
de Natal em plena catedral está mexendo comigo. Ao decorar suas
falas, ao rever seus dilemas ou reviver seus possíveis sentimentos e
pensamentos, minha vida está sendo desnudada. Sempre fui um
ateu, ou melhor, um agnóstico!
Confesso: essa proximidade com a pessoa de Jesus está me
incomodando. Se eu sou quem penso que sou, um artista expe-
riente e competente, vou mergulhar no personagem e revivê-lo.
Mas se ele é quem pensa que é, então ele é que vai mergulhar
em mim e fazer-me reviver, e sinto que é isso mesmo o que está
acontecendo.
52
Se, como ator, faço encarnar em mim as palavras dos
dramaturgos e os textos literários mais densos, por outro lado
vejo meus dramas mais íntimos, meus dilemas mais secretos se
encarnarem nele: Jesus. É sua voz que me interpela quando lhe
empresto a minha: “Vinde a mim todos vós que estais cansados
e sobrecarregados e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo
e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e
achareis descanso para vossa alma” (Mt 11.28-29).
Minha alma anda pesada como chumbo. O poeta Marcelo
Yuka canta assim: “A minha alma está armada e apontada para a
cara do sossego, pois paz sem voz não é paz, é medo”. Ele fala de
paz sem voz. Eu tenho voz, mas não tenho paz.
Sinto-me como aqueles guardas que foram prender Jesus, a
mando dos fariseus e dos chefes dos sacerdotes, e que acabaram
voltando de mãos abanando, simplesmente porque foram impac-
tados pela presença e pelas palavras do Galileu: “Nunca ninguém
falou como aquele homem!”.
Tentei, juro que tentei, usar toda a minha técnica para
“prender” aquele personagem com minhas próprias mãos. Estou
conseguindo, talvez, conhecê-lo de perto não como um dogma da
Igreja nem como um mito da nossa cultura, mas como o único,
o incomparável, o inominável Filho de Deus.
Pouco a pouco vou caindo na realidade como quem cai nu no
palco: Ele, Jesus, tem se tornado nos últimos meses o centro da
minha vida como ator e talvez da minha vida como ser humano,
e acho que isso não vai passar. Um pensamento espeta meu pé
como um caco de barro: as palavras de Pedro quando disse “Para
onde irei, se não a ti? Tu tens as palavras de vida!” Isso está rever-
berando em mim desde ontem.
Quero um dia poder dizer que tenho paz, e não medo. Quem
sabe eu esteja a ponto de fazer que nem o filósofo Blaise Pascal:
“Deus de Abraão, Deus de Isaque, Deus de Jacó, não dos filósofos
nem dos eruditos. Certeza! Certeza! Sentimento! Alegria! Paz”.

53
REFLITA
“Quando há ferrugem, no meu coração de lata!
É quando a fé ruge, e o meu coração dilata!” (Fernando Anitelli).

54
19 de dezembro

UMA VOZ NO DESERTO


19. Este é o testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de
Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntar: Quem és tu?
20. Ele confessou e não negou, e a sua confissão foi: Eu não sou o Cristo.
21. Perguntaram-lhe eles: Que és, então? És tu Elias? Ele respondeu: Não
sou. És tu o profeta? Respondeu: Não.
22. Disseram-lhe, pois: Quem és, para que possamos dar resposta aos que
nos enviaram? Que pensas de ti mesmo?
23. Ele replicou: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho
do Senhor, como disse o profeta Isaías.
(João 1.19-23)

DESERTOS são lugares perigosos. A amplidão das dimensões,


o calor causticante durante o dia e o frio atroz nas noites, as du-
nas que teimam em se deslocar ao sabor do vento confundindo
direções e eventuais tempestades de areia tornam esses vastos
territórios os mais letais do planeta.
Desse aspecto físico surge outro, simbólico. No período do
Antigo e Novo Testamentos o deserto era considerado um lugar
de provação, por onde Israel caminhou por quarenta anos e onde
Jesus foi tentado pelo diabo após quarenta dias. O deserto era
considerado o lugar de habitação de demônios.
O texto proposto para leitura hoje fala de deserto. João Batista
é “a voz do que clama no deserto”. João pregava no deserto da
Judeia anunciando a vinda do Messias Jesus. Tal notícia chegou
aos ouvidos dos religiosos em Jerusalém, sempre zelosos com a
doutrina e preocupados com possíveis confusões com radicaliza-
ções religiosas. Rapidamente enviaram emissários para saber quem
era João. As pessoas falavam tanto dele, e ele havia se tornado tão
popular que havia dúvida se ele seria ou não o Messias.
55
Sem rodeios ele afirmou: “Eu não sou o Cristo!”. Diante da
insistência a respeito de sua identidade, ele cita o profeta Isaías
dizendo: “sou a voz que clama no deserto”, cuja missão é endireitar
o caminho do Senhor.
Deserto, lugar de sofrimento, de dor, de morte. No entanto,
é dele que provém a voz que proclama a salvação manifesta em
Jesus. Não são demônios que saem do deserto. É João Batista.
Aquele que compreende quem é Jesus, que tem consciência das
implicações de sua vinda. Que recebe a incumbência de tornar
tais verdades claras ao povo.
De onde ecoam nossas vozes? Provavelmente de condomínios
confortáveis, de casas envoltas em cercas elétricas, de lugares onde
estamos seguros e livres dos males e problemas sociais. Talvez,
neste Natal, nossas vozes sejam ouvidas em reuniões familiares
em chácaras, em clubes, talvez até em iates.
Mas, e o deserto? E os lugares de sofrimento, de desamparo,
de pobreza, de humilhação e de morte? Haverá, hoje, vozes que
proclamem o Messias no deserto? Por onde andará João Batista?
É provável que hoje não existam discípulos de João Batista. É
provável que o deserto não seja mais nosso destino e nossa missão.
É provável que não saibamos mais o que falar em tal lugar.
“Sou a voz que clama no deserto”. Esse é o convite da Escritura
para mim e para você neste natal. Que tal nos dirigirmos para o
deserto e erguermos em alto som nossas vozes de proclamação
da vinda do Messias, luz do mundo, Senhor da vida, aquele que
preenche de vida o deserto da humanidade?

REFLITA
“Voz do que clama no deserto
Prepara o caminho do Senhor
Chama essa gente é hoje o tempo
56
De ouvir a voz de Deus
O sol se levanta com seu ardente calor
A erva seca e cai sua flor
Mas a Palavra do Senhor resiste para sempre”
(Guilhere Kerr & Jorge Rehder).

57
20 de dezembro

O NATAL PARA DIETRICH BONHOEFFER


12. Quero, porém, irmãos, que conheçais que as coisas que me aconteceram
têm, antes, contribuído para o progresso do evangelho;
13. de maneira que as minhas prisões se tornaram manifestas em Cristo
a toda a guarda pretoriana e a todos os demais;
14. e que a maioria dos irmãos, animados no Senhor pelas minhas prisões,
são muito mais corajosos em falar sem temor a palavra de Deus. [...]
27. Somente portai-vos duma maneira digna do evangelho de Cristo, para
que, ou indo ver-vos ou estando ausente, eu ouça dizer de vós que
permaneceis em um só espírito, lutando com uma só alma pela fé do
evangelho;
28. e que em nada estais atemorizados pelos vossos adversários, o que
para eles é uma prova de perdição, mas para vós de salvação, e isso
da parte de Deus.
29. Pois vos foi concedido, por amor de Cristo, não somente o crer nele,
mas ainda o padecer por ele, 30 sofrendo o mesmo combate que vistes
em mim e agora ouvis que está em mim.
(Filipenses 1.12-14,27-30)

Na véspera do Natal de 1943, no canto de uma das celas do


presídio Berlim-Tegel, em Berlim, o pastor Dietrich Bonhoeffer
escreve uma carta para os seus amigos Eberhar e Renate Bethge.
São tempos sombrios sobre a Alemanha, a violência da Gestapo, a
decadência do nazismo, bombas caindo sobre a cidade de Berlim.
“Já não acredito na minha soltura”, ele escreve. Na carta, Dietrich
fala daqueles tempos como dias de separação, e “não há nada que
nos possa substituir a presença de um ente querido e nem deve-
mos tentar substituí-lo. Cabe-nos simplesmente suportar”. Para
complicar as coisas, “quanto mais belas e mais ricas as recordações,
tanto mais dura a separação”. Entretanto, ele também afirma que
a separação pode produzir uma comunhão até mais forte.

58
Ora, como viver a alegria dos evangelhos em tempos de
apocalipse? O pastor Dietrich até comenta que, ali na prisão, os
presos detestavam ouvir os hinos de Natal, pois tornava a situação
ainda mais insuportável. O contraste era tão grande, que fazia
os prisioneiros mergulhar “num estado miserável de tristeza, de
modo que o dia lhes pesa ainda mais”. Melhor seria que, em lugar
do sentimentalismo e das músicas nostálgicas, houvesse uma boa
pregação ou uma palavra pessoal.
Sim, nem todos vivem o Natal em conforto, fartura ou liber-
dade. Para muitos, o Natal é mesmo tempo de tristeza e depressão,
de solidão profunda e separação. Em tempos assim vale ouvir de
novo a mensagem de esperança de Deus a um mundo perdido, o
conforto da sua presença ao nosso lado. Natal é tempo de oração
pelos que sofrem neste mundo agitado e confuso, é tempo de uma
boa e franca conversa pessoal, humana, cheia de afeto e verdade.
É também tempo se ouvir uma boa e honesta pregação, como
diria Dietrich Bonhoeffer.
“A cela de uma prisão, em que alguém aguarda, espera e se
torna completamente dependente do fato de que a porta da li-
berdade tem que ser aberta por fora, torna-se cenário ideal para
o Advento”, escreve Bonhoeffer, pois para ele o aspecto mais
importante do Advento é que ele nos propõe uma esperança de
libertação. “Você quer ser liberto? Esta é a única questão realmente
importante e decisiva que o Advento nos propõe”.
Este tempo de preparação para o Natal, este Advento, é tempo
propício para a reflexão e para a tomada de atitude. Há que se
olhar para o alto, há que se seguir adiante.
Certa vez perguntaram a Leon Gieco, cantor argentino que
viveu os tempos difíceis de ditadura militar e perseguição política,
como estava, e ele respondeu em forma de canção: “Sobrevivendo.
Sobrevivendo”. Diante das ameaças pendentes à vida, como nos
tempos na II Guerra na Europa ou especificamente do nazismo
na Alemanha, sobreviver já é uma grande façanha.

59
Contudo, o que o Advento nos propõe é mais que sobrevivência,
é vida plena e digna.

REFLITA
“A cela de uma prisão, em que a pessoa aguarda, espera – e está
completamente dependente do fato de que a porta da liberdade
tem de ser aberta por fora, não é uma comparação ruim com o
Advento” (Dietrich Bonhoeffer).

60
21 de dezembro

O SERVO QUE PROCLAMA A JUSTIÇA


1. Eis o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, no qual a minha
alma se agrada. Tenho posto sobre ele o meu Espírito, e ele fará sair
juízo às nações.
2. Não clamará, nem levantará, nem fará ouvir a sua voz na rua.
3. Não quebrará a cana rachada, nem apagará a torcida que fumega; com
verdade fará sair o juízo.
4. Não se apagará, nem será quebrado, até que estabeleça o juízo na terra;
e as ilhas esperarão a sua lei.
5. Assim diz o Deus, Jeová, que criou os céus e os estendeu; que alargou a
terra e o que dela procede; aquele que dá respiração ao povo que está
sobre ela e espírito aos que andam nela.
6. Eu, Jeová, te chamei em justiça, tomar-te-ei pela tua mão, conservar-te-ei
e te porei para aliança do povo, para luz dos gentios,
7. a fim de abrir os olhos cegos, e de tirar da prisão os presos, e da casa
do cárcere os que estão sentados nas trevas.
8. Eu sou Jeová, este é o meu nome; a minha glória, não a darei a outrem,
nem o meu louvor, às imagens esculpidas. 
9. Eis que as primeiras coisas já se realizaram, e eu vos anuncio novas
coisas; antes que sucedam, eu vos farei ouvi-las.
(Isaías 42.1-9)

ISAÍAS é um livro profundo. Entre tantas complexidades está


a figura do servo do Senhor. Ela aparece em vários textos, dos
quais o mais conhecido é o capítulo 53 que o Novo Testamento
aplica a Jesus Cristo.
No contexto histórico de Isaías, o servo pode ser Israel (41.8-9)
ou o profeta (49.5). Ou podem ser ambos. Os exegetas discutem,
e muito, sobre a definição do servo. A ambiguidade que o cerca
tem um motivo.

61
Israel encontra-se no exílio na Babilônia. Ali Deus faz questão
de afirmar que ainda tem um plano para seu povo. Deus garante
que o ama, que ele é seu servo, e que irá restaurá-lo.
O profeta, como servo, é convocado a proclamar a bondade
e a justiça de Deus às nações, mesmo vivendo em um contexto
de dúvidas, angústias e sofrimentos.
No texto indicado para leitura, o servo é caracterizado pela
presença do Espírito e como aquele que deve proclamar a justiça
(e não o “direito”, como está na versão de Almeida, v. 1 e 3) aos
gentios.
Justiça, no Antigo Testamento, é um conceito mais relacional
do que jurídico. A justiça deriva da aliança com Deus. Justo é
aquele que vive com Deus e, por decorrência, anda em seus
caminhos (v. 6). Portanto, proclamar justiça significa conclamar
os gentios a se relacionarem com Deus e a terem suas vidas trans-
formadas por ele.
Tal justiça visa aos desvalidos e desfavorecidos dentre os gen-
tios, caracterizados como “cegos, cativos, aqueles que jazem em
trevas”. Deus não divide nossa vida em departamentos, como se
o espiritual fosse mais importante do que o físico e o emocional.
A relação com Deus invade todos os segmentos do nosso ser.
A missão do servo é desempenhada de forma pacífica (v. 2-3)
e perseverante (v. 4). Ele não briga, não se impõe, não humilha.
Não é preciso. Os humildes de todos os povos o recebem e a sua
mensagem de braços abertos.
Quem é o servo? Israel, o profeta, Jesus. O evangelista atribui
a Jesus a missão do servo (Mt 12.15-21; Lc 4.18 ecoa Is 42.7). Ele
veio para os fracos e sofridos de Israel e de todo o mundo gentílico,
dentre os quais se apresentam nos evangelhos, como exemplo,
a mulher cananeia e sua filha endemoninhada (Mt 15.21-28).
Quem é o servo? Israel, o profeta, Jesus… nós. Essa é a razão
da ambiguidade da figura do servo em Isaías. A imagem vem se

62
atualizando na História até chegar a nós, e continuará depois de
nós. Como discípulos de Jesus, o Deus encarnado nascido na
manjedoura, cumpre-nos continuar sua missão de proclamação
aos cegos, aos cativos, aos que jazem nas trevas.

REFLITA

“Sim, Cristo entregou sua vida


De forma espontânea Ele a deu
Ninguém poderia obrigá-lo
Foi seu próprio amor que o moveu” (Guilherme Kerr).

63
22 de dezembro

CANÇÃO DE NINAR
1. Naquela hora, chegaram-se os discípulos a Jesus e perguntaram: Quem
é, porventura, o maior no reino dos céus?
2. Jesus, chamando para junto de si um menino, pô-lo no meio deles
3. e disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos
fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus.
4. Quem, pois, se tornar humilde como este menino, esse será o maior no
reino dos céus.
5. Aquele que receber um menino, tal como este, em meu nome a mim é
que recebe...
(Mateus 18.1-5)

AH, como eu gostaria de compor uma canção de ninar para Jesus.


Colocá-lo ao colo, pequena criança indefesa, e vê-lo sonhar seus
primeiros sonhos e sorrir sem saber que na verdade faz o mundo
sorrir. Teria que ser também uma canção doce, que falasse com
ternura a Ele, adormecido num berço de palhas, como a canção
que, segundo dizem, Lutero escreveu para seus próprios filhos,
pois o menino Jesus adormecido nos braços humanos num mundo
atribulado e à beira do caos é a imagem mais pura e tocante do
amor de Deus.
Mas há quem diga que o hino “Num berço de palha” não foi
de fato escrito por Lutero, e sim por um compositor anônimo,
talvez em homenagem a Lutero. Não importa, nada modifica a
beleza da canção de ninar que coloca Jesus no centro de todas as
coisas, no humilde presépio. Poder expressar a centralidade de
Jesus com ternura e devoção, poder fazer disso uma declaração
de amor, é o grande segredo.
A infância de Jesus durou pouco, é verdade, pois logo o
menino cresceu “em sabedoria, estatura e graça”, como dizem as

64
Escrituras. E é isso mesmo que torna o Natal um momento tão
raro e precioso. Ah, como é bom cantar uma canção de Natal e
ensiná-la aos nossos filhos.
É bom saber que Jesus aceita nosso amor e nossa ternura, tão
imperfeitos, tão fora do tempo. Abraçamos pela fé a Ele, que
nasce dentro de nós, e embalamos Seu ser em nossos corações.
Sua presença é nossa alegria. Sua alegria, nossa paz.
“No humilde presépio, sem ter nada seu, Jesus, pobrezinho,
sem teto nasceu” (Lutero).
Eis a letra da canção de Lutero:

“No humilde presépio, sem ter nada seu,


Jesus, pobrezinho, sem teto nasceu.
Os céus estrelados, fulgentes de luz,
Visitam o meigo e divino Jesus.

Desejo ao teu lado viver, meu Senhor,


Amar-te e servir-te, Jesus, Salvador.
A teus pequeninos vem sempre guardar
Fazendo-nos todos contigo morar.

REFLITA
“Menino Jesus, não chores
É noite e é hora de dormir
As estrelas que brilham não se comparam
Ao número daqueles que irão te conhecer” (Michael Card).

65
23 de dezembro

OVELHAS E PASTORES
20. Portanto, assim lhes diz o Senhor Jeová: Eis que eu, eu mesmo, julgarei
entre as ovelhas gordas e as ovelhas magras.
21. porquanto com o lado e com o ombro, dais empurrões e, com os vossos
chifres, impelis todas as adoentadas, até as terdes espalhado por
toda a parte,
22. portanto salvarei o meu rebanho, e ele não servirá mais de presa; e
julgarei entre ovelhas e ovelhas.
23. Suscitarei sobre elas um só pastor, que as apascentará, meu servo
Davi. Ele as apascentará e lhes servirá de pastor.
24. Eu, Jeová, serei o seu Deus, e o meu servo Davi será príncipe no meio
deles.
(Ezequiel 34.20-24)

As campinas, vales e morros da Palestina são repletos de


histórias. Povos cananitas ali viveram e desapareceram. Exércitos
passaram por ela, migrantes percorreram seus caminhos, feras
vagaram por seus ermos. Ali Israel experimentou momentos de
glória e de humilhação.
As pedras e arbustos daquele chão sagrado também guardam
imagens milenares de amor, carinho e cuidado de pastores por suas
ovelhas. Desde os mais desconhecidos até aquele que se tornaria
rei, todos experimentaram a profundidade desse relacionamento.
Ele é tão intenso que inspirou um dos mais belos poemas do
Antigo Testamento, que toma a imagem do pastor e sua ovelha
para representar a vivência de Deus com seu povo.
Pastor e ovelha. Uma relação que envolve o sacrifício daquele e
a confiança desta, que pressupõe a força do homem que dá guarida
e a fraqueza do animal que se sente protegido, que se constrói a
partir da liderança do humano e da submissão do rebanho, que se
aprofunda na nomeação de cada ovelha e pelo pronto atendimento
com que respondem à voz do pastor.

66
Nem sempre essa relação foi harmoniosa. Israel estava exilado
na Babilônia. As lideranças, em lugar de zelarem e cuidarem do
povo, agiam por si mesmas e a favor de si mesmas. Simplesmente
se esqueceram de suas obrigações para com os mais fracos.
Deus, então, levanta o profeta Ezequiel e lhe dá uma mensa-
gem: os líderes de Israel eram ovelhas gordas que apascentavam a
si mesmas, que desprezavam as fracas e roubavam sua pastagem.
Deus afirma que punirá tais ovelhas e suscitará Davi como pastor
das ovelhas oprimidas.
Ora, a muito Davi estava morto. Portanto, essa profecia foi
tomada como messiânica. Jesus se identifica como o bom pastor
que dá a vida pelas ovelhas (Jo 10.11). Jesus é aquele que reaviva
a imagem do pastor que cuida de seu rebanho e o ama, do pastor
divino que dispensa tudo quanto é necessário ao seu rebanho.
Mais do que nunca é necessário reconhecer que os inimigos
das ovelhas fracas e carentes são os religiosos, caracterizados como
ovelhas gordas e como lobos. Jesus os combateu, os afastou do
rebanho. Ele nos adverte contra esses lobos vorazes que se escon-
dem em pele de ovelha (Mt 7.15).
A religião e sua máquina institucional rapidamente se apos-
saram de Jesus e de seus ensinos. Hoje, muito do que se intitula
cristianismo e exige a devoção de fiéis nada mais é do que uma
alcateia de lobos insaciáveis em seu apetite.
Jesus Cristo é o bom pastor. Ao comemorarmos seu nascimento,
afirmamos que, como ovelhas carentes, ouvimos apenas a sua voz
e rejeitamos com todas as nossas forças os grilhões com que falsos
religiosos, ovelhas gordas, lobos assassinos, querem nos prender.

REFLITA
“Que alarido é esse no amanhecer, é o pastor fazendo festa no arraial
Como se tivesse achado o maior tesouro que jamais se viu
É só uma ovelha, mas como ele a estima” (Stênio Marcius).
67
24 de dezembro

O PRESÉPIO
15. Quando os anjos se haviam retirado deles para o céu, diziam os pastores
uns aos outros: Vamos já até Belém e vejamos o que aconteceu, o que
o Senhor nos deu a conhecer.
16. Foram a toda a pressa e acharam Maria, e José, e a criança deitada
na manjedoura;
17. e, vendo isso, divulgaram o que se lhes havia dito a respeito deste
menino.
18. Todos os que o souberam se admiraram das coisas que lhes referiam
os pastores;
19. Maria, porém, guardava todas essas palavras, meditando-as no seu
coração.
20. Os pastores voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo quanto
tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado.
(Lucas 2.15-20)

MEU sogro gostava muito de fazer presépios. Em todo Natal,


ele montava um presépio de antigas peças feitas de barro, palha,
porcelana e muitas conchinhas do mar, pois ele amava o litoral.
Era como se virasse criança e se dispusesse a perder horas e horas
montando as pecinhas, com alegria e amor. Talvez seja isso mesmo
o que há de mais tocante no presépio: o amor. Primeiro, o amor de
Deus pelos seres humanos, revelado em Cristo Jesus nascendo entre
nós, depois o amor nosso por Ele, movido por gratidão e devoção.
A ideia de construir um presépio para celebrar o Natal veio de
Francisco de Assis. Certo dia, passando pela cidade de Greccio, na
Itália, durante a época do Natal, Francisco pensou em representar
a cena do nascimento de Jesus. Chamou seus discípulos, conseguiu
materiais simples e rústicos e montou o primeiro presépio. O que
movia o coração de Francisco era certamente a tocante ternura,
a comovente humildade do Natal de Jesus.
68
Quão generoso é o coração de Deus, de visitar nossa pobreza e
habitar em meio às nossas misérias para mostrar seu grande amor
por nós. O pequeno menino na manjedoura cheia de palhas, o
olhar terno de Maria e José, o burrinho e o boizinho (como se
entendessem alguma coisa!) e a estrela brilhando sobre a estrebaria.
Veja a simplicidade do seu amor, que não se manifestou no
conforto nem a glória de um berço de ouro, mas que nasceu na
periferia do mundo. Assim, os pobres e desprezados foram os que
o viram pela primeira vez.
Nossa miséria não lhe é estranha, nossa pobreza não foi por
ele ignorada. Nem foram ignorados nossos sonhos de libertação e
dignidade, nossos desejos mais profundos de vida e amor. Nossa
fome por afeto e alegria. Nossa esperança alimentada cotidiana-
mente por sua santa Palavra.
“Olhai, admirados, a sua humildade, os anjos o louvam com
grande fervor, pois veio conosco habitar encarnado. Oh! Vinde,
adoremos o nosso Senhor”, escreveu certa vez o poeta James
Theodore Houston.
Juntamente com o amigo Jorge Camargo, compus certa vez
uma canção a respeito do mais bendito sonho da humanidade:
“O sonho da semente é o trigo
O sonho do padeiro, o pão
O sonho do poeta, o livro
O sonho do livro, a visão
O sonho da visão, a estrela
O sonho da estrela, o céu
O sonho do céu, o Filho Amado
que um dia nasceu em Belém
e foi qual semente que morre
e foi qual poeta que canta
e foi como a gente que parte e que come
pão, livro, estrela e céu”.
69
REFLITA
“Nossos olhos se enganam, só isso. Deus está na manjedoura, a
riqueza está na pobreza, a luz está em meio às trevas, o socorro
está no abandono” (Dietrich Bonhoeffer).

70
25 de dezembro

A MANJEDOURA E A CRUZ?
1. Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia no tempo do rei Herodes,
vieram do Oriente uns magos a Jerusalém, perguntando:
2. Onde está aquele que nasceu Rei dos Judeus? Porque vimos a sua
estrela no Oriente, e viemos adorá-lo.
3. O rei Herodes, ouvindo isso, perturbou-se, e, com ele, toda Jerusalém;
4. e reunindo todos os principais sacerdotes e os escribas do povo,
perguntava-lhes onde havia de nascer o Cristo.
5. Eles lhe disseram: Em Belém da Judeia, pois assim está escrito pelo
profeta:
6. E tu Belém, terra de Judá,
não és de modo algum o menor entre os lugares principais de Judá;
porque de ti sairá um condutor,
que há de pastorear meu povo de Israel.
7. Então, Herodes chamou secretamente os magos e deles indagou com
precisão o tempo em que a estrela tinha aparecido;
8. e, enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide informar-vos cuidadosamente
acerca do menino; e, quando o tiverdes achado, avisai-me, para eu
também ir adorá-lo. […]
13. Depois de haverem partido, eis que um anjo do Senhor apareceu em
sonhos a José, dizendo: Levanta-te, toma contigo o menino e sua mãe,
foge para o Egito e fica ali até que eu te chame; pois Herodes há de
procurar o menino para o matar.
14. José levantou-se, tomou de noite o menino e sua mãe e partiu para o
Egito... […]
32. Ao saírem, encontraram um homem cireneu, chamado Simão, a quem
obrigaram a levar a cruz de Jesus.
33. Chegados a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer Lugar da Caveira,
34. deram-lhe a beber vinho com fel; e ele, tendo-o provado, não o quis
beber.
35. Depois de o crucificarem, repartiram entre si as vestes dele, deitando
sortes;
36. e, sentados, ali o guardavam.

71
37. Puseram-lhe sobre a cabeça a sua acusação escrita: ESTE É JESUS, O
REI DOS JUDEUS.
38. Então, foram crucificados com ele dois salteadores, um à sua direita
e outro à sua esquerda.
39. Os que iam passando blasfemavam dele, meneando a cabeça
40. e dizendo: Ó tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas,
salva-te a ti mesmo; se és Filho de Deus, desce da cruz.
41. Do mesmo modo, os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos,
escarnecendo, diziam:
42. Ele salvou aos outros, a si mesmo não se pode salvar; rei de Israel é
ele! Desça agora da cruz, e creremos nele.
43. Confia em Deus; Deus que o livre agora, se lhe quer bem; pois disse:
Sou Filho de Deus.
44. Também os salteadores que foram crucificados com ele dirigiram-lhe
os mesmos impropérios.
(Mateus 2.1-8, 13, 14; 27.32-44)

O MENINO descansa na manjedoura. Até então, as vaquinhas


e boizinhos encontravam ali o alimento. Até então, o cheiro da
cana cortada, do capim gordura, o cheiro da palha. Agora, um
bebê recém-nascido adormece num momento profundo de paz
e perfuma o ambiente. Sua mãe e seu pai sorrindo ao redor, o
silêncio das estrelas, o acalanto. Perplexos, pastores de ovelhas
juntam-se aos reis magos a contemplar o menino.
Trinta e três anos depois, aquele menino seria pregado a uma
cruz. Não mais um menino, mas um homem cansado e sedento,
suado e sangrando, condenado pelos governantes e religiosos pelo
crime de postular-se o Messias, o salvador de Israel. De maneira
complexa e misteriosa, pode-se dizer que o significado pleno da
manjedoura se encontra nos cravos e espinhos da cruz.
O que há de comum entre a manjedoura e a cruz? O que
há de diferente? Tanto a manjedoura quanto a cruz foram feitas
do mesmo material, a madeira, o vegetal, a vida. Ambas foram
construídas como objetos rústicos, obra de carpintaria, sem o fino
72
acabamento da marcenaria, sem os refinamentos da marchetaria.
Utensílio barato, aquela manjedoura recebeu sobre si, surpresa,
o mais caro tesouro da história humana: o menino Jesus. Depois
disso, a manjedoura continuaria a ser o objeto anônimo que sem-
pre foi, sem nunca virar souvenir, sem nunca tornar-se relíquia
de colecionadores.
A cruz, símbolo de morte e maldição, lugar de desprezo e
miséria completa, mesmo que acostumada à agonia e à morte
carregou, horrorizada, o mesmo tesouro de salvação de graça, o
corpo ferido e cortado de Jesus. Ela sim, de símbolo de morte,
passaria a significar redenção, e seus supostos fragmentos virariam
relíquia nas mãos de inúmeros colecionadores.
Todavia, nem a manjedoura poderia conter o Filho de Deus,
embora desejasse, nem a cruz poderia prendê-lo ou limitar seu
poder, embora não desejasse. Mas ele estava ali, visitando a his-
tória, tornando-se o centro das atenções de todos os que ouviram
sua voz.
A manjedoura ouviu o choro da criança, o riso da mãe e o
canto dos pássaros. A cruz ouviu o gemido de dor do condenado,
o choro da mesma mãe e o silêncio de Deus. A manjedoura atraía
os animais para alimento; a cruz atraiu insetos e abutres, mas
alimentou a humanidade de redenção e perdão. A manjedoura
parece marcar o início da história, mas é apenas continuação
de uma história que vem desde a fundação dos séculos. A cruz
parece marcar o fim da história, mas é apenas o início da nossa
grande salvação.
Para ser posto numa manjedoura é preciso primeiro ser abra-
çado. Para ser posto na cruz é preciso primeiro abrir os braços.
Entretanto, na cruz Jesus estava abraçando a humanidade inteira.
A manjedoura é o lugar da dádiva, em que o menino recebe
presentes dos magos do oriente. A cruz é o lugar da pilhagem,
onde as vestes de Jesus são repartidas como despojos de guerra.
A manjedoura e a cruz, entretanto, unem-se como espaços nos

73
quais Deus nos presenteia com seu filho amado. A manjedoura e
a cruz denunciam a exclusão social e espiritual que marca nossa
história. Elas testemunham do modo misterioso como Deus nos
acolhe em si.
Singela manjedoura, rude cruz – distantes de palácios, quartéis
e lugares de poder. Objetos de desprezo, talvez, dos que se tornam
senhores e reis. Entretanto, imperadores em geral e soberanos de
todas as eras tremem diante da manjedoura e diante da cruz. Como
disse certa vez Dietrich Bonhoeffer, “[p]ara os grandes e poderosos
deste mundo, há apenas dois lugares diante dos quais lhes falta a
coragem, lugares que temem no mais profundo de suas almas e
evitam: a manjedoura e a cruz de Cristo. Nenhum dos poderosos
ousa se aproximar da manjedoura, nem mesmo o rei Herodes,
pois é ali que os tronos tremem, os poderosos caem, os soberanos
perecem, porque Deus está do lado dos humildes. Ali a riqueza
de nada vale, porque Deus está com os pobres e famintos, mas os
ricos e opulentos Ele despede de mãos vazias. Diante de Maria, a
jovem serva, diante da manjedoura de Cristo, diante de Deus em
humildade, os poderosos nada conseguem; não têm direitos nem
esperança; eles são julgados” (in God is in the Manger).

REFLITA
“Se não fosse pela misericórdia de Deus, não haveria encarnação,
nenhum bebê na manjedoura, nenhum homem na cruz e nenhum
túmulo vazio” (A.W. Tozer).

74
26 de dezembro

LUZ E CAMINHO
1. Não se turbe o vosso coração; crede em Deus, crede também em mim.
2. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria
dito. Pois vou preparar-vos lugar;
3. depois que eu for e vos preparar lugar, voltarei e tomar-vos-ei para mim
mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também.
4. Sabeis o caminho para onde eu vou.
5. Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como saberemos
o caminho?
6. Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém
vem ao Pai senão por mim.
(João 14.1-6)

CONTANDO pacientemente os passos, estendendo as mãos


para frente, meu avô caminhava pela casa parecendo sentir a
presença dos móveis ao redor, mas sem vê-los. Havia se tornado
cego. E eu no meu canto o contemplava. Certa vez lhe perguntei:
“Como é que o senhor consegue andar por aí sem esbarrar na
mobília, vô?”. E ele paciente me respondeu: “É que eu conheço
o caminho, meu filho”.
Há muita gente pela estrada, todas caminhando, “porque
mover-se é fazer caminho”, diz a poeta, mas nem toda gente
sabe para onde vai, ainda que se diga com muita convicção que
“o caminho se faz ao caminhar”.
Um dos grandes caminhantes e peregrinos da cultura latino-
americana foi o músico e poeta Atahualpa Yupanqui. A pé,
montado a cavalo, Atahualpa estava sempre peregrinando pelo
mundo, levando sua poesia emaranhada aos fios de suas memórias
e saudades. Entre suas pérolas, há a canção “Piedra y camino”:
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Del cerro vengo bajando,
Camino y piedra,
Traigo enredada en el alma, viday
Una tristeza…

Me acusas de no quererte.
No digas eso…
Tal vez no comprendas nunca, viday
Porque me alejo…

Es mi destino
Piedra y camino…
De un sueño lejano y bello, viday
Soy peregrino…

Por mas que la dicha busco,


Vivo penando…
Y cuando debo quedarme, viday
Me voy andando…

A veces soy como el rio:


Llego cantando…
Y sin que nadie lo sepa, viday
Me voy llorando…

Es mi destino,
Piedra y camino…
De un sueño lejano y bello, viday
Soy peregrino…
(Atahualpa Yupanqui)

O poeta entende como destino seu o estar sempre a caminho,


como um rio, às vezes cantando, às vezes chorando, sempre ins-
pirado por “um sonho distante e belo”. O poeta se autodefine
como “peregrino”.
76
Na passagem das Escrituras que lemos (João 14.1-6), os olhos
de Jesus contemplam os corações dos seus discípulos e preveem a
escuridão que viria sobre eles na hora da cruz e da despedida. Jesus
também conhece seu destino. Então disse: “Vou preparar uma
casa para vocês, mas volto para buscá-los. E vocês já conhecem o
caminho”. E Tomé, cheio de dúvidas e muita honestidade, falou:
“Senhor, não temos nem ideia do lugar para onde vais, como saber
o caminho?”. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, disse Jesus.
Já não há porque andar se arrastando pelos cantos quando
se ganha luz e caminho. Nossa peregrinação não tem de ser um
andar em trevas. A luz segue adiante de nós. Essa luz que brilho
tão claramente quando o conhecemos.

REFLITA
“Se tu mesmo não fores conosco, não nos faças subir daqui”
(Moisés, em Êxodo 33.15)

77
27 de dezembro

PERDERAM O MENINO
41. Seus pais iam anualmente a Jerusalém pela Festa da Páscoa.
42. Quando o menino tinha doze anos, subiram eles conforme o costume
da festa;
43. findos os dias da festa, ao regressarem, ficou o menino Jesus em
Jerusalém, sem que seus pais o soubessem.
44. Mas estes, julgando que ele estivesse entre os companheiros de
viagem, andaram caminho de um dia, procurando-o entre os parentes
e conhecidos;
45. e, não o achando, voltaram a Jerusalém em procura dele.
46. Três dias depois, o acharam no templo, sentado no meio dos doutores,
ouvindo-os e interrogando-os;
47. todos os que o ouviam muito se admiravam da sua inteligência e das
suas respostas.
48. Logo que seus pais o viram, ficaram surpreendidos; sua mãe
perguntou-lhe: Filho, por que procedeste assim conosco? Teu pai e eu
te procuramos aflitos.
49. Ele lhes respondeu: Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devia
estar na casa de meu Pai?
50. Eles, porém, não compreenderam as palavras que ele dizia.
51. Então, desceu com eles, e foi para Nazaré, e estava-lhes sujeito. Mas
sua mãe guardava todas essas coisas no seu coração.
52. Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus
e dos homens.
(Lucas 2.41-52)

PASSADAS as comemorações natalinas, quase que imediata-


mente somos tomados por nova preocupação: as festividades da
passagem de ano.
É incrível como de um sentimento cristão migramos para
outro totalmente secular. Se há uma semana fazíamos votos de
78
bênçãos divinas aos amigos e familiares e nos lembrávamos de
crianças pobres e de velhinhos abandonados, agora pensamos
em nós. Em NÓS.
Planejamos o novo ano, refletimos sobre o que não deu certo
no ano que se encerra, fazemos votos de que iremos melhorar a
nós mesmos, a pais, filhos, amigos, chefes etc., etc., etc.
É, o presépio acaba jogado em um canto e em seu lugar surgem
o computador, a agenda de compromissos e o caderninho de
contatos (claro, eles podem estar todos reunidos em um tablet).
Terminadas as celebrações da Páscoa em Jerusalém, José, Maria e
o menino Jesus, agora com 12 anos, se preparam para retornar para
Nazaré. Várias famílias viajam juntas por motivo de segurança e tam-
bém para que se ajudem durante a jornada. A viagem é o momento
de refletir na vida que segue. Os rituais religiosos, os sacrifícios, as
visitas ao Templo ficam para trás. Agora é necessário pensar na volta
às atividades cotidianas, aquelas que põem pão à mesa.
Ao final do primeiro dia de caminhada, José e Maria se per-
guntam pelo paradeiro de Jesus. É provável que esteja com as
crianças de parentes ou de amigos. Perguntam daqui, chamam
dali, e nada. Depois de algum tempo se dão conta de que o filho
sumiu. Eles perderam o menino!
O casal faz o trajeto de volta a Jerusalém. Pensam que talvez
o filho tivesse sido atacado por ladrões, espancado por adoles-
centes marginais, ou talvez coisa pior. Não. Eles irão encontrá-lo
no Templo, três dias depois, conversando com doutores da Lei.
As preocupações com a vida diária levaram aqueles pais a
perderem o filho. Ele, Jesus, estava onde sempre estará a partir
daquele momento: rodeado de pessoas e falando do Pai.
Quanto a nós, trancafiaremos o presépio em uma caixa de
papelão e a esconderemos em um armário durante todo o ano
que se aproxima?
Perderemos, nós também o filho?
79
REFLITA
“Tudo nos trai se abandonamos
A verdade do amor
Tudo perdemos se perdemos
A riqueza desse amor” (Jorge Camargo & Gladir Cabral)

80
28 de dezembro

POESIA, JARDIM E SAUDADE


12. Moisés disse a Jeová: Eis que tu me dizes: Faze subir a este povo; e
não me declaras quem hás de enviar comigo. Contudo, tu disseste:
Conheço-te pelo teu nome, também achaste graça aos meus olhos.
13. Agora, se achei graça aos teus olhos, mostra-me neste momento os
teus caminhos, para que eu te conheça, a fim de achar eu graça aos
teus olhos; e considera que esta nação é teu povo.
14. Respondeu-lhe: A minha face irá contigo, e eu te darei descanso.
15. Disse-lhe Moisés: Se a tua face não for comigo, não nos faças subir
deste lugar.
16. Pois como se poderá saber que achamos graça aos teus olhos, eu e
teu povo? Porventura, não é em andares tu conosco, de modo que
somos separados, eu e teu povo, de todos os povos que se acham
sobre a face da terra?
(Êxodo 33.12-16)

Dizem que Ele é uma ausência, uma grande e infinita saudade,


fruto de nossas ansiedades e frustrações, de nossos desejos não
satisfeitos, como cismou Nietzsche, ou talvez um de nossos mais
preciosos e belos sonhos, como poeticamente sussurrou Rubem
Alves. Ele é nossa mais profunda nostalgia, como orou certa vez
Agostinho: “Ó Deus, Tu nos criaste para ti mesmo, e inquieto
está o nosso coração até que volte a descansar em ti”.
Em seu livro Poesia, profecia, magia, Rubem Alves escreve que
poesia são “palavras que fazem coisas. Palavras que são coisas”.
Elas evocam realidades, cenários de encantamento, “habitações
de sorrisos”. E quando acaba o encanto, “fica o desejo, no imenso
vazio que se abre: a nostalgia de cada folha, cada tronco de árvore,
cada regato escondido/nunca existido, cada brisa que nunca mais,
cada bruma, cada cerca velha, cada ruína do que foi casa, tudo
entrelaçado…” (Rubem Alves).

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A experiência religiosa seria assim uma forma de exílio, de
separação da terra natal, da fonte originária da vida, um assentar-se
à beira dos rios da Babilônia para assentar-se, lembrar de Sião e
chorar (Salmo 137). Essa é, portanto, a vivência de um lamento.
Em outra obra, Rubem Alves também disse: “Deus mora na sau-
dade, ali onde amor e ausência se assentam” (in Creio na ressurreição
do corpo). Mais adiante ele continua: “Coisa estranha. Saudade, a
gente não pode criar, por vontade. Ela nasce, sem querer, quando
o vento misterioso do Espírito sopra. E a gente sabe que é coisa do
Espírito pelas coisas novas que se começa a ver. Os olhos mudam.
O coração também. E é porque o coração fica diferente que os
olhos começam a ver coisas que ninguém mais vê. São invisíveis”.
Na verdade, em Cristo Jesus, Deus deseja participar da vida
de cada um de nós de uma maneira plena. Ele não quer habitar
apenas nossos sonhos, mas também nosso corpo, nossa existência
completa. O Senhor procura um encontro com o ser humano no
meio da história, no tempo e no espaço. Sua voz deseja uma res-
posta; seu olhar, um sinal; suas mãos, um contato. E sua presença
pode mudar a face do mundo e o rumo de nossa vida.
É no relacionamento pessoal e íntimo entre Deus e os seres
humanos, como chamado e resposta, participação e interação, que
a fé deixa de ser mera fantasia para fazer-se vida. Isso acontece
no aqui e no agora, no tempo que se chama hoje, na urgência do
nosso próprio momento. O encontro com Deus se dá nos limites
da vida, embora inspire também nossos sonhos, fecunde nossa
saudade e encha nossos jardins de perfume e poesia.

REFLITA
“Se cada vez que eu penso no teu rosto,
vento virasse um vendaval,
desabaria o céu com muito gosto,
que temporal!

82
Tormenta no mar da memória,
rimando com essa saudade
a me invadir enquanto eu canto,
sobretudo quando chove” (Gerson Borges).

83
29 de dezembro

EU ERA CEGO E AGORA VEJO!


25. Ele respondeu: Se é pecador, não sei; uma coisa sei: eu era cego e
agora vejo.
(João 9.25)

LÁ pelos meus 16 anos de idade tive maior contato com o evan-


gelho e comecei a me envolver em uma comunidade cristã.
Um dos textos que mais me chamou a atenção naqueles pri-
meiros tempos foi o capítulo 9 do evangelho de João.
Ao verem um cego de nascença, os discípulos de Jesus iniciam
um diálogo teológico a partir da pergunta: quem pecou para que
esse homem recebesse tal sofrimento? Ele próprio ou seus pais?
Pergunta profunda, diriam alguns. Jesus não. Ele se recusa a
enveredar por tal caminho e simplesmente declara que nem pais
nem filho pecaram, mas aquele momento específico, com aquele
homem específico, era uma chance para que a glória de Deus se
manifestasse. E curou o cego.
O ato de Jesus instaurou o caos. Os vizinhos discutiam se
aquele homem que agora via era de fato o cego que conheciam;
os fariseus, contra todas as evidências, contestavam a cura por
ter sido feita no sábado e acusavam Jesus; os pais, percebendo o
tamanho da encrenca, saíram de fininho evitando conflito com
os religiosos.
O cego, isto é, o ex-cego, em meio a toda confusão, não tendo
visto o que acontecera, diz pragmaticamente: “Uma coisa sei: eu
era cego e agora vejo”.
Essa história tem me acompanhado por décadas. No início
fiquei maravilhado pela afirmação: “Eu era cego e agora vejo”.
Adolescente, fascinei-me com o poder de Jesus para curar aquele
homem. Fui tocado pela sensibilidade divina ao trazer à luz

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um ser que havia vivido em trevas. Senti-me próximo de Jesus.
Aquele que curou cegos de nascença certamente olhava para um
adolescente como eu.
Vivi mais uma década com o texto. Naquele novo momento,
jovem pastor com olhares teológicos, a frase: “Uma coisa sei: eu
era cego e agora vejo” era acompanhada, mesmo que entre pa-
rênteses, ainda que com fontes menores, discretamente, por uma
perturbadora interrogação. Como afirmar que a cura determina
a identidade de Jesus? E a teologia? E a doutrina do caráter te-
antrópico de Jesus Cristo? Como ser curado por Jesus sem saber
quem ele é? Jesus é um mero milagreiro?
E o texto continuou comigo, teimoso. Agora, tempos depois,
não fico mais surpreso e não sou tomado por dilemas teológicos.
Agora… sim, agora leio o texto como um simples e maravilhoso
testemunho de que, acima de tudo, tudo mesmo, Jesus Cristo é
Deus encarnado. Ele é a plenitude da manifestação de Deus no
ser humano. E, como tal, ele é repleto de amor, de sentimentos,
de bondade. Jesus trouxe luz àquele homem. O que isso significa?
Que ele, de forma pragmática, concreta, maravilhosamente divina,
espetacularmente humana, aproveitou a chance que se apresentou
de fazer o bem. E fez muito bem.
Jesus, meu Senhor, continua me cativando e propondo diaria-
mente um relacionamento profundo, onde aprendo com o que
ele faz e com o que ele fala. “Uma coisa sei: eu era cego e agora
vejo”. Para mim, isso basta para todo o ano que se aproxima.

REFLITA
“Esse poder que tanto nos fascina
é o próprio amor que tudo ilumina
Qual natureza que tudo nos doa
qual a bondade que tudo perdoa” (Telo Borges).

85
30 de dezembro

OS CALENDÁRIOS
1. Tudo tem a sua ocasião própria, e todo propósito debaixo do céu tem
o seu tempo.
2. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de
arrancar o que se plantou;
3. tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de edificar;
4. tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de dançar;
5. tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar
e tempo de abster-se de abraçar;
6. tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de
lançar fora;
7. tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de calar e tempo de falar;
8. tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz.
(Eclesiastes 3.1-8)

SOBRE minha mesa de trabalho há dois calendários conviven-


do pacificamente ao lado do computador: o calendário do ano
que termina, todo rabiscado, envelhecido, anotado com canetas
de várias cores; e o calendário do Ano Novo, bonito, cheiroso,
brilhando, prometendo grandes novidades, expectativas muitas e
incontáveis projetos. Eles me ensinam que os dias passam voando,
como diz o Salmo 90, e para nunca mais voltar.
Os calendários me dizem também que o tempo traz suas mar-
cas sobre nossa vida, com suas memórias, suas lembranças queridas
e às vezes doloridas e difíceis. E também me dizem que o novo
tempo está aí, como um caminho não trilhado e extremamente
atraente, cheio de perspectivas, desafios e ansiedades.
Há um poema de Robert Frost (1874-1963) que fala de
um homem que, caminhando por uma floresta, chega até uma

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bifurcação. Ele tem de decidir que caminho seguir, se o da direita
ou o da esquerda, e está mergulhado em profundos pensamentos,
todos eles temperados de dúvida e uma certa nostalgia.

Dois caminhos se bifurcam numa floresta amarela,


E lamento não poder seguir por ambos
E continuar sendo um só viajante. Ali permaneci
E olhei para um deles como pude
Até onde fazia a curva;

Então olhei para o outro, tão belo quanto o primeiro,


Talvez até mais atraente,
Porque era gramado e pouco usado;
Embora quanto ao uso
Eles estavam mais ou menos iguais,

E ambos estavam ali naquela manhã


Em folhas que jamais foram pisadas.
Oh, eu deixei o primeiro para um outro dia!
Mesmo sabendo como um caminho leva a outro,
Duvidei que algum dia pudesse voltar.

Um direi estas coisas com um suspiro no peito


Lá no futuro, daqui a anos e anos:
Dois caminhos se bifurcavam numa floresta, e eu –
Eu escolhi o caminho menos trilhado,
E isso fez toda a diferença

Há dois calendários na minha frente. Quero orar a Deus e


agradecer pelo ano que termina, pelas vitórias, pelas lutas, pelas
alegrais, pelas experiências, ainda que árduas. Quero agradecer
porque o Senhor esteve presente em cada dia, em cada hora

87
que passou. Quero também pedir pelo ano novo, para que sua
presença se confirme em cada dia, em cada batida do relógio, em
cada pulsar do coração.
E no futuro, daqui a anos e anos, que eu possa dizer, não com
suspiro mas com alegria, que escolhi o caminho que “fez toda a
diferença”.

REFLITA
“Retrovisor mostra meus olhos com lembranças mal resolvidas
Mostra as ruas que escolhi
Calçadas e avenidas
Deixa explícito que se foi para frente
Coisas ficarão para trás
A gente só nunca sabe que coisas são essas” (Fernando Anitelli).

88
31 de dezembro

SONHOS NÃO ENVELHECEM


1. Portanto, também nós, visto que temos ao redor de nós tão grande
número de testemunhas, pondo de lado todo impedimento e o pecado
que se nos apega, corramos, com perseverança, a carreira que nos
está proposta,
2. fitando os olhos em Jesus, Autor e Consumador da fé, o qual, pelo gozo
que lhe foi proposto, suportou a cruz, desprezando a ignomínia, e está
sentado à destra do trono de Deus.
(Hebreus 12.1-2)

DESTACO a última folha do calendário. Lá se vai o 31 de dezem-


bro. Para trás ficam as experiências vividas, os planos concretizados
e também os sonhos desfeitos. Pouco a pouco, viram-se as páginas
da vida, e o que tenho em mãos é um belo álbum de fotografias.
Por um momento vem à mente a pergunta: “Valeu à pena tudo
o que foi vivido até aqui?”. Não sei se minha alma é grande ou
pequena, para que ela mesma faça a vida valer. Creio que maior
que minha alma é o sopro do Senhor da minha vida.
Preciso aprender, ao estilo Walter Benjamin, o movimento
sutil de lembrar e esquecer as coisas do passado, pois essa é a
grande arte. Não só lembrar o que é bom, não só esquecer o que
é ruim, mas permitir que Deus trate e cure as feridas marcadas
na memória. Libertar-se do que foi bom, para que Deus possa
abrir caminho em nós para o melhor.
O ano novo convida a olhar para frente, e é isso mesmo que
farei agora, crendo que Deus estará comigo em cada dia desse
novo ano que vai começar. Com Ele, viverei novos sonhos, novos
desafios, novos trabalhos e mesmo novas ilusões. O que importa
é que Ele, que começou boa obra em mim, há de continuar do
meu lado, o grande parceiro da minha vida.

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O grande desafio deste dia talvez não seja o de olhar para trás
e fazer balanços nem olhar para o futuro e fazer projetos, mas
aprender a olhar para Jesus, em quem se funde misteriosamente
o passado, o presente e o futuro. Quanto a mim, desejo começar
este novo ano com o Senhor e tentar viver cada dia nessa decisão.
Que Ele tome os meus dias, que escreve neles a sua vontade. Que
Ele me deixe o seu recado e ensine-me a perceber sua presença
perto de mim, dentro de mim e no mundo ao meu redor.
Dietrich Bonhoeffer, que enfrentou como ninguém tempos
sombrios e que assumia uma postura otimista diante da vida,
afirmou certa vez que “[o]timismo, entretanto, não é essencial-
mente uma opinião sobre a presente situação, mas representa
uma força vital, uma energia de esperança, onde outros resignam,
uma resistência de manter erguida a cabeça, quando tudo parece
fracassar, uma força que jamais entrega o futuro ao adversário, mas
o reclama para si”. É isso, uma santa teimosia, um não entregar-se
à tristeza e ao pavor.
Uma canção emblemática dos anos 1970 falava da passagem
do tempo e do futuro: “Clube da Esquina”, uma composição
de um trio de músicos inesquecíveis – Lô Borges, Milton Nas-
cimento e Márcio Borges. Nessa canção, o poeta fala de alguém
que um dia foi jovem, alguém que “se chamava moço”, mas que
“[t]ambém se chamava estrada / Viagem de ventania”, isto é,
processo, movimento, um ser incompleto que “[n]em se lembra
se olhou pra trás / Ao primeiro passo”. Mais adiante na canção
se ouve a famosa frase: “também se chamavam sonhos. E sonhos
não envelhecem”.

REFLITA
“O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar
a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos,
para nos fazerem parentes do futuro” (Mia Couto).

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Sobre os autores

GLADIR CABRAL é pastor, músico e professor do curso de


Letras e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Unesc, em Criciúma (SC). Email: gladirc@gmail.com

JOÃO LEONEL é pastor e professor do Programa de


Pós-Graduação​em Letras da Universidade Mackenzie,
São Paulo (SP). Email: joao.leonel@uol.com.br

Caixa Postal 43 | 36570-000 | Viçosa-MG


Tel.: 31 3611-8500 | Fax: 31 3891-1557
www.ultimato.com.br

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