ASSIS, Machado de. Eça de Queirós: O Primo Basílio.
In: Obra Completa de
Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, Vol. III, 1994.
RESENHA
Por:
Pablo Cânovas, Lucas de Carvalho Gomes e Maria Fernanda Pelloso Carboneze.
Machado de Assis, escritor de estima literária nacional, fundador da Academia
Brasileira de Letras e autor de centenas de volumes, dentre estes, romances, contos, poemas e crônicas, consagrou-se como expoente dos primórdios da crítica literária brasileira, tendo analisado, entre os anos de 1858 e 1904, dezenas de obras tanto solidificadas quanto ascendentes no cenário cultural de sua época. Da totalidade de seus escritos, sobressalentes à evolução da cultura brasileira, destacam-se romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro, consolidados como símbolos da literatura no país. Em Eça de Queirós: O Primo Basílio, Assis (1994), no esforço crítico de analisar o recém-lançado romance de Eça de Queirós, examina a composição d’O Primo Basílio, identificando, ainda que atento às proezas do autor, vícios e componentes de pouca ou nenhuma notabilidade inovadora. Ao adotar tal posição, o autor, enquanto crítico, depara-se com o choque de seus contemporâneos, aos quais responde no texto, reafirmando as posições adotadas em relação ao escrito de Queirós. Assis (1994) investiga as qualidades das personagens, encontrando, na construção de Juliana, a única participante de caráter completo e expressivo. Luísa, esposa de Jorge, ainda que em foco, é verificada como de pouca expressão, inerte, entidade de grande previsibilidade e por demais influenciada pelas ações e atitudes de outras personagens. Há o paralelo, dentre as justificativas do autor, da proximidade incômoda entre as personalidades apresentadas em O Primo Basílio e Madame Bovary, de Gustave Flaubert, destoando o modus operandi da criada Juliana. Esta última, em contraste à protagonista, exibe contornos de operação de maior independência, fruto de uma profundidade mais acentuada. Na continuação do esmiuçar da natureza de Luísa, Assis (1994) identifica aquilo que reconhece como uma “vocação sensual”, fator mais grave a ser apontado, que resulta em uma personagem movida pelos desígnios da carne em detrimento da racionalidade. O senso de moralidade, outra questão cara ao autor, é tomado como lacuna vazia no escopo da personagem, ausente do julgo de suas reflexões e das relações que Luísa mantém com as outras partes na história. Ao analisar o todo da obra, o autor ressalta a construção do texto mesmo, demonstrando a crítica à superficialidade da linguagem, em evidência na progressão da ocorrência dos fatos engendrados em fluidez cômoda, previsível em sua maior parte, principalmente no tange ao roteiro que resulta no adultério de Luísa. Outra fragilidade grave, aponta Assis (1994), está na ocorrência que culmina na aflição da protagonista, na qual, em posse das cartas do amante, Juliana passa a chantagear a patroa. Para o autor, não houvesse o fator das cartas, não haveria, certamente, conflito que alterasse o percurso passivo dos fatos, que nada mais seriam que a conclusão de um adultério em sigilo, ao gosto da discrição dos amantes e do desconhecimento do traído. O escritor brasileiro (1994) vislumbra que muito embora o descritivismo seja uma característica tão aclamada na escola realista, o bom literato realista é, antes de tudo, um bom literato e deve buscar sê-lo, e sendo assim, deve ainda preocupar-se com questões estilísticas para não deixar o leitor cair da complexa ascensão promovida pelos símbolos narrativos; a prolixa descrição só faz àquele que lê perder-se no abismo tempestuoso da experiência latente à leitura mesma. Esta peça da crítica de Machado de Assis, remontada ao seu momento histórico, marca a etapa seminal da crítica literária brasileira. Mais que um julgamento ao gosto do juiz, o texto introduz exemplificações e defesas das posições adotadas, não sendo incomum que, além da prova primária, haja contraprova que embase o posicionamento do autor. A crítica machadiana, tanto pelo caráter pioneiro quanto pela honestidade intelectual, se constitui em análise metódica, desprovida da covardia que não permita a sinceridade frente aos volumes literários de opulência em seu contexto. Em sua técnica, de valor contemporâneo, cabe dizer que, na obra analisada, prevalece a crítica madura, sem vícios e de domínio do fato, onde, enquanto é apontada a falha na obra, os méritos do autor são referenciados e preservados. Sendo marco na história da crítica literária brasileira, produto de um dos mais altos literatos do país, e abordagem de obra laureada na comunidade lusófona, Eça de Queirós: O Primo Basílio, é texto de potencial ímpar para profissionais e aspirantes do estudo das letras em suas várias acepções práticas e teóricas, perpassando desde o estudo da literatura até a atividade do jornalismo e da análise histórica. Ao apresentar conteúdo de tamanha relevância para a literatura do português, o texto se conserva contemporâneo, atual, resguardados os traços de época, aos conhecimentos acerca da crítica literária no Brasil.