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André Kageyama

Histórico do direito do consumidor no Brasil, suas


principais fontes e princípios
17 de agosto de 2020 10 minutos
Direito do consumidor é o ramo do direito que atende às relações de consumo, ou seja, aquelas
travadas entre fornecedores (quem disponibiliza produtos ou serviços ao mercado) e consumidores
(quem consome produtos ou serviços como destinatário final). É amparado pelo Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.078/90).
Atuar com o direito do consumidor no Brasil é um desafio constante, que demanda atualização
não só jurídica, mas social. Estar por dentro das tendências tecnológicas que permeiam o
mercado de consumo, das práticas empresariais, das formas como as pessoas consomem, requer
muito estudo e pesquisa.
Não menos importante é o profissional estar sintonizado corretamente com os conceitos jurídicos
que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe com sua vigência. Por isso, neste texto falo
sobre alguns paradigmas, conceitos, visões jurídicas e tendências relativas a atuação de advogados
no direito do consumidor.
A importância do direito do consumidor
De uma carta reconhecendo a importância da proteção do consumidor no mercado de consumo ao
CDC foram 28 anos. E nestes 28 anos a proteção do consumidor no Brasil foi agregando proteção,
até que com a Constituição Federal de 1988 a proteção do consumidor ganhou status de direito
fundamental, culminando na edição do CDC em setembro de 1990 (Lei 8.078/90).
Mais importante que regulamentar uma relação jurídica estabelecida entre consumidor e
fornecedor, a efetiva proteção do consumidor no mercado de consumo garante equilíbrio e
racionalidade a esse mercado, efetivamente fortalecendo o ecossistema do consumidor.
Novas tecnologias e o paradigma dos dados exigem ainda mais atenção por parte dos Estados
quando se fala em dados de consumidores. Políticas de exclusão ou diferenciação do consumidor
no mercado de consumo, baseadas na análise preditiva de dados, ferem a igualdade estabelecida
no art. 5º da Constituição Federal Brasileira.
Por esta razão é que o CDC, que vem sendo interpretado e aplicado pelo Judiciário aos novos
paradigmas, nasceu em um momento importante, pois atualmente, prestes a completar 30 anos de
sua vigência, o CDC se mostra robusto e eficaz para tratar diversos paradigmas
consumeristas atuais.
O que é o direito do consumidor?
O direito do consumidor visa atender às relações de consumo, aquelas travadas entre
fornecedores e consumidores.
Não se aplica, por exemplo, a relação jurídica estabelecida entre locador e locatário, mas pode se
aplicar na relação jurídica estabelecida entre o locador e a administradora da locação.
No âmbito do CDC, o artigo 2º define quem é o consumidor, ao passo que o artigo 3º define
quem é o fornecedor. Basicamente, para fins do CDC, consumidor é pessoa física ou jurídica,
que consome produtos ou serviços como destinatário final. Já fornecedor, é toda pessoa física ou
jurídica que disponibiliza produtos ou serviços destinados no mercado.
A regra matriz para entender a aplicação do CDC a uma relação jurídica está inserida em como o
produto ou serviço é consumido pela pessoa que o adquire.
A relação jurídica estabelecida entre uma pessoa (física ou jurídica) que adquire papéis que servem
para incremento de sua atividade empresarial não pode ser encarada como relação de consumo.
Esta impossibilidade em caracterizar uma relação de consumo decorre da finalidade para qual os
papéis foram adquiridos (incremento da atividade empresarial).
Contudo, caso a pessoa do exemplo acima adquira os papéis para impressão de seus relatórios
internos, consumindo-os internamente, então a relação jurídica estabelecida é de consumo.
Aqui no blog da Aurum você encontra um conteúdo completo sobre o assunto, com os elementos
da relação de consumo detalhados e outros aspectos. Confira clicando aqui.
Histórico do direito do consumidor no Brasil
A proteção do consumidor nas relações travadas com empresas passa a ser discutida por meio do
PL 3683/1989, originado do PLS (Projeto de Lei do Senado) 97/1989, de autoria do Senador
Jutahy Magalhães (PMDB/BA), apresentado em 02/05/1989.
Contudo, desde os anos 1960 já se discutia a proteção do consumidor no mercado de consumo,
em razão de sua vulnerabilidade frente às grandes corporações que surgiam. Por meio da Lei
Delegada nº 4/1962 o Brasil passa, de forma inicial, a permitir a intervenção do Estado no domínio
econômico (leia-se, nas relações jurídicas de caráter privado), visando assegurar a livre
distribuição de produtos necessários ao consumo da população.
A regulamentação vem de uma crescente industrialização pela qual passava o Brasil, o que
fazia aumentar o custo de vida aliado ao crescente processo inflacionário.
No dia 24 de julho de 1985 era criado o Conselho Nacional do Consumidor por meio do Decreto
91.469/85, cuja criação vem de um passo dado pela ONU ao estabelecer, por meio da Resolução
39-248 de 1985, as diretrizes para a efetiva proteção do consumidor.
Na Resolução 39-248 de 1985 a ONU destacava a importância da intervenção estatal na
implantação de políticas de defesa do consumidor, política que foi alçada a status constitucional
por meio do art. 5º, XXXII, e art. 170, V, da Constituição Federal Brasileira de 1988.
Então, resgatando o início deste tópico, o PLS 97/1989 é apresentado em 02/05/1989, convertido
no PL 3683/1989, que em 11 de setembro de 1990 é transformado na Lei 8.078/90, dando origem,
assim, ao CDC.
Fontes do direito do consumidor
Como as relações de consumo são dinâmicas, tendo em foco a velocidade com que as empresas
criam produtos e serviços, é preciso que as fontes do direito do consumidor acompanhem essa
velocidade.
A celeridade na avaliação das relações de consumo, na minha visão, não são apenas para proteger
efetivamente o consumidor, mas também para assegurar que as empresas se sintam estimuladas
em criar, o que entrega diversidade ao mercado de consumo, favorecendo todo o ecossistema do
consumidor.
Neste cenário, a jurisprudência é a melhor aliada da interpretação das normas do CDC, aliada
aos princípios do CDC, estabelecidos nos arts. 4º a 6º do Código.
O direito comparado também é uma boa luz de proa para estabelecer a interpretação de normas
de proteção do consumidor, ao importar interpretações já conferidas a relações similares,
lembrando das interconexões que a tecnologia imprime aos cidadãos mundialmente.
Portanto, quando há dilema sobre qual normativo aplicar para a relação jurídica consumerista, em
caso de inexistência de norma específica, buscar a interpretação da relação nos princípios é um
modo seguro para se proceder.
Princípios do direito do consumidor
Entre os arts. 4º e 6º do CDC é possível localizar diversos princípios que devem ser observados
por fornecedores ao dispor produtos e serviços no mercado de consumo.
Atualmente o Judiciário está utilizando com bastante frequência e ênfase o princípio da
informação adequada e clara, estabelecida no inciso III do art. 6º, CDC, que impõe ao
fornecedor informar ostensiva e claramente ao consumidor sobre as características do
produto/serviço que está adquirindo.
Este princípio vem sendo aplicado pelo Judiciário para decidir conflitos envolvendo a proteção de
dados, já que embora já publicada, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ainda está em
período de vacância, com seus efeitos suspensos.
Como disse no capítulo sobre as fontes do direito do consumidor, é importante sempre olhar
para o início, para o princípio, pois é de lá que se arvoram as relações jurídicas.
Aqui no Blog da Aurum você pode conferir mais detalhes sobre os princípios do direito do
consumidor.
Conceitos importantes para atuar no direito do consumidor
Atuar com o direito do consumidor no Brasil demanda do profissional atualização e
conhecimento pleno dos conceitos trazidos pelo CDC. Por isso, listei cinco conceitos para quem
deseja seguir ou conhecer mais sobre esta área. Confira!
1. Educação aos consumidores e fornecedores
A atuação de advogados no direito do consumidor demanda do profissional educar seu público
alvo. Afirmo isto em razão do vasto desconhecimento e interpretação equivocada de conceitos
legais trazidos pelo CDC.
Consumidores e fornecedores precisam compreender como o código lida com conceitos
práticos do dia-a-dia. Assim, quando a transação ocorrer, tanto um lado como o outro estarão
amparados pelas regras da relação consumidor X fornecedor. É frustrante atender clientes no
escritório que não dispõem de provas, ou então que por uma interpretação equivocada perderam
o prazo de reclamar.
Posts de conteúdo jurídico em redes sociais, vídeos, blogs, são exemplos de como promover
esclarecimento e entregar informação de qualidade para seu público alvo. Portanto, educar seu
público alvo é fundamental.
Dica de leitura: Como aplicar estratégias do marketing de relacionamento na advocacia.
2. Coleta de provas e atenção a prazos
Com a inversão do ônus da prova, tornou-se fundamental para o fornecedor se guarnecer de
informações e documentos relativos ao negócio celebrado. O consumidor também necessita de
um mínimo de provas daquilo que alega.
Embora eu tenha afirmado sobre a inversão do ônus da prova acima, cabe ao consumidor
demonstrar minimamente os fatos alegados. Ele tem sob pena caracterizar a “prova diabólica” (ou
a prova impossível), o que desnatura a relação jurídica em razão de desequilíbrio.
Atentar para a forma como as informações e documentos são formadas e coletadas é
fundamental para uma boa defesa, tanto do consumidor quanto do fornecedor.
Os prazos também são cruciais, pois há prazos de prescrição e decadência. É importante entender
a interrupção e suspensão desses prazos. Afinal, há casos que incorrem em decadência do direito,
e cuja alegação não é feita pela parte interessada.
Saiba mais sobre alegações finais aqui no blog da Aurum.
3. Treinamento e capacitação
Educar o consumidor e o fornecedor para as relações de consumo pode parecer pueril, mas eu diria
que é a primeira parte do trabalho de quem pretende atuar com o direito do consumidor.
Sabendo o que é necessário, seu cliente promove os atos de forma concatenada àquilo que foi
instruído. E caso o resultado final não seja o provável e desejado, há meios de questionar a parte
contrária.
Treinamento e capacitação são parte da educação do consumidor e do fornecedor dentro da
cadeia de consumo, objetivando instruí-los sobre o que é adequado e o que não é na relação de
consumo. Investir em material educativo pode significar a diferença entre sucesso e fracasso para
o direito do consumidor.
4. A influência da economia no Direito
Recentemente tenho notado algumas decisões judiciais que afastam disposições trazidas pelo CDC
para relações jurídicas que notadamente são alcançadas por essas disposições.
Essa prática de afastar a caracterização de um dano moral, por exemplo, quando há violação de
direito do consumidor, se chama “relativização”. Relativizar, portanto, é analisar um fato e afastar
a aplicação de uma norma, em razão de uma circunstância específica. No caso, atuar com o
direito do consumidor demanda entender que a Economia (ciência) influencia a sociedade,
que influencia o Direito.
Neste sentido, em alguns casos a aplicação de um dever de indenizar por parte de um fornecedor
em razão de infração às normas de consumo pode implicar em milhões de reais a serem pagos. O
que pode implicar desde ausência de novos investimentos, até uma possível falência.
Em razão disso, para alguns casos, o Judiciário tende a relativizar a aplicação de norma
consumerista. Embora não explicitamente, a finalidade é proteger a Economia nacional. Ainda
que discorde desta prática, o objetivo deste texto é apenas chamar a atenção para a prática da
relativização de normas do CDC que estão plenamente vigentes, mas que o Judiciário pode
não entender cabíveis para a situação fática sub judice.
Saiba mais sobre os aspectos jurídicos do direito de arrependimento.
5. Novas tecnologias
É inegável que as novas tecnologias já mudaram diversos paradigmas sociais. Celulares,
geladeiras, fogões, ar condicionado, fornos microondas, lâmpadas, televisores. Equipamentos que
já estão sendo pensados para atuar de forma “inteligente” (“smart”). Produtos do cotidiano dos
consumidores e que se auto complementam.
Estar sintonizado e conectado ao surgimento e desenvolvimento dessas novas tecnologias é
fundamental para atuar com o direito do consumidor. Uma vez que o consumo está sendo
promovido com a ajuda desses equipamentos.
E o mais importante é a forma como consumimos. Hoje compramos pelo celular e recebemos na
porta de casa, ou mesmo no próprio celular (apps). É importante entender e compreender os
conceitos de “internet das coisas” e do “SaaS – Software as a Service”, ambos produtos desta era
tecnológica.
Conclusão
Eu diria que a palavra que melhor define atuar com o direito do consumidor no Brasil é
disrupção. Houve quebra de paradigmas jurídicos e sociais, uma remodelação do comportamento,
e ainda há muita coisa por vir.
Atualmente se fala na “Indústria 4.0”, “Internet of Things – IoT” (Internet das Coisas), “SaaS”,
dentre várias outras terminologias, o que demanda estudo e atualização constantes. Assim como a
sociedade, o mercado de consumo é dinâmico e acompanha as tendências e evoluções daquilo que
os empresários e visionários disponibilizam.

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