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TENDENCIA

SUMÁRIO

F~bio Lucas: Conceito de Literatura Nacional,', Affonso Ávila:


Concilio dos Plantadores de Café ,,< Rui Mourão: Três Problemas
da Ficção Nacional ,,< José Lobo: Na Beira do CuiaM ,', Fritz
' I\'ixcira de Salles: Duas Aguas ,', Depoimentos criticos de: Fritz
Teixeira de Salles, Euryalo Cannabrava, Homero Silveira, ·
)smar Lins, Oscar Mendes, Affonso Ávila, Ant&nio Cândido

REGISTRO DE LIVROS

1
III': I ,() 111)1( I ~ ( I N' I' I':
TEND'ÊNCIA

Diretor: Fábio Lucas

SUMÁRIO

omissão de Redação:
l 'I IN CIIII I' I'11 1111) 1,1' 1'1111( A' I' llJ t /\ N A r ONAL - Fábio Lucas , ... " 5

Alfonso Ávila
I II N I rl.UI 11111 I'I. A N' I'A 1lIlI WIII 11111 'AJ1'JIl - A//onso Avila 35
Fritz Teixeira de Salles
T il I ' I( I lili /111M A ti li A )l'JI '\.'1\1I N A (' lONA L - Ru,i Mourão 39
l?lfi Mouréio
NA 11111111 A I 10 I III A II A ,I " 1,11 /", 55

58
Secretário:
1IIII I'jIl M II )N' I'O /l IA 1.11'"11 1111 11 Nl lll lp lI lI l 1',u 'lI lIl " ", C l'lllc ',\ ) - jPritz

Ar/o'nú Mar/iI'J Moreira 'l'"i 'Ir {,/, II" N /~lI r "f , 1411' Il tI" r ',. ,,,,// I'.II I'/I , /1",/1 , ,'" Hi l1,d, J'I/,. ON-

III '&//, 1,1/1 /1 . () /I "JI/' MI IId , II, II ",.,. ,. ., I .'11// , 111/ ,,,,, ( 'I1 /11 l/d" 73

11111111 /1'1'11 11 1'111 1, I VIlO 77


dil C' I "I i,1 11,11 1 ':l' J' 'spolls:\biliz:1 p ,los c nccitos
" I' ·did,,' 1\('111,' '"labOJ":ldoJ" 'S,

1 II j II I "I I' I \l I 1 I, I( IH

III" I 1111 11 ~ I j III


Com o lançamento de Tendência, não desejamos ter ape-
nas a circulação de mais uma revista; pretendemos sobretudo
divulgar uma orientação. O leitor que nos considerar mais
atentamente verificará que Tendência se liga a um programa
que a distingue: aparece buscando homogeneidade nas concep-
ções literárias e científicas de seus colaboradores) embora os
trabalhos aqui insertos procedam de variados setores da cria,,-
ção literária e da produção científica.
Ê fácil verificar que estamos empenhados na investigação
do sentimento nacional em nossa literatura) não descurando
também das manifestações dêste mesmo sentimento nos outros
ramos da cultura e do saber humano. Assim) tanto as obras de
pura invenção) quanto aquelas de investigação e análise aqui
cstarão voltadas para a cultura nacional e o que esta apresen-
ta de peculiar e característico) atentas naqueles traços de sua
individualidade que lhe conferem CM) autonomia e caráter,
Está visto que tal atitude é o inverso da isenção. Não dese-
,1'I,rnos aparecer em estado de neutralidade literária. Escolher um
rl/,mo) eleger uma tendência) é uma forma de nos definir) de
/I/).'/ tornar partidários. .

~ .... A defe sa de nosso patrimônio cultural induz a repulsa de


' I ~ . _ ~. _ .L •• _ . 0' _ •. .., , ., ... • ... -

A de fesa de nosso patrimônio cultural induz a repulsa de


("I,lluras transplantadas e o combate àquelas que) em nossas
'/I/'/5111'7,aS fronteiras) queiram omitir ou transfigurar as nossas
Imdições) deter-lhes o curso ou injetar-lhes côres equívocas.
J.'rwl,citamos nas culturas que nos visitam os resíduos de uma
/Ill11idade civilizadora que enriquece o homem e o estimula pa-
"'1, n{IVas conquistas , Mas nos repugna qualquer t entativa de
Ilfl."/(l1'çíio ou de deformação com que culturas estranhas têm-
11/1.'/ (/,."mr;diado no curso de nossa História) em variadas form as
dI "1l'rnximação int eressada,
I1lrmma,"I lu.tas m comum e a superação de certas etapas
ti, '/I(J.~o'IIl, ! IYtnu,/,{:(i,o oonfnrit'am ao,,, brasileiros . neste século XX)
/111/1/ (("/I.~d un7a 1(,( .'/1MI, 'wi f ttl'i((,(t,tl,(; or!!li.nir'('/, n. li, cul'tnra qua
, I ri 1'1'11/ lI 'III(,U, 1111/(1 .~ l rll ((,/ 1, 1'IIÇfl,~ IlfJfi,?/'1,dlll'IW, A f'm,f'I(rtrn,-
1 ~ II ' I!I~N I I' IlN I VI')W I1I)A II1'J IIN M JN A H NUA1 H
IlItl " 111ft 111/1 1///11/1 ( '/II1/1 'ÇO 'r///I//tllI l'Il 11"//1 ' 1'1111 /1 II (' o 'lmf'i 1If'1"
..
de sua capacidade de traçar por si os rumos de sua História.
i.l aproximação dessa consciência parece ser a fonte de tanta
inquietação social a que temos assistido.
Convictos de que muitas de nossas reações como povo nos
uniram fortemente) nos transformando num todo coerente e
singular) nos abalançamos à emprêsa de analisar o que é espe-
cífico e inconfundível em nosso caráter. Trabalhando êste filão)
trazemos a certeza de estar atacando o fundamental) os valores Conceito de Literatura Nacional
mais eminentes de nossa espiritualidade) canalizando-os para
a seara literária) porque ligados à vida e ao futuro) fontes de
que defluem autenticidade e auto-afirmação. O ponto de parti-
da agora será a descoberta de formas literárias que correspon- Fábio Lucas ·
dam à consciência nacional. Nesta pesquisa é que nos empenha-
remos.
1 - .vACILAÇÕES DA CRíTICA
Sentimos que em diversos setores da atividade literária)
espalhados pelas mais diversas regiões do Brasil) vem-se ma-
nifestando idêntica disposição. Entre nós mesmos) fundadores
da revista) foi necessário inteiro entendimento para que a ini-
PARA o estudo de assuntos dessa natureza, julgamos ser
necessária, antes de tudo, a exposição do método que nos de-
ciativa pudesse vingar. i.l incorporação de in";'meros esforços verá orientar. Isto porque um exame detido da obra de quan-
isolados levou-nos à convicção de que existia uma tendência: los se ocuparam da história de nossa literatura r evela que
em tôrno dela nos reunimos. onde as pugnas se fizeram mais acesas foi na definição do
ln todo e na escolha da orientação. No fundo, como se ver á
Reunimo-nos e aqui estamos) na esperança de que todos
quantos pensem conosco venham juntar-se para um trabalho IIdilmte, os t rabalhos não se diferenciaram muito no que
comum. i.l experiência individualista tem levado os homens t'I'HP ita às conclusões, a despeito das posições tomadas em

ao isolamento e a dissenções invencíveis. O trabalho de grupo I nll l opiniático e atitudes polêmicas.


e a confiança nos companheiros talvez nos inspirem melhores ( problema voltou a ser discutido, principalmente pela
caminhos.
II I ti l igável pregação de Afrânio Coutinho que, através
di IIv I'ol: l e jornais, vem-se batendo por uma crítica estética
'" 1111'.: ,,1)ó'1 ", r.~!1q.i.~g, Pliii fJa> .mi,.11{lªtipO~ t:Ws.~JitW,'qt~w "uQmnQ
, 1" 11 ' um conceito estético ou poético da literatura, Como
li I 1III Itt LftHf,wmos a pretensão de emitir um conceito de lite-
I ti iu 'lI. Ilttc ional, achamos de bom aviso começar o trabalho
IIlItI 1III IId (l n. obra daquêles que já trataram do assunto,
() I't'Ítn iro grande estudo a examinar a literatura brasi-
" I II do ponto de vista crítico foi a História da Literatura
1", I, / '/1, dI' Silvio Romer o, aparecida em 1888 , Certo é que
111111 I 1IIII nl'l ol ' I)I nt a publicação do Curso E lementar de
I ",,/11//1'1/ N II (']I)'tut l ( 862 ), do Sr , J oaquim Caetano Fer-
II IIU" I ' II h,,1 I'!) , MnH, ol 'm d fnltar a A'sse trabalho mais
ti I ti 11111 I. p,; I \' " do. 111 ("10(\0 c:1'ft.iI:O (d á f }l nnf; quatro pá-
III I III ' 1'11 1' 11110 "Nn o ,II \ D vII, o dn L ilt(,t'ntl1ra") , fttl-

..
TENDftNCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 9
8
ou submissão. Não é um epifenômeno da economia e da vida o que induz também e prematurament e a falência de seu ~pró­
social. E stá para êles em relação de equidistância:-, tendo o prio método.
mesmo valor que as demais expressões da atividade humana" . 5 Falando de Sílvio Romero, relaciona os conceitos do crí-
Quer o escritor baiano a promoção do fenômeno literário t ico brasileiro a respeito da literatura : trabalho naturalista,
ao primeiro plano das atividades humanas. Mas o simples sob a ' influência das ciências naturais . 7 A conclusão a que
f ato de observarmos que a humanidade jamais tenha empu- chega é a de que "a concepção romer iana da literatura e da
nhado armas e produzido instrumentos de destruição por história literária provinha da fonte r omântica e germânica,
causa de dissenções no campo literário, e, freqüentemente, o que a identificava com o gênio nacional e interpretava sua
tenha feito por causa de desentendimentos em outros terrenos evolução em consonância com a marcha do sentimento na.:
_ económicos, na quase totalidade - basta para evidenciar cional, concepção aliás que domina a maior ia senão todos os'
que a importância de um e de outro fenómeno não perma- nossos historiadores da literatura" . E acrescenta: "do pen-
nece no mesmo plano. A literatura, como t udo o mais, é samento filosófico positivista e naturalista, do evolucionismo
produto de um povo em determinada época. Não pode fugir darwiniano e spenceriano, que formaram o clima naturalista
( influên cia dos fat Ôr es condicionadores da vida. 6 do final do século XIX". Agora vejamos o que Afrânio Cou-
tinho pensa daquilo que todos os outros historiadores nacio-
Vimos até agora duas atitudes típicas no estudo da lite-
nais - êstes que embarcaram nas correntes naturalistas e
ratura: uma, em que o autor quer dissolver o fenômeno lite- positivistas - fizeram do estudo da história literár ia:
rário no f luido social; outra, em que se pretende isolar o fe- " . .. sob o impacto do positivismo e das ciências natur ais,
nômeno literário, ou, quando não, mantê-lo independente e IlIt (a história literária) tornou-se o estudo das circunstâncias
num grau de importância tal que o equipare aos demais fenô- 1111 r:nusas que produzem ou condicionam a produção da arte,
menos sociais. Sílvio Romero e a sua fÔrça telúrica de des- ",," eircunstâncias externas - políticas, sociais. econômicas
bravador; Afrânio Coutinho e seu gósto por métodos restri- II 11-1 quais a literatura é produzida" (Sidney Lee). Era o
tivos, seus conceitos diferenciadores. Sílvio, excessivo; Afrâ- , 1I/I /l 1! olo domínio da exterioridade) do que não é literário
nio, escasso. Qual terá acertado mais? Qual o mais fiel à ll li ti II ótico para a explicação literária".8

realidade brasileira? É o que veremos. M/tnteve-se A . C. fiel ao pensamento de Sílvio Romero


realidade brasileira? E o que veremos. Mnn teve-se A . C. fiel ao pensamento de Sílvio Romero
Comentando a falência do método histórico e investindo I ' " II I prosélitos? Cremos que não. A insistência do escritor

contra êle, 1\.fr ânio Coutinho nos dá a esperança de r ealizar I l /, I p" 110 fl exerceu muitas vêzes sôbre o progresso de nossa
um t rabalho de maior rigor e exatidão. Mas as injustiças e 1 11 111111 ' 11II.1;i'iO literária. Soube distinguir , teoricamente, inde-

contradições existentes em seu trabalho cedo saltam aos olhos, " 1 1101 '\I' II política e emancipação . literária . Apesar da con-
tllI t" d , 7 d set embro, bem que reconheceu falt ar ainda
5. AFRÂNIO COUTINHO - A Literatura no Brasil, Editorial Sul Ame- I I t I II ' II I kmtura brasileira de sua subalternidade par a com

ricana S. A . , Rio 1956, p. 27. I " 11 1 I " I: II IIn . O f nôm no literário para êle não ficava sim-
6. "Ahora bien, esta faz problemática de las obras y co:~ientes d - "I 1111 111 1 II UII'/lO 111), úguas das circunst âncias. :Ir: o que deixa
finidora s, dónde deberemos buscarIa? Ante todo, en el condlClOnam nlo
histór ico de las mism as, en su situación epocal, cOI?o fruto qu s~n d x,:
periencia s y circunstan cias insol~yables , tan t o. intI mas como ~tllns 1\1l I " AN Il! ('lIl1T I N IIO . III' . <I I .. p. :lR .
Gulll r mo de T orr c, p r ob l máttorJ, de la Litoratl~1'a) ('Il lOlO. 1.,0(11 II I , , ." t~ 1II I '11l 1'l'I N lill . 11 )1 . I II .. II • • a ( j{ I' l f o no III )
BlIonon Alros, J {)1í1, p . 10 .
10
TENDÊNCIA CONCEITO DE L ITERATURA N ACIONAL 11

bem claro no prefácio da primeira edição da História: da Lite- ideais, uma sensibilidade e psicologia, em suma uma nova
ratura Brasileira: "Independência literária, independência concepção da vida e das relações humanas, uma visão própria
científica, refôrço da independência política do Brasil, eis o da realidade". Que diferença existe entre esta exposição -
sonho de minha vida". 9 Para um, portanto, queria inde- do crítico que só acredita no conceito poético ou ~stético da
, pendência; para outro, refôrço. Aliás, aí estava o ardoroso lit er atura, na história literár ia mais literária do que história
polemista a repetir-se, pois dissera um pouco antes: "Inspi- - e a seguinte - do crítico positivista e naturalista: "será
rei-me sempre nurp. ideal de um Brasil autônomo, independe~te preciso deixar ver como o descobridor , o colonizador, o im-
na política e mais ainda na literatura". 10 Vê-se que as CIr- plantador da nova ordem de cousas, o português em suma,
cunstâncias e a exterioridade não são assim tão poderosas, foi-se transformando ao contacto do índio, do negro, da na-
mesmo na obra de Romero ... tureza americana, e como, ajudado por tudo isso e pelo con-
Apesar de tudo, Afrânio Coutinho, além de reconhecer curso de idéias estrangeiras, se foi aparelhando o brasileiro,
igualmente o entrelaçamento da at ividade literária com as tal qual êle é desde já e ainda mais característico se tornará
demais atividades da sociedade humana 11, argumenta com no futuro"? 13 Daí poder-se concluir que a obstinação no mé-
pontos de vista extremamente coincidentes com os de Sílvio todo nem sempre tem correspondido, entre nós, a resultados
Romero. Não par ece obra de naturalista e posit ivista o tre- de diferenciação fundamental na aplicação de conceitos pré-
cho seguinte: "De fat o, a formação da consciência literária estabelecidos .
nacional remont a a muito antes da independência política. Quanto a Afrânio Coutinho, convém salientar ainda que
A literatura assumiu fisionomia diferent e desde o instant e em irá cair em complicadas armadilhas, pelas próprias mãos pre-
que se formou um homem novo na AmerlCa. ,. " 12 E mais paradas . Assim, enquanto doutrina que "com ser de natureza
adiante: "Colocado em uma nova "situação" - para a for- stética, o fato literário é histórico, isto é, acontece . num
mação da qual concorriam um meio físico, e uma organização f empo e num espaço determinados" 14 - que vem a ser o
social e econômica peculiar - tinha o homem que criar um vl'lada concessão ao combatido historicismo", - dirá mais
estado de espírito diferente, atitudes, desejos, esperanças, II di nnte, castigando aos que, no Brasil, empregaram o método
hiRtórico : "A partir do conceito simplista de que a literatura
Q ~fT .VT/) ROMERO. op. cit., p . 48 (grifo nosso) (l um fp.nômeno histórico ... " 15

9 . SILVIO ROMERO, op. cit., p . 48 (grifo nosso) ~ um fp.nômeno histórico ... " 15
10 . SíLVIO ROMERO, op. cit., p. 46 ( grifo nosso)
No setor que nos interessa mais de perto, combate a José
11 . " . . . as relações da atividade literária com as demais formas de
atividade, de que ressalta a unidade do pe:iodo com o manifestação geral V rissimo, não pelo seu equívoco conceito do nacionalismo,
da vida human a ", Afrâ.nio Coutinho, op. Clt. p. 31 ; f rase que t~m o mes- mllf.+ pelo fato de ter encontrado no autor de E studos Bra-
mo sentido desta, de Sílvio Romero : " .. . é antes de tudo mlster mos-
trar as relações de nossa vida intelectual com a história politica, social ,'iikiro,'1 o conceito de literatura como a expressão da cons-
e econõmica da nação", S . Romero, op. cit., p. 57. V. também Afrâ.nio " t"lI c in nacional. Assim, depois de afirmar que "Artur Mota,
Coutinho, op. cit., pp. 44-45-46, onde, apresentando os "caracteres". ~a
literatura brasileira se recorre às "circunstâncias", aos fenômenos SOClalS
alheios à problemática literária, inclusive demonstrando que um fenôme- 1:1, S ILVIO ROMERO, op. cito p. 57 .
no social e econõ~ico - a urbanização - vem, a partir do século XIX, I~ ..Al"UJ.N lO C01JTINHO, op. cit., p, 22 (grifo nosso ) .
dissolvendo o culto da natureza anteriormente manifesto nos escritores 1 . T(l". , p , 37 . Guilh rmino sa.r, em obro. r c ntissima ,
brasileiros (indianismo, sertanismo e regionalismo); vem, portanto, de- /I '''1,I/, I'
,lI ' T,it('1' /l t n?' /t (l o Rio (I?'I(,?/.(Z/J /lo Sn Z, ]tclltOI'(\. Globo, POrto AI -
terminando a modificação de um gênero literário . .. " , 1111'1 (1, 1', 1H). d(,r lll( o /1.' 11 m lot!o ,'0111() "('I'Il l'i 1'l II ltllól'l eo-lI (' 1'1\1'1 0 ",
12, AFRÂNIO COUTINHO, op" cit ., p. 51. " 'li" ,'cl rl"l " II 1'1" '1111'11 11, ' 1, "" I II I,; (' /I ii .. fUlvio .l t~)/I1('I ·O ,
12 TENDtNCIA CoNCEITO DE LITERATURA NACIONAL 13

José Veríssimo e outros identificam a literatura, o .seu pro- Afrânio . Coutinho chama de tirania política ao vêzo,
gresso com a marcha do espírito nacional" ,16 defende o seu apontado por Soares Amora, de nossos historiadores literár ios,
conceito: " , "o conceito periodológico est éticb-estilístico cor- por influência romântica, estudarem a nossa literatura sob
r ige essa tendência a aplicar o princípio do nacionalismo à os signos da conquista da autonomia literária e da definição
interpretação do fenômeno literário e a ver na literatura uma do caráter nacional . 19 E vai além : torna-se rigoroso para
expressão da consciência nacional" , Na verdade, a literat ura com Soares Amora, pelo fato de êste ter dividido a nossa his-
nem sempre guarda respeito ao sentimento nacional, Mas tória literária em duas eras (como o fêz, aliás, J osé Veríssi-
também é certo que, quando o sentimento nacional galga a mo) : era colonial e era nacional, 20
crista dos acontecimentos e comanda as aspirações do grupo Mas, se todos dão o Romantismo como primeiro passo
social, a consciência literária não foge às determinações dos de nossa emancipação literária (período que segue imedia-
impulsos soberanos de que é tomado o povo, tamente à nossa independência política), 21 dêles não destoa
O próprio A, C, reconhece, em contradição ao que trans- o próprio Afrânio Coutinho: "Essa tomada de consciência
crevemos acima, que a autonomia literár ia é "a marcha ou do Brasil pelos brasileiros, correspondente a uma volta do
a conquista de uma expressão nacional" 17, o que põe à mostra exílio intelectual, foi, todavia, um movimento que se proces-
alguns pecadilhos do decantado método , sou lentamente, em conseqüência do Romant ismo". 22 E pouco
Após cuidadosa leitura do capítulo introdutório de A Li- adiante: "Foi o momento em que a velha psiquê colonial cedeu
teratura no Brasil, a conclusão a que chegamos é que a reação o lugar a fôrças espirituais que plasmavam, na alma do povo,
mais vigorosa que se intentou contra a análise do fenômeno
literário de envolta ao fenômeno político não trouxe grandes 19 . AFRÃNIO COUTINHO, op . cit., pág . 43; Antônio Soares Amora
_ História da Literatur a Brasileira, Saraiva, S. Paulo, 1955, p . 12 .
inovações e acabou por reeditar os mesmos argumentos até 20 . ":m mal situado o problema da autonomia literária, quando se
então empregados , A lição melhor que se retira ao fato é a Aubordina ao da independência politica . São duas atividades distintas, com
rliferentes composição e conteúdo, significado e finalidade, para ser iden-
de que devemos antes aperfeiçoar, desenvolver e completar lificadas, como ocorre com a divisão da história literária brasileira, pelo
o método já adotado pela totalidade de nossa crítica do que critério de nacionalidade, em era colonial e era nacional, cara cterizada es-
ta última pelo "processo de divergência em face da literatura português-
combatê-lo decididamente para, no fim, sucumbirmos à evi- sa" (Soares Amora)". Afrânio Coutinho, op. cito p. 51 .
66fiíl3ât€-1õ (!é'é'Rillfhftfilll~l'Ylf}&nl" HV U''', ~ ..... " ..... u ...... u ... ~~ - sa" ( Soár~~- X~ôr~) ;;-.- Afrânio Coutinho-, ~p '- ~it'-'p: '51. - ------ .-----~ ----
dência dos mesmos esquemas, 21 . "A literatura que se escreve no Brasil é já a expressão de um
A primeira conquista de um grupo social, na tentativa pensamento e sentimento que se não confundem mais com o português, e
m fo rma que, apesar da comunidade da lingua, não é mais inteiramente
de afirmação de suas próprias fôrç as, é política , Esta é sempre pOl'tuguêsa . :m ist o absolutamente certo desde que o Romantismo, que foi
(t nossa emacip ação liter ária, seguindo naturalm ente à nossa independên-
um fenômeno vanguardeiro, lida com interêsses imediatos 'ia politica" . - José Verissimo, H istór i a da Literatura Brasileira, J osé
e meios rápidos e eficazes de transformação , A conquista OJlmpio Editôra , Rio, 1954, p. 7. No m esmo sentido : Antônio Soares
literária, via de regra, é subseqüente à conquista política, 18 Amora, op . cit., p. 25; R onald de Carvalho dá o periodo de 1830 em
dlnnt como p61'íodo aut onómico ; Ronaldo de Carvalho, Pequena Histó-
Com relação à literatura brasileira, então, o fenômeno foi por ,'In (ln Lit ratt~ra B r (tsil eira , F. Briguiet, R io 1937 - 6' ed. p, 51 Artur
Moln considera os séculos XIX e X X como "Epoca de desenvolvimento a u-
demais sensível , lonôml o". José Osório de Oliveira não acredita em nossa autonomia li-
1(\ 1' I'ln (lnstó,-ia Bl'OVO da Lit61'at1tm"a Bl'asil eira, Liv. Ma rtins, S . P a u-
16, AFRÃNIO COUTINHO, op , cit" p , 43, Ip, p , )7-J8, .Jl\ Afl'ltnlo P i xot(l dirá: O romantismo tcve raizcs p olUi-
/11/1 , . , (N " ç(l(J,~ d( JTilltó'd lt (l n 1,ttrJ1'l/.t'!I," (t Bl"(t,Qiloi,'(/" Llv, Fro.nclsco Al-
17 .Id., p . 50 . v,, t, 1":11, p, f I!).
1 8."A evoluçã o liter á ria seguiu-se, como sempr e, à politica" --
':" A l" II AN tc l C'Cll 1'l' I N II CI , "I' , 0'\ 1, 1', ,\,/1.
Silvio Rom ero, op. cit., p. 60 .
14 TEND~NCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 15

uma nova mentalidade literária". Ã pagma 51, dará Castro Pelo que ficou dito, sabe-se que não aceitamos o conceito
Alves como o primeiro de nossos escritores de fisionomia amplo de literatura, que exorbite da obra de criação artística
"nitidamente brasileira". Agora, pergunta-se: para ' que dife- pela palavr a (ficção e poesia) e das considerações em tôrno
renciar, se se deseja colhêr os mesmos resultados? dessas obras (ensaio e crítica) ; não acolhemos a equiparação
do fenômeno literário aos demais, pois a carga de interêsse
* * $: que transporta é menos sensível aos destinos da humanidade;
batemo-nos pelo estudo da literatura como fenômeno inte-
Outra pedra de toque do método de Afrânio Coutinho é grado no ambiente cultural, portanto, participante do espí-
a seguinte: "Graças à periodologia estilística liberta-se a his- r ito predominante neste ambiente. Assim, é possível falar-se
tória da literatura: 1) da tirania cronológica" (op. cit., pág. no condicionamento da literatura às suas fontes de inspiração
42). E doutrina: "Não subordinados à mecânica cronológica, - que não passam de climas culturais limitados por um meio)
os períodos dispensam fronteiras precisas, delimitações ex a- considerado em determinada época; verificamos que há fatô-
tas". Ora, sem expressão tão pretensiosa - periodologia esti- r es que influenciam tôdas as produções do espírito humano :
lística - Veríssimo afirmara mais ou menos a mesma coisa : omití-Ios em relação a qualquer ramo da cultura é amesqui-
"Após acurado estudo dês ses fatos tenho por impossível e vão nhar o problema, aplicando-lhe conceitos limitativos e sem
assentá-los em divisões perfeitamente exatas ou dispô-los raízes na realidade.
em bem distintas categorias". 23 A n osso ver, a literatura nem se dilui no flllido social
Convém lembrar 'que aquilo que A . Coutinho defende nem se isola dêle. O problema, para nós, não é o fenômeno
I:
I proced.entemente como "primado da obra" (pág. 74) e "Con- literário em si; muito menos a absorção da literatura pelos
ceito periodológico", isto é, ". . . os períodos como ascenção n.contecimentos sociais ou étnicos ou econômicos ou geográ-
e decadência de um sistema de normas ou convenções" (pág. rIcos . O problema, para um método de estudo, é o da predo-
77), encontra correspondência e concomitância em Gu ilher- minância . Ao estudarmos a literatura, estamos agrupando
mino César, quando êste, na História da Literatura do Rio nrna série de produtos intelectuais de um grupo social, n os
Grande do Sul) nos diz: "A data que tomei por base de pre- qu ais se sobressaem as virtudes literárias; estamos estudando
cprW,ru'pu0iu'Zft~n0§ !'{;..QI!. ol>r~mª,i~Ç.V'~gt~rís1Jçª,: JL<!a ~tr~ia l\ likJfggrgení\;;õFa-.9.J i w,rlÍr;i ~ ..iuç.,p.mJ1 ~tf1W,i~~§Hfi?fi€Qaflfa,.l\.lli
cedência foi sempre a da obra mais característica; a da estréia lIIYl fenômeno - o literário - em determinada sociedade hu-
no caso de autores menos significativos" (pág. 22); o mesmo 11 lima ; estamos evidenciando um aspecto, embora devidamente
acontece a Waltensir Dutra e F austo Cunh a que, n a Biografia eonHc,iente de que a) o fenômeno não existiria sem a existência
Crítica das Letras Mineiras (Instituto Nacional do Livro, Rio, III, 1~t'Upo social; b) características pertencentes ao grupo pe-
1956, pág. 16) , se pronunciam desta forma: "A verdadeira III II'/lm em todos os ramos de sua cultura; c) cada r amo
história literária não se faz com os que vieram antes e depois, 1" /1 lIf1pOl'ta a mesma seiva, embora lhe dê acondicionamento
na ordem de nascimento ou publicação de obras, mas com pd ,prlo; d ) seiva e ramo - fluxo de vida e especificação de
os. que fizeram alguma coisa. O fenômeno estético é muito III V " lide - se entrelaçam tão estreitamente que devem ser
mais significativo que o acidente cronológico" (grifo dos IIlCIIIIII II /l(los como um todo .

autores) . ( h llUllo no probl ma que nos propusemos, resta assinalar


q"l III 1I11111 l'l <l nOAA .A histot'ln.dor fi lit rários pnrtiu do con-
23. JosÉ VERls SIMO, op. cit. , p. 8 - Referia-se à litera tura b r o.slJ i- I'. I " cio «(l h' III .I1~ " lUIII ', ll1m )Il1do)lul " }>lI.l'lI. lL 1'lxuI'uo rl l> do-
ra dos 3 plimeiros séculos .
C ONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 17
16 TENDtNCIA

de povo, território e govêrno. O conceito de território se con-


dos nacionalistas . Houve confusão generalizada em fazer in-
funde com o de país e representa a área geográfica sôbre a
cidir na independência do país o início da nacionalidade. Con-
fundiu-se E stado com Nação . Justiça seja feita a Sílvio Ro- qual se ;fixa o povo .
mero que tentou estabelecer diferenças, mas antes com pala- E nação? Será o resultado de uma série de identidades
vras do que com exemplos; e a Afrânio Coutinho que, admi- (origem, língua, r aça, religião, etc.) trabalhadas por reali-
tindo sermos "cultural e literàriamente" "uma nação em curso" zações comuns (ocupação da terra, organização social, jurí-
(A Literatura no Brasil, pág. 45) - o que já o faz aceitar dica e política, tradições, formulação peculiar na .solução dos
que cultura e literatura no Brasil marcham simultâneamente problemas, a marca de distinção, o traço característico con-
e no mesmo sentido - recua o processo de formação da na- quistado em lutas com o meio, em defesa do quinhão coletivo,
cionalidade aos primórdios de nossa História . etc . ) ; o produto de uma conquista histórica, o que houvesse
Tentaremos, a seguir, fixar o conceito de nação e de sobrado do lento trabalho das horas e dos fenômenos sôbre
nacionalidade, a fim de que, a partir daí, possamos atingir a o homem-grupal; o íntimo respeito a certa organização; a im-
conceituação do que entendemos por literatura nacional . plantação de uma hierarquia de valores, obedecida sem cons-
trangimento. 24
2 - NAÇÃO, NACIONAL, NACIONALISMO A semântica da palavra revela a sua fôrça original : vem
do latim, nascor - nascer. O conceito de nação, portanto, não
Um estudo em ampla escala do conceito de nação nos decorre apenas das instituições de um povo, mas das intrínse-
séculos XIX e XX, ambos assinalados por profundas agitações ens ligações entre os seus componentes, estreitadas desde o ber-
sociais, revela que êste tem sido um dos campos mais .pro- ço. Portanto, as tendências congênitas, somadas ao aprendiza-
I lo em comum - que é a soma de convenções e conselhos prá-
pícios às dissenções doutrinárias. Tanto assim ,q~e as dI~~r­
sas vacilações e tendências dos pensamentos polItIcos, SOCIaIS, I il:os firmados no curso dos tempos, por influência de reações
econômicos e artísticos podem, com propriedade, ser estudados, diante dos mesmos problemas e sob o influxo da necessidade co-
pelo historiador futuro, a partir das diferentes acepções que Inum de perpetuação do grupo - formam o substrato, o ele-
pelo historiador futuro , a partir das diferentes acep~õêS--q\fe IInmi de perpetuaçao do -grupo - formam o substrato, o ele-
a palavra "nacional" foi tomando no curso dos aconteCImentos. ln nto radical em tôrno de que se estrutura um conceito novo,

O Direito Constitucional - cujo progresso coincide .1 ft tocado pelas conquistas do processo cultural e civilizador -
também com os séculos XIX e XX, - da mesma forma que I/It ç t('o ,

a Sociologia e a Ciência P olítica, tem procurado a estabili-


zação do conceito, a fim de colhêr distinções úteis ao campo 24 , "Não impor ta que suportem épocas sob o jugo de govêrno es-
1 " 11 1)1,1' 11'0.P odem ter sido partilhados, como a P olônia, ou desmembra-
de seus estudos . I lo I t II(JH flCUS, como os povos irridentes, ou espalhados no mundo, como
I 1I11,!; () j lldãlca . A s aspi1'ações de uma vida política, em comunhao com
Partindo da definição de povo, isto é, o elemento humano, WI /I I 'II,N, nllo Zh ,' 1lcn cc m n o coração, com as adversidades que suportam.

a sociedade civil com os seus princípios, as suas leis de con- II , Ih :-hunpn.lo orla. Di1'cito OonstitucionaZ, Comp. Ed . Naciona l, S.
1'11 1I1 1l, III ):1, rim 11'0 Tomo, p. 5 . V . Jonathns Serra no: IT'ilosoli" Ilo
vivência chegam os estudiosos à noção de Estado, a socie- III"UI/, 1/'. JJri[mict &, ln " ruo, 1012, p, ]:10 ; M(mrl Ilv('l'A"cr: D,'oi,t·
dade poÍiticamente organizada, o respeito a determinada hie- , '''/I /l IHII/It''?loIIl r. "t l '1/,NtitltiHo/lI/1 Jl/Jltl.i1/ltl 1/1 , Pr H tc'iI 1TIlIVI'l'Hllnh'IIH ell
rarquia de valores pré-estabelecida. O Estado seria a soma 1" 11 1111 ' '', " 1111 , 1UM', " , II:' ,
18 TEND~CIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 19

Na comunidade humana, a comunidade nacional é a mais timento complexo, superestrutura ao serviço da coexistência
característica, a mais original e a que mais se presta ao humana e seus interêsses conciliados" .
estabelecimento de distinções . 25 Assim, além das condições originais para a formação da
O que diferencia Estado de Nação é que o Estado se nacionalidade (raça, língua, costumes, religião, etc . ), outras
apresenta mais como uma construção jurídica e a Nação como condições externas aceleram ou retardam o processo nacio-
nalizador.
um fato social. O aperfeiçoamento de um Estado está justa-
mente em respeitar e aperfeiçoar o sentimento nacional. 26 Não existe, a bem dizer, uma fórmula de nacionalismo .
Êste se manifesta preponderantemente por determinadas for-
É preciso reconhecer que há fatores externos que fazem
mas em cada época. Sendo o produto de uma unidade cultural,
acelerar o processo de transformação de um povo em nação. requer a fusão de incontáveis fatores, que estruturam a coe-
Fatores geográficos, econômicos, políticos, etc . , influem na rência .de atitudes de um povo. Acontece, todavia, que, em
obtenção de solidariedade cada vez mais estreitas. determmadas fases, as condições de vida põem em evidência
A nação deve ser a mais franca e sadia solidariedade, algumas das virtudes que integram o sentimento nacional.
porque a sua mais alta virtude é a coesão. E solidariedade Daí o fato de se definir o nacionalismo ora por raça, ora por
é construção, é ato secundário e não apenas fôrça primitiva língua, ora por religião, ora por tradições. Façamos uma aná-
e fundamental do homem. Neste ponto, estamos com Carlos lise do que está acontecendo modernamente:
Campos 27 quando critica o conceito de solidariedade de Duguit. A palavra "nacionalismo" adquiriu feição mágica e passou
O falecido professor mineiro aceita como fato elementar, visí- fi resumir um bloco de anseios dos povos e de diversas camadas
vel, de observação direta, a coexistência; não a solidariedade <lo opinião; encarnou, subitamente, o símbolo de uma atitude
"formações secundárias e não fundamentais" - "um sen- <lrástica e se carregou de significações explosivas, numa con-
I: ntração fantástica de energia, capaz de deflagrar movi-
25 "Parmi tous les groupements humains, la communauté naciona- ln ntos populares, revoluções e guerras.
le est aujourd'hui la plus forte, celle ou les liens de solidarité sont les plus
intenses. Cela signifie qu'en cas de conflit entre les solidarités de plu- O poder surpreendente que o vocábulo ganhou em nosso
sieurs groupes, la solidarité nationale l'emporte". Maurice Duverger, op. t mpo resulta da condensação de uma série de nebulosas vivas
cit., P . 63; "en effet la nation est d'abord un sentiment attaché aux fibres
Sleutrs groupes, la. ~UJ.lU(:U·.ll.~ UtLl..J.V.ua..U:; ... C.L.L.Lj:-'V.L ~ "'-o-... ~ '". "
'"''IIi::: • ... .... U;(A .E .... "" ,,:,. . .....
Ú mpo' resulta 'da- condensaçãó' de' uma ' série de nebulosas vivas
cit., p . 63; "en effet la nation est d'abord un sentiment attaché aux fibres
les plus intimes de notre êt r e: le sentiment d'une solidarité qui unit les (d sejos, insatisfação, consciência, rebeldia, etc . ), que vaga-
individus dans leur volonté de vivre ensemble" - Georges Burdeau: VI m sem destino no inconsciente coletivo e que, de repente,
Trai té de Science Poli tique) Tome II, Paris, 1949, p. 96.
10 11 t\ ação catalizadora de uma palavra de ordem, se f ixaram
26. Para Maurice Duverger, o têrmo r egime p oUtico) em sentido
restrito, se a plica exclusivamente à estrutura governamental de um t ipo de rlnilivamente, reduzindo num têrmo simples, e accessível
especial de sociedade humana: a nação. (V. Les Régimes Politi ques) II I II<!OH, a carga extraordinária de sua potencialidade suges-
Presses Universitaires de France, Paris, 1951, p. 7). Georges Burdeau,
Citando Carré de Malberg, acha que Estado e Nação, para uma plena so- I j IIl udora .
berania, devem ser uma única pessoa. Op. cit., p. 105. Parece que houve
flagrante confusão por parte de Afonso Arinos de Melo Franco, qu~do 1.lIl 6 um fenômeno que também não deve escapar ao
afirmou, trocando os conceitos de Estado e Nação: "Porque, na verdade, I , t IId <lHO: a promoção dos vocábulos a uma quase divindade,
se o Brà sil não existe, propriamente, como Estado, tomada esta idéia nQ
seu sentido rigoroso, não se pode negar que êle exista como N ação" (in II H ill mito r 8 itabiHssimo, cuja capacidade de impacto foi
"Preparação ao Nacionalismo" - Civ. Brasileira S. A ., 1934, p. 16-17, p i ClVIUI! (:t nl< I1 Il1I <1 VÚ7. A v m m r c ndo o in vitáv I ba-
27 . CARLOS CAMPOS) Sociologia e F i lofosia do Direito, ed, R evis- I 11 111 ele 'II II ~ II< ( III t <1 1111 nH 'll<luinl\fI prnQlu-I d(\Ht mund ,
ta Forense, 1943 p. 31 e seguintes ,
,I'

I 20
TENDÊNCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 21

em que alguém é abatido por ter· pronunciado o mágico vocá- as mais puras, para fazer delas o fermento de sua atividade
bulo em enunciação discordante com os donos das metra- interessada, estabelecer confusão, turvar as águas, a fim de
lhadoras. t irar proveito da lama ,
J á Tocqueville, em t rabalho clássico sôbre a democracia Mas, passado o momento supremo da crise, quando--ª
( 'Í )' <9
americana, datado de 1831, advertia os seus leitores do fas- ~aré recuou e a praia mostrou de novo o esplendor de sua s

cínio da idéia simples, resumida, clara e accessível, sôbre as y eias brancas, o conceit o de nacionalismo começou novamente L ( (' kZ- '(LA
tendências da opinião pública. a sedimentar-se sôbre sua ~cepção legítima, liberto das lima- :J.- A ~
lhas que o momento de abuso e de obscurantismo havia mis-
. A palavra "nacional", por vêzes, esteve na bôca dos fal-
turado à sua essência,
sos profetas, que, usando-a, pretenderam - e não raro con-
seguiram - iludir a boa fé daqueles que nela acreditavam. Hoje, o nacionalismo parece comandar uma linha de con-
A insidiosa burguesia, em certo momento de crise, deu sím- duta e de coerência bastante nítida, e manifesta em quase
bolos marchas triunfais e a ilusão - só a ilusão - de poder todos os campos da atividade humana,
\ \ ( ao p;oletariado, a f im de quebrar-lhe as resistências, levan- O próprio registro lexicográfico sofreu modificação com
/ \ yt'" ~ 'do-o no engôdo até as malsinadas ~venturas "do ~azismo, ,do o correr dos tempos. Se pegarmos o dicionário de Cândido de
'! f ascismo e de maquinações congeneres . NacIOnal-SoCIa- Figueiredo 29, vamos encontrar : "NACIONALISMO) m ., neol, Pa-

(,)yD
\' ~ f
2
('l
Â\ , /
li ~ \ lismo" foi o rótulo com que se batizou o regime insólito, nu~a
~ corrupção inominável dessas unidades vocabulares, que ~­
r / ~ s~ram a identif icar uma i~eologia respo~sá:~l por um~~s
rf ~ontecimentos mais sombr IOS e menos dlgmflCantes da ~s-
triotismo (De nacional)" , Mas se consultarmos o Pequeno
J)icionário Brasileiro da Língua Portuguêsa) de Hildebrando
II Lima e Gustavo Barroso 30, veremos: ((nacionalismo) s.m .
- Pat riotismo; ;preferência determinada por tudo o que é

I c\y~
' ~ I pr6prio da nação a que se pertence; política de nacionalização
I I tória da humanidade. 28 I II tôdas as atividades de um país - indústria, comércio,
Tivemos, portanto, muita deturpação de sentido, muito
I objetivo espúrio encoberto. Em determinado momento, o "na-
II l'l \8, etc, " ,

~.;.v G~eJi~~;fpLa_p-~(Jrl:1_:(iJosofal, a invenção radiante, o súbito Uma análise criteriosa do fenômeno nos tempos atuais
r'! cionalismo" foi a pedra filosofal, a invenção radiante, o súbito Uma análise criteriosa do fenômeno nos tempos atuais
1'1 v la que onde êle se mostra mais sensível é nas atitudes que
milagre para aquêles que, à falta de melhores argumentos des-
tinados a ludibriar as esperanças do povo, adotavam palavras toma: 1 ) em defesa de um espaço geográfico e social; 2) na
I III ILI,i7.a«ão das atividades vitais do grupo social . Poder-se-ia
de conceituação legítima e respeitada no consenso popular,
l 'tllIlImir dizendo que, hodiernamente, o nacionalismo se ma-
28 . Um dos fatores que determinaram o desvario da aventura ale- Il f'llllLn na defesa do patrimônio econômico e cultural de
mã foi a fixação do conceito de "nacionalismo~' abusiv~~ente em ~m ~6 . 1111 1 povo .
de seus elementos caracteristicos, a consideraçao excluslvlsta e arbltrána
de um aspecto isolado do conjunto - a raça. Esta, que não passa de ;um ()II manuais elementares e os compêndios acadêmicos citam
dos componentes - importante mas não absoluto - da naçao, ascendeu,
no regime nazista, ao primeiro pla no, numa hipertrofia que deformou o
conjunto . A vaidosa sobrestimação de qualidades raciais, somada a in- :'111 , I J AN IHIII/ III': Fw",,:uU-:rlO , D k lo'l/.Ih-lo da Lin.t7!ta PortWj1.I,(J,QIl" L I·
terêsses expansionista s, fêz progredir a agressividade do povo alem ão. v.., 1/l l h l, JI" rI 1'1 111('1, LIt, l lIl/t, I fi 4 , .
a respeit o de r aça, Da rcy Azambuja, T eoria Geral do Estado, Livrari a do :\11 , IIrl.l ll'"IHA N IIII 111,1 1,' MII " I III H'I'AVO HA ltltOHO , l ' t '/I't" JlII 1)itJi o 'l IIh'4(1
Globo, POrto Alegr e, 1952, p s, 17-18 , ,/tI / ,"11/'" 1, / '",., ,, I" NII, I ' IvIJl V,11 ' .. 111'1111111'1 " 11, 11111, I Ur.! ,
TENDÊ:NCIA CONCEITO OE L ITERATURA NACIONAL 23
22
Hoje, tudo indica que a ameaça mais grave que sofrem
o nunca exaurido exemplo dos judeus, para demonstrar a exis-
as nações parte do caráter desagregador do imperialismo.
tência de um tipo de nação sem base territor ial. 31
Sofrendo o impacto do poderio econômico das nações mais
A nosso ver, o século XX exige para a formação de um f ortes 33, as nacionalidades suportam sério abalo na sua esta-
E stado nacional, além de um povo e sua unidade cultural, bilidade, o que provoca da parte delas reações violentas no
a base de fixação dêste povo, o território. Muito significativo, sentido de se manterem intactas. Daí a excessiva sensibili-
a êste respeito, o fato de os judeus (ainda que atendendo a
dade que exibem, a ponto de se fecharem em tôdas as ativi-
interêsses estranhos ao grupo) terem buscado uma faixa de
dades e em todos os ramos da cultura no mais estreito e fiel
terra para ali poderem fixar-se. Georges Burdeau, no seu Tra-
nacionalismo. Vê-se que é pura atitude de defesa. Não hou-
tado de Ciência Política, cita um trecho da Geografia da His-
tória de Jean Brunhes e Camille Vallaux em que êstes pre- vcsse as ameaças, essas reações quase que alérgicas cessa-
lecionam o seguinte: "La nation elle-même tend a s'installer l·iam . Os estudiosos do fenômeno racial nos Estados Unidos
sur un territoire qui lui soit propre. .. elle t end à affirmer v"m notando, por exemplo, que a cultura negra naquele pais
son existence. .. par cette consécration supérieure qui en fait I m adquirido tonalidades cada vez mais características e se

un Etat". 32 I.ornado cada vez mais fechada à proporção que a agressivi-


dllc1 dos brancos se exerce sôbre os pretos . Ã fôrça de pro-
E por que esta defesa do espaço social e geográfico? Temos
duzirem, ao longo da H istória, uma infatigável resistência
no número 2, retro, a resposta : por causa da luta contra o
plLHsiva, foram-se isolando e, de certa forma, envergando t am-
imperialismo. Este, se na sua apresentação costumeira tem
b{11l1 certa agressividade. Culpa dos pretos? Evidentemente,
algo de polvo, devido ao seu funcionamento tentacular, muito
I I ,I ) . Culpa dos provocadores, das discriminações, enfim, dos
deve ao camaleão pela sua aparência multicor. O seu proble-
IlI'lIncos . De r esto, o problema é comum a tôdas as minorias.
ma exclusivo é viver do sacrifício dos povos, é sugar até o
desfalecimento, para que sobreviva apenas a cabeça formi- Portanto, quando a ameaça vem de f or a, dentro se ins-
dável da hidra malfazeja. 111111. lL coesão do grupo social, que é o primeiro passo para
/1 I ntllsformação de um povo em nação.
Como o camaleão, sabe tomar as côres simpáticas, sabe
Como o camaJeão, sabe tõ'nfãr--ã~ -é"of~'S' 'IDiiWa.dei:l.sr'lrclDe
agir sutil e sorrateiramente. Tem meios suasórios de enorme A st a luta, pois, de resistência contra as dominações ali -
penetração. Rádios, Jornais, alto-falantes, cinemas, televisão III contra a dest ruição das reservas culturais dos p OVOH
: I I IÍIlFl ,

e até os púlpitos lhe servem de instrumento . Se quer implan- qll( dumos hoje o nome de nacionalismo. As culturas am u-,
tar um monopólio, se deseja favorecer um truste, deturpa a
língua, subverte os costumes, impõe novos padrões de gôst o, :1:1. "On pourralt montrer a u ssi comment, dc nos jours , li. llL 11011 ·
dll' II III I lonrdo p Ul'cm cnt sentlmenta le vient s'ajouter la eonaclonc d' lIn \
modifica a música, substitui os ídolos . Compra, corrompe, "tI.tlld l (ÍI:onomlqu e. Sous la p r ession des s ystêm es économl qu 11 110
amesquinha, subjuga. No afã de conquistar, o primeiro tra- II' 11 1" " " 11 !I, vh'nt /Hl jour d 'hul , plus qu'à a u cum momont r1 l'hlsLOll'(' 11111
I "III II I Iv 1I"lldlll l' . L'l n t61'Ot n utlona l, SUl' la pla n écon om lqu , dOI1l ;( /~II
balho é eliminar, pelo esfacelamento, a vida local, os valores "I 1111 ti II 11 /1 I 1111(' (I 111'('ló Inconnu j Ufj(J U' /t U dóbu t du XX. 1'11 Cl II :M/tI)" I.
autênticos, a alma da resistênCIa que é - o espírito nacional . I 1011" 1" , Ni" l, (11~ am'1107'"H1IiMI'HI, 1 O:lH, P" , lH -!lS A 1) 11 (1 (1, '0 1',.,
1 11101, 111 1, "I', "U , 00. "No/! po VO/!, orno no ' !nt1lvl r1 \1 I)II, II )11'111; ' 1-
I,/ti I 11\1 11 11 10 I 111 111 11'\ lH 'I/~, 1)111 III"" II / I 1 1I~lI l f U1 CI\. (II .. )lo flc " CI III )11'11
31. A. SAMPAIO DORlA, op. cit., p . 51 ; D arcy Aza mbuja , op. cito p . 34.
I /I i " " '/1 11 111 .. . , ,," VII/ 'Ir 11 11111 , "P , 01 . , p . 1"7 .
32. GEORGES BURDEAU, op. cit., p. 98 .
24 TEND~NCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 25

çadas reagem denodadamente em todos os continentes, ge- nião brasileira, em defesa de nossas reservas minerais; "nacio-
rando o surto libertário que, ao que tudo indica, marcará nalista" a lei que rege a exploração do petróleo entre nós.
época na história da humanidade. Ao ciclo do mêdo na história da primeira metade do
século XX sobrevém, como uma aurora, no limiar desta se-
Alguns analistas do fenômeno atribuem a esta tendência
gunda metade, o ciclo da coragem, o momento da bravura.
o caráter de uma terceira fôrça na balança dos conflitos mun-
A conclusão animosa que nos alteia o espírito, nesta fase de
diais. 34 Não vamos a isto. Mas reconhecemos nesse movi-
transformação histórica, é a de que a ameaça da morte foi
mento a mais gloriosa tentativa de sobrevivência com digni- menos poderosa do que o desejo de viver livremente. O nacio-
dade, a maior afirmação das fôrças vivas dos povos, a mais nalismo representa, agora, a resistência da vida, a fé no des-
alta demonstrção de estoicismo diante da brutalidade e da tino comum.
prepotência.
A atomização do espírito seguiu-se como conseqüência
Assim, hoje é corrente dizer-se "nacionalista" o movi- lógica do fracionamento da unidade religiosa que amarrara
mento de resistência dos egípcios contra a agressão dos in- o homem da Idade Média. Hoje, uma unidade mais alta se
glêses; "nacionalistas" são as manifestações públicas da opi- 'onstrói diante de nossos olhos. Passado o momento de crise,
(lo mais minudente esfacelamento, os homens começam a er-
34. No Brasil, Tristão de Athayde vem defendendo êste ponto de g'uer um paredão, a muralha dentro da qual novamente se
vista : "Quando se reuniu a conferência de Bandoeng - como para o fato
chamou a atenção o P. Lebret, OP., em uma recente conferência de alr- poderá atingir uma unidade e lograr mais sólida coesão.
ga visão mundial dos acontecimentos e do dever dos cristã os em face de- () espírito nacional será capaz de reconduzir a fé nas institui-
les, apareceu uma terceira fôrça: a fôrça dos sem fôrça, dos "have-nots",
moralmente liderados por essa grande nação de 300 milhões de homens di s públicas, trará nova hierarquia de valores, formará novas
silenciosos e meditativos, libertados da vida colonial pelo mais pacifico ('()Iwicções e implantará novo sistema de vida. O nacionalismo
dos lideres politicos do mundo contemporâneo: Ghandi. A índia vinha
assim colocar-se entre os Estados Unidos e a Rússia, como a fôrça pos- lllll cionará como a súmula do interêsse de todos, pelo menos
sivél de resistência contra o choque dos dois leviatãs. Essa terceira fôrça I lIquanto durar a luta contra as fôrças desarticuladoras do
é que há poucos meses surgiu, impulsionada pela casta militar que liber-
tou o Egito da corrupção politica e moral dos Farouks e encabeçou, IIlp 'rialismo.
agressivamente, o jovem nacionalismo nilota. A nacionalização anteci- A literatura, certamente, não ficará de fora, neste mo-
pada da Companhia de Suez foi o ato precipitado com que essa terceira
agre~::;lvaUH::~.1lI..t::, u .u.o.,-,,,,o.u.o..u.6u.LV u. . l.Aó~- ... v ... ~............ L&'!it.n..r _ ..'U,..~)..-
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pada da Companhia de Suez foi o ato precipitado com que essa terceira
li.L.L·tll.. .&":t. ......
- - 'A Üteratlifa, -certâmente, nãô 'ficará de fora," neste mo-
fôrça veio marcar o seu aparecimento nativista no norte da .África, contra 1II I' nl () de renovação, Aquilo que foi uma crise sentida e estu-
a persistência do colonialismo francês. Os africanos, como os asiáticos, ,1111 ln :m, terá necessàriamente um conceito novo e atuante.
vinham fazer no século XX aquilo que nós, americanos, haviamos feito,
no século XVIII e no século XIX. Nacionalismo e colonialismo se defron-
taram então, como hoje voltam a defrontar-se. Espanha e Portugal se
comportavam então, perante a América Latina e a Inglaterra, perante 3 - LITERATURA NACIONAL
a América Inglesa, como hoje a Inglaterra de novo e a França voltam a
comportar-se perante as. suas colônias. O episódio de Suez e a injustifi-
cável agressão militar contra o Egito, - que colocam hoje Israel, Ingla- ,I fi. nos pronunciamos acêrca de nosso conceito de lite-
terra e França na mesma posição da Alemanha de Guilherme II e de Hi-
tler e da Rússia de Stalin - são estertores de um mundo que morre e I 111/11'11 , A arte é expressão da vida. A literatura expressão
vagidos de um mundo que nasce. :m o imperialismo colonialista em luta /I I I I II I'H l :lt l'fLct rizada pelo uso da palavra. Limita-se, a nosso
contra as reivindicações da consciência nacional de povos de velhissima
estirpe, como os chineses e os egipcios, explorados longamente pelo capi-
talismo burguês, desde a Revolução Industrial do século XVII, e que ho- :1 Ulln'" II II Wlllnlo : OlllllOl'mfl (1 TOl'I', .P,·()l)Z f' mrr .~ ,l( ln l.i l.! ·
je acordam para a vida independente". ln Diário de Notícias)), ed. d """/1' , ""11
li" A 11I1I/' II' 'o " I,{l ' '/'It/I/ ?''I" tI ?1I, (rJ?UtUo ( " II, ( ', . NtI , BlIlIllI, ,o r) ~:
II,
12-11-956 . 1" ' '1 '" l l1 lv l '·" I .II. ,.dll 1/1/ t/1"" I,)/I!/rll'I t/ o ·(ttm" , N. J , Ir .. r.v , 111"1 ,
26 TENDtNCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 27

ver, em literatura de criação (ficção, poesia e drama) e lite- uma inabalável f ormação nativista, deve-se encontrar o ~­
rtura científica a respeito da criação (ensaios e crítica), ~ emprêgo de uma expressão que seja o único e mais
O seu objeto especial são as Belas Letras , eficaz veículo daquela formação,
A literatura é parte de uma unidade cultural , Traz em
si as mesmas determinações que atingem todos os ramos da
4 - A LITERATURA BRASILEIRA
cultura em determinada época , Ao estudarmos um conjunto
de obras literárias, estamos estudando um fenômeno cultural Vimos como, tomando Estado por Nação, os nossos his-
em que predomina o sentido estético da palavra , Julgamos toriadores de modo geral confundiram a fase de conquista e de
a arte pura como simples exercício, mero aprendizado das emancipação com a fase nacional . E passaram a definir o
regras do ofício , A extrema dominação da técnica inventa nacionalismo por fórmulas pré-fabricadas, exterioridades na-
jogos formais, mas não faz literatura enquanto não se lhe tivistas, sem radicações profundas no consenso do povo ,
acrescentar conteúdo vital: transposição de resíduos culturais
para a linguagem artística, A fase colonial do Brasil - como qualquer fase coloniaJ
pnra qualquer país - foi impeditiva de tôda manifestação
Para que a literatura possa traduzir, sem constrangimento I Llltóctone , O interêsse reino I estava em evitar a formação de
ou falsidade, o sentimento nacional, é necessário que êste sen- lima consciência que divergisse das pretensões do Reino, pre-
timento, ao invés de ser procurado, seja uma floração espon- 11I11::;ões comerciais unicamente. Para isso, impediram por
tânea de um povo que, através de sua História, o tenha tra- lodos os meios a instalação de prelos entre nós, a circulação
balhado como tarefa cotidiana, 36 III p riódicos, o ensino superior, etc. O importante para êles

A literatura torna-se, então, nacional, quando se vê~­ I ,'!L fi nossa produção de riquezas, pois o Reino precisava viver
. conscientemente transformada em um dos instrumentos de "", nbastança,
-;:-firmação de determinado grupo social que tenha atingido o A própria produção de riquezas era controladíssima,
, estado de solidariedade e coesão , Para tanto... é necessário apo- A ILll1bição portuguêsa aqui se orientou no sentido do pro-
derar-se de meios de expressão convincentes, que, além de tra- VI I II l'ápido e lucrativo, Haja vista a descoberta do ouro, que
d!OOr g~S(it!tim&.tltO.:..J'~itrun..1UP.ªJ.Qrm{LnGÇjPt\f1..~,1'iª--1:.lÍQ.1WLc;le , I II I zou. o maior deslocamen!o humano daquele tempo, quando

duzir o sentimento, reflitam uma forma nacional, Na cúpula de II II I lzou o maior deslocamento humano daquele tempo, quando

' II IIfliH, escravos, "cristãos-novos" e um mundo de gente


36 . "JOsll: V ERtSSIMO escreveu : "A história da literatura brasileira 1" 'III'III'ava as "minas gerais" para a satisfação de um sonho
é, no meu conceito, a história do que da nossa atividade literária so- I II I'Iqn 7.0, e de vida farta. Tão cega esta ambição que até
brevive na nossa m emória coletiva de nação" , Só pode sobreviver na
memória coletiva da nação aquilo que foi sancionado pelo generalizado d" I pl'Ilvisionamentos naturais se esqueceram os mineradores,
aprêço, aquilo que foi tocado de unção nacional, que atendeu ao desejo, ' I 1'11 111 0 d se ver ificar escassez de alimentos em determinada
ao sonho, ao anseio, à necessidade de comunicação de muitos, O fato in-
dividual, isolado, não é susceptivel de tratamento sociológico, nem tem rI! ii f II) )') dodo áureo, A proibição de atividades industriais
expressão na vida coletiva . Interessa-nos o que passou a constituir pa- I 1111 1" 0 cnpitulo dêsse episódio de cobiça, pois, no entender
trimõnio, aquilo em que ainda nos abeberamos, a herança do passado
distante, os elementos que, fundamente ancorados no desenvolvimento his- ti" , 1llIlol'i (lltd s da época, a indústria poderia roubar alguns
tórico, vão ajudar-nos a agir no presente, a licerçando o que fizemos e
contribuindo para que elaboremos alguma coisa objetiva , porque vincula '" II '1 111 I . mi n l'flG[O .
à realidade". N elson Werneck SOdré, - Estudo Hist órico-Sociológico 1\ I I III II )\(1 0 , o r n.AiI nii.o xp rim nt u o f nôm no cul-
da Cult1~ra Brasilei r a, in Introd1~ção aos P r oblemas do Brasil, Instituto
Superior de Estudos Brasileiros, Rio 1956, p . 162. 111 111 1 c'lIl1 lll1l do 'H I ( n l 1111 1 I L( ~( JH'JLO llolv 'mitó.l'i lL d '/1(/1
28 T ENDtNCIA C ONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 29

os primórdios de sua História. Os portuguêses deixaram mar- da época cujo conteúdo destoa dos demais são as "Cartas
cas profundas em tudo quanto disse respeito ao seu ganho, Chilenas" ,mais político do que lit~rário.
seu proveito, seu interêsse. Mas não f icou memória de um Com a vinda de D. J oão VI, teve início a atividade lite-
grande colégio, de uma iniciativa cultural de grande vulto . rária em maior escala, com a libertação dos prelos e a pu-
O que fizeram foi fechar tipografias e oprimir idéias . blicação dos per iódicos. Mas ainda assim as opiniões eram
Apenas os jesuítas cuidaram da formação intelectual. terrivelmente contr oladas . Considere-se o trecho seguinte, da
Mas formação condicionada, unilateral, objetivando tão só a portaria do governador da Bahia autorizando a publicação de
conquista de fiéis, a catequese. Certo é que, por vêzes, os je- nosso segundo periódico - "Idade d'Ouro":
suítas tiveram de identificar-se com os nativos e aderir a seus "Deverá contar as notícias Políticas, sempre de maneira
movimentos, seus anseios libertários . Em compensação, a som- mais singela, anunciando simplesmente os fatos, sem interpor
bra de sua influência se estendeu até a formação do baixo quaisquer Reflexões, que tendam direta ou indiretamente a
clericalismo, supersticioso e voraz, ávido em dividir com a Côrte dar qualquer inflexão à opinião pública .
os espólios de um povo esbulhado. 37 "Sempre que a escassez de notícia deixe na fôlha um es-
A cultura jesuística, desligada da realidade local, mas IlItÇO disponível, ocupar-se-á dêste, publicando alguma desco-
ávida por divulgar um sistema, sem sequer trabalhá-lo por II(lt'ta útil, e particularmente as Artes, discorrendo sôbre a ne-
um processo de adaptação, não se fundiu no cadinho de nossa "j'HRidade de instnlir e conservar bons e polidos costumes nas
formação, mas ficou apenas justaposta às naturais tendên- NlLções, e ex plicando não só como o caráter nacional ganha
cias da cultura existente . Os conhecimentos difundidos não 1' 111, (;onsideração no Mundo pela adesão ao seu Govêrno e à
visavam a melhor interpretar o sentimento dominante, mas (,'/l/'ir/ião) mostrando graça em quanto têm perdido naquela
a cumprir uma finalidade : promover a catequese. l'Il/l,'iideração tôdas as Nações) que se deixaram despegar do
A literatura de nossa fase colonial, por isto mesmo, é rllIIIllrno e Religião de seus Países)). 39 Note-se a maneirosa su-
tôda incaracterística, pois adstrita aos processos importados, 1 ,ti ILO para falso conceito do caráter nacional.
e policiada minuciosamente para não sair do figurino. Fal- Com a independência política, o país entrou em fase de
tava-lhe o sentido da conquista para que pudesse ganhar feição I IItol'in. e, embarcando nas correntes do Romantismo, oriundas
- - -
tava-Ihe õ sentido da conquista pára' que 'pudesse ganhar feição IItol'in. e, embarcando nas correntes do Romantismo, oriundas
própria . Só com a apropriação efetiva de nossos recursos na- d/l If;lI ropa, aproveitou o momento para ensaiar sua emanci-
turais e a consciência de nossa grandeza, disto resultante, é 1" 11 ' " 1iterária ,
que nos seria possível cultivar uma literatur a com virtudes M II.H houve nisto muito de atitude. O país não estava
pessoais. ,1 IItI 'L d( posse de completa liberdade econômica, de suficiência
A Escola Mineira é acadêmica e suas produções pouco '''I II /III t .. para afirmações ortodoxas , O homem ainda não
diferem do que se fazia em Portugal. 38 O único documento , t 1Illt lL conciliado com a organização social e com a terra .
101 o, ' ~ IHLlidade era procurada nos artifícios, sua autonomia
37 . Neste sentido, têm razão Nelson Werneck Sodré ( Bin tese do
D esenvolvimento Literário no B r asil, Liv. Martins, S . Paulo, 1943, p. 11I11I ' lItllI 1111.11 ntitud s , José Veríssimo viu be o problema,
16) quando diz que os portuguêses, como era comum na época, mistu ra - III " ,I I )' 'jlU "nos p vos, como nos indivíduos, principal s-
ram "c onquista comercial com ca tequese religiosa".
38. V . NELSON W ERNECK SODR'f:, op. cit., p . 34 - Também Flores·
tan Fernandes, OMncia e Sociedade na Evolução Social do Brasi l, ln Rov. III c 'r", "10)01 /I N IIIC N " /lHHIlH, .A I III 1J'I '/lllNII 11,(1 PI rim/o OoZo""III,I, MI·
B rasillons , 1956, n. 6, p. 47. III "ti" rlI! ' ''rlllI ' ''I; II, HI" , 111t'I', p , :1' ,
(I t l'lft, 1If) "(I ) ,
TEND~NCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 31
30
ment~l, os nossos escritores trataram de endeusar os temas,
tímulo à autonomia é a consciência, que lhes dá a abastança,
apegando-se a exteriorizações de fácil efeito. 44
de se poderem prover a si mesmos". (v. nota 33)
As outras correntes, da mesma forma, não passam de mis-
Baseados exclusivamente na atitude, os nossos escritores tificações. Certo que, hoje, o sertanisino encontrou em Gui-
começaram a luta por uma literatura própria . Houve até quem marães Rosa uma expressão adequada. Mas o escritor mineiro
lembrasse a substituição da língua portuguêsa pela tupi . soube autenticar o assunto, estudando profundamente os ca-
E José de Alencar, no entusiasmo que o momento sugeria, dou- racteres e as suas reações, bem como as sutilezas da lingua-
trinou forte: "O conhecimento da língua indígena é o melhor gem sertaneja. Com Guimarães Rosa é que a gramática do
critério para a nacionalização da literatura". 40 sertão aparece para os olhos atônitos do homem citadino.
Assistimos assim ao nascimento dêsse exaltado culto na- O negrismo, entre nós, não teve expressão de corrente lite-
tivista, patrioteiro e, não raro, insincero. José Veríssimo as- rária, mas representou tentativas isoladas de valorização do
sinala que "... a literatura imediatamente posterior à Inde- tema . Teve a sua "moda" na fase que antecedeu a abolição.
pendência é ostensivamente, intencionalmente nacionalista Não há dúvida de que tôdas essas correntes ou manifes-
e patriótica". 41 tações, exceção à indianista, oferecem perspectivas, pois cons-
I ituem, ainda hoje, resíduos culturais ponderáveis de nosso
I\, Ora, a intencionalidade, no caso, é o primeiro indício de I IOVO . Mas onde o nosso povo deverá afirmar-se é no calde a-
falsidade do critério . Não obstante, a grande maioria de nos- ln nto de tôdas essas tendências, na fusão de tôdas as cor-
sos críticos dá como "fase nacional" de nossa literatura o I' C ntes, de que decorrerá o sentido da coesão, o sentimento
período a partir do Romantismo (José Veríssimo, Soares 11 1 cional, o caráter brasileiro. 45
Amora, Nelson Werneck Sodré, Tristão de Athayde, etc.). Alceu Amoroso Lima deu como período de nossa "inde-
Mas é preciso refletir em que a originalidade buscada é afe- Jlnndência completa" o século XX e diz que o nosso moder-
\, tação. Ou, como queria Fernandes Pinheiro, "impossível pe- II 11100 não teve concomitância com qualquer movimento lite-
dir originalidade a quem não tem idéias suas". 42 1'(11' o lusitano. 46 Realmente, nos dias que correm o país ca-
III Ilha decididamente para a sua emancipação . A opinião pú-
Alceu Amoroso Lima relaciona como correntes de inspi-
- Alceu' Amoroso Lima- relãClõfiâ --cdfitõ c-orl"~fit'ê~~llé' lfH:;fI1= 111 1f i\'ttt."a~clli'liTálIlêIl&'1f'áh{'à 'àü'ã." ~ffi.íUl~íp~o ~AK 'àpjfhá'6'l>W-
ração nacional: a indianista) a sertanista) a negrista e a re- II I I:n vai pouco a pouco se organizando em tôrno de certos
gionalista. 43 Ora, sabemos que o índio para o 'nosso roman- I'" IH:ípios que injetam novas fôrças na consciência de nosso
III iii ino e na certeza de nosso progresso. Se r econhecemos que
tismo tomou feição de mito. Ã falta de originalidade funda-
" 1I0HHa literatura ganhou autonomia, fôrça é exigirmos dela
40. "O indianismo foi a fórmula literária em que se encarnou aqui
a reação nacionalista conseguinte à Independência. Sociolõgicamente, ~ ,t , Flstou com Ma x Muller, quando qualifica o mito de "enfermi-
II I.'" oI n ling uagem" : "He aqui por qué _, _ califiqué yo aI mito de enfer-
grosso êrro, foi o ponto de vista literário, fecundo equivoco" . José Veris-
1101 01 ,, 01 oI!'I leng'llage m e:ior que deI pensamient o , , . " Contribution to the
simo, Letras e Literatos, Rio 1936, pg. 132-138 Cf. Alvaro Lins e Au- • I, 1/lI/ 'N o! Mythol o!lY, London, Long'm a ns, Green & CO., 1897 ; Apud
rélio Buarque Hocanda, Roteiro Literário do Brasil e de Portugal, José Irl . " ' II ( '1111111 1'1' 1-, Ant1'o11Olo(Jia F'ilosofica , México, 1951, p. 158,
Olimpio, Rio, 1956, voI. II, p. 594 . Irl , "O (111 III' Ilovl' ('xlg-Ir do flcl'ltor a n tes de tudo, certo s n-
41. JosÉ VERtSSIMO, op. cito p. 12 (grifo nosso) 11111' " 111 11IIIIIlO, qll l o torne hom('m do flO U t mpo do s u pais , ainda
42. JOAQUIM CAETANO FERNANDES PINHEIRO, op. cito p . 11 . lI'i/l ll l ln 11,,, 1. Iii IVl nmtlll1 l'l'molo/l no I l' ml~O O no oapn,ço" . M a !lado d
I., I 11//,1111, I ,U, I'lb ·t""W . M .• rll,l'lu lIllI 1111 " lO I'S, p. 'l81'S,
43. ALCEU AMOROSO LIMA, Introdução à Literatura Brasilci1'a, Llv,
" 1\1,1 11</11 I\ MPllollP LI MA, 11 11 , 1'1 1., p , 144"
Agir, Rio, 1956, p , 180 ,
32 TENDtNCIA CONCEITO DE LITERATURA NACIONAL 33
um trabalho mais intenso de legitimação, de identificação com secução do mesmo objetivo e a fé comum neste objetivo.
a consciência nacional. A nossa literatura não achou ainda O Brasil, no momento, tem uma luta a desenvolver e um t ra-
os grandes temas brasileiros, embora já existam numerosas balho a r ealizar: a luta para a emancipação econômica e o
pesquisas nesse sent ido . trabalho de transformação de suas reservas . As nossas indús-
Tanto Nelson Werneck Sodré quanto Afrânio Coutinho trias do aço e do petróleo comandarão o parque industrial
chamam atenção para o problema da vida urbana no Brasil ele nosso futuro próximo. ~o dia em que atingirmos a nossa
e para a tendência de concentração de grande núcleos urbanos. Huficiência, através de um esfôrço comum, portanto, nacio-
A vida citadina brasileira também possui as suas peculiarida- ti nI, estará formada a consciência de nosso valor e a confiança
des, e estas não escapam à observação dos artistas . Machado, (\ln nosso destino.
Lima Barreto, Marques Rebêlo e outros formam uma linha A literatura tem seguido de perto a luta de nossa gente.
de escritores da cidade. Não será, pois, a vida do campo a 1': lIquanto se conceberam as artes como pura fantasia, en-
única a fornecer inspiração para uma literatura de cunho na- qll ltnto vivemos a fase romântica de nossa História, fizemos
cionalista. 47. tllIlI~ literatura falsa e sem perspectivas. Com o realismo, o
De tudo isto se pode concluir que impulsos parciais não , uTilor aproximou o seu coração das raízes de seu povo .
geram uma nacionalidade. Pr onunciadas características locais () /I 'U trabalho colheu novas dimensões, ganhou densidade .
induzem, ao contrár io, a inexistência de unidade e, pois, de (' I I/leiO de que a art e não pode desligar-se da vida, para não
coesão social. Os problemas postos por Gilberto Freire e Viana I 1. : 0 1 n r' seu conteúdo, o escritor busca as suas identificações
I J
J
Moog 48 continuam ainda em vigor: caminhamos para a uni- ". '"1II povo como fontes de inspiração e matéria de trabalho.
dade, embora sejamos um conjunto de ilhas, um arquipélago ('11 11 11011 - /::1 de ilusões. Pede consciência, quer progredir lúcido
de ilhas culturais. I ' I v lindo. A sua or iginalidade repousará sôbre as próprias

Para falar-se de um povo em têrmos de nação é neces- III Hd 8~i~ . 49

sário que as ilhas culturais se toquem profundamente. A uni- 1\ Inurcha de nosso progresso material, a nossa emanci-
sarl'õ flJt?'àW .ma1c:""ur.:.fftt!! .ruJ~WiQ....m.aift Jl\lID~.rQ~Qêj9:t~m os p ll ' i/l I (:lIn ômica trarão 20I~p copseqüência; a integra.~ã9 do

dade é tanto mais perfeita quanto mais numerosos forem os 11 '11' i .. !\(:onômica trarão como conseqüência a integração do
pontos de contato . O Estado é tanto mais nacional quanto 11111111 III /lO fi U meio social; despertar-Ihe-ão a capacidade de
mais numerosos fatores concorrerem para a unificação das pi II ' 11111/110 original; de posse de novas energias, o intelectual
I tendências sociais. I I " ' IP II;'; d gr andes formulações racionais . 50 Neste dia,
Presentemente, o fio que ligará as diversas partes de
nossa geografia social deverá ser a luta de todos para a con- "' 1\ II I,' " 111'> ito, colocamo-nos contra Afrânio Peixoto, quando
'I" , Ijlll .,,'IH' n llll dad seja a pena s "a do gênio criador" : "Quando tu-
.'
01, • •• , 1,,,11""11 11 ' , /1 (, o r; nlo nos salva rá da m esmice" , Afrânio Peixoto,
47. "Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se às vêzes uma . 11 , I' ' II ,
opinião, que tenho por errónea: é a que s6 reconhece espirito nacional nas
obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria .. I" "'/I"nl,' IIlt1l 0,ç/'to flC ca l'act r iza pelo cr escimento rá pido
muito os cabedais da nossa literatura" Machado de Assis, ob . cit., p. 134. I " 1I I ,It'IollII.l , ({ II \' f( rn lm ntc n,póla I1S atlvldad s intelectuais
l ullll,lIl'1 l1111 rt lO(l\ "I1 IUI, ~' P lu hnportl\.n la qu o p n sam 11 -
48. GILBERTO FREIRE - Continente e Ilha, Casa do Estudante do
" .. hllllil • I "II II I 'l;lI lIlIo , ~ , ~dqll l l'lr ' l, ~nl,(I n l~ .'.Ir "(\ d ( ~ ,'o'fkx (J () (h~
Brasil, 1943 ; Vian a Moog, Uma I nterpretação da Literatttra B r/Mil i ra ,
,. ,' '1" '01111 IlIt d ' t IId l" ",,; (. II d ll n l; (," , 11' 1(1 ) '1 fl I Il H )1'(" '11 11 1111(' ,
Casa do Estuda nte do Brasil, 1943 .
'" ' ,111, 11} 11 fl ll/ rllI ""/I .~ I.I . l li lv, 11 "11 111 "11/11 1, .' , 11, ,., t,4 ,
34 TENDÊNCIA

a sociedade terá experimentado o primeiro grãnde esfôrço


para a sua unidade cultural e terá dado o primeiro passo em
2( direção ao ideal supremo dos povOS' o Estado nacional .
E, no dia em que isto se der , encontraremos forçosamente
a nossa unidade espiritual e o escritor, de posse de sua cons-
ciência e de novos meios de expressão, a trabalhar espontânea-
Concílio dos Plantadores de Café
mente o tecido da mais inevitável literatura nacional.
Alfonso Ávila

UE o Senhor responde e diz a seu povo:


Eis que vou enviar-vos trigo, vinho e
azeite, dêles ficareis abastecidos, e nunca
mais vos entregarei ao insulto das nações" .
JoeZ (2, 19)

o PRESIDENTE

Tomo assento nesta mesa,


Agradecendo aos senhores
A prova de confiança
Que, dentre cafeicultores
De tantos votos e haveres,
J I
De tantos fuios e Llavm~,
",
I
De t antos ócios e amores,
Distinguiu-me - o mais humilde
E m terras e outros v-alores ,
Aquêle que apenas planta
A meia com suas dores
Alguns palmos da cereja
11: ti sujeita a penhores,
I )/t(\ OH Ma C6U 8 que se esquivam
J\ d(,r,i n ir' H\HU C r B,
,O I'Il It ."/111 /1 II III qU ( HIUi dúbiuR
No (101 )(' ( II I I ' III II I l' IWIl I '(lIl ,
36 TEND~NCIA C ONCÍLIO DOS PLANTADORES DE CAFÉ

Ora mesmo ao paladar Ê certo que em cada légua


Dos povos consumidores. O mesmo mal se acrescente.
Declaro aberto o debate Venho do Caparaó,
E convoco os oradores . F alo de sua vertente
Que as águas r oem mais fundo
PRIMEIRO ORADOR Nos rastros de quanta gente.
Ali prodígio e penúria
Senhores, bem compreendo
Têm a safra equivalente
A vossa desolação,
E o fruto de tôda ordenha
Que eu também tenho meu sítio
Ê sempre o acaso pendente.
Nos lados de Ribeirão,
Sugiro ao sábio plenário,
Mas já não tenho nem ouro
Ao vosso acôrdo prudente,
Nem minha mineração,
Que as mãos lavrem outro sulco
Que a planta - como nós mesmos E nêle nova semente
Não se firma neste chão, Cáia com a bênção do homem
Suas raízes são fr ágeis E de Deus, se fôr clemente,
Para o rigor d~, estação .
E frutifique só trigo
Nos arbustos derradeiros
Para a fome, tão sàmente.
O tempo esmera a demão
E essa mancha aureolada
TERCEIRO ORADOR
É a sua coroação .
É a sua coroação.
Proponho ao vosso conselho Companheiros, vossos olhos
Que se dê povoação Choram o ocaso rural,
De gado de corte e leite E u choro a aurora dos ágios,
Aos campos que restarão, A manhã convencional
Onde a estrêla dos pastores Que nasce nas oficinas
Nos conduza a outra nação. Do, bôlsa int rnacional,
I eploro 9. f ina dos anjos
SEGUNDO ORADOR No (;onf'IHC;o <:11 mbinl
.J,'( lI l l( ' lIl l1 l1dn It 1I0 1lUl m o l"l
A minha angústia é a vossa
Com um travo diferente, III II. "lIlI d el fi 1"11 11 II I,
38 TEND~NCIA

Cobrindo a nossa nudez


Com as fibras do sisaI.
Vêde que a desesperança
É transação sem aval,
Três Problemas da Ficção Nacional
Que não se move uma emprêsa
Se a tristeza é o capital:
Deixai que a noite confunda Rui Mourão
As linhas do cafezal
E vossos bens invertei 1. NÃO CULPEMOS A LíNGUA
No consórcio industrial.

DECLARAÇÃO DE PRINCíPIOS
SOMUS um povo que só transpondo inúmeras dificuldades de
ordem gramatical e de psicologia da linguagem nos podere-
mos exprimir através da ficção? Ou em outras palavras: será a
Considerando êste solo língua portuguêsa, por motivos de origem, mais apta à expressão
De morta benfeit oria, do pensamento poético? E is uma das muitas questões que se
Gleba de pássaros roucos ILpresentam a todo aquêle que procure indagar sôbre as causas
do lento desenvolvimento do nosso ficcionismo e da falta de
E nenhuma melodia,
"'TÔjo das nossas tentativas do setor, neste país principalmen-
Áreas onde o sol absurdo
I I de poetas. Mas, é claro, o problema não pode ser resolvido
Compôs seu último dia, I'om esta simplicidade . Não cremos na existência de uma lín-
Considerando esta carne l;lHl condenada a exprimir unicamente neste ou naquele sen-
De cansaço e sem valia I do: admitimos que haja povo mais lírico e menos lírico; quan-
CQnt...Q• .t~n;Dor g~ __l:leu$ músculos \1.1!.muj1Q... .:~:t!!lli.ti!PJts .fL13~ l!ªjf! U!l.Kl1~_Al~is_ t~1:>~lhada e, ~enos
Com o torpor de seus músculos dll muito, a dmitimos que haja língua mais trabalhada e menos
No afã de luta vazia, 1'·I1, JHl.lhada para exprimir neste ou naquele sentido.
Concluímos por lavoura A verdade, entretanto, é que não deixa de impressionar a
Tudo aquilo que se cria dl ·, Ii, ~ualdade de proporção do desenvolvimento dos dois prin-
Contra as astúcias do logro " 1''' iH gêneros criadores no Brasil, nem pode deixar de causar
E as moédas da alquimia, I 11"nohcza o fato da inexistência de um f iccionismo de tradi-

Sejam o óleo para a lâmpada " II pm-tugu ~ sa . Entre nós, para cada livro de f icção publica-

Ou o verde na serrania, 1111, m i "!" spondcm dez ou vinte volumes de poesia, enquanto na
Qualquer fórmula de canto. I' ,·,'u d( tlmÕ 8 , onde t antos bardos atingiram as mais altas
Qualquer timbre de alegria , 111111 1\ 11 <:lIlA 1\1 nnc;aram pr oj ção internacional, Eça do Qu i-
Que são nos sonhos dos povos I" • 1'111 11 It l1 m II (X P O' nl mftxhno no t rI' n da hiFltórin l1fU' I"tl.-

Sua íntima economia. ti I ( ,"II /I hl /tll 1/l l vl'z ( (\xpllqu pelo ong nllo 1I1'1t·nl1o
40 TENDÊNCIA TRÊS PROB,LEMAS DA FICÇÃO NACIONAL 41

português, pela natureza de um povo que sempre lutou com as cia com elementos extra-literários, notadament e com a sociolo-
maiores dificuldades para se dedicar a um ramo como a filoso- gia, a psicologia, as doutrinas sociais, a história, etc. - ele~
fia, mas o caso brasileiro só pode ser compreendido tendo-se mentos com os quais êle tem necessàriamente de se integrar,
em vista o conjunto de problemas gerais que envolve o fenô- E o que é mais: o romance, preocupando-se de preferência com
meno da cr iação artística e pensamos mesmo que talvez atin- o estar do que com o ser, carecendo da participação dos re-
gíssemos mais em cheio a questão se falássemos aqui sôbre as feridos elementos extra-literários que por sua própria nature-
aberrações de um país em formação, estampando o longo capí- za se vinculam à terra, mais do que a poesia só se concebe den-
tulo dos valôres negativos da nossa cultura, conforme o esbo- tro de um quadro geográfico e, consequentemente, mais do que .
çou Fábio Lucas (art. pub. no Diário de Minas), isto é, con- ~\ poesia só pode desenvolver-se em função dêsse quadro geo- -
siderando uma série de causas que vai desde o espírito nacio- gráfico: a poesia aproveita mais do desenvolvimento cultural
nal de improvisação até a falta de t radição da nossa cultura. universal, o romance exige mais do desenvolvimento cultural
Não deu já o brasileiro prova bastant e de que pode exprimir- local . (Que tudo fique bem claro: não se discute aqui sôbre ar-
se tão bem através da ficção como da poesia? Não será neces- 1.0 mais regional ou mais universal; discute-se sôbre arte mais
sário lembrar aqui os casos excepcionais de Machado de Assis Ilutênt ica e menos autêntica, sôbre arte mais criadora e menos
ou Raul Pompéia, que permanecem isolados na sua solidão, (" riadora) ,
constituindo exemplos vivos do quanto pode a inteligência na- Diremos por conseguinte que o de que a nossa fi cção de
cional pensar em têrmos de ficcionismo e de universalidade. O ' Ilt.o então se ressente é da falta de um estudo de base, de um
atestado mais numeroso da capacidade criadora do nosso po- IIIIt.udo fundamentado nos dados legítimos da cultura brasilei-
vo, no terreno da fabulação romanesca, está na presença da 1'/1, que a culpa dessa falta não lhe pode ser imputada exclu-
ficção de sabor localista, muito especialmente no chamado ro- 'I Vilmente a êle? Diremos que o nosso romance, depois da expe-
mance brasileiro, que, evoluindo da experiência romântica dos I ' '11I:ia original de 30, voltou a transacionar com o estrangeiro,
nossos primeiros indianistas, representa um elemento descon- lelll l licença prévia, furtando-se à fiscalização aduaneira, e que
certante dentro do panorama ricamente desuniforme das ma- • ,lItl l grave irregularidade é apenas consequência e expressão
nifestações artísticas e culturais do nosso tempo , Temos um .III Illna. desorganização bem maior? Mas afirmar uma coisa
romance, Pouco profundo ou ainda não inteira_mente abando- !!! " ,1 H~<~ D.JW~~n.ilJ:~ra.Oi'{f"cr.<rl1fta.ljvr?~ma.ti('S1&[hf!i:lP''''aing"etr~1t
romance, Pouco profundo ou ainda não inteiramente abando- III III IH ' o mesmo que dizer que a nossa ficção é uma constru-
nado à sua originalidade, incipiente ou francamente intratável " " III'm bases reais de sustentação, levantada sôbre ter reno
- temos um romance, É evidência que não admite mais dis- r 11 11' I l' alizada contra tôdas as leis da arquitetura . E aqui
cussão, 11111' IIIIOH aonde desejávamos : uma das causas determinantes

Se denunciamos, porém, como responsável pela situação do dll 1'1\' mljilo nfraquecimento do nosso romance é a falta de
ficcionismo brasileiro o estágio de cultura em que se encontra di 1 II vlllvim nto do nosso ensaio . Do nosso ensaio que conta
o nosso país, como explicaremos o fato de que, entre nós, vem 't" 111111 ('om IIlguns nomes dignos de nota e que, parece, foi mais
a poesia se desenvolvendo em ritmo mais satisfatório? Será a I 111 111111 ,1 l1l1l.nm nt nos primeiros anos do seu aparecimento .
evoiução daquele gênero mais lenta do que a da poesia? O que N " 111111 i1ndnm IA: nquanto não se fizerem grand s int f-
talvez se possa afirmar é que a evolução do ficcionismo - mui- 1'1' I II' 'I I d" 1 1'Il/l1l (10 l,(JdOA OH 8 nUd s, nquanto não dispu-
to particularmente do romance - se faz sempre mais pesada- di 11111/1 (' I' , (' II, t(1l(' IlIdhn, jOglll' eXlm Il compkx idlLc\ 110/1
mente, dada a sua complexa natureza e a sua íntima convivAn- 11 11 1" I' ldlllJ"ll I I 1"lIhn" 11(1(',' /1 tllI'lu vI, UI' 11111'1 (\lH:Ol\II'III' /I (
42 TEND:/!:NCIA TR:/!:S PROBLEMAS DA FICÇÃO N ACIONAL 43
suas últimas razões no terreno da mais alta indagação ensaís- P arada no regional pelo regional, no sociológico pelo sociológi-
tica, enquanto não obtivermos um pensamento literário legíti- co, no drama social primário, na psicologia regional, na psico-
mo, uma resultante cultural definida, que possa ser reconheci- logia sociológica. Tirant e o caminho do estudo ens~ístico da
da imediatamente e em qualquer circunstância como brasilei~ nossa terra e da nossa gente, poder á haver outra saída?
ra, não poderemos protestar contra a situação do nosso conto
ou da nossa novela, não poderemos exigir coisa alguma a mais II. Ã PROCURA DE UMA TRADIÇÃO
dos nossos f iccionistas. Porque outra verdade também temos de
reconhecer: não nos faltam ficcionist as; é ficção o que estamos Há, entre nós, escritores excessivamente intelectualizado H
ameaçados de ficar sem ter . A sensibilidade não para nem é e por pouco não nos precipitamos e vamos dizendo log
privilégio de qualquer povo. Sempre tivemos ficcionistas, e a que êsse é o grande mal da cult ur a no Brasil. Desdenhosos e au-
geração atual não é pior do que nenhuma outra. Muitos escri- Lo-suficientes, se são ficcionistas, êsses senhores votam despr '-
tores, e de talento até agressivo, estão fazendo f icção presente- zo à f icção brasileira, alegando a sua condição primária, e pr.ef ,-
mente no Brasil . I' m seguir os modelos de literaturas mais estruturadas da Eu-

Mas por que falar-se, então, em crise do ficcionismo bra- ropa. São, portanto, fr ontalmente contra a ficção brasileira. I'JH-
sileiro, se ao Brasil não faltam ficcionistas? Por outro lado, l!t atitude é, a nosso ver, só comparável à de quem se colOCaAf.I(
I I como explicar -se a atual escassez de obr as do gênero? O fato \~ontra a proclamação da independência de seu país .
de existirem romancistas brasileiros nem sempre significa que Mas, naturalmente, êsses escritores t êm o seu ponto dI
exista romance brasileiro e, muito menos, que exista bom ro- vista assentado sôbre bases sólidas, Defendem o idealismo o.rli,l-
mance brasileiro. Quanto ao fenômeno da escassez, êle pode I lco. Combatem as aspirações regionalistas e praticam uma Jil, -
ser explicado levando-se em consideração que é sempre muito I'ntura de constante universais, resultante da r acionalização dCIII
difícil criar uma obra que não corresponda à cultura de seu lindos das várias culturas locais, e que trata do homem enqUO II-
lugar de origem, isto é, é sempre muito difícil criar uma obra I I) homem, do homem desligado do meio físico e do meio soei ti ,
que se enquadraria melhormente na literatura de outro povo,
dI) homem de tôdas as épocas e de tôdas as latitudes, Sobr iud o,
e só pouquíssimos mesmo, trabalhando com material forneci-
IIlloJ'dam os grandes temas, tratam dos dramas e das paix1ic 'H
<]0_ por _zg~,ª,_~_Ql}.ltl!rª.i.~J~!h~il!ê t..ÇQ.n.§Slgy§nlJiiz;eX".Çgjilft.fl~ J{~ms"­
IIlIfll'dam os gr andes temas, tratam dos dramas e das paixõI'fI
do por zonas culturais alheias, conseguem fazer coisa de valor .
h1lmanas na sua expressão última, ambicionam por r ealizar l ll Yllt
(O que não fariam se trabalhassem com material fornecido pe-
II ri ( que vise diretamente aos seus supremos escopos .
la cultura de seu país ou mesmo com material fornecido por
outras culturas, mas sentido pela cultura regional e a ela legí- I "'ste modo, põem em discussão o velho problema da I I I'-
timamente adaptado!) Aliás, é êsse raciocínio que explica a I \ l'(' l~ iona l e da arte universal . Poderá uma arte ma'n: 1(I H
grande floração do romance brasileiro de 1930, quando explen- · 11111111 ( t' gional universalizar-se ? Poderá uma art univ ~' l'/lI tI
didas vocações surgiram por todo o país e muitas com grande " Jll'itn it· () homem na suas tonalidades mais divcrg'llloll, 11 11 '
felicidade se realizaram - algumas até .mesmo sem o devido 1111111 dOHH '!TI lhanc;as mais irr dutiv is ? Tal nos par c' lL q'1I 1 , -
preparo intelectual. I I .. (1 111 H(' II m!'tximo nl cunc cm HuaA conH q iiôn inH tYllllo l'l'II ,
É ficção que estamos ameaçados de ficar sem ter . Verifi- I ' .. ..t'l II , 1\ 1«011 nÚH HIlboll10fj q u ' 'tjf.l ' J)t'obl mIL n it" ('XlIII V, pll lll
cam-se reações isoladas dignas de nota e até mesmo surpreen- 1111 111 11 do p0 1l1 II dI Vill l ll (1 1lI '1 " \' IlI\ HI: l1 a m \'o lo('lI do I 111111\'11 1'11

dentes mas, de um modo geral, a ficção brasileira está parada. II lé ll '\'\! , 1 11111 1 II'! ( 1111 VI 1'1111 1, 1'0 111 11 n 'I'" P"II/" 1 II I, ;11 1' II I \t I


44 TENDÊNCIA TRÊS P ROBLEMAS DA FIcçÃO NACIONAL 45

artificial e inoperante quanto a exclusivamente política e qua- tui como um fenômeno novo dentro do ficcionismo contemporâ-
se francamente romântica Sociedade das Nações Unidas, "O neo e está pronto a fazer a grandeza e a glória dos nossos auto-
problema é conhecer o homem" - afirmou Charles Chaplin, res, principalmente daqueles que não dispõem de uma personali-
E não será, evidentemente, através de uma arte baseada em da- dade muit o vigorosa, daqueles cuja obra não pode apr esentar
dos e resultantes, através de uma arte construída e cerebral, uma contribuição pessoal muito marcante e original, Aquêles
que haveremos de avançar nêsse conhecimento - mas imica- que se colocam contra a ficção brasileira ignoram as possibili-
mente através de uma arte criadora, através de um instru- dades dessa ficção , e o mínimo que poderemos dizer daqueles
mento penetrante, tão vário e t ã o sem atitudes quanto a que se defendem alegando a condição primária da manifesta-
própria vida, procurando fixar a estranha polimorfia dês- Gão dês se gênero entre nós é que se confessam impotentes
se ser que nos parece tão mais único e mais universal quan- para realizarem qualquer coisa além da pura imitação, numa
to mais desconhecido e maiores são os abismos em que faz pre- pr ova pública da sua falta de talento criador e da sua incapaci-
cipitar a nossa pobre e impotente consciência, Não pode ser ou- dade de caminhar um passo em face do ideal desbravador e pro-
tro o raciocínio que tenha levado Gide a sentenciar, com um gressista de uma cultura,
paradoxo muito a seu gôsto, que uma arte será tão mais univer- Tese das mais curiosas é aquela que procura examinar as
sal quanto mais regional ela fôr , Quem já assistiu a um filme I' lações entre a ficção e a grande extensão territorial que, pro-
japonês tem consciência nítida da questão, Para nossos olhos movendo o isolamento real do povo que nela vive, dá origem a
ocidentais, o ambiente, os costumes que evoca, a sinistra e opres- 11m modus vivendi muito próprio e peculiar, sem falar na imen-
siva atmosfera nipônica, surge mais como um milagre da arte, lI idade dos problemas sociais que ela determina, na sugestão
como se se trat asse de efeitos criados por uma técnica nova, lIumerosa de suas r iquezas e na influência da paisagem exube-
que nos obrigasse a ver o homem como se o víssemos pela "lI nte e variada , A robustez e a fecundidade dos temas do 1'0-
primeira vez, meditando virgemente sôbre o seu mistério que é 'lI unce brasileiro estão condicionadas pela massa continental
tão profundo, tão universal e tão sempre o mesmo, A ambien- III nosso país e pela complexidade dos nossos problemas, Po-
cia exótica, as côres porventura marcadamente regionalistas
11\ ' - HC dizer que o Brasil é tão rico para a fi cção quanto o é em
do filme não o fazem acessível apenas à sensibilidade oriental,
",Wl~l l,'V!J,B..J111~\1tll.jJ'~ ...... ~çmIY\ÇIlta."IY ~~mf' .I! J1'R .r 'l'1~RV y:\l'ctmu'U' ;é' tllil
M.uitQ..i~p.. G.ontrffi.rleHP&.r&'%~m. c'i1!€Hê1s 'à"'~"éíWfil)1ifaá'ae ôfiên'tlir.
'rvas naturais, Cremos mesmo que nenhum outro país do
,'. 'II
Muito ao contrário, garantem a sua universalidade, que sur-
I'" .Iente tenha tanto como êle, nêsse t erreno, para revelar ,
ge irresistível, irrevogável. Tomando uma atitude ostensiva de
luta, poderíamos afirmar que o regionalismo é o caminho mais I~ com isto não estamos mais fazendo o jôgo da arte regio-
legítimo e mais direto para se atingir a grande arte ou, pelo 11 11 1. i\ Iiás, não consideramos o regionalismo senão como uma fa-
menos, que é o primeiro passo para se at ingir a grande arte, ie uma f ase por que temos necessàriamente de passar, do.
Este é mesmo o pensamento do autor de O Imoralista , Mas II"' II IIII ~ Forma que somos obrigados a abordar certos temas
diremos apenas que o regionalismo é uma proteção incomparà- ,ii l:lllLivur dct rminados estilos (recentemente um escrit r
velmente acolhedora, que nos defende do incaracterístico e ga- ,' 11 '11' /I nrirmou qu o cstilo mais próprio à literatura brasil ,i-
rante a qualquer arte um mínimo de originalidade, " I II III II I II( I'ilt o 'Hlilo 'pico ) , NiLo ndmitimoB limitaGil. m ar ·
E, dito isto, não há quem possa negar a justeza com que I , II . II «(11111 f' l' n r(lI'm rt Pl')tt ql1ltl ('l n Il( n ])l' Aon , llol'lnn!'o
foi pôsto o problema da ficção brasileira que, surgindo om fi. 1\ II d ll ll ' I\·«I ' I\'1I1I III III ,Lti '"IUl III'I ( d l\ Imltnl " 1' .
(I1l1l\. H'lhl IlIO
expressão do nosso meio histórico, social e humnno, I ('Ull Hti - 1111 '" 111(111 II I' / ' 11 11'11 ) podl I.. , ' 11 111111/1 1111. '"1111 V( ''': «III " 11 1'11
46 TEND~NCIA TR~S PROBLEMAS DA F ICÇÃO NACIONAL 47
atinja certo gráu de desenvolvimento e adquira poder de auto- dade, não pode deixar de soar como grito de libertação que é,
determinação , Hemingway, talvez o autor mais r epresentativo surgindo a ficção brasileira atual com características de au-
da moderna literatur a norte-americana, vem realizando quase tenticidade e originalidade capazes de indicar definitivamente
t ôda a sua obra fora do território da pátria ; o ambiente em que o seu rumo a seguir e estabelecendo o marco inicial de uma
se desenvolvem as suas histórias é o selvagem coração da Áfri- t radição ,
ca das caçadas memoráveis, é o pôrto de Havana e o mar de
O que muito justamente se pode temer, na at ualidade da
Cuba das pescarias e das grandes avent uras, é a Espanha das
ficção brasileira, é que ela fique marcando passo ainda por
t ouradas heróicas; entretanto, ninguém pode ser considerado
Idgum tempo, sem fôrças para transpôr a fase em que se
mais americano do que Hemingway, ninguém exprime melhor
l ncontra, comprazendo-se na t riste glória da repetição de
o povo e o espírito ianque do que Hemingway, Os escr itores
do realismo mágico jogam exclusivamente com símbolos , Es- lima aventura já vivida , E o que se espera, portanto, dos nos-
110S autores, sem distinção, é que êles deixem de lado as suas
t.aríamos sendo incompreendidos se alguém chegasse à conclu-
são de que só admit imos arte com preocupações r egionalistas e, fi quenas vaidades, encarem com seriedade o probelma da
muito menos, com aspirações folclóricas , O que afirmamos é f'icção cuja importância transcende o cuidado egoista das
que cada povo t em a sua arte própr ia e que êle não pode dei- pretensões individuais, dedicando à causa da ficção nacional
xar de frequentá-la, sob pena de ser post a em dúvida a sua ca- c I impulso mais legítimo da sua vocação , Pesa sôbr e seus
pacidade criadora ; o que desejamos é que a ficção brasileira se- ombros a responsabilidade de trabalhar com denodo para con-
ja respeitada como elemento original que é, e que ela se desen- I o111 ar uma das maiores dificuldades que entrava o desenvolvi-
volva sempre dentro de suas características peculiares, para que III 'nto da nossa arte : a falta de tradição ,
se possa constituir invariàvelmente numa marca da nossa na- Ninguém ignora o que seja a falta de tradição, A au-
cionalidade, da mesma forma que o são, por exemplo, para o po- , ncia dêsse conteúdo que se recolhe à margem do trabalho
vo fr ancês, o povo russo, o povo inglês, o romance fr ancês, o 1111 t empo e que difere do conteúdo histórico, porque vivo,
r omance russo, o romance inglês , I ClJ'na excessivamente lento e difícil o progresso de uma cultu-
Que a ficção brasileira transporá as suas dificuldades , II , Foi necessária t ôda a revolução modernista para que a

atua~ ~Et Dr.ofi!2e~~.:&~[l"'§fl\!lf~ rr\Jnhíb ,0'!-it ?"tcfl:; "i:ff.là"'S'C'éhtléUlâ:à'à~s ,"i':'!'! v'or-nêêessafflf- 'Wct-à: â '-fevõ'li{çilc) -môciefulsta ' pãfa- que a
atuais e prosseguirá o seu caminho de arte vigorosa e autênti- r ('çfio nacional saísse do empír ico indianismo e suas r omân-
ca, estão a garantir a legitimidade do movimento intelectual I I'IU'! deformações idealistas, e podemos dizer que será ne-
que a originou e as próprias condições do seu aparecimento , A " ~ I ' Ift do um novo longo e substancial movimento de idéias
sua inauguração significou uma reforma de base, de conse- ClII um acontecimento extra-literário de excepcional impor-
quências incalculáveis, que comprometeu para sempre a velha I IlC' il L, que desperte a consciência dos nossos homens de
estrutura do fi ccionismo indígena ; a sua contribuição foi de 1, . 11 '11,11, pura que ela possa dar um novo salto; impotentes para
tal importância que ela jamais poderá passar à posteridade co- I, VII I ' ILvllnt o trabalho iniciado por Alencar e seus compa-
mo um acontecimento isolado, um mero e louvável esfôrço pa- III" , 1'11/1, H br tudo t merosos de levar mais longe o ar tífí-
r-a a nacionalização da nossa arte , Elà constitui uma conquista .' hll 11 1110 do f i' 'ionis mo nase nte, aqu "les que no Br asil repre-
d fin itiva ; não desaparecer á jamais da literatura brasileira, 1 111 /1 1'1 1111 H I'( 1 Çlt(l ILl1li-r mânti a foram bus 'ar no stran-
como d la jl'l.mais se extinguirão os efeitos das tr l'l.nsfor-mnGõ s , I II I ~ II 1(1 l'IU ' LIl I HII'I L I fi '"IILII Obl'ILH, (ln m Hma formlL (lU
or.nn ionn.(\flH p lo mpr ndim nto mod r ni Htn. , l Hl o, 1\11 VC\l'- 11 /11 ' 111 pO l i IIII,tI"1' 1I 1111 1111111 1 rll:t. (""tC'P}' (111(111 d'hllo I1U,
48 TENDtNCIA
TRts PROBLEMAS DA FICÇÃO NACIONAL \1
conta que mantém com os trustes das literaturas capitalistas
nhecimentos de arte para se atinar com a razão disso: JI CI c
da Europa,
concebe arte sem expressão (arte é expressão, definI\I .111
O que constitui mais um argumento em favor da ficção Régio), e a expressão é o pressuposto da técnica, A qllC \11
brasileira é o fato ge que a dificuldade máxima com que luta, afirmação implica na negação total da ficção brasilcil'n. \ '11
no presente, não passa de uma deficiência que o tempo su- demos dizer, se quiserem, que, para a maioria dos no ..
prirá, É problema natural de literatura nova e comum a escritores, fazer ficção não passa de uma ocupação gralil I , .
tôdas elas , Nem mesmo uma literat ura como a norte-ame- Mas então vamos fazer uma afirmação, senão totalment 0 011
ricana, que já surgiu numa fase avançada de adiantamento trária, conceitualmente diversa,
e passa por 1-Jma das mais atuantes do mundo moderno, con-
Com efeito, não podemos referir-nos ao problema da 1. n-
seguiu resolver de pronto a questão; depois de ter contado
nica na ficção brasileira a não ser em têrmos de gratuidnd~ .
com a contribuição extraordinária de um Faulkner, um He-
Nesta questão, a literatura brasileira paga tributo de po-
mingway, um John dos Passos, um Steinbeck, ela não dispõe
breza, O nosso meio artístico exige muito pouco dos vaI l'
de uma tradição capaz de lhe assegurar o avanço r egular pelo
individuais , Não há concorrência entre nós, nesse t erreno,
seu próprio caminho e, nos últimos anos, vai-se detendo num
um r elativo esfôrço por parte de quem nasceu com talento
compasso de espera, sofrendo a invasão de escritores do Velho
basta par a lhe assegurar r enome e tôdas as glórias mundana
Mundo nas obr as das novas gerações , Como na literatura
que a arte pode proporcionar, Com a vida fácil, poucos são
norte-americana, na brasileira, em br eve, êste problema es-
os que ainda encontram disposição para se entr egarQm ao
tará solucionado, O que é imprescindível é que se dedique
doloroso trabalho de preparo e aperfeiçoamento de seu ins-
à causa da nossa ficção , Mais do que nunca ela necessita do
trumento de expressão, de tal maneira são raros os idealistas
concurso de nossos escritores , Poder-se-á dizer que estamos
com meio caminho andado o dia em que a f icção brasileira e aquêles que se acham compenetrados das responsabilidades
deixar de se desenvolver preferencialmente em t ôrno de au- de quem nasceu com um destino a cumprir ,
tores, isto é, de escolas (sob êste aspecto, Machado de Assis Foi Mário de Andrade o primeiro a esboçar o quadro
foi um grande mal) e passar a caminhar em função de fases, dramático da literatura brasileira, em que um destruidor es-
tC:-Cufu grandEi:ffiâTj-ê pã'ssâ:f--a call1inlüi"r'em' funçãó de fases, di-àináiicô da literafura brasileira, em que um destruidor es-
isto é, de movimentos, Porém, não é nada desprezível aquilo pírito de improvisação se sobrepõe à preocupação estética mais
que já conseguimos; hoje, preocupamo-nos com localizar os legítima, e as vocações apressadas não querem entregar-se ao
nossos problemas e encará-los de frente·, A ficção brasileira estudo sério e meditado, com impaciência ante o lento pro-
atual é uma ficção à procura de uma tradição, cesso de sedimentação cultural. Nasce-se com sensibilidade
para a arte, mas não se nasce com a posse dos meios indis-
III , A VALORIZAÇÃO DO ESTÉTICO E o PROBLEMA pensáveis à expressão artística, e a prova disso é que as
DA SUA INTEGRAÇÃO NO TEMPO rormas superiores de arte só t êm lugar entre os povos d
g-rande civilização ( e enquanto estão fazendo o possivel para
Se há uma afirmação que temos de a todo custo negar ln rocerem essa civHizo.Gito) qu A m trabalho 8 m cult u-
é aquela de que a ficção no Brasil se realiza com a ignorância 1'0., o.t 08 nOABOA cHltH, ,~ )1 ,h ti J' pOl' imito.çUo, ningu m h g'Oll
completa das quest ões relativas à t écnica, por parte de nossos 00 lr uit, ( t I I lc'lItll(llIl c . Ã I"'IIVOll - fj C (l )ll'ObJ('nllt, \ 1111' 116,
autores, Não se realiza, E não é necessário t er gr and s co-
('f)m H lIhel'd ll d t \1'/1 111 tllI JlI I" Mucl l'l'u IJIIO , Cl'1I rO l'lIHl
50 TEND:ÊNCIA T d s PRO&OEMAS DA FICÇÃO NACIONAL 51

mal compreendidas por muitos e em que a mediocridade viu cretizar em alguma coisa, isto é, se extravasaram o limite
uma porta fácil, da mera expressão vit al conceituada por José Régio (Em
Tôrno da Expressão Artística), êles podem ter quando muito
Depois de fazer incisivas considerações acêrca do pro~
um possível valor científico, moral, etc" porque o "senti-
blema da criação artística e de concluir que ·forma est ética
significa obra de arte, citando Charles Lalo, que compre- mento estético" é o único a ser estético por si mesmo .
endeu o "sentimento estético" como o único a ser diretamente A maior conseqüência, porém, de se entregar ao tra-
estético por si mesmo, dá o autor de O Empalhador de Pas- balho artístico sem uma r obusta formação cultural é de fato
sarinho a sua palavra de ordem: "o artista de mais nobres com relação ao problema da integração dos valores estético.s
intenções sociais, o poeta mais' deslumbrado ante o mistério no tempo , Sob pena de pôr em r isco a stia própria sobrevi-
da vida, o romancista mais piedoso ante o drama da sociedade vência como elemento atuante e criador, a arte tem de viver
poderão perder até noventa por cento do seu valor próprio, intensamente uma época, E com isto não queremos dizer
se não tiverem meios de realizar suas intenções, suas dôres apenas que ela é obrigada a se interessar pelos problemas,
e deslumbramentos" (A R aposa e o Tostão) artigo publicado pelas sugestões dessa época, mas que ela não pode perder a
na obra indicada) , Desta maneira, chega à conclusão de que consciência do seu valor mimético, não pode deixar de se
o problema fundamental da arte é ainda aquêle referente à aparelhar convenientemente para exprimir de acôrdo com essa
clássica questão de fundo e forma, de que uma obra não pode época. Ora, para se conseguir uma expressão vanguardeira,
sobreviver com a exclusão de qualquer dêsses elementos. para se preparar o instrumento artíst ico de modo a que êle
E não teríamos nada mais que acrescentar, na verdade, não seja como que o substrato das idéias que agitam uma geração
fôsse a preocupação do autor em fazer a enumeração mais ou e fixe o sentido de uma época, é necessário um sólido conhe-
menos completa daquilo de que temos de lançar mão par a cimento geral muito amplo, uma informação nítida acêrca
conseguir o fundo) dando a entender que há mais de um dos problemas dessa geração e dessa época,
tema, e em declarar que aquêles que "não tiverem meio de Sob êsse aspecto é que se pode dizer que a gratuidade
realizar suas intenções" perderão "até noventa por cento do (~om que trabalham os nossos escritores é responsável pelo
seu valor próprio", deixando-
supor que, mesmo
. .. -- sem
---- ....... dar
~- -- eira "''q úlf 1,~6'd,mltnr qog()n'(igS6sr1êsêÍ'lfÕ't~àco~ ~rê~õi\s'ã.Wl ~~ô
seu valor ·próprio", deixando supor que, mesmo sem dar ntraso de pelo menos 50 anos do ficcionismo entre nós , Não
forma estética à nossa obra, poderemos ter dez por cento queremos viver o nosso tempo, não nos preocupamos em ad-
de valor para a arte e, portanto, que aquelas "int enções" , qu ir ir a cultura necessária para viver mos o nosso tempo .
aquelas "dôres e deslumbramentos" só por si já são belezas Quando a ficção brasileira procura se transformar e os nos-
artísticas, Como a arte é uma síntese emocional do homem lIoH meios intelectuais, excitados, alardeiam que encontramos
e do mundo, o seu tema único é aquêle deslumbramento ante I nossa expressão moderna, realmente o que conseguimos
o mistério da vida, e se alguém não dispõe de recursos para IlItO passa da manifestação nacional de um fenômeno antigo,

transformar nesse tema, através da palavra, do som e de qllo surgiu em correspondência a uma época que o mundo,
todos os demais meios de expressão artística, as suas aspi- II I" ILVÓA d s us postos mais ftvanGados de civilização, já se
rações, os seus desespêros, os seus fervores, os seus ódios, .t, \I no r nbnIho (1 cnl l' ' (n' , Trnbnlhávamos uma obra s mi-
as suas dôres, etc . , de ordem social, moral, mística, etc . , êsse 11111 l1'I'nli /lI.Il, (1(1 11Jlo r1'11 II (' II l'lll pI(. nft é pocA. d f lorCflClmcn10
alguém não se conta para a arte, e os seus sentimentos, por dll ('(' /I .1111 II (' II I VII IllII I JlII,HH111111n plll'l t (l Ilul (\oln-

mais I gítimos e intcn os qu s jam, fi h gnrnm fi con- , 11111 JlP II (' II , .I, 1" 1 • I.' 1111 ClU II rll'(' II oh.llll V , 'I( 11'1 (
52 TEND:ÊlNCIA TR:ÊlS PROBLEMAS DA FICÇÃO NACIONAL :3
americana, Principalmente descobrimos Machado, O autor de experiências artificiais, às vêzes denunciadoras un v V I ~
de As Memórias Póstumas de Braz Cubas colocou-se, no inteligência de alguns, mas inteiramente destituídas d l 'l I -
Brasil, no lugar daquilo que se chama escrever bem e, desta lidade . Os escritores que apareceram depois de 1930, li 1/
f orma, vem ameaçando de, senão de t odo extinguir, pelo continuando com o ímpeto revolucionário de seus lLlll (WH-
menos paralizar a nossa literatura , Através de cêrca de duas sores, r etomaram a expressão machadiana ou mesmo \lllll
gerações, t em forçado o curso de sua maneira, querendo ofi- expressão mais velha do que a machadiana ,
cializar - querendo impor em caráter nacional - o que não
passa de uma vitoriosa expressão individual , Aquela arte Cada vez mais nos convencemos de que a técnica I»
mordaz, cheia de espírito e sutilezas, surge aos nossos olhos que mais legitimamente podemos importar. Estamos c do
como qualquer coisa estratificada e superior, extemporânea mesmo de que, a respeito dês se assunto, nenhum país l>0d(
em nossas lêtras , Se as gerações imediatamente posteriores prescindir da ajuda de centros culturais mais desenvo~vi d /1,
a Machado se enveredaram com legitimidade pelo seu cami- O escasso resultado da tentativa modernista, de atuahzal' , ~
nho, trabalhando para o aproveitamento integral dos resÍ- nossa expressão romanesca, foi o nacionalismo exaltado, qUl,
duos deixados em nossa sensibilidade pelo escritor que de fato não querendo transigir de forma alguma com a influê~cl n
só em linhas gerais chegou a construir o seu mundo, hoje já estrangeira, não soube fazer distinção daquilo que constI tu I
não se pode mais continuar batendo na mesma tecla, sob patrimônio comum dos povos e caiu na improvisação, des~r -
pena de se condenar à repetição de velhas fórmulas; e isto, zando uma tradição secular , As últimas conquistas t éclllcnl-J
naturalmente, sem dizer que a expressão machadiana já da ficção norte-americana são conseqüência de pesquisas r -
fechou o seu círculo e nada tem que ver com o momento que lizadas na E uropa, antes da primeira guerra mundial; não
atravessamos , desejo absolutamente contradizer Claude Edmond Magny, qu
estudou demoradamente a influência do cinema no romanc
Ninguém vai cometer o absurdo de dizer que o Moder- dos Estados Unidos, mas é inegável a influência, nesse ro-
nismo, que surgiu em todo o mundo como conseqüência da mance, de escritores principalmente inglêses e francêses ,
necessidade de dotar a arte de um instrumento de expressão
mais condizente com os tempos modernos, tenha fracassado O esclarecimento de nossos escritores, a r espeito dessa
(Iues~C\:.~e.Jl ~tQDlcmft\1P~tf .ffl!.!.mr .4~f 1 ~últJ~., 'ii, "'f>~1Jli.iÜf ll~álfu
!!ÇL:tkª§iL...QQ)nr~vl}.l"'~.,;l'I Ü!i1l'§ôg ~~ "tenIfa Tràêãssádo
no Brasil, Contra uma afirmação dessa natureza se levanta- questão, e o conseqüente estudo das últimas conquistas téc-
riam, muito justificadamente, todos quanto se encontram bem II lr,as de países mais avançados literàriamente, há de ser o
informados acêrca das últimas conquistas das artes nacionais , I'nminho mais certo para o desenvolvimento da ficção na-
Mas a verdade é que a nossa ficção que, com grande senso c' unal , A iniciativa de um trabalho dessa natureza caberia

de oportunidade, soube aproveitar o movimento revolucionário In , ~icnmente às escolas, mas conforme opinião que já ouvi

»ara, num ímpeto criador de grande vitalidade nacional, en- Itl/dl:! de uma vez, no Brasil, quem chegou a aprender alguma
'Contrar o seu próprio caminho, nada conseguiu no sentido C'O IIn, 6 auto-didata , Em todo caso, seria uma grande coisa.

da renovação do seu instrumental de expressão, Não se fa- II (I gov ~'rno , por todos os meios ao seu alcance, favor c 8S

lando nos êrros grosseiros de escritores que chegaram a con- II Il'Il(luc;i1. d obms f undam ntnis qu nos locRss , om
fundir expressão com estilo e, através de frases entrecor- I "I ', ~ 'n l: iI~ tln ('vo lo 'ito I:lIll\II"ll (1< h j , A mpe n l"~r (111H
tadas, pretenderam fixar o dinamismo da vida dos nossos 11 11 11 11111 c'{)I\((1l ,,111 11 lill ,dl"''' ' dll IIl1l11d o , ((11( ' III o pndc 111011
dias, tudo o que intentamos com êste propósito não p MHOU I CIII. l!c XI II ' d. I VII " 1 111 1'0 11 III 1'/1, ,II 1 )11 (, 111 1 dlll!, (I,
54 TENDÊNCIA

atualização constante da expressão artística, que surge como


uma condição para a própria: sobrevivência da arte, e o que
não podemos esquecer é um exemplo dos nossos dias: o que
faz a grandeza da ficção atual dos Estados Unidos, e a coloca
num lugar de excepcional destaque dentro da literatura con- N a Beira do Cl.I ial ~
temporânea, não é senão o fato de que os norte-americanos,
tratando dos problemas do nosso tempo, conseguiram para
os seus romances e os seus contos a expressão que mais fla- J OS I L()bo
grantemente refletE' a angústia e o sentido vertiginoso do
século presenteo

- Canoeiro de rio acima,


que trazes lá da usina?
- Trago os seios de Maria
nos cêstos de talos ver des,
mais os olhos de Maria
na fieira feito peixes o

Trago o sexo de Maria


fechado num samburá,
mais um amor por Maria
que não sei onde guardar o

Vi Ml'Iri::J.. p.r::J. TIl'!. !'I~fr~ o

Vi Maria, era na safra:


tiçava fogo no forno
labareda subia
nos olhos ali em tôrno o

Beiços bambos de Maria


diziam de sua mágoa
d s r {l.Bsim d. fi jada
eomo e/ldl l/ )Hl do o

() 1'1"111 1111 1Il 1I( 11 1/ .,11 <1 /


0
56 TENDÊNCIA NA BEIRA DO CUIABÁ 57

os corpos estremecia Quem quiser moça bonita~


que procuravam calor vai na casa de capim~
ao derredor de Maria. na casa de telha tem,
As ·velhas aconselhavam: mas não é bonita assim o

se guarde dêles, Maria, Fiz o verso pra Maria


como o diabo da cruz! mais promessa de casar o

Tempo de safra, seu moço, O patrão tem nossos braços


é tempo de passar-bem. pra tirar verde do chão,
Garapa fresca e melaço, a faca de nossa cinta
cachaça boa também, pra lhe dar a proteção,
põe gente se amando à-toa ainda assim não se contenta,
só de falar com alguém. tira nosso coração.
Pra louvar a Conceição, Ah, pecado de Maria
de ser moça em floração!
improvisaram festança.
Corpo gasto de ser dado
Arreparei em Maria:
pra vida de cada dia,
Molha de orvalho o mais prêto
que primeiro foi marcado
até brotarem uns olhos,
pelo corpo do patrão,
êsses olhos de Maria. pôs nas fibras só vingança:
Espera bôca da noite, desgraçada de Maria!
vai apanhar lá na grota A mancha de seu pecado
todo o escuro pros cabelos, A mancha de seu pecado
tOuO 'o . escüro pros cabelos, com sangue se apagaria o

os cabelos de Maria. Mas o sangue de Maria


Quando vir barra do dia, tingiu o campo de flôres,
apanha traço vermelho, ficou mais viva a lembrança
faz um pássaro de fôgo, de Maria e seus amores o

põe na bôca de Maria.


Aprontaram siriri Suspiro b m mais doído
num terreiro de luar
o
do qu g mOdo d ng nho
Entrei bravo no pagode h'II .~(I 1\C1JlI II 0, II 11 mo('O,
com Maria por meu par. I~ do III ' III' dnlltll VI II ho ,
DUAS ÁGUAS

do artista novo que não atingiu a plenitude de suas fôrçal:l


criadores. Da mesma maneira, a teoria ainda está vascilant. '.
Já em Psicologi a da Composição as raízes do poeta como ar-
tista criador se afirmam nitidamente , Certas características
marcantes de João Cabral frente à vida e o mundo se nos
Duas Águas deparam evidentes . O livro, que é de 1945, tenta relacionar
a teoria poética do autor à sua realização . Revela o conceito
'matemático do poeta sôbre a criação poética . Acha êle que
Fritz Teixeira de Salles poesia é construção artezanal, é arquitetura, pois no equi-
líbrio das partes reside a organicidade do poema como objeto
vivo, como peça criada. É uma gramática de poesia .
" Até o Parnasiani smo, até o Simbolismo, até
o Impressionismo inicial d e um Vila Lobos, Veio depois O Engenheiro revelando a fidelidade do autor
o Brasil jamais p esquisou ( como consciéncia à vida e às suas claridades; lembrando breve ode à vida
coletiva, en tenda-se) n os campos da criação es-
tética. Não só importávamos t écni cas e es- e à natureza, aos bichos e aos elementos . Considerando-se
téticas, como só as importávamos d epois d e cer- a época em que foi publicado - 1945 - o período mais la-
ta estabilização na Europa e a maiori a das
vêzes já academizadas . Era ainda 1,m com- mentável da nossa poesia dos últimos anos em seu todo,
pleto fenómeno de colóni a, i mpósto p ela nossa etapa em que o despojamento se transformou em subjetivismo
escravização económi co-social . Pior que i sso:
êsse espírito acadêmico n ão t endia para n en hu- concentrado, época em que o existencialismo de tendência
ma libertação e para uma expressão própria". mais reacionária, tanto influiu sôbre os escritores jovens -
Mário de A n drade i n "O M ovimento Mo -
dernista" (OEB. - Rio de Janeiro, 19M~, pág. época de mêdo e fuga - O Engenhei ro ainda tão marcado
62-69) . por um despojamento rigoroso e por um inegável intelectua-
lismo árido, contudo - se resume em uma afirmação de vida,
que constitui o seu lado positivo. Foi um aviso de que nem
poesia do autor de O Rio observa-se uma série de tudo era morte e fuga no mundo de após guerra, t ão pouco
constantes estruturais .co~!l.!lS_~~l!!!llk t~cnjr:âa.n~il}rp uQ
tudo erã morte e fuga no mundo de após guerra, tão pouco
1 ~ constantes estruturais comuns e uma técnica própria, o do mundo de J .C.M.N.
que nos leva a perceber nela uma teoria geral da poesia. Com- * * *
parando essa teoria à tese apresentada por João Cabral de Melo Depois de O Engenheiro temos Cão sem Pluma, defini-
Neto ao Congresso de Poesia de São Paulo - vemos que o tiva tomada de posição do autor que, já então, estava na Es-
autor possui, realmente um conceito próprio da arte poética . panha . O livro está datado de 1950, Barcelona.
Desde os seus primeiros livros, Psi cologia da Composi ção e A teoria continua a ser praticada com todo o rigor.
Pedra do Sono (que não são tão originais como seu trabalho A poesia torna-se audaciosamente social, mas não ainda parti-
posterior), está presente a preocupação de estruturar o poema cipante apesar da vigorosa solidariedade humana qu t ô a
com base em conceito formal pré-concebido e estudado. IL obra refI t .
A primeira fase da sua obra, porém, se ressente das in- Nilo pur Ucipll.n l < pn"qllO Inll~ ror m n. nií.(') Ort' AJloncl<
f luências, não só do próprio J oão Cabral, mas da época, além plN l,fl. ,ywnt ( n (fIlC II, t C'II 11 I , ( '(111 10, J1od\l II , p t, t'(:('h < mOI! t cio I,
de r evelarem ainda - como é natural - a vascilação timida ' PO(·II. dl \ HIll, 1'11111 1'111' ,II, (1/1/ / ' 1// /'1/1 111 /1 I IIIpll l'l ll llH plll'l(' lII
DUAS Á GUAS 61
TEND~NCIA

60 rel~ção estabelecida por :~ncelros


deste com as canções e ro '
espanhóis, não é uma
marca a decisão do autor, sua tomada de posição frente a im- estao supond O . O autor de O. 0.M.N.
- como ' parece, alguns
portância do tema . O pêso do velho subjetivismo luta em todo rou uma tradição de raiz faleI' ~o sem !,luma apenas restau-
o poema contra a forte solidariedade humana, com o mundo or lCa velhlssim
problema, porém d _ a em nosso País.
e seús: eventos; a necessidade de se considerar que o homem
~eros poéticos na obra d~ a~t:~s~auraça.o ou recriação dos gê-
O
a questão da comunicação p 't~rdestmo, está pois, vinculado
não é nem pode ser, nem será, um animal selvagem que se
perde na lama e na peste dos mocambos. O poeta que já e
amplamente dialética que su: Ica . e da estruturação mais
havia conquistado sua forma, conquista sua consciência de de O Cão sem Pluma . poeSIa passou a ter a partir
homem. Oão sem pluma é o encontro do poet a e seu t ma .
E então caminha para o O Rio, variação do motivo an- Vid
" a e Morte Severina é o .
t erior, mais simples, mais direta se tornou a forma em con- por esse novo partido poético ad ponto maIS alto alcançado
tacto com a pura fonte nacional, o povo e seu sofrimento Pernambucano está redl' VI' Va a f orma
otado pelo
'tO autor . No Auto
?PU ar da região de P ernamb .poe Ica essencialmente
P I
vIcentinos . uco, na lmha clássica dos autos
bárbaro
N a . tese, já citada, apresentada por J .C:M .N. ao Con-
gresso de P oesia, além de uma segur a e objetiva critica à E c om ISSO
.
cri"ação de gêneros, ao reaproV: i; mdo novas, ~ossibiIidades à
o autor está b'
poesia m oderna no seu todo e noS seuS postulados funda-
mentais, o aut or assinala, como uma das constantes dessa acervo popular das mais d' ame~!o poetIco , do fabuloso
Iversas reglOes do P aIS.
poesia, a sua pobreza em criação de gêneros, o que é uma
* * *
contradição da própria essência teórica do modernismo que
Devemos assinalar
Duas Aguas seu conh .
como outra característica do autor de
se afirmou como etapa literária de criação formal , de eman-
cipação da linguagem poética e, portanto, como movimento entre nós, não só dos c::~::~ a~p!o e não muito comum
que pretendeu _ e em certo sentido conseguiu - emancipar ta~ciais da poesia dêsse ' I estetIcos orientadores e subs-
a forma e suas pesquisas. Afirma, então, J . C . que a poesia aCIma citada _ como tsecub? - o que demonstrou na tese
~'
moderna só nos legou o poema, uma "caixa de depósito" onde âüW2",nl:tfl!ir~!'(-'W,\,;JllRih';'l'Yl
am em da
; ~est't'
e Ica ~o campo das
moder-na' só nos-fegô1f'(fiJmdBa.f~Çr.ÜiCª_ªº_-
bem é!a expr essão art es p I'asticas. E também l,i:unôéWl
a' aa eg"'~'-- ---
l,el,lCa no -êãinp-o -das
o "individualismo exacerbado sacrifica ao bem da expressão blema da comunicação em a~Ul t a pr~ocupação com o pro-
seu espírito. e em SIdo uma constante do
a intenção de comunicar".
Vemos então que em O Rio êsse problema básico da situa-
C(ão crítica da poesia contemporânea é enfrentado pelo lisar No ensaio, pora exem
detidamente her! Io, so"b,re . Juan Miró, depois de ana-
p cta com decisão . É a teor ia orientando a realização prá- J oão Cabral à página 30 :ça plastIca da renascença, escreve
tica do autor. Tenta J. C . M . N . o romanceiro de ori-
g- m peninsular, gênero altamente funcional no sentido da "Portanto, a composição é
se dê conta . Ê nesse plano recebld~
.
sem que a atenção
' e~ .que a mteligência não se dá
comunicac: . Influiu nessa escolha do autor sua permanência
ão conta, que ela cristal'
1H1 "'Apanha e conseqüente contacto com a poesia espanhola. d . Iza em habIto E é "
e memórIa , como instinto ue ' . desse plano obscuro
hoj qtHl.ndot:1 diApllA 'r flô~r : la se Imporá ao pintor i
MILA qu influiu decisivamente foi a funcionalidade comu-
t
1\ IlILUVli. l10 romanceiro. hrn.. PO'l'r(lH n,'/lHf 1rnhn lhn II II ó mla 1 m1lL nt08 d qu
N('lh pnrtlclllnr., P rém, h á ligeiro det alhe que deve ser nll 08fÓl'l'nll t,('(wlC'/L UIe

t I IUI'('" tio , " 1'( lfl,(;ILO (ht}) HilL 11 pular brasil ira do n r-
62 TENOftNCIA
DUAS ÁGUAS

dirige o pintor integrado na tradição , É a busca de uma 63


harmonia, de um equilíbrio conhecido, que' êle não sabe de- morte, a outra da vida
qüentes _ - , , ' mas ambas, como fenômenos
finir e sim reconhecer, Ao qual êle chegou pela sensibilidade, sao SOCIBJS e ambas Conse-
ambas carecem da forma, possuem sua comunicação,
Que êle não inventa, descobre",
O autor assinala aqui, t alvez "sem se dar conta" uma , , A poesia sUbjetiva ou concent
ubl exercício técnico p rada pode servir assim de
pO,is ela em si já é o' pr~~:i~et~~n~;cer os t~q~es mais sutis,
das características mais significativas da vida artística con-
temporânea: o conflito decorrente das contradições antagô-
afIrma o próprio João Cabral dq ,A proposIto dêsse tema
nicas do nosso tempo, entre a teoria e o instinto, o que pro-
dedicou a Juan Miró, já citado' e Melo Neto, no estudo qU~
vocou o "individualismo exacerbado" e tôda essa constelação
f ugaz e fulgurante da arte moderna , A arte de hoje pensa "E; abstrato o que apenas ~e '
que é pura teoria, quando o instint o do artista atua sôbre . se chega a dar forma e ' b balbUCIa, aquilo a que não
ela, enquanto o instinto do espectador (memória ou hábito) absolutamente que a re~lida~ea ~!rato ,o que se elabora tão
atua contra ela, parente e desaparece" , q podia conter se faz t rans-
Ê que a solução dêsse conflit o est á na síntese pretendida "no primeiro, se permanec '
pela poesia participante, está na sabedoria popular de Morte segundo se nega a realidade" (Pá e aquem da realidade; no
Na evolução da obr d _ g , 46, Ob , cit,),
() Vida Severi naJ onde teoria e hábito se encontram para criar
'moção comunicativa, forma pesquisada para um tema re- dua~ tendências revelam aa t:a~~:? ,Cabral de Melo'Neto as
velado , camInhar para atingir: J OrIa do poeta no seu lento

* * *
o dia que se adquire
É no custoso equilíbrio entre emoção e expressão, entre cada dia
paisagem e sua representação, entre o objeto e sua forma ,
Oomo a ave que vai
t{ue reside o perfil próprio definidor do poeta do nor deste ,
Cada segundo
Ora, tôda poesia implica comunicação e à r igor, não
conquist!f'E,4QjlF17l ~,;),..
" ": ~~"Ora;-l:baâ - p!ôeslâ--irn:p\icâ--êômhfiicâçâ:ô- e '1c figõr~"nao
conquistando seu vôo,
('xiste uma poesia completamente hermética , Ou por outra,
I <tu poesia completamente abstrata é mero escapismo, truque
Êste vôo define a posi ão 'd
011 cobertura da incapacidade do poet a para se revelar inte-
~em aquém nem negando a ~ealiId eal do poeta que não está
~:,.,dm nte, para se comunicar sem cair em facilidades , funda e conscientemente E' ade, mas absorvendo_a pro-
'T'odavia, há duas maneiras de ser, cada uma basea- parte da Sua obra, a pos'iÇão ea;~!~' d: jUlgar por considerável
c1n lIuma postura filosófica - a objetiva e a sujetiva , A plenitude daquele vô autor de D uas Âguas,
() pme HRO de comunicação poética de cada uma dessas linhas SeverinaJ obra que se de t o que se adquire é Morte e Vida
/III mot'i(Hnnos é peculiar a cada uma delas , A poesia obje- 'I ' saca agora e t ~ d
SI eIra e se destaca também no c ' m o a a literatura bra-
I v,~ I ml1R nd o poeta para se projetar em comunicação, Como Um ponto de cheO'ada onJ~nto da realização do autor
1"lt'I~ III dnr cm beleza, para se integrar ao universo, ao passo
III" II, (:01'1'(\1\1,0 Hubj Uvn é uma abstração do próprio univ rao
ci "\ncia maior da po
O
Si:
d' ~m dIa conquistado, uma onH-
. , o om m, da vida 1
111111 '" II (I, porlllnlo, <ln vi(ln, Uma r>pr FI n ta a po Rin (ln
III "(lH lI.!nt]/L !fI'(\f/lt'(lIn () e (O futu,'o ,
P"(lf.','frllo 11111/'1 r , I II LI ' fi ,'1r'l/I 1'1",,,/((, (III () lno N
r II nr '"", 1/
II 1I e1
" '"I, "/'1111
"
II I""/1 III' I
II
DUAS ÁGUAS 65
64 TEND~NCIA

e audaciosa, por sua argamassa construtiva, sua dimensão o significado que damos às palavras objetiva e subje-
nova que emprega uma espécie de relêvo plástico visual, sua tiva é o comum ou vulgar. Tôda obra lit rária que se volta
para o mundo interior, 1> soaI c xclusivo do autor, com sim-
pungente tristeza nordestina em diálogo com a alegria tumul-
bologia descritiva ou nuo, s mpr nos 1'0.1' u subjetiva,
tuária, diálogo entre caatinga e mata, sêca e chuva, sertão
Vejamos, por ex mplo, a qu Htu do d scritivo, O vrimeiro
c litoral, vida e morte, coragem e mêdo . Não é por acaso que poema de O En[JcnhO'iro com<;a fU:lHim: liA nuv ns são ca-
o poema quase sempre se apóia no diálogo. Tudo na obra belos/ crescendo como rios/ são 08 gestos brancos/ da can-
de João Cabral de Melo Neto é a luta dos opostos, é disputa tora muda/são státuas m vôo à. beira de um mar; são o
entre a vida e a morte e cada uma das águas representa uma ôlho pintado/ scorrendo imóvel! a mulher que se debruçai
das faces antagônicas; vida e morte, nascimento e morte, pas- nas varandas do sono" ,
sado e futuro em permanente e decisivo desafio . A morte está No mesmo livro, ver os poemas liA Carlos Drummond
sempre certa de vencer a vida, mas esta reage sempre. de Andrade", liA Paul Valery" e a "Pequena Ode Mineral"
E o próprio Severino caminha para não morrer de morte ma- que começa desta forma :
tada na emboscada ou de morte natural de velhice antes dos
trinta . E o problema da vida é lutar contra a morte e, por- Desordem na alma
tanto, lutar contra a fome que é o adubo da morte, seu lastro que se atropela
seu aviso, seu próprio "sangue de pouca tinta" . sob esta carne
A miséria é o sangue da morte, seu clima e sua atmos- que transparece
fera, sua côr e sua forma mais eficiente.
* .. .. Desordem na alma
Da mesma maneira que o livro possui as duas faces - que de ti foge
morte e vida - o poema Morte e Vida Severina~ desde o seu · sob esta carne
titulo, é um espêlho do livro, é a síntese do conflito ent r e o que transparece,
v lho e o novo . Na sua retirada Severino encontra um en-
Terminando desta maneira:
;; lho e o novo. Na 'sua retirada ~Seve'rino encontra um eh-
Terminarido desta maneira:
t rro e encontra também o novo Severino que nasce. E não
Hubemos o que nos emociona mais profunda e dolorosamente:
Silêncio puro
H a identificação de Severino à terra quando vai enterrado,
de pura ,espécie
ou se o eclodir do outro Severino que salta da lama para a voz de silêncio
vida e suas culminâncias. mais do que a ausência
E ntre a vida e morte está a terra . A terra do homem, que à voz recebe .
orn. sôca, ora pejada de fecunda umidade . Entre céu e chão,
o homem enfrentando a morte. Da mesma maneira, consideramos Uma Faca só Lâmina
TI: da mesma maneira que o poema reflete as duas faces (10fl5) um r trocesso do autor no sentido de retornar ao seu
.ml.! g nicl1s, o livro também encerra, nas duas águas, os dois vI\l1to rmh.i tiviAmo, pois o po ma descreve uma angústia in-
1~l1ll1dOH o flubj tivo e o objetivo. I til' 01' q\1l J)('/;I1. ((('nll'O do inclivíc1n como bala ou r lóglo , fl.lg'o
,TENDtNCIA D UAS ÁGUAS
66
que est á dentro do homem, pregado, impregnado ou aderido e pseudo-hermética, pois o subjetivismo em si é fuga ou
ao mundo sensorial do individuo e o martiriza marcando as abstração da realidade. Não é através da forma e da sua
suas sensações num martelar eterno, que, po: i~so mesmo, filtragem progressiva e cada vez maior, que se atinge aqu la
:mgere relógio e que o mata e, por isso, sugere la~ma de fa?a . transparência de que nos fala J . C . M . N . no seu ensaio sôbr
Isso demonstra que o verdadeiro formalismo esta no conteudo J oan Miró ,
. não na for ma . Pelo contrário, é o estado de abstração em que nos encon-
No entanto, em A Morte e Vida Severina) de~de o pr i- tramos que nos leva e nos impõe aquela torturante procura de
, meiro poema, quando o ret irante se apresenta ao leItor, o te- transparência formal, o depuramento cada vez maior que nos
mário é do mais absoluto objetivismo: serve admiràvelmente quando queremos evitar a todo custo, a
realidade. E é sempre aí que caimos no subjtivo . Êste é sem-
o meu nome é Severino pre uma abstração do real que, portanto, nos leva a t ransfor-
não tenho outro de pia. mar ou mascarar êste real, transfigur ando-o de acôrdo com o
Como há muitos Severinos nosso mundo interior . Vendo-o não como êle é, mas como o
(que é santo de romaria) nosso mundo interior o préconcebeu . Esta pré-concepção da
deram então de me chamar realidade está patente naquela parte inicial da obra de J . C .
Severino de Maria . M . N. - está na raiz da posição não dialética do homem que
parte da tese rígida para depois adaptar a realidade àquela tese.
Quanto à linguagem, êsse "deram então de me cha~ar:' E, para isso, transforma essa realidade, nega alguns dos seus
tem cheiro bom de capim gordura . E quanto ao obJet~­ elementos fundamentais para acentuar outros, isto é aquêles
vismo, vemos que o personagem ignora o pês~ de ressentI- que servem à sua tese . . . subjetivista ou idealista .
mentos interiores e subjetivos do homem que nao tem s~bre­
E quando falamos em idealismo é no sentido, amplo de cor-
nome. A naturalidade com que Severino fala em sua orIgem
rente geral do pensamento, naquele sentido que nos fala com
nnônima é de um objetivismo à t ôda prova. E tudo no poema
está dito com clareza, com linguagem lógica mesmo, apes.ar clareza M. Rosental, "Corrente que situa a idéia como princí-
d.9~'po~j;$!. <t1!.ª.ê.e _::;~~pr~ se esforsar .por manter sua prov~~b~~l pio int erpretat ivo do mundo" (P..: D . B . P . ) .
do poeta quase sempre se esforçar por manter sua prov~rbIal pio interpretativo do mundo" (P . D . B . P . ) .
I~conomia de palavras que alguns consideram sua ~~alId~de Ê o idealismo o humus dos diversos subjetivismos e suas
"prima" para usar a expr essão do autor, sua metalIca lIm- abstrações. Isso já está bastante estudado e clarificado em
pf:sa formal . nosso tempo,
Prima ou não, é uma qualidade que dever ia ~bsorver a Há quem nos acuse de ter exagerado a importância do sen-
al nção de todos os poetas, mas principalmente dos Jovens ~ue tido social da poesia de J. C . M , N., Poderíamos dizer que o
ft" d~ixam levar pelas enxudias verbais e suas ostentaç~es
\, - h'a d"d tempo responder á por nós . Mas o que frisamos é o fato da
I'áccis, cômodas e preciosas, gostosas, nao UVl a'- porem conexão entre fo rma nacional (romanceiro, et,c) e o conteú-
ir'r mediàvelmente vazias porque formalmente nulas. do social, ter sido realizada com tanta felicidade .
Tôda for ma t em seu conteúdo próprio. E t ôda fo~a
E a respeito de grande parte da obra dos nossos po t'L H
lh A. r. AiAt ao conteúdo noVo que nasce e cresce. Por, 18S0
l r t id tnmb m Fi ntimr nto AociA.l amplo, d v mOA convii' fili O
~ 111 PO~ll'l'lO. Aubj t ivo s6 pode ter mesmo a forma one ,,11',\(1 /\
68 TENDÊNCIA DUAS ÁGUAS
69
de fato foram grendes poemas isolados, mas a forma nunca era
da .v~z ~aior, sem pr ejuízo da economia vocabular de rigoroso
puramente brasileira, salvo exceções. pobcIaIIsmo .
Com relação a J . C . M . N. porém, as feições social e nacio-
Com tais car acterísticas, a poesia 'está ligando a literatu-
nal são apresentadas de maneira ordenada, depois de longo estu-
ra ao povo, assim como absorvendo sua seiva principal desse
do teórico de todos os problemas correlatos, dando à obra um povo.
Hentido orgânico, fazendo desta obra uma solução, um caminho
uma saida baseada que foi na conexão entre nacional e social. Entre os poetas já maduros do nosso tempo destacam-se
por obras recentes da tendência acima referida, Cecília Meire-
E é nesse sentido que repetimos - "Morte e Vida Severi- les em "Romanceiro da Inconfidência" e C , Drummond de An-
na" representa um caminho novo para a poesia brasileira. Po- "lrade . E ntre os poetas novos destacam-se Afonso Felix de Sou-
de não ser o melhor caminho. Mas é um roteiro, uma lição.
sa com "Amo.rC)f::~, e ~ Terra" e ~ein~ldo J ardim com "Joaquim
Aproveitando com rara clarividência , tôda a experiência e outros MenInOS , lIvros da maIor Importância entre todos os
poética do Brasil nos últimos trinta anos, dotado de uma cul- novos que têm aparecido ultimamente.
tura bem assimilada de história da arte e das correntes plás- J á se vê que a Significação de "Morte e Vida Severina"
t icas dêsse século, o autor reflet e em sua obra tôda essa cul- t~nto dentro da obra de João Cabral de Melo Neto, como tam-
tura sólida, mas também um conhecimento Íntimo da matriz bem no panorama do nosso tempo é de importância definitiva
da língua, a melhor poesia portuguêsa de ontem e de hoje . Sua e ~undamental, estando diretamente ligada ao complexo evo-
racilidade em revelar o linguajar popular vem por certo, dês se lutIvo da nossa vida social.
'ontato com a lírica peninsular em geral, abrindo-lhe amplas
Ê precisamente neste vasto poema dividido em seis t em-
p rspectivas à pesquisa formal ,
P?s . que. se crist alizam tôdas aquelas qualidades que sempre
Observa-se por outro lado, que essa preocupação com a lin- dIstmg~llr~m a poesia de J oão Cabral: cultura com personali-
guagem e com o sentido brasileiro da literatura é a constante dade, teclllca com economia, segurança com humildade.
muis evidente e acentuada no Brasil em nossos dias. E não só na
E '.'S.e:erina" não é apenas o nordeste que pesa no bolso
po sia a tendência nacionalista demarca o merediano primor-
da ~ensIbIhdade nacional como "bala ou relógio que tivesse co-
di 1 dos nossos autores; também na ficção, a busca das raízes
raç:o" , Severina é a misér ia naci<?~~J tô_dªJ.)~-t.a,.U~~Q.e§f~"\9fJ'ê~ô=
~i i -1- d~~- nossos autores; também na ficção, a busca das raízes
r açao" , Seve~ina é a miséria nacional tôda lutando desesperada-
caracteriza as tent ativas maiores de velhos e novos .
mente pela VIda, pela salvação do mesmo jeito surdo, manso e
Nesse sentido "Vida e Morte Severina" constitui contribui- bruto co~ que o país está lutando, acuado pela miséria que nem
(;iI,o s ingular e, em certo sentido, fundamental para a nova eta- fer a bravI.a, porem, confiante no seu petróleo, no seu sub~solo,
pa da poesia brasileira. Os característicos principais desta no- cer to de ~lr a ter o que lhe pertence, desde a origem das coisas
VIL -rus , são os seguintes : nacionalismo e conexão entre o con-
e .da N açao , E da fome de cada Severino nasce nova vontade de
l lido social e a forma tradicional brasileira (de origem portu- VIda, novo grito de vida, nova garantia arrebenta para formar
1: 1I 'Htl popular brasileira) ; descoberta do povo e sua vida co- uquelas "ondas da multidão lutando na praça", conquistando
nl o IIlI /')Flb'mcia t emát ica em substituição ao temário de cunho palmo fi. palmo, ca~a praça, rua, estrada, cidade do pais todo
I\d ivtdll ulista ou idealista dos maiores poet as modernoA nl 1111 l1unC! /t /-Il v lao d sp rtado, tão vivo ,
0 11 t 11 111 fI( Ivo x cçõcs ; valor ização geral da cultura bl'ftAO it'lt TI~ ~
1' 1111111 11111 " (:OtnJJ) xo din16ti o", , fin nlm nl, omuniGllc', (I <:, -
'101' lImo ( III ( ,e «' v (\ I'il'(1 ( 'I" l 11l
,-.. . (1 t'nrn nn h ( m lí1
. l'i ll, <1\ l U •
, It V VC' I' I C' O ll lté lf: ll t V IV III ' , N UIl I' I '! ' / Il I' I'('H (1, t(\ I'I'/~ lI,ll\ ''c
TENDÊN CIA DUAS ÁGUAS 71
70
nasce, seu ímpeto vital resiste a tudo . Severino pensa no sui- \ meiro quartel (fase portuguêsa) e o segundo (fase brEl.sil i-
ra) . Esta segunda fase assistiu também ao mais acentuado
cídio, não como sendo morte, mas como um protesto co~t:a. a
contigência de viver morte. E quando caminh a para o SUlCldlO, despertar do espírito nacionalista do pensamento político da
encontra outro Severino que está nascendo: \ colônia e, particularmente, de Minas colonial, o que veio d -
saguar na Inconfidência Mineira.
- E belo porque corrompe
com sangue novo a anemi a
_ «E belo por que o novo
tudo velho contagia
- Infecci ona a mi séria
com vida nova e sadia
I
I
Vemos, pois, aí, um movimento correlato dos dois setô-
res da super-estrutura, político e artístico, ambos determina-
dos pelas mesmas transformações da infra-estrutura .
Na época contemporânea, em que o brasileiro conquistou a
maior consciência nacionalista que se tem memória, pois ja-
mais foi tão extensivamente popular a luta pela posse integral
- Com oási s o deser to das nossas r iquezas nacionais - petróleo, minerais atômicos,
com ventos a calmaria sub-solo, etc. - também a literatura está se preocupando fun-
damentalmente com o problema da sua própria nacionalização .
Raramente em nossa poesia, o novo teve tanta fôrça. E n~n­ É que a consciência nacional se expande e cria raízes não
ca a poesia de João Cabral tinha levado a tamanhas consequen- sendo mais apenas a reivindicação de um grupo de vanguarda,
cias seu jôgo de conttastes dialéticos, uma das suas caracte- mas da totalidade da população brasileira, Da mesma maneira,
rísticas formais essenciais . o setor nacionalista do movimento literário de 1922, foi conse-
E foi o próprio compadre José, Mestre carapina, que res- quente e relacionado à conjuntura econômica.
pondeu a Severino ao lhe perguntar êste se não era melhor mor- Como se sabe, a consciência nacionalista atual custou ao
rer que viver em tamanha pobr êsa : povo duras e ásperas lutas, audácia e sacrifícios vários e he-
róicos. Esta consciência nacional se refletiu na cultura e na
_ ((Mas se responder não pude literatura.
á per gunta que f azia) Além de alguns poemas magníficos de Carlos Drummond
§,lCf,,- .a~ '.l2 i4G. I§§'P.Q?lq,-~'}t -Além -de alguns poemas magníficos de Carlos Drummond
ela) a vida) respondeu de Andrade, a primeira obra poética de ampla inspiração na-
com sua pr esença viva. cional, haurida no grande drama substancialmente brasileiro
• ••• • o ' • • , • • • • ,
•• • • • , • o ' ., •••• • •• • , •• • • o ' , •• • • •• •
da nossa história - o ciclo do ouro de Minas Gerais foi o mag-
M esmo quando é a explosão nífico livro de Cecília Meirelles. "O Romanceiro da Inconfidên-
de uma vida serevi na . cia" é também um marco na hist ória da emacipação da nossa
poesia . E já neste livr o o conteúdo social do drama focalizado
Aqui está o grande sentido do grande livro que é "Morte
supera, nitidamente, certas constant es subjetivistas da obra de
( Vida Severina" a fôrça da vida, a vitória do novo , o nobre
Cecília Meirelles que continuam aqui mas já bastante dilui daR.
IlI~O inquebrável do que é invencível porque nasce .
João Cabral de Melo Neto, é um poeta posterior, na hifl-
* tória, a Cecília Meirelles e a Carlos Drummoncl do An<11'11 Ik .
No Hluclo da art colonial mineira do século XVIII vnrn OH
i Ht intlu~ : II pd- compl xo ullUl'Itl qu' mCHk lol1 HllIt l)t'óPI'in. 1'01'1 HI' n 1111 \1'(.
« I\('oul I'ILI' (huLlJ flts s n it 1'd as pro f u ndnm
... nt
,"

72

ria representa outra etapa do mesmo processo, etapa mais


TENDÊNCIA
I
adiantada, sem dúvida, Adiantada não só no ponto de vista
da infra-estrutura como também da super -estrutura, Basta \
dizer numa recapitulação sumária e primária - que há anos
atrás não tínhamos no Brasil verdadeiros especialistas em fi-
losofia e sociologia; não tínhamos críticos de artes plásticas Depoimentos
e não sabíamos ainda que o cinema é arte e cultura; não co-
nhecíamos o Aleijadinho como gênio da escultura de significa-
ção universal , E o racismo do sr, Oliveira Viana pousava com
\ \ A Literatura N acional Perante a Crítica
\
uma austeridade realmente impressionadora ,
Já na fase da formação de João Cabral, os próprios nomes
de Carlos Drummond e Cecília Meirelles j á estavam plena-
II I

AFONSO FELIX DE SOUZA -


Portugal, Rio, 1953 ,
o Amor oso e a T er ra - Poesia - Livros de

mente edificados, o que assegurou um estágio mias adulto à


poesia brasileira,
"E ASSINALAMOS êste fato para demonstrar o atualismo do sr, Afonso
Felix de Souza na escolha das suas fontes poéticas, li: livro anterior
Porisso mesmo, "Duas Águas", no conjunto e nas suas pe- ao último grande sucesso de João Cabral de Melo Neto, o que revela
também que a tendência de retõrno às fontes popula res e suas f ormas,
culiaridades, representa uma reação vigorosa e sadia contra I revela da p ela poesia contemporânea mais significativa, não se filia apenas
uma série de tendências negativas de grande parte da poesia à poética cabralina, li: uma constante e reflexo da fase histórica que vi-
contemporânea do Brasil, vemos, de pronunciado sentido nacionalista",
A tendência negativa mais encontradiça nessa poesia "Livro leve e fluido na forma, de conteúdo genuinamente popular,
ng'ora que já vencemos a fase chamada subjetiva, ou abstrata, de raizes sólida s na alma lirica e vivência histórica do povo, "O Amoroso
e a Terra" só possui um defeito a nosso ver e grave : é o fato de ser tão
ou m~is vulgarmente intitulada "hermética" - me parece ser pequeno, pois a sua leitura é um prazer constante" ,
n falta de sinceridade ligada ao desconhecimento das fontes po-
"Desejamos destacar a valiosa contribuição de Afonso Felix de Souza
Ilulares da poesia nacional, Isso tem levado à criação de poe- a o problema da linguagem, outra preocupação marcante dos nossos dias,
lHas que são reflexo de tudo, menos do Br asil; poesia que re- reatuali~ada pela o~ra _de ~~i~~ã;~ _~o3~~e~~ f~~S.~<Zco.~,.iut(.vt ~rtm~3!Pu..~W;
j'l11lS que são reflexo de tudo, menos do Brasil; p'oesia ' que re- reat ualizada pela obra de Guimarães Rosa na ficção e que é também, em
1'1(>1. um homem estrangeiro, um lirismo estrangeiro e t ambém sua essência, reflexo da atmosfera geral da fase que vivemos" ,
IlIn lt forma estrangeira, Consideremos pois que não pode haver FRITZ TEIXEIRA DE SALLES
II !'Lo Hocial fora do seu meio nacional , Os dois elementos estão ("Diário de Minas")
fundid os um ao outro, pois constituem a correlação esssencial
11111 1'(' o conteúdo e a forma ,

Il'nz r um poema sôbre o operário brasileiro refletindo pro- GUIMARÃES ROSA - Cor po de Baile - Novelas - Livraria José Olym-
pio Editõra, Rio, 1956 ,
1111\1'11111 \ moções ou situações de um operário inglês ou fran-
c' ItI 011 nl( mtío - compromete irremediàvelmente qualquer po -
,I /I , ' 1'11:1.( r po mas sôbre tema histórico nacional r fletindo o
"T HATA - RR do o.utOntica r c1 scob l'ta do sentido original das pll.lll.vl'll.n,
JHI 11 1 mon to xalo ('ln !'Jll(, dali fomm fOl'jll.clo.s p lo povo , N o hil,
1' , ' I' 1111 limo primitivo ti. rigcm do povo judai O é falHO, 1l l'lIft/'lo ul H lll1l )\('/lHl 1I11f~IIII,I: ('m pl'l 11 II V/l" (' u Jlltl l'ltl7.( Ri' n ('1<'111 Jldl 1l'I'

1111 ,'II I 1I('Il)'lltno oHL li 1'11 clI1I 1\ du I 1' /lIlIIIP I "' 1'/11 , 'l'udo III 1"11110 /I I rf)t" ('1'1, do aflui ( /I /II 'I~
74 TENDftNCIA DEPOIMENTOS 75
surpreeendido ao vivo, no instante preciso em que as f Orças irrompem do de evocar, constituem um artificio , Julgamos ter sob os olhos um div r -
inconsciente cOletivo, plasmando a expressão, timento poético, uma abstração inconsequente, aquêle boi evocativo; m aA
O dialeto brabo, pouco a pouco, transforma-se em saga nórdico, com através dêste artificio aparentemente ingênuo e que constitui na verda d
tonalidade e amplificações conotativas de canto homérico, O autor asso- o núcleo do peoma, Carlos Pena Filho, em versos curtos e tão habllm n t
cia a universalidade ao regionalismo no plano estético, retirando efeitos compostos que nos lembram inevitàvelmente o caminhar de um velho boi
rigorosamente inéditos da mistura do estilo poético e da prosa literária , exausto, consegue opor, quase sem o sentirmos, a opulência litorâ nea à
O leitor, muitas vêzes, pergunta-se a si mesmo se o autor está escreven- . aridez do sertão" ,
do prosa ou' poesia, de tal maneira se entrelaçam o sentido narrativo e o OSMAN LINS
Iirico no desenvolvimento dos temas" ,
(UO Estado de B, Paulo" )
EURYALO C~NNABRAVA

(UDiário de Noticias")
DARCY AZAMBUJA - Ooxilhas - Contos - Editóra Globo, POrto Ale-
gre, 1956,
DANTAS MOTTA - Epístola do Bão Francisco para os que vivem sob sua
j u r i sdição) no vale - Poesia - Livraria Martins EditOra, São Paulo, " E FETIVAMENTE) o sr, Darcy Azambuja é êsse Rafael, tão intensa e
1955, profundamente impregnado da paisagem e do sentimento de seus
pagos, Seus contos de outras coletâneas e os dêste seu último livro fa-
"A geográfica,
POESIA que se desprende da "Epístola do São Francisco" é tOda
económica,' ecológica, politica e social, Uma t ransposi-
lam-nos da terra gaúcha, de suas paisagens, de suas gentes, de seus sen-
timentos e paixões, de suas tradições e costumes, com uma ternura, um
conhecimento intimo próprio de quem tem tudo isso moran do dentro de
,;n.o da vida pobre do rio, rio sem poesia, sem beleza, sem possibilidades
si, Dai a autenticidade de sua obra, realizando a qualidade daquilo que
"('onOmicas ("P orquanto não floresço, nem frutifico") , decantado outrora
vê, sente e narra , Seus contos são realmente a vida gaúcha, estilizada pe-
p (ll ' Almples ufanismo ·e agora explorado pelas autarquias hidroelétricas
la habilidade artística , E no seu caso, revelando outra meritória qualida-
d,' Paulo Afonso, Poesia de inspiração nacionalista do melhor quilate, de
de do verdadeiro artista que é realizar o máximo de efeito com o mini-
l'II11do telúrico ditado por um coração (ou por um cérebro) de mineiro que
mo de artificio, Serve-se para isso dum estilo simples de expressão, di-
I.. dl'fl'o ntou um dia com a realidade áspera do seu grande rio - um rio
ficult ada apenas pelos termos regionais, que um vocabulário ao fim do
'I"" n aHCCU a dulto e já morreu,
livro esclarece, de uma limpidez de água cristalina e, em certos trechos
lOm C r to sentido, esta "Epistola", onde reponta a nota dolorosa e narrativos, de quase oralidade, tal a feliz adaptação da fala popular",
1"'lIIll ll1 lnla qu e bem ca r acteriza a inspiração do grande poeta mineiro,
l1tl.1TiUIYUS, oe quase oralidade, tal a feliz adaptação da fala popula r",
;" '~'I !JII I:Jl(L que b~~' cara~teriz~a inspiração d~ g;~nde-- ~~~t~-~~~iro~
, .rl'll ll" /Lm n t' pOlêmica , 1!: um poema de repercussão acentuadamente po- OSCAR MENDES
\l 11" IL" , (UO Diário") Belo Horizonte)
HOMERO SILVEIRA
(UDiário de B40 Paulo")
.TOÃO CABRAL DE MELO NETO - Duas Aguas - Poesia - Livraria José
Olympio Editõra, Rio, 1956,

I ' \111 ,11" I' '''N /\ 11'11 ,11 0 M r,m ór i as elo Boi Ber apião -
1111,, 1,1/', 1t,.,.I I\', 10/'16.
Poesia - O Grâflco "EMJ oão Cabra l de Melo Neto, o primeiro grande poeta post .
mod rni stn, de quem foram a gorll lança dos os po mas com.
pl<'lOA no volllme !Jnn,q Agna,q (Llvrnrl o. J os6 Olymplo EditOra, R io ), IL
)"' ~ ' d, '"' 11' flACtA M om ó1ias , pela substância p06ti 0., O{flll ', () I)J'OPOIII,IL JI (j I'OH Iv II ,I man 11'(1. an,t1a f atól'! a , ~'At( Ln (I O I
I I' ' 'I II ' ' '''1 II I
1'(\1(1 O,
1I1ll11 111 , ,'o(t I'J\fl OH (] Ato l)O(ml-d ·Za ·Pr Olt ,~t II(
111.
I LI ~ 01, 1''' ~I I \ II" 11111 11, Jl O"'IIr~ 1'1 11 11111 111\ 1i 1l "lIll1l1l znnl m IL~~n l fit'II I1' \' 1\1 rOl " " I~
111 111 1111 IIlId 1"1111111 11111 p1 1l 1l 0 11 do uulv l'ill~l. , Doi l'ltpl I) 1 11\'11 podl r 11111111 1 11 1'111, ,· ul.', IIl1d( . , 1111 "I< 11 11' 1( 111)'11 1I1111 11~ III. IIII'H" ' lIl ' IIIH
76 TENDÊNCIA

a qual o leitor se identifica sem esfôrço ou iniciação. ( .. . ) A desco-


berta do tema conferiu outra estatura à sua .poesia, .ensejando-lh~ o
aproveitamento dos amplos recursos técnicos dl sponiv~ls e do pr~dIgo
talento em trabalho de maior fôlego, mais densa n queza emoclOn~l
e mais largas dimensões líricas . Todavia O Cão Sem P lumas) seu pr~­
meiro poema do ciclo telúr ico, ainda que pleno de todos êsses atrI-
butos, obedeceu a uma construção preciosa . Explorand~ o mesm~ mo-
tivo, o poeta realizou, a seguir, com O Rio, uma tenta tiva qu: nao lo- Registro de Livros
grou o êxito esperado, Na verdade, sõmente em M orte ~ V~da Seve-
, apoderou-se êle do seu almejado processo de comurucaçao. Nesse
;::~a, em que se correspondem a grande beleza, a intensidade quase , MÁRIO P ALMlmIO - Vila dos Confins - Romance - Livraria José
épica e o profundo significado social, João Cabral de Melo Net~ não Olympio Editôra - Rio - 1957 ,
apenas transpôs para a poesia um dos t emas mais v~vos da realidade
brasileira - o retirante, - como ainda deixou :n: agIstr~lme~:e esbo-
çado o que deve ser a verdadeira linguagem poética nacIonal .
"D EPOIS do surto de uma literatura inspirada e trabalhada sob o
impacto civilizador da cana-de-açúcar, do cacáu e do café, era
AFFONSO ÁVILA natural que essa linha se renovasse, abrangendo então outras ativi-
("Estado de Minas") dades essenciais marcadamente ligadas à nossa tradição rural, Por fôr-
ça de leis que regem a economia dos povos, assistimos no Brasil à su-
peração do colonialismo agricola, cuja cúpula é o café, determinada
,UIMARÃES ROSA - Grande Sertão : Veredas - Rom ance - Livraria pelo incipient e mas célebre processo de industrialização, O advento
José Olympio E ditôra, Rio, 1956 . da indústria provocou entre nós reconsideração de valores em todos
os ramos de produção. E nquanto no setor extrativo produtos de outro
"HÁnizados
no livro uma estratifica.ção de interêsses,
a cada passo pelo autor na trama
combina~~s e orga-
exposltIva -:- do
lastro foram preteridos pelas matérias-primas minerais de consumo in-
dustrial, vemos °
gradativo empobrecimento da lavoura, principalmente
pitoresco regional à preocupação moral e metafisica. Mundo dIvers~ a cafeeira, face à expansão dirigida e crescente da pecuária, 11: que, ao
d,t f icção regionalistIca, . f eI·ta qu ase sempre "de fora para dentro cont rário da agricultura, ela não conheceu os efeitos do êxodo do tra-
" "V lando escritor simpático, compreensivo, mas separado da rea- balhador do campo, pois sabemos que · a prática pastoril exige menos
IlIlItd ssencial do mundo que descreve; e que enxerta num co~texto braços que o cultivo da terra, Por outro lado, os alimentos e sub-
"I"l II II.lo lem entos mais ou menos bem apreendidos da personah~ad e, produtos de origem animal são naturalmente industrializáveis ,
::'I~\I,\lImC:'b8mUnl:n~al1r,IJ1::; d8u homem
Ul"l1V,"
rústico obtendo montagens)
"'''llL tlp.""muuv"" nao a
ua. .pc,,,~,,~,,:-~~~, A pecuária compôs-se, portanto, de maneira ideal com a indústria,
-- - - - --- -------......... ... ........... ..... ........ ... ~.& ... .L.t'" Y çJ. .o .

,'I "It.llntC8 c linguagem do homem rústico, obtendo montagens) nao a A pecuária compôs-se, portanto, de maneira ideal com a indústria,
IIII"IP"H; o n cessária ao pleno efeito da obra de art~ ., _ a través do número sempre ascendente de fábricas e frigorificos, Novas
Jr'IlI Grande Se1'tão : V e1'edas) o a pr oveitamento h terárlo do mate mais amplas pOSSibilidades se abriram com isso à s regiões de maior
, ,
11111 oll/ I\"'Vf\UO na vida sertaneja se dá "de dentro para ora, no
f" es - patrimônio pecuário, criando condições econÓmicas inteiramente revi-
1,11 110 IImla qu na forma , O autor inventa) como se, havendo desco- t n.lizadas e despertando ali interêsse para as pesquisas sociológicas ,
III do , ,(II Jdo m ntals e sociais do mundo que descreve, f un d'l~ se num• IGm que pese à teoria esteticista do professor Afrânio Coutinho, siste-
, I"'lId" "10(' 0 11m idioma e situações ~rtificiais" embora regIdos pOl 1I1liUzada com alarde em A Lit e1'atura no Brasil) a criação artistica
," ,,,,,1 ,"'1 111('11\(1/1 ' prlncipiOS expressionals potenCialmente contidos no (' ln geral guarda intima consonâ ncia com os fatos politicos ou sócio-
'1" 1 " '111/1 11 '011 " /I('nllu, So b ..,s A t aspec t o, ao mesmo tempo de anotaQao "I:onOmicos, Assim, a zona centro-oeste do pais, onde está compreen-
, 1 1 ""tt l"II ~I (/, ,,, 1.. lI1hl'l\ 08 compositores que inf undiram o espiri ~O dO/l dido o sertão mineiro com o seu m aterial humano e os gen erosos
,1111111 , ,u" lod ll /I )Joplllrn' 'fi numa. obra da mais r quintadn. fatUl'(t, " Ium ntos d uma civilização peculiar, oxp rimenta essa fas cI 0m(lJ1-
I 11111 " II, I" " 't I' L()lt" , l'i l'IL!; (o nl\R Rll aS constantCR 016glclilJ divisamos os flln üanl\'n L()fl eh'
A N'fOl'HO GAN 1I11l0 II lJlIt ('XP l'l'/lfl o 1l1\','!\l'I(l., ./\1611\ d" p,,,, 11111 ' (o nOfl/jO l11,\IOI' l' IJllnllo Ilo-
vi 1111, 110 ' 1'1'1 IIdoll Ih 1'1'1''1; .11 I 1' / ",'111 1; " " 11 () ' P(' III L ,i( Inv'"'II"I' III
,1" 11111 I II "1111111 " IIlIh'II, lil l " d,,", " ,, , I " (1',,",IIIIIllIft T" ' III ' ,," ,
78 TENDÊNCIA REGISTRO DE LIVROS
79
de Minas, Goiás e Mato Grosso apresenta também o mais elevado in- 1931, o pequeno volume apresenta aspectos dos mais curiosos. Nota-se
dice populacional vinculado à atividade pastoril, como no recente Con- um cunho gera l de irreverência , um espírito crítico essencialmente obje-
gresso de, Pecuária de Corte demonstrou o econom ista especializado tivo que baseava s ua análise em concepções materialist as metodizadas
Fidelcino Vianna Filho. Dai propiciar o apa recimento dessa deter- por um raciocínio agudo e sereno.
minante literária já caracterizada pela obra de Guimarães Rosa, por
alguns livr os de autores goianos e agora pelo tra balho de Má rio Pal- li: de se supor por isso ter êsse volume despertado o m ais polémico
m ério, esboçando o que poderiamos chamar com propriedade "ciclo da interêsse quando de sua publica:ção. Destrói o autor completa m ente o
pecuária". Não interessa se êle obedece ou não às im posições de uni- velho lugar comum da tristeza do brasileiro, das três ra,ças tristes, etc ,
dade temática, 'o que cumpre ressaltar é a inequivoca auto-afirmação, Não fica porém na superfície da assertiva generalizante; desce à aná-
inclusive no âmbito da literatura, de ponderável parcela da realidade lise sociológica, estabelece as relações entre as concepções brasileiras
nacional até o momento ilhada no seu potencial inestimável. e as correntes que a determinaram e influiram, destruindo tabus que até
hoje ainda tentam se impôr às camadas menos informadas dos inte-
Vila dos Confins é, dêste modo, documentário pr ecioso que aborda, lectua is nossos .
numa visão panorâmica, aspectos de uma sociedade primitiva nas suas
relações com a agressividade do mundo f isico e as fo rma s de progresso Por exemplo, a propósito da "raça" brasileira explica Eduardo
que para ela se vão delineando. Não surpreendemos, entr etanto, no Frieiro, em 1931, que são ""populações" e não raça, concluindo à pág. 20:
livro de Mário Palmério aquela dimensão que assinala pela profun-
"Porém o fato é que não existe nenhum povo de fisionomia uni-
(!ida de a verdadeira criação. Vila dos Confins receberá sérias restrições
forme e invariável. A relativa unidade cOletiva, resultante dum pro-
flC examinado como romance, pois, para que merecesse êsse titulo, seria
cesso histórico, é que produz a ilusão da unidade antropológica ou
necessário preencher as condições minimas exigidas pelo gênero. Numa racial" . '
I'onceituação ampla talvez se colocasse sob a órbita do romance de
(:oatumes . Não se concebe, com efeito, trabalho de ficçã o sem estru- Tal afirmação em 1931 deve ter sido considerada uma audácia,
IlIIl I, rit mo ou mesmo sem história. O romancista, para imprimir ação Como mais que audaciosas são as restrições às interpretações' sim-
ILO univer so imaginado, deve dispor de organismo técnico capaz de de- plistas dos grandes daquele tempo : Graça Aranha, Ronald de Carvalho
11'1'm lna r e orientar na trama o equil1brio e exatidão de movimentos. e Paulo Prado, expoentes da teoria da tristeza poetizada por Bilac,
liA lIina f ata lidade da qual não assiste ao ficcionista ou ao seu herói outro ídolo daquele tempo, hoje pálida lembrança grega dêsse nosso
,. pod r de desviar-se, linha que parte do minuto primeiro da criação mundo áspero de tapúias, tabaréus, Severinos e cabra noratos _ êsse
"III' stcnde sem intersecção até o desfecho. Falta igualmente a Vila - Brasil evidentemente alegr~.
"1m Crm!in,ç a contenção e precisão de linguagem de que o artista sô-
III "nl. A' apodera pelo esfõrço continuo do aprendizado formal. O que * * *
+-...:l.. •• .: ..... :: .... _,...,....,...f .... "+-"",., .... õ. ,,
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IlI " nl H a podera pelo esfõrço continuo do aprendizado formal. O que


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Certas chamadaR de F,dIlR,rn() Frj",;rn


,dllVIII lI OA louva r neste estreante é a sua contribuição à reestruturação Certas chamadas de Eduardo Frieiro em prol duma interpretação
I, II I (t"11 (I II se opera em nossa literatura e o fato de nos haver mais objetiva dos nossos problemas são até hoje fu ncionais ,
'''V" I I~dll mlLIs um la nce da realidade estuante de sugestões que é o Por exemplo :
" II II mlnl'il"O, área de sing ularidades geo-econômicas que a ficção
111 11I1'III'POI'OIl pel o verbo poderoso de Guimarães Rosa, "O moralista jamais se capacitará de que a fome, o a mor e a
a mbiçã o sã o a s molas m ais possantes das ações humanas". (Pág, 40) ,
AFFONSO Á VILA
Não há dúvida, de que, em muitos aspectos, êsse pequeno ensaio d
E duardo Frieiro permanece útil para o leitor brasileiro . Atuo.lidad
1II II IIA IfIH. 1"III NII UI o JJ1"asttci1'o N (J,o é Trb t e - N ova E dição - osta qu se torna maior no momento em que o nacionalismo 6 a muJOt'
IlI hl 01 , f Ilv lIl /f' (; o ul Lural - Minist ério da Educação - 1957 .
<) mo,ls profundo. pr ocupação naciona l .

~ 1\ "U ' ~l/ol " IA " Iii,; (I li IIl e P <;I ucno nsalod Ed \l ll.r(lo Frloh'o foI ' m (ho II ' llv l m ' lumb6m n novn, Il.prcA('nl lLçl'\.o g'1" fL[1 n (Ip:j l ,~ <:01(\(;
do 'I , 'N , dei 1." II" " ' " " (\1' \~'I\ " d ll"
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III "tllIl, II " " 1" ''' '''/1 II cl lI 111111"' II vllllllj <> 1l1 \\I 'l\l'lr~ , C(\I11" 1l"lI l/1d.hll (I"
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R EGISTRO DE LIVROS
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('!li lodoti CI 101011111 11101'
t a nte nitido para fixar 11stórlas d o lJ60lt do
v(' l'Irh'IOII ,'COIII " (' " a s l
L
situação, Foi o qu SO
80 TEND~NCIA Inferno . , \ ' 1110 ao livro, são de perfeita comu-
Algumas, como o. qu deu t t de carne e õsso _ mais que isto
OTTO LARA RESENDE - Bôca do Inferno - Contos - Livraria J 086 nicabilidade, trazem-nos pcrsonageTn~ d de é t ão r eal quanto o seu pa-
O pequeno rm a
OIympio Editõra - 1957, - de corpo e a I ma, ' d 1 do que lhe coube na mesm a
t cada um Vlven o o a .
drinho Padre Cou o, ' te ligados por circunstâ.nClas
"A ANTIGA crença de que a criança é necessàr iamente pura e boa,
moeda . Diferentes os dois, mas lntlmamen
diversas ,
quase um anjo que a maldade do mundo se incumbe de cor- . meninos que o perseguiam nas ruas
romper, vai cedendo terreno pouco a pouco, ante a evidência dos fatos Os acessos de r81va contra os d 1 o desinterêsse pelas
t I nha Filho de pa re. -
e o registro das experiências psicológicas, De Freud até nossos dias com a humilhan e a cu - b lh o a f rieza com que cortava
muito se tem feito na exploração da alma infantil, e, se a criança lições de Latim, a negligência no tra a de , depois da missa, tudo er a
não se reveste agora de novas ca racteristicas - porque sempre as a s varas de mar m elo para a~ sun:r~asta que o atir ara, ainda peque-
p ossuiu - é entretanto agora que ela as apresenta a nossos olhos, a mesma revol~a contra a SOl' eT~:dade adicionou o veneno de r atos
Ou, em outras palavras, atualmente é que podem os ver o abafado sub- nino, àquela vlda sem gõsto , , uebrado com uma pedra a ca -
solo da personalidade infantil, orientados pelas luzes da ciência ao chá do pa drinho como p,odel'la t~r c~ndiado as colméias que tinha
psicológica, beÇa do filh o do Dr , Silvmo" ou m ião propicia, e, no azar
Tudo dependena de uma ocas
Não é de admirar, portanto, que de algum tempo para cá se a seu' enca,rgo. ior
das cir cunstâ.ncias, Padre Couto levou a P . "O Porão"
tenham multiplicado as obras de ficção que focalizam a criança como h ' tó " a que como acontece em '
centro da t rama romanesca, Sem sair da literatura brasileira, farto "Dois Irmãos" é uma I S n ; oblemas de Gilson, acabr unhado
material encontrará o pesquisador, em páginas muitas vêzes m a gistrais, se vê prejudicada pelo desfêcho '.~; p , a quem êsse m enino saiu" -
eomo no caso de Má rio de Andrade, pela frase corrente da m ã e - ' o sei ê ' da água em, leito raso ,
'tor com a transpar nCla
Um novo livro de contos, cuja leitura a inda há pouco concluimos, são desvendados pe1o 1el M G'lson menino bom de um
t b I a dualidade auro- 1 ,
gira t ambém em tõrno de cria nças, pré-adolescentes, algumas delas O escritor es a e ece t t ericia e h abilidade, que o
lado, menino mau de outro , com an a p se proJ'eta fora do livro ,
I'ca lizada s como g randes personagens , li: o Bôca do Inferno (L , José ganha calor humano e ' ,
OJympio Editõr a ), do mineiro otto Lara Resende, radicado há alguns drama do pequeno . i 'I N~ o pelo fato de o menino mutl-
IlIloa 110 R io ,
Mas o final é de todo mveross mi d'O - :la idéia do pecado em que se
lar-se com uma navalha, apavora P_ ratlcada por aquêle deter-
Quase desnecessá rio seria lembrar que o conto é um gênero difi- ter sido tal açao P .
encontrava, mas por t' nos mostra uma crlança
" IIn l O no t erreno da f icção, As limitações ' a que está sujeito - tempo, , O d enrolar da narra lVa
minado menmo , es t d mórbido ou patológico ,
' H I II~{;O , ação ' - t olhem os recursos do escritor, que se vê obrigado t I que nada em e
por f It am en e norma, d l"t ção inferior em que se v ê
II, r'lIndcnsa r a o m áximo as impressões que deseja transmitir , Assim, r 1\ 11 ,II'nml1. provém exclusivamente ats ua arado a um irmão bon-
p
II (' l oII R\ (' I/le; o familia r, constantemen e com h av'e ria
~ :P'.I'.t!:!~ 1 _~'~~a.l10~o&"~~~i~~.~2e a';~!!!!~~~~v\J~u;,-,~ev';!~çJ~ ~:~;~~~~.L ~o~~~CJR~ I ~ 11 III'nll l 1\. LJL\.I" ...... U ... ..... . - - - -- .- .. . "1-
.
, - • • """" .. ll"OT'lt~
r1
nA'Lf'fuau uuu.-
., ,, t temente comparado a um 1
1'1 " " UI/' do. homogeneidade estilistica, que revela a seriedade com que 11 11 "/ 01 1/1 \ {'( IV<!\O f amllla r , cons an I I h milhante n ada h av'e ria
II 11 111 0 1' III) S rve da linguagem literária (preocupação pouco comum lod .. , , 111 " 11 ('('I mpor'La do ' Sem o' para e o u O t moI' , r eligiosO que
11 11 , CltI1 '1'lto l' s de hoje ), há em Bôca do Infe1'no um desnivel que provém 11111 " ..
' ta indisciplinada ,
I11 111' 0' 11 H,.,, oll nll c,oncolJ et '
edentes à
, t' a nos momen os prec
<I II 11 11 11111' 011 m nor a utenticidade da situação , 10 /11 1 r", " II '" ." " VIlI'dll,c1cln1. angus 1 " m as n ão
~I 011' 1'" 1 r" II II1 I1"nl ,' lülmlss\vcl em outro m emno'l d
/I , 'rlllll(;1t n o é, como diziamos a principio, o anjo de virt udes 101" " 111 11 . " 'tor reve a no -
III "' II I, . I ' I III "III'III' IIII'I"l le'.!tA q\\ o escl'l
'II" II I Ilfl llll O/l Ilnl passados celebravam , Mas isto não sig nif ica qu III I 11 11 I" " , 1' 1I 111I :r. <I I' III'\)1('lhante a ut o-puniçã o,
I I" " III, 11 1,,', '11/11 I'I nm('nle perver sa , .. ti. I 01.. Iii 1111 III , II "
1I1 0 \C 1 1~ \) 1I ~11l Ina dimissivel ,
I t i i ., I " H ,, " 't di r I' I IU I
" (11 1" I A I I'I ~ J t ' 8 ndc tivesse escolhido o gênero do r om an ce paro. " " , " l lI lIn l ~ 11m m enino endiabrado,
'I III "q 11 I' o 11 11 111 hlHL61'Iua apr esenta das, er mos q u S fluid o. u(lm l-
11 1111 I ' 001 1 "' " ' I" " l to " ' " 11 1111111 11 M o quando multo po-
I II" .. II 11111 1 111 1 11 11 ' 1 " • I II ' " " ,, ""1111 , (\Hm
. 1111 " " 1,, ( I l'Olllll n <: , o u m amo a nov h~, pclaa POflSlblJldad('fI (J (
Il nl 1111 ' ., 11" 11 o lenLo li /1 )lI'O)llI ' (II
1,1 I 1111 11 1101 11 01 ', <I II 11 11 111 1111'1
IlId" 11"1 ii. I ,,, 101 I II" ,," " '11,<111 , <I lllpOlIlIIl d( 111 1 '1'1 11 t

11 111" .. 11 , I . III '"~ 1111111 II I' PlI' 11 11 "III HI'III1I .., " l 1111 II 1' 1111" 11 " Jo,o
82 TENDÊNCIA REGISTRO DE LIVROS 83
liciado pelos m ais velhos, êle se manifesta na destruição de objetos manifesta pronunciado distúrbio social, em virtude da diminuta parcela
diversos, brinquedos, etc. F loriano chamou: - Duque! Duque! O ca- de mulheres não atender aos reclamos amorosos do excessivo número
chorro veio dócil e alegre, saiu ganindo com um caco de garrafa no de homens. Acontece que o romancista desejava dar solução t anto
lombo. Vá lá. Com um pontapé, arrancara pouco antes uma galinha à análise das reações da comunidade, quanto às reações individuais
choca do ninho. Coisa mesmo de menino. Na horta, regou as verduras de cada componente, em face do mesmo problema . Queria analisar,
com um liquido que provocaria náuseas no pessoal da casa, se viessem assim no ser cOletivo, considerado um todo, como no ser particula-
a " descobrir a coisa . Poderiamos dizer: menino impossivel! Uma gata rizado, visto na sua individualidade, as conseqüências do grave
depositara os filhotes em um canto do porão. Floriano descobriu-os e problema sexual pÔRtO em evidência. Para tanto, usou do artificio de
matou-os, um a um, atirando-os contra a parede. Aqui já se pode eliminar a perspectiva, a fim de que as reações pessoais de cada indi-
falar de perversidade, do mesmo modo que no caso da morte do Ve- viduo fôssem vistas no mesmo plano em que estivessem colocadas as
ludo, o gato da casa, que o garoto matou com uma paulada traiçoeira. do grupo. Trouxe seres e coisas para a superficie, para que tudo se
Entretanto, todos êstes episódios, narrados às pressas (lembre-se mostrasse em intima relação. O primeiro recurso, para isto, foi não
de que se trata de um conto de poucas páginas), não justificam a "situar" as personagens, não localizá-las no ambiente. Elas chegam
cena final em que, ai nda no porão, para onde levara um amigo curioso e vão, falam e agem. De seu assunto ou de sua atividade é que o
de novidade, Florlano lhe enterrou um canivete nas costas, bem leitor retira elementos para sua integração na paisagem .
calculado o lugar do coração. Não convence êsse desfêcho . Se se tra- Ao contrário, portanto, da m aioria dos r omancistas modernos, que
tasse de uma novela, ou de um romance, em que o escritor pudesse pretendem atribuir ter ceira dimensão à narrativa, através de super-
dispor de tempo para formar com pequenos traços - pedra sôbre posição de situações (quer de contextura, quer sintáticos) , de tal
pedra - a persona lldad patológica da personagem, cremos que o forma que o leitor tenha a sua atenção voltada para um número mais
drama resultaria autOntlco, m 'Amo porque otto Lara Resende conhece denso de problemas, Geraldo Ferraz traz à superfic\e tôdas as situa-
bastante bem a ling'uag m da ficção. Dentro de um conto, porém, a ções, horizontaliza, por assim dizer, tôdas as coisas, de modo a se
história não cabe . O I ' itor l')J'e hmria d muito maior contacto com mostrarem no mesmo plano o ser-coletivo e o ser-unidade.
Floriano, com os pais do m nino, com OA amigos, para aceitar o assas-
Posta a sociedade, (dividida entre casados de um lado, portanto
sinio de Rudá, embora êl fORR cl todo Incsp rudo.
homens que possuiam mulheres, e solteiros de outro lado, portanto
Muito humana a av nlul'l1. dOA p {{II nos m "'1'l'(\a pm' patins" . homens à procura de mulheres dos outros), o romancista, para que a
Já no caso de Silcia, "O S g r do", Jt A'('nl :rIca p nHn.ndo m que t ria narrativa ganhasse interêsse, ocultou um elemento - o autor dos
a pequena para atrair tanto tal·nelo . . ... Moinho", (PI' nccrro. o vo- diversos crimes cometidos contra rapazes solteiros. Sabia-se que entre
lume, é um dos pontos a ltos do livro. omo Trlndnd " I1l co II of rcc os casados deveria encontrar-se o criminoso, mas a procura dêste
todo ao leitor, sem ocultar qualquer Cm: ln. dn. 111m pCI'AOnttllç1(td . mantém o leitor com a atenção alerta até o fim. Há uma conspi-
todo ~ãõ -leltõr; sem- õcllltar- ê,rtli:l.fe'lh '1'''1o.é6 n"(I (~" fI1íit' p l 'Aonl\)yçl(l.at('.~' n ,ii ., _n n"n ~ ~nA"ni" ,..,,,,. i'1'l1 <l t" " " .. inidAJiv9..<t DolicIA.i ... o .. casados nada
..
mantém o leitor com a atenção alerta ate o fIM. F:úl. UlIlU CUJ11:1p ' -
Otto Lara Resende escolh li um lcmlt di fieI! - n. pAleologia da ração de silêncio que frustra as iniciativas policiais. Os casados nada
criança e do adolescente - e um pI'O aa dlfielllmo - O conto. contam e as mulheres dêstes não querem confessar seus próprios
Se houve páginas em que não cons gulu °
a u lnt nto, cm outras a amores secretos.
revelou um escritor em pleno domlnio da intuição o da t6cnlca. O romance, assim, alimenta ainda uma trama policialesca, que se
MARIA LUIZA RAMOS intensifica com a morte de um jovem policia-secreta, destacado para
apurar os fatos em Cordilheira . A página que descreve a morte do
jovem é um dos pontos altos do romance .
GERALDO FERRAZ - Doramundo - Romance - Edição do Centro de A sugestão de se levarem prostitutas ao lugar é recebida com
Estudos Fernando Pessoa - Santos - 1956. satisfação geral: os solteiros estão alegres porque terão mulheres;
os casados porque não terão de fazer justiça. Por um momento pa-
"A NOTA original nesse romance foi a tentativa de adequação da receu resolvida a questão, mas a interferência de outro problema,
forma à complexidade do assunto. O autor encontrava diante também tratado quanto à coletividade e quanto à individualidade, faz
de si o seguinte problema de fabulação: numa cidade interiorana se eclodir nova angústia social: a religião. Uma solteirona é tomada por
84 TENDftNCIA R EGISTRO DE LIVROS 85
ataques histéricos, agravados pela sua frustração s exua l . Ela está de uma ling uagem literária altamente explosiva e infinitamente expres-
revoltada diante da aceitação geral das "flôres", as prostitutas, que siva de um a visão particular, a desmontagem de estrutura do romance
agora recebem as homenagens a té dos homens casados. }<'orma-se o tradicional e europeu que se a presentava como um elem ento constrange-
conflito; o povo, ante a denúncia da histérica, se julga amaldiçoado, dor na abordagem da psicologia do brasileiro, a poetização do primitivo e
por causa da licenciosidade reinante, da cumplicidade de todos com do sociológico com a movimentação de quadros monumentais que nos co-
~s mulheres da vida, e acaba por expulsá-las do lugar. loca diante de uma epopéia, a condensação de um clima de poderosa dra-
Novo assassinato se verifica e, desta vez, a conspiração do silên- maticidade a través do qual é tentada a elucidação do homem que vaci-
do se rompe: a t r ama amorosa que enlaça Teodora (Dora) , mulher la entre a s SOlicitações do bem e do mal, são as principais realizações
casada, e Raimundo (Mundo) pode mais do que a razão coletiva . dessa obra que surgiu destinada a constituir uma das colunas mestras
O crime é denunciado pelo amor ver dadeiro, o único amor sincero da . que formarão a base do n osso futuro ficcionlsmo . E se o problema do
cidade, pôsto que proibido. E o autor justifica a condenada relação jagunço foi tratado num plano mais de literatura, se não foi devidamente
entre os amantes, inserindo no capitulo uma f rase de V~ilali, que situado dentro de um sistema cultural, com a indicação das razões so-
serve de epigrafe : "Crim e est un mot qui a mal tourné au cours de ciais e sociológicas determinantes dessa forma de vida, uma vez que tan-
son evolution. Son ancêtre la tin (cTimen ) ne correspondait pas à délit, to Riobaldo quanto Diadorim por simples causas fortúitas f oram le-
mais à sent ence". Portanto, só a condenação do grupo poderia tornar vados a ingressar no cangaço, Guimarães Rosa soube como ninguém con-
indesejada aquela união . Na verdade, fôra a única louvável em Cor- duzir o regionalismo às suas últimas consequências e realizar uma histó-
dilheira, pois que sincera e emanada de mútua compreensão e ver- ria de interêsse universal que não representa apenas a vitória de um a r-
dadeiro amor. O resto, a agitado. vida de homens e mulheres de tista , porque coincide, para todo o povo brasileiro, com o encontro de uma
Cordilheira, não passava de aventura, hipOCrisia e corrupção . expressão Iiteró.ria de grande autenticidade e pr ocedência .

Resta notar que, trazendo paisag m e pessoas à superfície, Ge- Obra de características tão excepcionais, o mundo cria do por êsse
raldo Ferraz nos dá belas imagens pló.sUcas de sua história, tentando escritor mineiro continuará por muito tempo a inda sem um estudo
sempre visualizar a ação, para o que toma a narrativa por vários mais definitivo e acredito que só mesmo com a perspectiva do futuro
ângulos, ora partindo do geral em direção ao particular, ora partindo desenvolvimento da literatura brasileira se poderá inferir da sua exata
do particular em direção a o geral. significação . Os que dêle se ocuparam, entretanto, foram unânimes em
afirmar que constitui um marco para a nossa ficção . Se assim é, pare-
Salvo alguns defeitos, principalmente a insubsistência de certas ce-me de tôda urgência que os responsáveis pelo prosseguimento da nos-
situações, determinados pormenores explorados com excesso, por vêzes sa arte romanesca meditem sôbre a situação criada para o ficcionismo na-
uma intencional obscuridade, a experiência de Geraldo Ferraz foi bem cional com o aparecim ento de "Grande Sertã o: Veredas", procurando
sucedida.
compreender o exato sent ido dêsse r omance e deduzir as novas picadas
FÁBIO L UCAS ~~_:_.~e_~::~.? s_er__~_~_I~n~I~~~!3:~ ' ___ ___
FÁBIO L UCAS que deverão ser palmilhadas .
Ao contrário de Mach ado de Assis, que realizou sua obra sintetiza n-
do (, que flaVIa de melhor no passado, Guimarães Rosa representa a que-
JOÃO GUIMARÃES ROSA - Gmnde Sertão : Veredas - Livraria José Olym- bra de todos os padrões, mas não surgiu isolado dentro do fenômeno lite-
pio Editôr a - Rio - 1956 . rário brasileiro e está bem dentro da tradição do nosso regionalismo,
que, principalmente depois de 22, vinha lutando pela afirmação dos seus
"A USENTE do palco literário por mais de dois lustros, João Guimarães postulados estéticos . O romancista mineiro, desta f orma, se a presentan-
do como um revolucioná rio na acepção m a is completa da palavra, não
Rosa pa lorizou as atenções do nosso meio intelectual, durante o ano
findo, com a publicação de dois livros do mais elevado padrão artístico. inaugura um novo caminho, constituindo simplesmente o fêcho de ciclo.
Representando momentos distintos de uma prodigiosa evolução que teve 1!:le acaba de esgotar a noss a ficção regionalista . Tudo o que se fizer de
o seu ponto de partida em "Sagarana", "Corpo de Baile" e muito espe- agora por diante nesse sentido será mera repetição ou aproveitamento
G1n.lmente "Grande Ser tão: Veredas" guindaram a literatura brasilei- lateral de temas subsidiários, sendo certo que ninguém poderá superá-
I'a !\ 11m nlvcl de seriedade e grandeza a té a g ora insuspeitado . A criação lo, desde que já foram atingidos os limites máximos. Isto significa que
TENDÉlNCIA

~ ('h A'n.do O momento de a ficção nacional dar um novo passo, deslocan-


dO- (lo m io exclusivamente rural para cobrir novas áreas, com a ane-
xn.çllo da nossa região urbana ao processo de formação da nacionali-
dad . E não deixa de ser significativo o fato de que êste instante cru-
cial da nossa ficção coincide com o aceleramento da industrialização do
pais que, .promovendo o êxodo rural e determinando o aparecimento da
o.rlstocracla das capitais, deslocou para a cidade o centro de interêsse hu-
mano onde se verificam os grandes choques que hão de fixar os nossos
(I stlnos como nação. O verdadeiro romance brasileiro está por ser es-
crito . 1!l1~ não i~olará nem o campo, nem a cidade, porque será a epo-
pó a da vida nacional em que os interêsses do campo vêm colidir com os
A Capital Econômica do Norte
Interêsses da cidade, e vi ce-versa, de acôrdo com o movimento de ex-
pansão nacional e o nosso atual espetáculo de alienação do homem.
RUI MoURÃo
José Francisco Bias Fortes

"A o calor de tantas manifestações de simpatia que venho recebendo


aa vossa generosa hospitalidade, não basta que eu vos exprima
os sentimentos de orgulho e de alegria com que visito, pela primeira
vez, esta cidade admirável, cujo nome resume uma vigorosa afirma-
ção das virtudes de intrepidez, energia e tenacidade do espirito mi-
neiro. Quero dizer-vos ainda que, se tenho sõmente agora a fortuna
de pisar a terra de Montes Claros, a ela já me prendiam algumas das
mais caras reminiscências da minha carreira . Recordo-me, com efeito,
de que entre os encargos iniciais da minha experiência politica estava
sempre presente a defesa de interêsses dêste importante município,
a qual me vinha às mãos por intermédio do meu pai, ligado pela
admiração e pelo afeto a ilust res figuras da vida pública de Montes
Claros.
Foi dês se modo que me aproximei de vós, habituando-me a prezar,
através da conduta dos vossos homens de elite, as tradições de
cultura e nobreza mora l da grei montesclarense.
Já então, senhores, esta cidade detinha, entre as demais cidades
do Norte, o primado da inteligência, exercendo sôbre elas uma espécie
de magistratura que nenhuma outra lhe disputava, - a alta magis-
trat.ura do espírito . E assim havia de ser, porque aqui se tinham
recrutado para altos postos de govêrno, ou para a nossa represen-
t...: .... ~o..& ......... - __ v--.'-ia"'p ...... ':I. .. u :·- ........ - ..u.~u ......... - &&\;o.- ....1L..--' ~ .. \J.!.-::a. r' - :f' .... ,r"':l'..... ~ "'2.:o.,.--lJu-- ... ",TII:'.. r";'~I".
recrutado para altos postos de govêrno, ou para a nossa r epresen-
tação no Parlttm nto, oJgumas inclividutl.lIdad s que se poclem medir
com as que m ais nobr CCl'o.m o passado politico de Minas.
No entanto, 8e conqulst.astes m ili to Mo o vosso espaço na área
reservacla à ação Int 1 ctuo.l, só mais tarde viria abrir-se para êste
munlclpio o ciclo d mobilização das suas fOrças econOmicas, cujas
poderosas virtualidades estavam acima de qualquer previsão .
1!l certo que nunca vos resignastes diante da insensibilidade do
poder público, que se recusava a ajudar-vos no sacrifício e na cons-
tância do vosso labor. Lutastes, ao contrário, para suprir a ausência
de amparo oficial, aventurando-vos às mais audazes iniciativas nos
domínios da indústria, da agricultura e da pecuária. Há muito mais
de meio século aqui se instalava a primeira fábrica de tecidos desta
região, sendo as máquinas transportadas por tropas de muares.
Coube-vos ainda a precedência na cultura do trigo em Minas Gerais,
saindo de Montes Claros as sementes que deram vida aos campos de
experimentação dos Estados vizinhos. E sabeis, por fim, que um fa-
TENDftNCIA

z ndclro desta terra se desvanecia de ter sido um dos iniciadores


do. importação do gado indiano, cujo plasma sangüineo veio salvar
(lo completo deperecim ento os rebanhos m ineiros ,
Mas todo êsse esfôrço sem descanso era anulado pelo prim arismo
e a ineficiência dos meios de transporte, E estaríeis até hoje susten-
tando o mesmo obstinado duelo com o vá cuo, se um dos maiores
I. P. il.
- GOA TUfT AS
s.
homens de Estado dêste pais não pusesse nas vossas mãos a chave
do destino de Montes Claros, Estendendo-se até aqui os trilhos da
Central do Brasil, operou-se o prodigio antevisto pela visão genial de
Francisco Sá: a vasta zona do Norte de Minas, até então condenada
IIIJIILf[iltOES r1\1111
à mais deplorável estagnação econômica, f oi sacudida por um impulso
de renovaçã o a tôda pressa, amplia ndo-se os campos de semea dura,
desdobrando-se por tôda pa r te a onda verde das pa sta gens, povoando-se
OS SEGURilDOS DO fPASE
o deserto, convertendo-se . as cidades sonolentas em núcleos de fecunda
e trepidante atividade, Desde logo Montes Claros tomou posição no
centro dêsse movimento, que se acelera dia a dia, e cujo r itmo é regu-
lado pela sua influência sem contraste , - Que é o IPASE '1 - Como funciona'1 - QllulH "" f.I"lII tI
(1101'1 que concede aos funcionários e suas famfllas?
Não quer isto dizer que esta cidade seja apenas a capital econô-
mica do Norte , l!l também, nesta regiã o, o m ais poderoso fóco de A perguntas como essas, os segurados podel'lto Obtl I' Il.. I'" ..
irra diação espiritual e, por conseguinte, uma fôrça de comando polí- postas adequadas, lendo as p u blicações que o Serviço dl\ 1'lIhll'"
tico, atuando permanentemente na vida da democracia m ineira,
Idade do IPASE, na R ua P edro Lessa n. 86, 18. unclltr, VI IIII I di
Se mais não fôsse, basta ria êsse a specto de vossa civilização para tlLndo e distribuindo GRATUITAMENTE a todos OH Hllrvldm'" 1"1
vos recomendar ao zê lo vigilante dos homens do govêrno , Tudo o que
bUcos que as solicitem, pessoalnwnte, ou a:través de (,o.rtnH.
êstes fizerem por Montes Claros estará longe de corresponder ao que
já tendes dado em favor das exigências comuns, às quais nunca dei- Horário do Serviço de Publicidade: de 12 às 18 hlll'II~, di ,I"
xastes de acudir com a largueza de uma contribuição que oferece a mente.
m edida da vossa prosperidade e revela, ao mesmo tempo, o teôr
da vossa educação politica , CAT~OGO DA BIBLIOTECA «JÚLIO DE BAIUWM II II
Eu desejaria, se me fôsse possivel, fazer o elogio desta bela RETO» - 11: a mais recente publicação do &ll·vlço. NI' I, "1'11"
cida de, cuja imagem guardarei para sempre nos meus olhos e no meu culo encontrarão os leitores, ao lado das obras de flloHurlu, 1.1 ""1,,
coração , Mas não posso exprimir a surpreza que recolho dêste encontro sociais, filologia, ciências puras, m edicina, belas lutOH, Il 111111 .. I",
com Montes Cla ros, nem preciso repetir o que tendes ouvido a quantos portantes obras da literatura clássica oe contemporll.Juon. f1l 1/111 ' "
depa ram pela primeira vez o espetáculo de uma metrópole como esta,
dentro da moldura da paisagem sertaneja, teiro para as consultas e pedidos de empréstimOH di JlVI'tl ,
Muito m ais ao meu orgulho de m ineiro do que aos meus senti- MANUAL DE TREiNAMENTO DE CHEFEI-l _ ~ 1/111 1,"
mentos de homem público, f ala a grandeza dêsse espirito de energia, balho que 'tem um significado especial para todo", OH 1111.1 d.\, .
J'tllI
de vontade criadora, que a nimou de tanta vida a cidade centenária, fazer carreira no serviço público e, ta.mbém, illtl'lL IUI" II' 11"', I
cuja ascençã o nos dias presentes nos recorda as virtudes das velhas
gerações montescla renses, que nunca duvidaram do futuro desta terra exercendo função pública, procuram aprimorar sellH c'unh",'lult III"..
e foram tão fiéis ao seu serviço, à sua vocação e ao seu destino , sôbre r otinas d e serviços e trata m ent o com o plÍbIl(~o.
gerações montescla renses, que nunca duvidaram' do futuro desta terra
e foram t (i.o fiéis ao seu serviço, à sua vocação e ao seu destino , sôbr e r otinas de serviços ; tratament~ com o públlc.o.
Participando das festivas comemorações dêste dia, agradeço a LEGISLAÇÃO IPASIARIA, MANUAL DO 1-l1r.<WI(,AUO 110
Montes Claros o carinho da acolhida com que estou sendo distinguido IPASE, BENEFíCIOS DE F AlUll.A, DECRETO-L1~1 N " , , HII , •
pela cordialidade do seu nobre povo , Quero dizer-vos que m uito me OS SEGUROS DE VIDA DO IPASE são publlcaçõlIH II"tI 1111,11/' 1' 11 111
sensibilizaram as palavras de simpatia do vosso ilustre intérprete, a
quem me prende uma estima de longos anos, preservada, de parte a de perto ao funcionalismo, que é segurado da InHUtlll<; ti ~ IL" • •
parte, com a ternura com que se conserva um legado de familia , tudiosos Idos problemas da previdência social, no ('1~mJl" dll " ,,1.. 1 "
E levanto a minha taça em honra desta grande e formosa cidade, cio. do Est ado aos servidores pú blicos.
fazendo vutos pelo crescente enriquecimento dÇl. ·sua cultura e da sua
civilização , (Plste discurso foi pron unciado pelo Gover n ador B ias Fortes Quaisquer dessa s obras ou tôdas, em (~Olljlllltv, IIHI,III " I...
nas soleni dades comemor ati v as do Centenário da cidade d e Montes Cla- seu alcance, bastando, apenas, que o interes!ll~do ('Olllllltfl'\,ll II" . "
r os ) , derêço acima ou a êle se dirija, por cartlL ou tOICIg'I·IIJIIII.

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