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CIBERCRIMES: ESTUDO DA DIFAMAÇÃO NO ORKUT

AUTORES: EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE, DELEGADO DE POLÍCIA, MESTRE EM


DIREITO SOCIAL, PÓS GRADUADO COM ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E
CRIMINOLOGIA E PROFESSOR DE DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E LEGISLAÇÃO
PENAL E PROCESSUAL PENAL ESPECIAL NA GRADUAÇÃO E NA PÓS GRADUAÇÃO DA
UNISAL; E THIAGO GOMES LUIZ DE PAULA, BACHARELANDO QUINTANISTA EM DIREITO
PELA UNISAL, DISCENTE DO CURSO DE TECNOLOGIA EM INFORMÁTICA NA FATEC E
FUNCIONÁRIO DA CÂMARA DE VEREADORES DE CACHOEIRA PAULISTA-SP NO SETOR DE
ELABORAÇÃO DE PROJETOS DE LEI.

Resumo: Estudo da difamação, seus sujeitos, propalação e


consumação através do meio eletrônico, em especial, pela internet através do site
de relacionamento mais popular no Brasil: o Orkut.

Palavras-chave: Cibercrimes – Difamação – Honra - Orkut

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisa, à luz do direito brasileiro, a prática da difamação


através dos sites de relacionamento, tomando como base o mais popular no Brasil: o
Orkut.
O objetivo do estudo é demonstrar que a atuação no direito não se limita ao
mundo não virtual e, conseqüentemente, descaracterizar o paradigma da internet
como um espaço anárquico.
Num primeiro momento, o trabalho apresenta um breve histórico sobre a
internet e sites de relacionamento; o fenômeno mundial que revolucionou a interação
online. Posteriormente, apresenta a difamação bem como sua possibilidade de
ocorrência via Orkut.
A conclusão salienta a relevância do estudo para o Direito, como ciência
social dinâmica, demonstrando a importância de uma legislação que preserve e
proteja o cidadão bem como toda a sociedade dos males advindos das novas
tecnologias.

2. DIFAMAÇÃO VIA ORKUT: EFICÁCIA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS


VIGENTES

O final século XX foi marcado pela revolução tecnológica. Nunca antes na


história a tecnologia utilizada pelo homem avançou tanto em tão pouco tempo. A
mesma tecnologia que surgiu para tornar suas tarefas mais simples, rápidas e
eficientes trouxe consigo a necessidade de reavaliar conceitos e valores.
Uma das inovações deste período foi a Internet, definida tecnicamente como
o conjunto de redes que se comunicam através de protocolos comuns: Protocolo de
Controle de Transmissão (TCP) e Protocolo de Internet (IP). (SAWAYA, 1999, p.
241)
Com a criação da internet, houve o surgimento de novas formas de
comunicação e interação entre pessoas, especialmente através de sites de
relacionamento. Essa possibilidade de divulgação quase instantânea de imagens e
notícias trouxe inúmeros benefícios, por outro lado, expôs mais a vida daquelas
pessoas que se utilizam de tais recursos.
A motivação de criar uma conta num desses sites de relacionamento é
variada. As mais comuns são a possibilidade de utilizar desta ferramenta simples e
prática para fazer novas amizades, manter contatos, reencontrar amigos e encontrar
grupos de interesses semelhantes.
Com a grande adesão da população, o mesmo espaço concebido para troca
de informação foi a via encontrada por alguns indivíduos para praticarem crimes,
especialmente os contra honra.
O objetivo do presente trabalho é analisar a ocorrência, circunstâncias e
características da difamação praticada no mundo virtual, em especial nos sites de
relacionamento. Para tanto tomamos como base o Orkut, maior site de
relacionamentos do Brasil.
Segundo dados divulgados, 53,94% dos seus clientes são compostos por
brasileiros que possuem uma conta no site (ORKUT, 2008). Criado por Orkut
Buyukkokten, foi lançado mundialmente em 2004 pela poderosa Google e já foi o
maior site de relacionamentos do mundo.
A difamação, prevista no art. 139 do Código Penal, consiste na imputação de
fato ofensivo à reputação da vítima. A existência de tal dispositivo no ordenamento
penal deve-se ao interesse do Estado proteger a reputação do sujeito passivo no
meio social e, com isso, assegurar a pacificação social, meta basilar de qualquer
ordenamento jurídico.
O fato deve ser determinado, específico e não criminoso requisito último que,
se satisfeito, configuraria a calúnia. Independentemente da veracidade do fato ou se
constituir uma contravenção, por não ser considerada crime, ocorrerá a difamação.
Argumenta nesse sentido MIRABETE (2007, p. 137):

Ao contrário do que ocorre com a calúnia, não é necessário que a


imputação seja falsa. Há crime de difamação ainda que verdadeiro o
fato imputado, se desabonador ao sujeito passivo. Justifica Hungria a
impossibilidade da prova da verdade: ‘Desde que não se trate de
imputação de um crime, como na calúnia, o interesse social deixa de
ser o de facilitar o descobrimento da verdade, para ser o de impedir
que um cidadão se arvore em censor do outro, com grave perigo
para a paz social’.

A conduta pode ser praticada por qualquer pessoa desde que esta possua um
cadastro no site de relacionamento. A utilização de cadastros falsos, conhecidos
como “fakes”, não obsta a atividade persecutória, pois a Google, empresa gestora
do Orkut, fornece mediante solicitação judicial informações tais como o endereço de
IP, conforme o previsto em sua política de privacidade.
A crença de que a aplicabilidade das leis não se estende ao mundo virtual, a
possibilidade de constranger e ofender a honra da vítima perante milhares pessoas
com só alguns cliques, bem como a facilidade de extravasar certa opinião quando
não se está frente a frente com a vítima são os motivos mais comuns que levam à
pratica desse crime.
As vítimas podem ser quaisquer pessoas, sejam elas doentes mentais ou
menores de 18 anos, independente de utilizar ou não do serviço do site, afinal perfis
falsos e comunidades que atinjam a honra objetiva do ofendido podem ser criados.
Comentários especiais são feitos em relação à pessoa jurídica. Para parte da
doutrina não haveria possibilidade de crime contra a honra, pois dentre os vários
argumentos, só possui honra a pessoa humana. Contudo, a doutrina majoritária tem
se posicionado a em sentido contrário:
É certo que a definição legal do art. 139 do Código Penal fala
“alguém”. Mas “alguém” significa “alguma pessoa”, em face do que
se pode entender que o tipo cuida de toda espécie de pessoa, seja
física, seja jurídica. [...] Tanto que, nos termos da Súmula nº 227 do
STJ, “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. (JESUS, 2005 p.
207)

Não podemos confundir a difamação com o direito de liberdade de expressão


previsto no art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal. Um cliente insatisfeito tem o
direito de manifestar sua insatisfação com determinado produto ou serviço e sua
prática em sites ou no próprio Orkut não é considerada ato atentatório à honra
objetiva.
Assim já se encontra julgado na jurisprudência:

AÇÃO COMINATÓRIA - Pretensão do banco-autor voltada à


condenação do réu a retirar da Internet a página destinada à
divulgação da associação de pessoas supostamente lesadas pela
instituição, bem como a se abster de manter ou incluir qualquer texto
nessa rede de comunicação mencionando sua denominação, sob
pena de incidir no pagamento de pena pecuniária - Procedência da
demanda decretada em primeiro grau, ao argumento de que a
associação em tela que foi criada com o inequívoco propósito de
ofender a honra, a imagem e o nome do promovente - Decisório que
não merece subsistir - Hipótese em que não emerge dos autos a
indigitada ilicitude nos propósitos de criação e divulgação da
associação em causa, notadamente o ânimo de difamar - Entidade
que foi criada com a finalidade de defender interesses coletivos e
individuais daqueles que teriam sido lesados pela instituição
financeira, indicando sua página originária na Internet justamente o
intuito de cadastramento dos interessados para participar de uma
ação coletiva a ser ajuizada contra o banco-autor - Propósito assim
delineado induzindo à conclusão de que a palavra lesado foi utilizada
tendo em conta o seu significado jurídico, o que arreda a conotação
ofensiva apregoada na petição inicial - Inexistência, destarte, de
razão plausível para impedir a livre veiculação da existência da
associação e de seus objetivos – Apelo provido para o fim de julgar
improcedente a ação, invertidos os ônus da sucumbência. (TJ/SP,
2003).

A consumação do delito ocorre quando qualquer terceiro, usuário do Orkut,


visualizar o conteúdo ofensivo à reputação contido em certa comunidade ou na
página de recados.
Em relação a consumação via depoimento cabem alguns comentários. Vale
lembrar que o depoimento é um espaço que permite a inserção de elogios públicos
feitos por terceiros. A publicação desses comentários no perfil está sujeita a
aprovação do dono da conta. Se a conta pertencer a só uma pessoa bem como a
senha, pode-se vislumbrar a ocorrência da tentativa, pois tais informações não
chegarão a terceiros senão com a anuência do titular da conta. Outro argumento
seria, dependendo do conteúdo, entender tal situação como injúria, afinal, deste
modo, estar-se-ia atingindo a honra subjetiva do ofendido.
Sabendo que a honra é considerada direito disponível, a publicação do
material difamatório pela vítima através da aceitação do depoimento
descaracterizaria a ilicitude do fato e, conseqüentemente, o delito de difamação.
Portanto, dentre as duas hipóteses acima formuladas (tentativa de difamação ou
injúria), parece mais correto a opção pela caracterização “in casu” da figura da
injúria, já que a tentativa de difamação, na realidade estaria descaracterizada, seja
pelo fato de que a honra é bem jurídico disponível, seja pela incidência do crime
impossível (artigo 17, CP), já que o conteúdo difamatório não poderia chegar ao
conhecimento de terceiros sem a anuência do próprio ofendido, configurando-se
uma situação de impropriedade absoluta do meio eleito pelo infrator.
As possibilidades de crime impossível e de tentativa de difamação seriam
descartadas, no entanto, se, numa conta criada e administrada por A e B, B
tomasse conhecimento primeiro e o fato fosse imputado a A. Nessa situação o
conteúdo difamatório teria chegado ao conhecimento de terceiro e o crime de
difamação estaria consumado, independentemente de sua divulgação ulterior pelo
site de relacionamentos.
No mundo não virtual há divergências em relação a propalação de fato
difamatório. NORONHA (apud MIRABETE, 2007, p. 137) e NUCCI (2007, p. 127),
por ausência de previsão legal, sustentam a impossibilidade de incriminação do
propalador. Em sentido contrário MIRABETE (2007, p. 137) e JESUS (2005, p. 222)
entendem que a propalação, apesar de não ter previsão legal assim como ocorre na
calúnia, constitui nova difamação. No âmbito virtual, os usuários do Orkut também
não estão imunes à propalação de fatos difamatórios. Cita-se, por exemplo, a
possibilidade em que A passa a divulgar fotos ou mensagens de conteúdo
difamatório de C contidas em página de recados ou álbum de B.
Entende-se que a segunda posição é mais coerente e, dada a exposição
instantânea a todos os membros do site, sejam conhecidos ou não da vítima, enseja
também o aumento da pena em um terço, conforme disposição do art. 141, inciso III
do Código Penal, pois podemos considerar o Orkut como meio facilitador do crime.
Aliás, a aplicabilidade da causa especial de aumento de pena sobredita não se limita
aos casos de propalação, mas a toda conduta perpetrada através do site de
relacionamento ou da rede mundial de computadores, face à sua inegável
instrumentalidade facilitadora da divulgação.
Em termos práticos, verifica-se que as vítimas, ao invés de promoverem
processos de natureza penal, optam por buscar a tutela jurisdicional cível com o
objetivo de, na maioria das vezes, retirar conteúdo difamatório do Orkut e pleitear a
devida indenização por danos morais:

REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. OFENSAS PERPETRADAS


POR ALUNO AO PROFESSOR ATRAVÉS DE PÁGINA DO ORKUT.
DANO MORAL. EXISTÊNCIA. POUCA ESCOLARIDADE DOS
RESPONSÁVEIS QUE NÃO SE PRESTA A APAGAR A CONDUTA
DO ADOLESCENTE. UTILIZAÇÃO DE XINGAMENTOS E
PALAVRAS OFENSIVAS. PROVIMENTO DO APELO PARA
CONDENAR OS RESPONSÁVEIS AO PAGAMENTO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, LEVANDO-SE EM CONTA
O FATO, SUAS CIRCUNSTÂNCIAS, A CONDIÇÃO DA VÍTIMA E
DE SEU OFENSOR. PRECEDENTES NESTE TJRJ E EM OUTROS
TRIBUNAIS DO PAÍS. A crença de que é compatível com o
ordenamento a conduta de insultar pessoas através da rede mundial
de computadores, certamente influi negativamente na formação do
caráter e no comportamento de adolescentes, dando uma idéia de
permissibilidade, afastada do conceito global de educação. (TJ/RJ,
2008)

REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. CRIAÇÃO DE PERFIL FALSO


EM SITE DE RELACIONAMENTOS NA INTERNET. “ORKUT”.
CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA E À IMAGEM. PROVEDOR
QUE, INTERPELADO PELO USUÁRIO SOBRE A FRAUDE, NADA
PROMOVE PARA EXCLUIR A CONTA FALSA NEM FAZER
CESSAR A VEICULAÇÃO DO PERFIL. NEGLIGÊNCIA
CONFIGURADA. DEVER DE REPARAR OS DANOS MORAIS A
QUE DEU CAUSA, POR PERMITIR A PERPETUAÇÃO DA OFENSA
E O AGRAVAMENTO DA LESÃO À PERSONALIDADE DO AUTOR.
1. Não se olvida que o requerido é um provedor de serviços da
Internet, funcionando como mero hospedeiro das informações
postadas pelos usuários. Assim, dele não é razoavelmente exigível
que promova uma censura preventiva do conteúdo das páginas de
Internet criadas pelos próprios internautas, notadamente porque seria
difícil definir os critérios para determinar quando uma determinada
publicação possui cunho potencialmente ofensivo. O monitoramento
prévio de informações, portanto, é inexigível.
2. Em que pese isso, o provedor tem o dever de fazer cessar a
ofensa, tão-logo seja provocado a tanto, em razão de abusos
concretamente demonstrados. No caso dos autos, mesmo tendo sido
interpelado da ocorrência da fraude, o réu quedou-se inerte, nada
tendo promovido por cerca de um mês Permitiu fossem perpetradas,
a cada dia, novas ofensas à honra e a imagem do autor, agravando
ainda mais a lesão à sua personalidade. Foi negligente. Agindo com
culpa, praticou ato ilícito, devendo responder perante o autor pela
reparação dos danos causados.
3. Dano moral configurado, ante a violação do direito fundamental à
honra e à imagem (art. 5º, X, da CF), possibilitada a perpetuação
dessa ofensa e o agravamento da lesão, por ato omissivo da ré.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ/RS, 2007)

3. CONCLUSÃO

O avanço da tecnologia coloca a cada dia novos desafios a serem


enfrentados pelo direito. Embora a concepção popular já tenha mudado bastante,
ainda é comum encontrar inúmeras pessoas que acreditem que a internet é um
espaço sem fronteiras e, portanto, livre da tutela jurisdicional do Estado.
Verifica-se que tal evolução tecnológica impulsiona, por sua vez, a
adequações e atualização das legislações penais existentes. Contudo, em relação
aos crimes contra a honra, em especial a difamação, verificamos que o texto de
1940 encontra total adequação para os casos ocorridos via internet.
Por fim, conclui-se que a inevitável evolução tecnológica traz reflexos diretos
à sociedade. Isso exige cada vez mais preparação do Estado para lidar com essas
questões. A discussão exaustiva, como a proposta no presente trabalho é a primeira
etapa na busca de soluções justas aos conflitos da vida moderna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol.2. 27.ed. São Paulo: Saraiva,
2005.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol.2. 25ª Ed. São Paulo: Atlas,
2007.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007.

ORKUT. Notícias e Dados Demográficos. Orkut, Disponível em: < http://www.orkut.


com.br/Main#MembersAll.aspx >. Acesso em: 31.08.2008.

SAWAYA, Márcia Regina. Dicionário de Informática e Internet. São Paulo: Nobel,


1999.

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