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SJT-MED - Preparatório para Residência Médica

Nefrologia 1 - Introdução à Nefrologia e Doenças Glomerulares. São Paulo: SJT-MED Editora, 2021.

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PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


SUMÁRIO

ANATOMIA E FISIOLOGIA......................................5 Progressão da doença glomerular.................................... 34


Introdução............................................................................ 5 Anormalidades urinárias.................................................... 35
Vascularização..................................................................... 7 Hematúria........................................................................... 36
Principais funções dos rins.................................................. 8 Causas da hematúria......................................................... 37
O néfron............................................................................... 9 Avaliação de pacientes com hematúria............................. 39
Aparelho justaglomerular................................................... 12 Proteinúria.......................................................................... 40
Resistência arteriolar......................................................... 13 Tipos de proteinúria........................................................... 41
Autorregulação................................................................... 13 Avaliação de pacientes com proteinúria............................ 43
Filtração glomerular........................................................... 13 Exames laboratoriais e investigação inicial de
Parede capilar glomerular, permeabilidade e proteinúria. 14 paciente com glomerulonefrite ........................................ 46

Manuseio renal de proteínas............................................. 14 Ecame de biópsia renal..................................................... 47

Mecanismos fisiopatológicos da proteinúria .................... 15 Microscopia óptica............................................................. 48

Sódio.................................................................................. 16 Imunofluorescência............................................................ 49

Reabsorção de sódio pelos segmentos tubulares............ 16 Microscopia eletrônica....................................................... 49

Córtex renal........................................................................ 17 Glomerulonefrites associadas com síndrome nefrítica..... 49

Túbulo proximal.................................................................. 17 Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica (GNPE)....... 50

Alça de Henle..................................................................... 18 Fisiopatologia..................................................................... 50

Túbulo distal....................................................................... 18 Biópsia renal...................................................................... 52

Túbulos coletores............................................................... 18 Quadro clínico.................................................................... 52

Porássio............................................................................. 19 Abordagem clínica e Investigação laboratorial................. 59

Excreção de potássio pelo rim.......................................... 19 Evolução e tratamento....................................................... 55

Cálcio................................................................................. 20 Glomerulonefrite aguda não estreptocócica .................... 57

Absorção intestinal............................................................ 21 Glomerulonefrite associada à endocardite


bacteriana subsguda......................................................... 57
Manejo Renal..................................................................... 21
Glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP)......... 58
Tegulação hormonal do cálcio........................................... 22
Síndrome de Goodpasture ............................................... 59
Fósforo............................................................................... 22
Fisiopatologia..................................................................... 59
Dieta e absorção................................................................ 23
Quadro clínico.................................................................... 59
Manejo renal...................................................................... 23
Abordagem clínica e investigação laboratorial................. 59
Manutenção do equilívro acidobásico............................... 24
Diagnóstico diferencial...................................................... 60
Regulação da osmolaridade.............................................. 24
Evolução e tratamento....................................................... 60
Mecanismos de diluição e concentração urinária ............ 24
Nefropatia por IgA.............................................................. 61
Mecanismo de contracorrente........................................... 25
Fisiopatologia..................................................................... 62
Regulação hormonal do equilíbrio de sódioe água........... 26
Quadro clínico.................................................................... 63
Balanço hídrico.................................................................. 26
Abordagem clínica e investigação laboratorial................. 64
Depuração osmolar e de água livre................................... 27
Diagnóstico diferencial...................................................... 64
Referências Bibliográgicas................................................ 29
Evolução e tratamento....................................................... 64
DOENÇAS GLOMERULARES................................... 30
Nefrite lúpica...................................................................... 65
Introdução.......................................................................... 30
Quadro clínico.................................................................... 66
Classificação clínica e terminologia da doença
Evolução e tratamento....................................................... 67
glomerular.......................................................................... 30
Glomerulonefrites anca relacionadas................................ 67
Síndromes glomerulares.................................................... 31
Granulomatose com Poliangeíte ...................................... 68
Epidemiologia da doença glomerular................................ 33
Poliangeíte microsdcópica ................................................ 68
Patogênese da leão glomerular......................................... 34

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Síndrome de Churg-Strauss ............................................. 68 Causas genéticas.............................................................. 83
Abordagem clínica e investigação laboratorial de pacientes Fisiopatologia..................................................................... 84
com Glomerulonefrites anca relacionada......................... 69 Biópsia renal...................................................................... 84
Tratamento......................................................................... 69 Quadro clínico.................................................................... 84
Glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP)............. 69 Evolução e tratamento....................................................... 85
Fisiopatologia..................................................................... 70 Glomerulopatia membranosa............................................ 85
Abordagem clínica e investigação laboratorial................. 71 Fisiopatologia..................................................................... 86
Evolução e tratamento....................................................... 71 Biópsia renal...................................................................... 86
Glomerulonefrite mesangioproliferativa............................ 72 Quadro clínico.................................................................... 87
Síndrome nefrótica............................................................. 72 Particularidades na investigação de pacientes com Glomeru-
Etiologia............................................................................. 73 lonefrite membranosa............................................... 88
Fisiopatologia do edema nefrótico.................................... 74 Diagnóstico |diferencial..................................................... 88
Achados clínicos em pacientes com síndrome nefrótica.. 75 Evolução e tratamento....................................................... 88
Complicações clínicas ...................................................... 75 Síndrome nefrótica secundária à doenças
Tromboembolismo............................................................. 75 sistêmicas comuns............................................................ 88

Infecções............................................................................ 76 Nefropatia diabética........................................................... 88

Aterogênese....................................................................... 76 Fisiopatologia..................................................................... 89

Insuficiência renal aguda................................................... 76 Evolução e tratamento....................................................... 89

Abordagem clínica e investigação laboratorial em pacientes Nefropatia associada ao HIV (NAHIV).............................. 90


com síndrome nefrótica..................................................... 76 Amiloidose......................................................................... 91
Recomendações gerais em pacientes com Fisiopatologia..................................................................... 91
síndrome nefrótica............................................................. 79 Avaliação clínica................................................................ 91
Tratamento do edema........................................................ 79 Evolução e tratamento....................................................... 92
Ingestão proteica............................................................... 80 Doenças por deposição glomerular.................................. 92
Dislipidemia........................................................................ 80 Doenças por deposição de cadeias leves ........................ 92
Tromboembolismo............................................................. 81 Amiloidose reanl ............................................................... 92
Infecções............................................................................ 81 Glomerulopatia fibrilar imunotactoide ............................... 93
Doença de lesão mínima (DLM)........................................ 81 Doença de Fabry............................................................... 93
Fisiopatologia..................................................................... 81 Síndromes de membrana basal........................................ 94
Quadro clínico.................................................................... 82 Doença anti-MBG.............................................................. 94
Diagnóstico diferencial...................................................... 82 Síndrome de Alport............................................................ 94
Evolução e tratamento....................................................... 82 Doença da membrana basal fina....................................... 95
Glomeruloesclerose segmentar focal (GESF).................. 83 Referências Bibliográficas................................................. 96
1
CAPÍTULO 1

ANATOMIA E FISIOLOGIA

INTRODUÇÃO e a glândula adrenal de cada lado, constituindo


o espaço perirrenal. Essa gordura é responsável
Os rins são órgãos que lembram a forma de um pela visualização radiológica da silhueta renal,
grão de feijão, de coloração marrom-averme- devido à sua maior radiotransparência.
lhada, situados no espaço retroperitoneal, um
de cada lado da coluna vertebral, de tal forma A fáscia renal tem a tendência de limitar a
que seu eixo longitudinal corre paralelamente disseminação de infecções renais, hemor-
ao músculo psoas maior. Na posição ortostá- ragias ou extravasamento de urina e deter-
tica, sua margem superior encontra-se ao nível mina a divisão do retroperitônio em três
da primeira vértebra lombar, e a inferior, da compartimentos: espaços para-renal anterior,
quarta vértebra lombar. Em decúbito dorsal, as perirrenal e para-renal posterior.
margens superior e inferior dos rins elevam-se Ao corte, o parênquima renal apresenta
ao nível do bordo superior da 12ª vértebra torá- uma porção cortical de cor avermelhada
cica e da 3ª vértebra lombar, respectivamente. e uma porção medular de cor amarelo-pá-
Com a respiração, os rins podem deslocar-se lida. Na região medular, observam-se várias
cerca de 1,9 cm, chegando a 4,1 cm na inspira- projeções cônicas ou piramidais, de aspecto
ção profunda. Normalmente, o rim direito é estriado, cujas bases estão voltadas para o cór-
um centímetro menor e encontra-se ligeira- tex, enquanto seus ápices se dirigem ao hilo
mente mais caudal em relação ao esquerdo. renal e se projetam na pelve renal. O conjunto
O rim de um indivíduo adulto mede de 11 a da pirâmide renal e seu córtex associado
13 cm de comprimento, 5 a 7,5 cm de largura denomina-se lobo renal. A parte do córtex
e 2,5 a 3 cm de espessura, pesando entre 125 que encobre a base denomina-se córtex cen-
e 170 gramas, no homem, e entre 115 e 155 trolobar, e a parte localizada lateralmente à
gramas, na mulher. Com o envelhecimento, pirâmide renal é o septo renal. A união de sep-
há uma diminuição do peso renal. Em recém- tos renais adjacentes constitui a formação das
-nascidos, este peso é bem menor, varia de colunas renais ou de Bertin, que separam uma
13 a 44 gramas. A variação do tamanho e do pirâmide da outra.
peso dos rins na população demonstrou estar O rim humano contém, em média, 14 lobos,
mais relacionada com a superfície corporal do sendo seis no pólo renal superior, quatro no
indivíduo, não sendo influenciada por sexo, pólo médio e quatro no pólo inferior. Outro
idade ou raça, quando se leva em consideração estudo, feito por Inke, propõe que o rim se forma
o tipo de constituição corporal. Outros estudos a partir de quatro protolobos, que se dividem de
demonstraram também que o nível de hidra- maneira desigual, resultando em um número
tação do organismo e a pressão arterial provo- variável de lobos, sendo geralmente oito.
cam variações no tamanho do rim. A medula é constituída somente por túbulos
Ao redor dos rins, no espaço retroperitoneal, e divide-se em duas regiões. A zona medular
há uma condensação de tecido conjuntivo, interna contém os ductos coletores, as partes
que representa a fáscia de Gerota ou fáscia ascendente e descendente dos segmentos del-
renal. Ela divide-se em fáscias renais anterior e gados das alças de Henle e os vasa recta. A zona
posterior, envolvendo um tecido adiposo, deno- medular externa é formada por duas faixas:
minado gordura perirrenal, que contorna o rim a externa, composta pela porção terminal reta

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6 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

dos túbulos contornados proximais, segmen- determina a diminuição do número de cálices


tos espessos da alça de Henle e ductos cole- e de papilas renais. O grau de fusão calicial é
tores, e a interna, contendo os ramos ascen- maior que o de fusão papilar, o que determina
dentes espessos e descendentes delgados das o aparecimento de cálices compostos, ou seja,
alças de Henle e os ductos coletores. cálices que recebem mais que uma papila. Apa-
recem também papilas compostas, que dre-
O córtex, com cerca de um centímetro de
nam mais de um lobo. Esse processo mostra-se
espessura, contém túbulos e glomérulos. Nele
mais evidente nos pólos superior e inferior do
observam-se, a intervalos regulares, estriações
rim, sendo que na região central predominam
denominadas raios medulares. Esses raios origi-
os cálices e as papilas simples.
nam-se das bases das pirâmides e contêm túbu-
los coletores, ramos ascendentes da alça de Henle As papilas simples possuem extremidades con-
e as porções retas terminais dos túbulos contor- vexas, enquanto as compostas, dependendo
nados proximais, cuja disposição em paralelo é do número de fusões, apresentam formato cir-
responsável pelo aspecto estriado das pirâmides. cular, rígido, achatado, ou até mesmo côncavo,
predispondo ao surgimento do fenômeno do
Cada raio medular ocupa o centro de um lóbulo
refluxo intrarrenal, relacionado à etiologia da
renal, uma pequena e cilíndrica área de córtex,
pielonefrite crônica e da nefropatia do refluxo.
delimitada por artérias interlobulares. O termo
Sequelas de pielonefrite são mais observadas
lóbulo renal, apesar de descrito, não é muito
nos pólos renais, locais de maior ocorrência de
empregado, uma vez que não se consegue defi-
papilas compostas.
nir sua importância anátomo-funcional.
A porção do cálice menor que se projeta para
Alguns dos túbulos se unem para formar duc-
cima, ao redor da papila, é chamada de fórnix,
tos coletores. Os ductos coletores maiores, ou
sendo importante porque os primeiros sinais
ductos de Bellini, abrem-se no ápice da pirâ-
de infecção ou obstrução ocorrem neste nível.
mide, na papila renal, região que contém a área
Os cálices menores unem-se para formar os
crivosa com cerca de 10 a 25 perfurações. A
cálices maiores, que são em número de dois
urina, que drena dessa área, cai em um recep-
a quatro. Comumente, apenas três cálices são
táculo chamado cálice menor.
vistos no urografia excretora. Os cálices maio-
Até a 28ª semana de gestação, existem 14 cáli- res, por sua vez, unem-se para formar um
ces de tal maneira que cada cálice se associa funil curvo, chamado pelve renal, que se
apenas a uma papila. Após esse período, tem- curva no sentido medial e caudal, para se
-se início o processo de fusão lobar, que pode tornar o uréter em um ponto denominado
prolongar-se até após o nascimento e que junção ureteropélvica.

Figura 1.1 Estruturas do trato urinário (A) e corte transversal do rim (B).

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 7

VASCULARIZAÇÃO

Figura 1.3 Corte frontal do rim esquerdo mostrando vascularização em visão anterior.
Figura 1.2 O rim.
Fonte: Atlas de Anatomia Humana, Frank H. Netter, 6º. Edição

Figura 1.4 Rim esquerdo seccionado.

A circulação renal apresenta uma característica única: duas redes capilares se encontram em
série em um mesmo órgão – rede capilar e peritubular. A artéria renal se divide em ramo ante-
rior e ramo posterior. Algumas vezes, é possível encontrar artérias acessórias renais, as quais
apresentam importância cirúrgica, por exemplo, na nefrectomia. As artérias renais são únicas e
se dividem sequencialmente até a formação do glomérulo: a. renal - a. interlobares - a. arqueadas
- a. interlobulares - arteríolas aferentes - capilares glomerulares.
Devido à ausência de anastomoses entre as múltiplas divisões da artéria renal, a obs-
trução de uma dessas divisões ocasiona isquemia parcial do órgão. As arteríolas aferen-
tes apresentam o mesmo padrão morfológico por todo o córtex renal. As arteríolas eferentes

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8 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

apresentam heterogeneidade morfológica e renal, comunicando-se com os linfáticos intrar-


caracterizam-se pela presença de ramifica- renais.
ções laterais que formam os plexos capilares
que envolvem os túbulos.

No córtex justamedular, as arteríolas eferentes


(espessas musculares) penetram na medula e for-
mam os vasa recta através de múltiplas divisões
longitudinais.

As arteríolas eferentes participam do controle da


filtração glomerular, irrigação medular e reabsor-
ção de água e eletrólitos por meio da formação
dos plexos capilares e dos vasa recta.

O sangue retorna à circulação através dos vasa


recta ascendentes, de anastomoses venosas
entre os capilares peritubulares e as veias na
região cortical que drenam para veias interlo-
bulares – veias interlobares – veia renal – veia
cava inferior.

A inervação simpática renal atua principal-


mente nas arteríolas aferentes e eferentes e no Figura 1.5 Diagrama ilustrando a circulação renal.

aparelho justaglomerular. Este último encon-


tra-se envolvido com a secreção de renina,
que age, entre outros, na musculatura lisa das
PRINCIPAIS FUNÇÕES DOS RINS
arteríolas. As principais funções dos rins são a regula-
ção do volume hídrico, osmolaridade e equi-
A inervação aferente da dor também apresenta
líbrios hidrossalino e acidobásico. A manu-
papel importante, pois pode ajudar a localizar a
tenção de concentrações normais do espaço
altura de um cálculo em migração. O rim disten-
extracelular (EEC) de vários íons, como sódio,
dido estimula as terminações nervosas da cáp-
potássio, cloro, cálcio, magnésio, fosfatos, sul-
sula renal e provoca dor em região lombar agra-
fato e hidrogênio íon (H+), depende de mecanis-
vada à punho-percussão. Já a dilatação ureteral
mos renais de excreção e reabsorção.
por cálculo resulta em dor que segue o trajeto
do uréter, à medida que o cálculo migra, com Outra função importante dos rins é a excreção
irradiação para a genitália quando localizado de produtos do catabolismo, tais como: ureia
principalmente no segmento inferior ureteral. (proteína); ácido úrico (ácidos nucleicos); creati-
nina (creatina muscular); produtos da degrada-
Os linfáticos intrarrenais distribuem-se, prima- ção da hemoglobina; metabólitos hormonais;
riamente, ao longo das arqueadas, não pene- entre outros.
trando no parênquima propriamente. Os lin-
fáticos corticais originam-se no nível do tecido Além disso, substâncias exógenas, como fárma-
conjuntivo que envolve as artérias intralobula- cos, pesticidas, aditivos alimentícios e outros,
também são excretadas pela urina.
res, drenam nos linfáticos arqueados na junção
córtico-medular e atingem os linfáticos do hilo A neoglicogênese renal é importante, princi-
através dos linfáticos interlobares. Há também palmente nos períodos de jejum prolongado, e,
uma rede linfática no interior e sob a cápsula nessas condições, os rins sintetizam glicose a

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 9

partir de aminoácidos e outros precursores e alça de Henle, túbulo distal e segmento conec-
liberam-na na circulação. tor. Cada rim possui aproximadamente 1
A função endócrina renal é exercida pela milhão de néfrons, originados embriologi-
secreção de três principais hormônios: camente do blastema metanéfrico. O sis-
renina, eritropoetina e 1,25(OH)2D3 (calcitriol). tema coletor formado pelo túbulo coletor ini-
cial, ducto coletor cortical no raio medular e
A renina produzida no aparelho justaglo-
segmentos medular interno e externo não é
merular é uma enzima proteolítica que
considerado parte do néfron por ter origem
atua sobre o angiotensinogênio, liberando
embriológica diferente. Ele se origina do broto
a angiotensina-I (A1), um decapeptídeo que,
ureteral. No entanto, do ponto de vista didá-
pela ação da enzima conversora de angio-
tico, considera-se todo o sistema tubular cole-
tensina (ECA), transforma-se em angioten-
tor como parte do néfron, assim como o apare-
sina-II (A2) (octapeptídeo). A A2 apresenta
lho justaglomerular.
uma potente ação vasoconstrictora e atua nos
mecanismos renais de reabsorção de sódio. O Existem duas populações de néfrons: uma
sistema renina-angiotensina atua localmente com alça de Henle curta e a outra com alça de
(ação parácrina) no interior do órgão, exer- Henle longa. Os néfrons que se originam da
cendo importante função no balanço gloméru- região córtico-medular apresentam alças
lo-tubular, responsável pela regulação do de Henle longas, que penetram profun-
ritmo de filtração glomerular. damente na medula interna. No homem,
A eritropoetina é um hormônio produzido existem aproximadamente sete vezes mais
por grupos especiais de células intersticiais néfrons de alça de Henle curta do que longa.
renais, estimulando a produção de eritrócitos Em relação aos vários segmentos do néfron,
pela medula óssea, e sua secreção é desen- podemos localizá-los da seguinte forma: na
cadeada pela redução da pressão parcial de medula interna, temos as alças finas des-
oxigênio (PO2) no tecido renal, que ocorre cendente e ascendente de Henle e os ductos
na anemia, na hipoxemia e na diminuição do coletores. Na faixa interna da zona externa da
fluxo sanguíneo renal. A anemia das doenças medula externa, podemos observar os ramos
renais crônicas (DRC) é devida, principalmente, finos descendentes e espessos ascendentes,
à menor produção de eritropoetina. juntamente com os ductos coletores. Na faixa
A 1,25(OH)2D3 é a forma ativa da vitamina D que, externa da zona externa da medula externa,
para ser sintetizada, necessita de uma primeira podemos observar o segmento terminal da
hidroxilação, realizada no fígado, e uma segunda parte reta do túbulo proximal e os ramos
nos rins, sendo a mesma essencial para a ascendentes espessos (parte reta do túbulo
absorção intestinal de cálcio. Na DRC, os níveis distal) e ductos coletores.
de 1,25(OH)2D3 estão diminuídos, levando à Os túbulos renais podem ser divididos con-
menor absorção de cálcio. Os menores níveis forme sua estrutura e função celular. O túbulo
séricos de cálcio estimulam a secreção de para-
proximal tem aproximadamente 14 nm de
tormônio (PTH), resultando em hiperparatireoi-
comprimento, inicia-se no pólo urinário do
dismo, inicialmente secundário, com as suas
glomérulo, forma vários contornos próxi-
consequentes alterações ósseas (osteomalácia).
mos ao glomérulo de origem e depois desce,
sob a forma de segmento reto, em direção
à medula. O segmento inicial é geralmente
O NÉFRON denominado pars convoluta e o mais distal,
O néfron é a unidade funcional do rim, sendo pars reta, sendo que estes últimos consti-
constituído por glomérulo, túbulo proximal, tuem parte dos raios medulares. A alça de

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10 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Henle é formada pela porção reta do túbulo proximal (pars reta), segmento delgado e por-
ção reta do túbulo distal.
Já o túbulo distal constitui-se através do segmento ascendente espesso da alça de Henle
(pars reta), da mácula densa e do túbulo contornado distal (pars convoluta). A porção reta
(pars reta) do túbulo distal pode encontrar-se tanto na região medular como na cortical, depen-
dendo da localização do glomérulo. A pars reta atravessa a medula externa e sobe no raio medu-
lar do córtex até ficar em contato com o seu próprio glomérulo. Esta porção tubular contígua ao
glomérulo forma a mácula densa. A pars reta possui um alto metabolismo, sendo especialmente
sensível à isquemia. A transição entre o segmento ascendente delgado e o segmento espesso
marca a divisão entre zona externa e zona interna da medula.
A pars convoluta estende-se da mácula densa ao início do ducto coletor. O ducto coletor deri-
va-se do broto ureteral. De acordo com a localização do rim, costuma-se dividir o ducto
coletor (DC) em três segmentos: segmento coletor proximal, segmento medular interno e
externo. O segmento coletor cortical forma-se inicialmente pelo túbulo coletor inicial e, depois,
continua com uma porção arqueada e medular. O segmento medular interno termina na papila.

Figura 1.6 Representação esquemática de túbulo urinífero que constitui néfron da zona cortical externa, túbulo e
ductos coletores medulares. A representação também mostra a sua vascularização sanguínea.

Figura 1.7 Representação esquemática (A) e fotomicrografia (B) de corpúsculo renal (de Malpighi). Nota-se, tanto em A quanto em B, túbulo distal junto ao

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 11

Figura 1.7 Representação esquemática (A) e fotomicrografia (B) de corpúsculo renal (de Malpighi). Nota-se, tanto em A quanto em B, túbulo distal junto ao
polo vascular, o glomérulo e o polo urinário do corpúsculo, onde tem início o túbulo contorcido proximal. Em A, observam-se detalhes das arteríolas, aferente
e eferente; da mácula densa e células justaglomerulares; dos podócitos e das características de células do folheto parietal da cápsula de Bowman. Em B,
fotomicrografia obtida de preparado corado pela hematoxilina-eosina. Aumento médio.

Figura 1.8 Esquema da ultraestrutura do capilar glomerular e do folheto visceral da cápsula de Bowman. Este folheto é constituído pelos podócitos. O endo-
télio do capilar é fenestrado e está apoiado em uma membrana basal. À esquerda, aparece um corte em um podócito, vendo-se a ultraestrutura desta célula.
Aparecem ainda dois podócitos não cortados, observando-se que seus núcleos fazem saliência no corpo celular. Os podócitos contêm prolongamentos
primários, de onde partem os prolongamentos secundários que se vão apoiar na membrana basal glomerular, deixando uma fenda de filtração entre eles.

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12 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Figura 1.9 Representação esquemática mostrando capilares glomerulares e a localização de podócito e célula mensangial entre eles. Nota-se no esquema que
tanto a célula mesangial quanto os dois capilares estão envoltos pela mesma membrana basal glomerular (MBG).

Figura 1.10 diagrama do aparelho justagloimerular

APARELHO JUSTAGLOMERULAR
O aparelho justaglomerular é constituído por um componente vascular, tubular, células mesangiais
e sua matriz. Está localizado no pólo vascular do glomérulo, onde uma porção do néfron distal entra
em contato com as arteríolas glomerulares. O componente vascular é composto pelas porções
terminal da arteríola aferente e inicial da arteríola eferente. O componente tubular é formado

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 13

pela mácula densa, que é a porção do ramo estabelece a relação entre a tensão da parede do
espesso ascendente em contato com o com- vaso, o seu raio e a pressão transmural. Quando a
ponente vascular. No componente vascular, pressão de perfusão se eleva, aumenta também
temos dois tipos de células: 1) as células granu- a pressão transmural e a tensão. O aumento da
lares justa glomerulares, também chamadas
tensão resulta em contração da musculatura lisa
de mioepiteliais ou epitelioides e 2) as células
arteriolar, com redução do raio. Portanto, um
mesangiais extra-glomerulares agranulares. As
aumento da pressão de perfusão diminui o cali-
células granulares estão localizadas nas arterí-
olas aferente e eferente (e também na região bre do vaso, com aumento da resistência vascular
mesangial e manutenção do fluxo. A autorregulação renal
sofre a influência de várias substâncias vasoativas
extra-glomerular) e produzem renina e óxido
e hormônios. O sistema renina-angiotensina
nítrico, importantes mediadores na hemodinâ-
mica glomerular. tem um papel importante na autorregulação
renal e no feedback túbulo-glomerular: quando
ocorre hipotensão, há formação de angiotensina-
RESISTÊNCIA ARTERIOLAR -II, que irá atuar preferencialmente na arteríola
eferente, aumentando sua resistência. Com isso,
Os capilares glomerulares estão interpostos
entre duas arteríolas: a arteríola aferente, ou ocorre elevação da pressão no interior do capilar
pré-capilar, e a eferente, ou pós-capilar. Como glomerular e, consequentemente, a manutenção
resultado, a pressão hidráulica no capilar glo- da filtração glomerular normal.
merular é dependente da pressão aórtica que
perfunde o rim, da resistência da arteríola afe-
rente, a qual determina o grau de pressão arte-
rial transmitida para o
capilar glomerular, e da resistência na arteríola
eferente. O aumento na resistência da arterí-
ola eferente eleva a pressão capilar glomerular
e, consequentemente, a filtração glomerular.
Por outro lado, sua dilatação diminui a pressão
intracapilar e também a filtração glomerular.

AUTORREGULAÇÃO
A pressão do capilar glomerular teoricamente
Figura 1.11 Efeito das alterações da resistência das arteríolas aferente
deveria variar muito em consequência de varia- sobre o fluxo sanguíneo renal (FSR) e taxa de filtração glomerular (TGF),
ções na pressão arterial sistêmica. Entretanto, mantendo-se constante a pressão de perfusão. Af = arteríola aferente; Ef
= arteríola eferente.
a filtração glomerular e o fluxo sanguíneo
renal são relativamente estáveis, mesmo
com grandes variações na pressão arterial. FILTRAÇÃO GLOMERULAR
Esse fenômeno é chamado de autorregulação.
As arteríolas aferente e eferente, que se encon- O volume de urina produzido diariamente, em
tram interpostas com os capilares glomerulares, média 1,5 L (ou 1 mL/min), é o produto da ultra-
podem controlar de maneira efetiva o fluxo plas- filtração de 180 L/dia de plasma (ou 125 mL/
mático e a filtração glomerular. Uma hipótese min) e da reabsorção de mais de 99% deste fil-
para o fenômeno de autorregulação é a teoria trado por vários processos de transporte nas
miogênica que se baseia na lei de Laplace, a qual células tubulares renais.

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14 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

O fluxo sanguíneo renal corresponde a apro- volumes de água sem proteínas. A conservação
ximadamente 20% do débito cardíaco, 1.000 de proteínas no organismo é fundamental para
a 1.200 mL/min de sangue, ainda que o rim a regulação da pressão oncótica, da proteção
represente apenas 1% do peso corporal total. imunológica, da coagulação sanguínea normal
O rim, proporcionalmente ao seu tamanho, e de uma série de outros processos vitais para
recebe mais fluxo de sangue do que o cérebro, o indivíduo. No entanto, uma pequena quan-
o coração ou o fígado. tidade de proteínas é encontrada na urina
A força inicial que determina a formação do de pessoas normais. Aproximadamente 30
ultrafiltrado glomerular, através da parede a 40% desta proteinúria é constituída de
capilar glomerular para o espaço urinário, é albumina, 15 a 20% de globulinas como IgG,
derivada do desequilíbrio da pressão hidráu- IgA e outras proteínas de cadeias leves,
lica gerada pelo coração e da pressão oncótica e o restante é constituído por proteína de
dentro dos capilares glomerulares. A pressão Tamm-Horsfall (descrita abaixo). O valor
hidrostática dentro do capilar glomerular favo- normal da proteinúria deve ser inferior a
rece a filtração, enquanto a pressão oncótica 150 mg/24h.
intracapilar e a pressão hidrostática na cápsula
de Bowman opõem-se a ela. O fluxo plasmático
renal e a área de superfície dos capilares glo- MANUSEIO RENAL DE
merulares também são determinantes impor-
PROTEÍNAS
tantes da taxa de filtração glomerular.
O manuseio de proteínas pelo rim é com-
Uma diminuição da taxa de filtração glomeru-
plexo e consiste fundamentalmente de três
lar pode ser esperada quando há:
componentes principais: a permeabilidade
Diminuição da pressão hidrostática glo- da parede capilar glomerular, do metabolismo
merular (exemplos: hipotensão e choque). tubular de proteínas filtradas e da produção e
Elevação da pressão tubular (exemplos: obs- secreção de proteínas pelas células tubulares
trução urinária, como na hiperplasia prostática renais. Exemplo disso é a proteína de Tamm-
benigna ou neoplasia de próstata). -Horsfall, também chamada de uromodu-
lina, uma glicoproteína não encontrada no
Elevação da pressão oncótica (exemplos:
plasma, de origem tubular, que é a proteína
hemoconcentração e mieloma múltiplo).
mais abundante encontrada na urina de
Diminuição da perfusão renal (como na insu- pessoas sadias. Apresenta peso molecular de
ficiência cardíaca). até 1 milhão de dáltons - Da (quando presente
Diminuição da permeabilidade capilar glo- na forma agregada), pesando aproximada-
merular (como nas glomerulonefrites). mente 95 mil - Da na sua forma monomérica.
Está presente em quantidades de 20 a 100 mg
Diminuição da área de superfície de filtra-
na urina de 24 horas. Essa proteína é secretada
ção (exemplos: perda de néfrons, nefrectomia
principalmente pelas células do ramo ascen-
prévia ou insuficiência renal crônica).
dente da alça de Henle e pela parte inicial do
túbulo distal. A proteína de Tamm-Horsfall é
o principal componente dos cilindros hiali-
PAREDE CAPILAR GLOMERULAR, nos presentes na urina. Os principais fatores
PERMEABILIDADE E que limitam a filtração de proteínas plasmáti-
PROTEINÚRIA cas são mecânicos e eletroquímicos.

A parede capilar glomerular é especialmente A parede do capilar glomerular está for-


adaptada para permitir a passagem de grandes mada por três camadas:

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 15

• Células endoteliais que formam a porção também são cobertos com sialoglicopro-
mais interna e representam uma continua- teínas contendo cargas negativas, contri-
ção direta do endotélio da arteríola aferente. buindo com a integridade dos podócitos e
Este prolongamento é também denomi- do diafragma entre eles.
nado lâmina fenestrada, pela característica
Portanto, as várias proteínas aniônicas nas
peculiar dos citoplasmas das células endote-
três camadas da membrana basal contribuem
liais. Essas fenestras ou poros têm diâmetro
de forma decisiva para a manutenção das pro-
de 70 a 100 nm. Há ainda membranas del-
teínas plasmáticas na circulação sanguínea.
gadas, ou diafragmas, que são observadas
entre poros. As células endoteliais apresen- Esse é o elemento mais importante para expli-
tam uma rede de cargas negativas devido a car a ausência de albumina no espaço uriná-
poliânions como os proteoglicanos; rio. Por outro lado, as proteínas de baixo peso
molecular, abaixo de 25 mil - Da ou com raio
• Uma membrana basal contínua que consti-
molecular menor do que 2,3 nm, são peque-
tui a camada média. A membrana basal do
nas o suficiente para atravessar a barreira do
capilar glomerular (espessura em torno de
310 nm) está formada por uma região central capilar glomerular. Nesses casos, a carga elé-
densa, denominada lâmina densa, e por duas trica tem um papel secundário no processo de
camadas mais finas, menos densas, deno- filtração glomerular. Elas são extensivamente
minadas lâminas raras interna e externa. O filtradas e posteriormente reabsorvidas pelos
principal componente da membrana basal túbulos proximais.
é uma molécula apolar do tipo procolágeno
associada a glicoproteínas, sendo a molécula
procolágeno composta de cadeias alfa ricas MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS
em hidroxiprolina, hidroxilisina e glicina. Um DA PROTEINÚRIA
segundo componente refere-se a uma fra-
ção não-colágena, polar, representada por As proteínas plasmáticas podem aparecer
unidades de polissacarídeos ligados à aspa- na urina por meio de mecanismos distin-
raginase. O colágeno tipo IV representa o tos. O primeiro, devido a uma alteração na
principal constituinte da fração colágena barreira da membrana capilar glomerular,
da membrana basal; que permitiria a passagem de proteínas de
• Uma camada mais externa, formada de alto peso molecular, normalmente retidas. Tais
células epiteliais (podócitos), que constitui o proteínas aparecem na urina devido à inca-
folheto visceral da cápsula de Bowman. pacidade de reabsorção tubular. No segundo,
devido à lesão tubular, que pode resultar em
Entretanto, o tamanho não é o único obs-
diminuição na capacidade absortiva do túbulo
táculo às proteínas plasmáticas. Cargas
elétricas na membrana basal também proximal, permitindo a presença de proteínas
desempenham um importante papel na de baixo peso molecular na urina. No terceiro,
seletividade à filtração das proteínas. Por devido a uma produção aumentada de prote-
exemplo, a albumina, com um raio molecu- ínas no plasma, que, em situações extremas,
lar de 3,6 nm e peso molecular de 69 mil - Da, pode ultrapassar a capacidade de reabsorção
deveria facilmente transpor a barreira capilar do túbulo proximal. Dessa maneira, a proteinú-
glomerular, se o tamanho fosse a única bar- ria pode ser didaticamente classificada como
reira. Isso não ocorre, no entanto, pelo fato glomerular, tubular ou por transbordamento
de a albumina ser repelida eletricamente , já (também conhecida como hiperfluxo – decor-
que tanto a albumina como a membrana basal rente da filtração de grandes quantidades de
apresentam cargas negativas. Os podócitos proteínas séricas).

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16 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

A proteinúria glomerular é secundária a A eliminação do sódio do organismo ocorre


alguma lesão da parede glomerular, com principalmente pelos rins. Considerando uma
alteração de permeabilidade da barreira de ingestão de sódio de 150 mEq/dia, a excreção
filtração glomerular. Isso pode ocorrer nas renal será aproximadamente de 140 mEq/dia,
várias glomerulopatias primárias ou secundá- enquanto nas fezes e no suor encontraremos
rias, como no diabetes ou em pacientes ges- os restantes 10 mEq.
tantes com pré-eclâmpsia. O aspecto mais O sódio é filtrado livremente, por isso as con-
importante dessa proteinúria é a presença de centrações no ultrafiltrado e no plasma são vir-
albuminúria. tualmente idênticas. A quantidade de sódio
A presença de proteínas de baixo peso mole- filtrada é de aproximadamente 20 mil mEq/
dia, enquanto a quantidade excretada na
cular na urina é um achado comum em pacien-
urina, como vimos, é somente de 150 mEq/
tes com doenças renais que afetam as células
dia. Portanto, o sódio excretado é somente
tubulares, especialmente as células dos túbu-
0,75% (150/20 mil) do filtrado, ou seja, 99% do
los proximais. Isso ocorre em doenças tubula-
sódio filtrado são reabsorvidos.
res hereditárias, como na síndrome de Fanconi,
na doença de Wilson, bem como nas doenças
túbulo-intersticiais, com lesão predominante REABSORÇÃO DE SÓDIO PELOSEG-
de células tubulares proximais. MENTOS TUBULARES
Quando a concentração plasmática de uma A reabsorção do sódio filtrado pelo glomérulo
proteína filtrável se encontra aumentada por do lúmen tubular para os capilares peritubu-
produção exagerada, superando a capacidade lares ocorre em duas etapas. O sódio deve
de reabsorção tubular, observaremos um mover-se do lúmen para o interior da célula
excesso dessa proteína na urina dos pacientes. tubular através da membrana apical e, pos-
Assim, um aumento da excreção de cadeias teriormente, desta para o interstício, através
leves, cadeias pesadas e outros fragmentos da membrana basolateral. Como ocorre com
de imunoglobulinas poderá ser observado qualquer partícula polar carregada eletrica-
na urina de tais pacientes, ocorrendo predo- mente, o sódio é incapaz de atravessar livre-
minantemente nas gamopatias monoclonais, mente a membrana plasmática, que é formada
como mieloma múltiplo e macroglobulinemia por uma dupla camada de fosfolipídeos. Dessa
de Waldenström, entre outras. maneira, transportadores transmembranas
ou canais especiais são necessários para a
reabsorção de sódio ser efetiva. Por exemplo,
SÓDIO o transporte ativo de sódio para fora da
célula tubular é mediado pela bomba Na+/
A ingestão de sódio na dieta é muito vari-
K+/ATPase, situada na membrana basolate-
ável, de 50 a 350 mEq/dia. Nos países oci-
ral, que retira três moléculas de sódio do
dentais, tem sido relatada ingestão média
interior da célula tubular em troca de duas
de 150 mEq/dia, equivalente a 3,5 g/dia de
moléculas de potássio.
sódio. O sódio ingerido nos alimentos naturais
está, em geral, na forma de sais de cloreto, por- A remoção de sódio ativa do interior da célula
tanto a ingestão de sódio e de cloreto são equi- tubular pela bomba Na+/K+/ATPase diminui
valentes. O cloreto de sódio é completamente o sódio intracelular para 10-30 mEq/L, bem
absorvido no intestino, difundindo-se rapida- abaixo dos 140 mEq do fluido tubular. Além
mente no volume plasmático, equilibrando-se disso, é gerado no interior da célula tubular
com o volume intersticial. um potencial elétrico negativo, secundário

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 17

à retirada de três sódios do intracelular,


em troca de dois potássios e pela difusão
de potássio para o interstício pelos canais
seletivos de potássio. A combinação de uma
baixa concentração intracelular de sódio e
um potencial elétrico negativo no interior da
célula tubular resulta em um gradiente ele-
troquímico favorável para a entrada de sódio
luminal para o meio intracelular através da
membrana apical.

A prevenção de perda de sódio em excesso


pela urina é essencial para a manutenção do
volume extracelular. A maior parte do sódio
filtrado é reabsorvida nos túbulos proxi-
mais e na alça de Henle, mas a regulação
mais fina de sua excreção ocorre nos túbu-
los coletores, onde a composição final da
Figura 1.13 Estrutura da Na+-K+-ATPase. (A) A bomba pode ser heterodímero
urina é determinada. (subunidades A e B). A subunidade A contém os sítios de ligação para Na+ (1),
para ATP (4), para fosforilação (5), para K+ (2) e para ouabaína (3). (B) O painel
inferior mostra a subunidade A atravessando a membrana sete a oito vezes.
A subunidade B, que é glicosilada em sua porção extracelular, atravessa

CÓRTEX RENAL
somente uma vez a membrana. A função da subunidade B não é conhecida,
mas ela é indispensável para o completo funcionamento da Na+-K+-ATPase.

TÚBULO PROXIMAL
O túbulo proximal promove uma reabsorção,
quase isosmótica, de 2/3 do ultrafiltrado, aco-
plada a transporte ativo de sódio (reabsorção
de 50-55% do sódio filtrado). O túbulo proxi-
mal também é responsável por reabsorver
praticamente toda glicose, fósforo, aminoá-
cidos e cerca de 90% do bicarbonato e outros
solutos orgânicos através do cotransporte
com o sódio. O sódio filtrado entra nas células do
túbulo proximal através de vários transportado-
res, que também transportam outros solutos. Há
cotransportadores específicos que transportam
sódio ligado à glicose, sódio-fósfato, sódio-citrato,
sódio-aminoácidos etc.
A reabsorção desses diferentes solutos é pas-
siva, mas existe um gasto de energia para o
seu transporte gerado pela bomba sódio-po-
tássio ATPase (Na+ -K+ -ATPase) na membrana
basolateral. É importante ressaltar, neste seg-
mento, a troca de Na+/H+ através de transpor-
Figura 1.12 Neste esquema, o néfron foi estendido e os vasos sanguíneos tador específico, havendo reabsorção de sódio
circundantes foram removidos para ilustrar os diferentes segmentos do
túbulo. A reabsorção de sódio e de água está indicada. e secreção de hidrogênio para a luz tubular. Na

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18 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

luz tubular, esse hidrogênio combina-se com envolvido na concentração urinária. Nesse
o bicarbonato filtrado gerando CO2 e, através segmento, o sódio e o cloro entram na célula
da anidrase carbônica, há formação de bicar- através do cotransportador eletroneutro Na+-
bonato (HCO3-) que irá ser reabsorvido, cor- -K+ -2Cl - da membrana apical. O potássio recir-
respondendo a 90% do bicarbonato filtrado. cula e volta para o lúmen através de canais
A reabsorção dos vários solutos do lúmen do específicos de potássio, tornando o lúmen
túbulo proximal produz uma diminuição da eletropositivo. O lúmen eletropositivo favo-
osmolaridade luminal, favorecendo a reabsor- rece a reabsorção de cálcio, magnésio e sódio
ção de água através de vários canais de água através das tight junctions (vias paracelulares).
existentes nas células do túbulo proximal.
Esse é o local de maior reabsorção de magné-
sio. Os diuréticos de alça agem justamente
inibindo o cotransportador Na+ -K+ -2Cl - des-
crito acima.

TÚBULO DISTAL
O túbulo distal reabsorve 5 a 8% do Na+ e Cl-
filtrados, sendo o cotransportador Na+Cl- o
principal responsável pela entrada de sódio na
célula tubular neste segmento. O mesmo tam-
bém é relativamente impermeável à água, dei-
xando as concentrações de sódio e cloro baixas
no fluido luminal. A inibição do cotransporta-
dor Na+Cl - corresponde justamente ao meca-
nismo de ação dos diuréticos tiazídicos. A
diminuição da concentração de cloro afeta
negativamente a atividade do cotransportador
Na+-K+-2Cl e do Na+Cl-.

TÚBULOS COLETORES

Figura 1.14 Representação esquemática evidenciando características ultra-


Os túbulos coletores contêm uma variedade
estruturais de células epiteliais e de suas localizações nos túbulos do néfron
e no ducto coletor. As células da parte espessa da alça de Henle e do túbulo
de células. As células ditas principais no ducto
distal são semelhantes em sua ultraestrutura, porém têm funções diferen-
tes.
coletor cortical e as células no ducto medular
externo têm um papel importante na reabsor-
ALÇA DE HENLE ção de sódio e água e na secreção de potássio.
O sódio entra nas células do ducto coletor atra-
A quantidade de sódio e cloro reabsorvida no vés de canais de sódio seletivos na membrana
ramo espesso ascendente da alça de Henle apical. Esse movimento de sódio é eletrogê-
varia de 35 a 40% do filtrado glomerular. A nico, deixando a luz luminal negativa e favore-
reabsorção de sódio, nesse segmento, ocorre cendo a reabsorção de cloro entre as células.
em excesso em relação à água. Tal processo Promove a secreção de potássio para o fluido
é decorrente da impermeabilidade da mem- luminal através de canais de potássio seletivos.
brana dessas células à água. Por isso, este seg- A aldosterona aumenta o número de canais
mento constitui-se como um dos principais res- de sódio abertos para uma maior absorção de
ponsáveis pelo mecanismo de contracorrente sódio e secreção de potássio. O peptídeo atrial

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 19

natriurético, por outro lado, age na medula


interna, diminuindo o número de canais de
sódio abertos e, consequentemente, a reabsor-
ção do mesmo.

Para o funcionamento normal do sistema de


transporte transmembrana celular, existe a
necessidade da correta localização dos trans-
portadores nas duas membranas celulares. O
mecanismo de entrada de sódio deve ser na
membrana apical, enquanto a bomba Na+/K+/
ATPase deve estar localizada na membrana
Figura 1.15 O conteúdo intra e extracelular de potássio em um adulto de 70
basolateral. Essa localização dos transportado- kg com um potássio corporal total de 50 mEq/L.

res faz a polaridade da célula.

Os mecanismos responsáveis pela manuten-


ção desta polaridade não são bem conheci-
dos, no entanto, as tight junctions entre as
células desempenham um importante papel
na sua manutenção. Elas funcionam como um
portão, não permitindo movimento dos trans-
portadores entre as células. Tal mecanismo
estará rompido nas situações de lesão celu-
lar, como na insuficiência renal aguda em que Figura 1.16 A relação entre a concentração sérica de potássio e as alterações
no conteúdo corporal total de potássio.
ocorre perda da polaridade e disfunção celular.
EXCREÇÃO DE POTÁSSIO PELO RIM
A concentração de potássio sérico mantém-se
POTÁSSIO
em um nível relativamente estreito em função
O potássio é o cátion intracelular mais preva- de um balanço entre a ingestão, excreção e
lente. O conteúdo total de potássio corporal é distribuição entre os espaços intra e extrace-
de 3.500 mEq (50 mEq/kg de peso corporal); lular. Em condições normais, a excreção de
potássio iguala-se à sua ingestão, sendo que
90% estão no fluido intracelular, 8% nos ossos
aproximadamente 90% do potássio ingerido
e cartilagens e apenas 2% no fluido extracelular. é excretado na urina e o restante nas fezes
A média da ingestão diária de potássio é e no suor.

de aproximadamente 70 mEq/dia. Ele está O potássio é livremente filtrado no glo-


presente na maioria dos alimentos, em quan- mérulo, seguido por reabsorção de apro-
ximadamente 85% nos túbulos proximais
tidades variáveis. O mecanismo primário da
e na alça de Henle. Relativamente pouca
excreção de potássio é a urina. Sua concentra-
regulação da reabsorção de potássio ocorre
ção plasmática no ultrafiltrado glomerular é de em tais segmentos. Na verdade, o lugar prin-
aproximadamente 4,5 mEq/L. cipal de regulação da excreção de potássio

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20 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

é o túbulo coletor. O ducto coletor cortical secreção persistente de potássio no ducto


secreta e reabsorve potássio, enquanto o coletor cortical.
ducto coletor medular interno e o medular
A aldosterona tem um papel importante
externo reabsorvem potássio.
na regulação da excreção de potássio.
Pelo menos três tipos de células estão pre- Uma pequena elevação na concentração
sentes no ducto coletor cortical. As células plasmática de potássio é suficiente para
principais estão em maior número, ocupando aumentar a liberação de aldosterona pela
70% deste segmento, e são responsáveis pela adrenal. A aldosterona, então, entra nas
secreção de potássio. O potássio entra ativa- células tubulares que secretam potássio no
mente no interior da célula via bomba Na+-K+- néfron distal e combina-se com receptores
-ATPase basolateral e é secretado para o fluido citosólicos; esse complexo receptor-hormô-
tubular (urina) por meio de um gradiente ele- nio migra posteriormente para o núcleo,
troquímico, através de canais de potássio na onde inicia a síntese de proteínas.
membrana apical dessas células. A secreção é A aldosterona promove aumento da quanti-
codependente da secreção de cloro. A reabsor- dade de canais de sódio na membrana apical
ção de sódio luminal gera um gradiente eletro- celular tubular, promovendo a reabsorção de
químico negativo no lúmen. Por causa desse sódio e aumentando a eletronegatividade lumi-
gradiente eletroquímico ocorre uma estimula- nal, com maior secreção tubular de potássio
ção para secreção de potássio. A taxa de rea- (ou seja, a aldosterona aumenta a excreção
bsorção de sódio regula a taxa de secreção urinária de potássio).
de potássio.
Ao contrário das células principais, as células
intercaladas A e B que compreendem o res- CÁLCIO
tante do ducto coletor cortical estão prepara- O cálcio é o cátion divalente mais comum no
das para reabsorver o potássio. A reabsorção organismo, representando 1-2% do peso cor-
de potássio ocorre através de um processo poral total, sendo 99% localizados nos ossos
diferente daqueles da secreção de potássio e 1% distribuído nos compartimentos extra
pelas células principais. Uma bomba H+-K+-A- e intracelular.
TPase secreta prótons e reabsorve potássio
No plasma, a concentração de cálcio é normal-
luminal, contribuindo para o processo de aci-
mente constante, com limites entre 8,5 a 10,5
dificação urinária.
mg/ dL (2,1 a 2,5 mM; 1 mg/dL = 0,25 mM). Em
As células dos ductos coletores da medula crianças, os níveis podem ser mais elevados.
interna e externa não transportam potássio O cálcio existe no plasma de três maneiras:
em circunstâncias normais, mas, em resposta 40% na forma não filtrável ligada a proteínas
à hipocalemia ou deficiência de potássio, plasmáticas, 10% complexado com fosfato,
podem reabsorver potássio. Isso parece ocor- bicarbonato, lactato e citrato e 50% livre (cálcio
rer via mecanismo semelhante ao que ocorre iônico). Somente a fração iônica do cálcio é
nas células do ducto coletor cortical do tipo A. fisiologicamente ativa.
A absorção de potássio luminal ocorre pela O cálcio não filtrável está ligado principal-
H+K+-ATPase apical, e a saída de potássio via mente à albumina e uma fração menor a glo-
canal de potássio basolateral. Apesar da pre- bulinas. Uma redução nos níveis de albumina
sença de reabsorção ativa de potássio nos pode reduzir a concentração de cálcio sérico
ductos coletores da medula interna e externa, total, mas a concentração de cálcio iônico per-
o potássio urinário geralmente não fica abaixo manece normal, e o paciente não apresenta
de 15-20 mEq/L. Tal fato pode refletir em uma sintomas de hipocalcemia. A correção para

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 21

hipoalbuminemia pode ser realizada adicio- direcionada por uma força eletrogênica carac-
nando-se 0,8 mg/dL à concentração sérica de terizada pela diferença de potencial (DP) lúmen
cálcio para cada 1 g/dL de albumina abaixo de positivo. Há também um mecanismo de
4 g/dL. Inversamente, níveis de cálcio sérico transporte ativo, no qual o cálcio entra na
falsamente elevados podem resultar da ele- célula do TP passivamente a favor de um
vação da albumina sérica devido à desidrata- gradiente eletroquímico e é extraído ativa-
ção ou hemoconcentração. A concentração mente via membrana basolateral, através
de cálcio iônico no interior das células é muito de um cotransportador 3Na+/Ca++ ou uma
menor que no fluido extracelular. O transporte bomba Ca++-ATPase, ainda não definido.
ativo mantém o cálcio intracelular reduzido a Os fatores que podem afetar a reabsorção de
partir do bombeamento de cálcio para fora da cálcio no TP são os mesmos que afetam a reab-
célula ou para o interior de organelas, o que é sorção de sódio e água. A expansão do volume
mediado por bombas de cálcio, como cálcio-A- plasmático aumenta a excreção de sódio, água
TPases e contratransporte Na+-Ca++. e cálcio. O inverso ocorre em casos de deple-
ção de volume extracelular.
ABSORÇÃO INTESTINAL No ramo ascendente espesso da alça de
Henle, ocorre a reabsorção de 30% do cál-
A dieta normal contém, aproximadamente,
cio filtrado. Nesse segmento, o transporte
1.000 mg de cálcio (300 a 3.000 mg). Cerca de
de cálcio também parece ser predominante-
30 a 40% do cálcio da dieta são normalmente
mente paracelular, impulsionado por um gra-
absorvidos no intestino, principalmente
diente eletroquímico. A diferença de potencial
no intestino delgado proximal. O cálcio
(lúmen mostra-se positivo) é estabelecida pelo
entra passivamente para dentro do enteró-
cotransportador Na+-K+-2Cl– na membrana
cito, sendo ativamente bombeado para fora
luminal, com a recirculação de potássio de volta
via membrana basolateral, provavelmente por
ao lúmen tubular ocorrendo via canais especí-
uma bomba cálcio-ATPase. Simultaneamente
ficos. Já o gradiente de concentração deve-se à
à absorção, há secreção intestinal de cálcio via
maior concentração de cálcio no lúmen tubular
suco gástrico, pancreático e biliar. em relação ao plasma. Também pode ocorrer
transporte ativo. Fatores que afetam a reab-
MANEJO RENAL sorção de cálcio nesse segmento são os diu-
réticos de alça, os quais inibem o cotrans-
O rim é a principal via de excreção de cál- porte Na+ -K+ -2Cl -, e o paratormônio (PTH),
cio do organismo. Somente as frações iônica e descrito na próxima seção, que aumenta a
complexada são livremente filtráveis pelos glo- reabsorção tubular de cálcio.
mérulos, isto é, 60% do cálcio total. Embora a
Os túbulos distal, conector e coletor proximal
quantidade filtrada seja grande, a excreção
são responsáveis por reabsorver cerca de 5 a
urinária final de cálcio é de apenas 100 a 300
10% do cálcio filtrado. Esse é o local modula-
mg por dia. Isso se deve à reabsorção pelos
dor mais importante para controlar a quanti-
túbulos renais de 97 a 99% do cálcio filtrado,
dade de cálcio excretado na urina. O trans-
sendo que o túbulo proximal reabsorve 60%,
porte é basicamente ativo. O cálcio entra na
o ramo ascendente espesso da alça de Henle
célula passivamente, a favor de um gradiente
30% e o túbulo distal e coletor cerca de 8%.
eletroquímico, e sua extrusão pela membrana
A absorção de cálcio no túbulo proximal basolateral realiza-se através de um contra-
(TP) ocorre principalmente por transporte transportador 3Na+/Ca++. A menor concentra-
passivo, proporcional à reabsorção de sódio ção de sódio e o ambiente eletronegativo no
e água. A reabsorção ocorre via paracelular, interior da célula, em comparação com o meio

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22 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

extracelular mantido pela bomba Na+-K+-A- do nível sérico de cálcio por aumento na reab-
TPase na membrana basolateral, geram a força sorção tubular renal e diminuição da reabsor-
necessária para a reabsorção tubular de cálcio. ção de fósforo. O PTH também estimula a rea-
bsorção de cálcio nos ossos, a mobilização de
Vários são os fatores que podem afetar o trans-
cálcio e fósforo do esqueleto e, indiretamente,
porte de cálcio no túbulo distal. PTH, diuréticos
promove a absorção intestinal de cálcio, por
tiazídicos e alcalose metabólica estimulam a
estímular a síntese de calcitriol.
reabsorção tubular de cálcio. Os diuréticos tia-
zídicos agem inibindo a reabsorção de sódio, A vitamina D deriva da dieta e da conversão do
aumentando a reabsorção de cálcio, por inter- 7-diidrocolesterol para vitamina D3 pela ação
ferir no mecanismo de transporte de NaCl do da luz ultravioleta na pele. A vitamina D3 é,
lúmen tubular para o interior da célula. então, hidroxilada no fígado para 25(OH)2D3
(calcifediol), sendo este convertido para
A queda da concentração de sódio intracelular 1,25(OH)2D3 no rim. A enzima renal responsá-
gera uma entrada maior de sódio via contra- vel pela conversão do calcifediol em calcitriol é
transportador 3Na+/Ca++ na membrana basola- a 1α-hidroxilase, presente nas células do túbulo
teral, resultando em redução da concentração proximal. Tanto o PTH como a hipofosfatemia
de cálcio intracelular e consequente aumento estimulam a síntese de 1α-hidroxilase.
da reabsorção tubular de cálcio pela mem-
O calcitriol age ligando-se a receptores citoplas-
brana luminal.
máticos em células-alvo, estimulando a absor-
ção intestinal de cálcio, também promovendo
REGULAÇÃO HORMONAL DO CÁLCIO elevação na reabsorção renal de cálcio (este
último mecanismo permanece controverso).
Três sistemas participam da regulação de cál- Níveis elevados de calcitriol exercem uma ação
cio: intestino, esqueleto e rins. Dois hormônios inibitória sobre a síntese e secreção de PTH.
são fundamentais para a manutenção da con-
centração normal de cálcio: o PTH e o calcitriol.
O PTH é um peptídeo composto de 84 aminoá- FÓSFORO
cidos sintetizado pelas células das glândulas da
O fósforo constitui 1% do peso corporal total
paratireoide e derivado da quebra de um pré-
e distribui-se da seguinte maneira: 85% do
-pró-hormônio de 115 aminoácidos, o pré-pró-
fósforo estão no esqueleto, 14% no comparti-
-PTH. Após secreção pelas glândulas da para-
mento intracelular e apenas 1% no plasma.
tireoide, o PTH é novamente clivado em dois
fragmentos, o 1-34 N-terminal, biologicamente No fluido intracelular, a maior parte do fósforo
ativo, e o 35-84 C-terminal, biologicamente encontra-se na forma orgânica (90%) e uma
inativo. O principal estímulo para síntese e menor proporção na forma inorgânica (10%).
secreção de PTH é a redução dos níveis séri- Compostos orgânicos contendo fósforo são
cos de cálcio iônico. Hipomagnesemia grave fundamentais para a função celular e incluem
e níveis elevados de 1,25(OH)2D3 (calcitriol) ácidos nucleicos, fosfoproteínas, fosfolipídios
inibem a liberação de PTH. de membrana celular, ATP, AMP cíclico, coenzi-
mas e fatores regulatórios (NAD e 2,3-DPG).
O PTH age ligando-se a receptores específi-
cos na membrana celular em células-alvos, No plasma, cerca de 70% do fósforo é encon-
principalmente nos rins e nos ossos. A intera- trado na forma orgânica e o restante na forma
ção do PTH com o seu receptor na membrana inorgânica. A maior parte do fosfato inorgânico
ativa (o que ocorre a partir do acoplamento da encontra-se livre e fisiologicamente ativo, for-
proteína G à adenilciclase), leva ao aumento mando complexos de fosfato dibásico e mono-
nos níveis intracelulares de AMP cíclico. O efeito básico, que funcionam como sistema tampão.
final da ação do PTH é justamente a elevação Uma fração menor do fosfato inorgânico está

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 23

ligado à albumina ou complexado com sódio, intestinal. A ingestão baixa de sódio também
cálcio e magnésio. As formas complexadas e diminui a absorção de fósforo.
livres são filtráveis nos glomérulos. Apenas o
componente inorgânico do fosfato é medido
MANEJO RENAL
no plasma, e sua concentração varia de 2,5 a
4,5 mg/dL (0,81-1,45 mM). Em crianças, os limi-
O rim é o principal órgão regulador do fósforo.
tes da normalidade são maiores (3,5 a 6 mg/
As formas livres e complexadas do fósforo inor-
dL). Há uma variação diurna da concentração
gânico são livremente filtradas pelos glomérulos.
de fósforo, com picos às 16 horas e às 3 horas e
Para manter o balanço de fósforo, é necessário
uma queda às 11 horas.
que a maior parte do que foi filtrado seja reab-
O controle hemostático do fosfato é depen- sorvida. Os túbulos renais reabsorvem cerca
dente da interação entre o trato gastrointesti-
de 80% do fósforo filtrado, sendo a excreção
nal, esqueleto e rins, além da ação hormonal
urinária média de 900 mg/dia. A reabsorção
exercida pelo PTH e vitamina D.
ocorre basicamente no túbulo proximal (75%),
e uma fração bem menor no túbulo contorcido
DIETA E ABSORÇÃO distal (4%) e coletor (1%). A reabsorção renal de
fósforo é saturável. Quando a concentração
A ingestão diária média de fósforo é de 800-1.500
sérica de fósforo aumenta, a quantidade reab-
mg. Os alimentos mais ricos em fósforo são
sorvida também aumenta até atingir o limite da
leite e derivados, carnes e cereais. A depleção
de fósforo secundária à dieta inadequada é rara. sua capacidade. Essa taxa máxima de reabsorção
é conhecida como taxa de reabsorção tubular
Aproximadamente 65 a 80% do fósforo da
máxima para fósforo (TmP).
dieta são absorvidos no intestino por meca-
nismos de transporte ativo e passivo. O No túbulo proximal, a reabsorção do fósforo
transporte passivo localiza-se principalmente ocorre por transporte ativo mantido por um
no jejuno e no íleo e ocorre por difusão, pro- gradiente de sódio gerado pela bomba Na+ -K+-
porcional à sua concentração no lúmen intesti- -ATPase na membrana basolateral. O fósforo
nal. Por outro lado, o transporte ativo ocorre no entra na célula do TP, via membrana apical,
duodeno, é saturável e dependente do sódio. como fosfato ligado com sódio (cotransporte
O fósforo entra na célula intestinal acoplado Na+-P), devido a uma diferença de concentra-
a um cotransportador Na-P, saindo da célula ção de sódio entre o lúmen tubular e a célula.
passivamente via membrana basolateral. Em A extrusão do fosfato pela membrana baso-
paralelo, assim como ocorre com o cálcio, há lateral parece ocorrer por um processo inde-
um refluxo secretório fixo de fósforo de aproxi- pendente do sódio, a favor de um gradiente
madamente 200 mg/ dia no intestino. eletroquímico. Fatores que inibem a reab-
O calcitriol é o principal estimulador da sorção renal de fósforo são PTH, volume
absorção intestinal ativa de fósforo. Outros extracelular aumentado, concentração
fatores são o conteúdo de fósforo da dieta e tubular aumentada de fosfato e acidemia.
PTH sérico, que agem indiretamente a partir do Outros fatores que podem influenciar a rea-
estímulo à síntese de 1,25(OH)2D3. bsorção de fósforo são vitamina D, fator de
A ingestão de cálcio, magnésio e alumínio dimi- crescimento semelhante à insulina I, glicocor-
nui a absorção de fósforo no trato intestinal por ticoide, hipercalcemia e hormônio de cresci-
formar complexos insolúveis com o mesmo. Os mento, que aumentam reabsorção, enquanto
sais de cálcio são usados na insuficiência renal calcitonina, hormônio da tireoide, dopamina e
crônica justamente como quelantes do fósforo glucagon a diminuem.

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24 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Pontos-chave: da vida. Por isso, sua concentração deve ser


mantida em limites estreitos. Cabe ao rim a
O aparelho justaglomerular é principalmente manutenção do equilíbrio hidroeletrolítico
formado pelas células granulares da arteríola
e acidobásico, com a participação efetiva de
aferente (secretoras de renina) e pela mácula
alguns hormônios.
densa (diferenciação celular do túbulo distal).
Esta estrutura é a principal responsável pelo
controle do sistema renina-angiotensina-aldos-
terona (SRAA), o qual tem como função a regu-
lação do metabolismo do sódio.
A estenose de artéria renal diminui o fluxo glo-
merular, atuando diretamente no aparelho justa-
glomerular. Ocorre, então, uma estimulação do
SRAA, o qual leva a uma quadro de hipertensão
arterial sistêmica de causa renovascular.
O túbulo proximal é responsável pela reabsor-
ção da maioria dos pequenos solutos filtrados, e
dentre eles temos os íons sódio, cloreto, potássio,
cálcio e bicarbonato, assim como moléculas de
aminoácidos e glicose. A água é permeável neste
segmento, sendo reabsorvida passivamente. A sín- Figura 1.17 Mecanismo de absorção de sódio e água e secreção de íons hidro-
gênio no túbulo coletor. PAN: peptídeo atrial natriurético. ADH: hormônio
drome de Fanconi envolve a disfunção hereditária antidiurético.

ou adquirida do túbulo proximal.


A alça de Henle possui grande importância na REGULAÇÃO DA OSMOLARIDADE
concentração da urina, participando na cria-
ção do mecanismo de contracorrente (descrito A função renal de preservação de água e a
na próxima seção) por meio da criação de um manutenção da osmolaridade sanguínea per-
interstício medular hipertônico. mitiram aos mamíferos a vida em ambientes
secos. Vários elementos concorrem para o
Os túbulos distais, junto com os ductos coleto-
mecanismo de concentração (ou diluição) da
res, formam os néfrons distais. Nestes segmen-
urina. Quando todos os fatores necessários
tos, agem a aldosterona (reabsorção de sódio
para essa função estão normalmente presen-
e secreção de potássio), hormônio antidiurético
tes, o rim pode concentrar a urina, resultando
(reabsorção de água) e o fator natriurético atrial
em osmolaridade urinária de até 1.200 mOs-
(inibe a reabsorção de sódio). Além disto, o
ducto coletor tem papel importante na secreção m/L, quatro vezes a osmolaridade plasmática
de ácido através do amônio e no mecanismo de normal, ou diluí-la para até 50 mOsm/L, depen-
contracorrente com a ureia. dendo das necessidades hídricas do organismo.

MECANISMOS DE DILUIÇÃO E
MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONCENTRAÇÃO URINÁRIA
ACIDOBÁSICO
O mecanismo de concentração e diluição da
O hidrogênio ionizado ou o próton H+ é um íon urina baseia-se na formação de um interstício
altamente reativo que influi nas reações quí- medular hipertônico e de um fluido tubular
micas e, portanto, nas reações bioquímicas e distal hipotônico. Com esse cenário montado,
enzimáticas fundamentais para a manutenção a concentração final da urina dependerá da

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 25

permeabilidade à água do túbulo coletor, que capacidade de variação da osmolaridade


depende da presença do hormônio antidiu- urinária fica prejudicada;
rético (ADH). Se há ADH, a permeabilidade • Disponibilidade de ureia: a ureia é con-
tubular aumenta e ocorre fluxo de água, centrada no fluido tubular distal, pois este
seguindo o gradiente osmótico da luz tubu- segmento é impermeável a ela. Ao longo do
lar para o interstício. Nesse caso, teremos túbulo, à medida que a água vai sendo reab-
uma urina concentrada. Se não há ADH, a per- sorvida, a concentração de ureia aumenta. O
meabilidade diminui, não há reabsorção de ducto coletor medular é permeável à ureia,
água, e a urina será diluída. que neste ponto é, então, absorvida por gra-
diente de concentração e contribui significa-
MECANISMO DE CONTRACORRENTE tivamente para a hipertonicidade intersticial
medular. Pacientes muito desnutridos, com
O principal mecanismo formador de um inters- baixa produção de ureia, têm dificuldade de
tício medular hipertônico é o mecanismo de concentração urinária;
contracorrente. Tal mecanismo consiste na dis- • Segmento descendente da alça de Henle:
posição em paralelo de dois fluxos em sentido este segmento é permeável à água e imper-
inverso. Fornecido um efeito inicial, transpor- meável ao soluto, o que faz aumentar muito
tando uma carga osmolar de um comparti- a concentração intraluminal de sódio e
mento para o outro, a contracorrente amplifica cloro, à medida que ele penetra na medula
a diferença de osmolaridade, tornando a base hipertônica. Na ponta da alça de Henle,
hipotônica e a ponta hipertônica. a osmolaridade é alta, com altas con-
centrações de sódio e cloro. A seguir, no
Além disso, os elementos necessários para
segmento ascendente da alça de Henle, há
o mecanismo de concentração e diluição da
mais permeabilidade a sódio do que à ureia
urina são: ou água. Portanto, ocorre difusão passiva
• Filtração glomerular: com diminuição da fil- de sódio para o interstício, aumentando a
tração glomerular, não serão fornecidos sódio tonicidade. A integridade da alça de Henle
e água, a matéria-prima do mecanismo de con- é importante para o mecanismo de dilui-
centração e diluição da urina, em quantidade ção ou concentração urinária e pode ser
suficiente para os segmentos mais distais do afetada em nefrites túbulo-intersticiais;
néfron. Sem sódio, não haverá hiperosmola- • Fluxo sanguíneo medular: pode inter-
ridade medular; sem água, não haverá fluido ferir no mecanismo de concentração
tubular distal hipotônico; intersticial, alterando a quantidade de
água ou solutos. Entretanto, a configu-
• Reabsorção tubular proximal adequada:
ração dos vasa recta também permite
se houver reabsorção tubular proximal
existir um mecanismo de contracorrente
excessiva, também haverá falta de elemen-
que aumenta a osmolaridade sanguí-
tos distalmente;
nea, à medida que os vasos penetram na
• Segmento espesso ascendente da alça de medula, mas diminui quando eles saem.
Henle: este segmento é impermeável à água, Assim, a água excessiva é levada e os
mas possui transporte ativo de Na+K+2Cl-, o solutos ficam no interstício. A regulação
que aumenta a tonicidade intersticial e dilui do fluxo sanguíneo medular renal é
o fluido tubular. A ureia permanece neste precisa e importante para o funciona-
fluido. Se houver bloqueio a esta bomba mento do mecanismo de concentração
(diuréticos de alça, como furosemida), a e diluição da urina. Algumas situações

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26 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

aumentam muito o fluxo, como a poli- são: dor, estresse, vômitos e drogas. Várias
dipsia compulsiva, o que “lava” o soluto situações clínicas (neoplasias, doenças pulmo-
medular e interfere no mecanismo. Além nares, doenças do sistema nervoso central)
disso, a hiperosmolaridade do sangue provocam um defeito no sistema de osmorre-
medular explica a ocorrência de isque- gulação que libera ADH, mesmo em situações
mia medular em inúmeras situações clí- de hiposmolaridade e hiponatremia. Essa é a
nicas, inclusive com necrose de papila. síndrome de secreção inapropriada do hormô-
Como exemplo, temos a nefrite inters- nio antidiurético (SIHAD).
ticial desencadeada em pacientes com
anemia falciforme;
• Carga de solutos: a carga de solutos entre- REGULAÇÃO HORMONAL DO
gue ao túbulo coletor não pode ser exces- EQUILÍBRIO DE SÓDIO E ÁGUA
siva, pois provoca aumento do fluxo tubu-
O equilíbrio dos solutos e da água do corpo
lar e diminuição do tempo de contato entre
é determinado pelas quantidades ingeridas,
o fluido tubular e o interstício. Do mesmo
distribuídas aos diversos compartimentos de
modo, a diurese osmótica por excesso de
líquidos e excretadas pela pele, intestinos e
solutos (ureia, bicarbonato, manitol) pro-
rins. A tonicidade, o estado osmolar que deter-
voca aumento do fluxo sanguíneo medular,
mina as alterações de volume das células em
cuja consequência já foi mencionada.
uma solução, é regulada pelo balanço hídrico,
O resultante desse processo é um fluido tubu-
enquanto o volume sanguíneo extracelular é
lar distal hipotônico e um interstício medular
controlado pelo balanço de Na+. O rim é funda-
hipertônico. Os determinantes finais da osmo-
mental para a modulação desses dois proces-
laridade urinária serão a disponibilidade do
sos fisiológicos.
ADH e a resposta dos túbulos coletores a ele.

O ADH, ou vasopressina, é um peptídeo sinte-


tizado no hipotálamo e estocado na hipófise BALANÇO HÍDRICO
posterior, liberado por estímulos osmóticos A tonicidade depende das concentrações vari-
e não osmóticos. No hipotálamo anterior, há áveis dos osmólitos efetivos dentro e fora da
osmorreceptores muito sensíveis a aumentos na célula, que fazem com que a água seja transfe-
osmolaridade do líquido extracelular que aumen- rida em ambas as direções através da sua mem-
tam a síntese e a liberação do ADH. A diminuição brana. Os osmólitos efetivos clássicos (como
da osmolaridade em 1% suprime a liberação Na+ e K+ e seus ânions) são os solutos retidos em
de ADH. A diminuição da pressão arterial ou da um dos lados da membrana celular, em que se
volemia, sentida por receptores arteriais e veno- distribuem coletivamente e obrigam a água a
sos, também provoca liberação do ADH. Embora mover-se e entrar em equilíbrio com os solutos
a variação de pressão arterial ou volemia neces-
retidos; a Na+/K+-ATPase conserva a maior parte
sita ser comparativamente maior do que a varia-
do K+ dentro das células e a maior parte do Na+
ção de osmolaridade para estimular a liberação
do lado de fora. A tonicidade normal (cerca de
de ADH, seus efeitos são mais potentes.
280 mOsmol/L) é rigorosamente controlada por
Costuma-se dizer que a preservação da circulação mecanismos osmorreguladores, que controlam
é prioritária em relação à manutenção da osmo- o balanço hídrico para proteger os tecidos de
laridade. Isso explica a manutenção de hipona- uma desidratação inesperada (retração celular)
tremia e hiposmolaridade em estados de hipo- ou intoxicação hídrica (edema celular), ambas
volemia. Outros estímulos que liberam ADH deletérias à função celular.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 27

Os mecanismos que controlam a osmorregu- Os rins desempenham um papel crucial na


lação são diferentes dos que regulam o volume manutenção do balanço hídrico por meio da
extracelular, conquanto existam alguns mecanis- regulação da excreção renal de água. A capaci-
mos fisiológicos comuns a esses dois processos. dade de concentrar a urina com osmolalidade
Embora as concentrações celulares de K+ desem- acima da plasmática permite a conservação da
penhem papel fundamental na determinação de água, enquanto a capacidade de produzir urina
qualquer nível de tonicidade, o marcador substi- mais diluída que o plasma facilita a excreção do
tuto utilizado rotineiramente para avaliar a toni- excesso de água. Para que a água possa entrar e
cidade clínica é a concentração sérica do Na+. sair da célula, a membrana celular precisa expres-
Qualquer redução da água corporal total, que sar aquaporinas. Nos rins, a aquaporina-1 está
eleva a concentração do Na+, desencadeia uma ativa constitutivamente em todos os segmentos
sensação intensa de sede e leva à conservação permeáveis à água dos túbulos proximais e dis-
da água por meio da redução da sua excreção tais, enquanto as aquaporinas-2, -3 e -4 regula-
renal mediada pela secreção de vasopressina das pela vasopressina no ducto coletor medu-
pela neurohipófise. Por outro lado, a redução lar interno promovem rápida permeabilidade à
água. A reabsorção final de água é determinada
da concentração plasmática do Na+ aumenta a
pelo gradiente osmótico entre o líquido tubular
excreção renal de água por supressão da secre-
diluído e o interstício medular hipertônico.
ção de vasopressina. Embora todas as células
que expressam canais TRPV (do inglês, transient Várias situações, no entanto, diminuem a
receptor potential channels – um grupo de canais resposta tubular ao ADH e provocam diu-
transmembrana) 1, 2 ou 4 mecanossensitivo, rese aquosa: doenças renais, drogas (em espe-
entre outros sensores potenciais, respondam às cial álcool e lítio), hipocalemia e hipercalcemia.
alterações da tonicidade alterando seu volume
e a concentração do Ca++, apenas os neurônios
DEPURAÇÃO OSMOLAR E DE
TRPV+ ligados ao organum vasculosum da lamina
terminalis são osmorreceptores. Em razão de sua
ÁGUA LIVRE
conectividade neural e da localização adjacente A avaliação da função renal de concentração e
a uma barreira hematencefálica mínima, apenas diluição da urina pode ser feita compreendendo-
essas células modulam a secreção subsequente -se os conceitos de depuração osmolar e depura-
de vasopressina pelo lobo posterior da hipófise. ção de água livre. A depuração osmolar (Dosm) é
A secreção é estimulada principalmente pelas o volume de urina teórico necessário para excre-
variações da tonicidade e secundariamente por tar isosmoticamente (osmolaridade urinária igual
outros sinais não osmóticos como as alterações à do plasma) a carga obrigatória de solutos. A
do volume sanguíneo, estresse, dor, náuseas e depuração de água livre (DH2O) é o volume de
alguns fármacos. A secreção de vasopressina pela urina real maior ou menor que a Dosm.
neuro-hipófise aumenta linearmente à medida Assim, o volume de urina na unidade de tempo
que a tonicidade plasmática aumenta acima do (V) é igual a Dosm + DH2O. Se V < Dosm, a urina
normal, embora isso varie conforme a percepção está mais concentrada do que o plasma, a DH2O
do volume extracelular (um tipo de transmissão é negativa e o organismo está preservando
cruzada entre os mecanismos que controlam o água. Se V > Dosm, a urina está menos concen-
volume sanguíneo e a osmorregulação). A altera- trada do que o plasma, a DH2O é positiva e o
ção da ingestão ou excreção de água possibilita o organismo está eliminando água. Isso permite
ajuste da tonicidade plasmática e, desse modo, a saber qual quantidade de água está sendo pre-
osmorregulação controla o balanço hídrico. servada ou desprezada pelo organismo.

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28 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Figura 1.18 Filtração e processamento tubular do ultrafiltrado glomerular.

A Dosm é calculada pela fórmula:


Dosm = UOsm x V/POsm
A DH2O é calculada pela fórmula:
DH2O = V (1 - [UOsm/POsm])
Legenda:
• UOsm = osmolaridade urinária (mOsm/L);
• V = débito urinário (mL/min);
• POsm = osmolaridade plasmática (mOsm/L).
A quantidade de solutos (basicamente sódio e ureia) a ser eliminada por dia situa-se em torno de
500 mOsm. Assim, em uma situação de conservação máxima de água, com osmolaridade urinária
em 1.200 mOsm/L, o volume mínimo aceitável que não provoque retenção de resíduos é cerca de
400 mL/dia. Este é um conceito fisiopatológico de oligúria. Salienta-se que a capacidade do rim de
excretar água livre é considerável, enquanto a capacidade de conservar água mostra-se limitada.

Figura 1.19 Filtração e processamento tubular do ultrafiltrado glomerular.

Figura 1.20 O mecanismo em contracorrente e o hormônio antidiurético na concentração da urina.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Uyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica, 13º. edição, 2017
2. Obbins & Cotran: Patologia - Bases Patologicas das Doenas (Portuguese Brazilian), 2016
3. IGUEL CARLOS RIELLA. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 6ª. edição, 2018.

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2 CAPÍTULO 2
DOENÇAS GLOMERULARES

INTRODUÇÃO de células epiteliais glomerulares viscerais


(podócitos). As cargas negativas presentes na
Os dois rins humanos contêm cerca de 1,8 superfície das células endoteliais e podócitos,
milhão de tufos de capilares glomerulares. Cada bem como na MBG, conferem uma barreira
tufo glomerular está localizado dentro do espaço carga-seletiva contra a passagem de moléculas
de Bowman. A cápsula que circunscreve esse aniônicas (p. ex., albumina). Contudo, a fenda do
espaço é revestida por células epiteliais parie- diafragma, que consiste em uma junção interce-
tais, as quais realizam a transição para os epité- lular especializada situada entre os podócitos,
lios tubulares, formando o néfron proximal, ou forma a barreira tamanho-seletiva final contra a
migram até o tufo para a reposição dos podó- passagem das proteínas plasmáticas.
citos. O tufo de capilares glomerulares deriva
de uma arteríola aferente que forma um leito O glomérulo pode ser afetado por uma ampla
variedade de processos patológicos. Alguns são
capilar ramificado incluído na matriz mesangial.
agudos e autolimitados, enquanto outros levam
Essa rede capilar se afunila e se transforma em
à perda progressiva da função renal em decor-
uma arteríola eferente, que transfere o sangue
rência da desorganização do aparelho de filtra-
filtrado para dentro dos capilares peritubulares
ção normal por ação de processos inflamatórios,
corticais ou de vasa rectas medulares responsá-
degenerativos ou infiltrantes, que culminam em
veis pela irrigação e pela troca com uma arquite-
esclerose glomerular e consequente atrofia tubu-
tura tubular pregueada. Essa é a razão pela qual
lar e fibrose intersticial. De fato, as doenças glo-
o tufo de capilares glomerulares, alimentado e
merulares são responsáveis por mais de 50%
drenado por arteríolas, representa um sistema
dos casos de doença renal crônica.
portal arteriolar. Células endoteliais fenestradas
apoiadas sobre a membrana basal glomeru- O glomérulo normal filtra cerca de 20% do plasma
lar (MBG) revestem os capilares glomerulares. que o atravessa, a uma taxa de filtração glomeru-
Pedicelos delicados que se estendem a partir lar (TFG) de 80 a 120 mL/min, ou seja, aproxi-
de podócitos epiteliais envolvem a superfície madamente 120 a 150 L/dia. Como resultado da
externa desses capilares, com os podócitos se seletividade glomerular e de alguma reabsorção
entrelaçando mutuamente por membranas com tubular, a excreção urinária de proteínas geral-
poros em fenda, formando uma barreira de fil- mente é mantida abaixo de 150 mg/dia, do
tração seletiva. Os componentes estruturais da quais menos de 20 mg/dia são de albumina.
parede do capilar glomerular isolam o sangue Os leucócitos e as hemácias raramente são
do espaço urinário e formam uma barreira à encontrados no sedimento urinário normal (<
filtração, com seletividade para carga e tama- 5 células/campo de maior aumento).
nho. Esta barreira de filtração glomerular per-
mite a passagem imediata de líquido e pequenas
moléculas do sangue para o interior do espaço CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA E
urinário, mas previne que as células sanguíneas
TERMINOLOGIA DA DOENÇA
e as proteínas plasmáticas sejam filtradas. Desse
modo, a barreira de filtração é composta por GLOMERULAR
três camadas: a camada de células endote- O diagnóstico das doenças glomerulares cons-
liais fenestradas, que reveste as alças capi- titui um desafio, uma vez que as manifestações
lares; a MBG propriamente dita; e a camada clínicas são extremamente variáveis. Diferentes

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 31

doenças glomerulares podem apresentar os envolve a presença de hematúria com dis-


mesmos sinais clínicos e laboratoriais, enquanto morfismo eritrocitário, edema e hipertensão
outras formas de doenças glomerulares pode arterial. A nefrite ocorre subsequentemente
revelar um quadro clínico diferente em dife- à lesão ao endotélio, MBG ou mesângio, ocor-
rentes perfis de paciente, ou ainda, no mesmo rendo dano às alças capilares glomerulares, o
paciente, em diferentes ocasiões. que permite que as células sanguíneas passem
para a urina. O nível de proteinúria geralmente
Em geral, o termo “glomerulonefrite” é utili-
zado para denotar as doenças glomerulares ocorre em níveis subnefróticos, em torno de 1 a
que resultam de um processo inflamatório. 2 gramas/24 horas. A nefrite pode ser acompa-
Estas doenças caracteristicamente possuem nhada de uma diminuição relativamente rápida
um componente imunológico. As doenças glo- da taxa de filtração glomerular (TFG). Quando
merulares não inflamatórias muitas vezes são a inflamação glomerular se instala lentamente,
denotadas pelo termo “nefropatia”. Existem a creatinina sérica subirá de modo gradual ao
numerosas doenças distintas capazes de lesar longo de muitas semanas, porém se a creatinina
o glomérulo e produzir um ou mais dos aspec- sérica sobe rapidamente, em particular durante
tos cardinais de proteinúria, hematúria e azote- poucos dias, a nefrite aguda é, algumas vezes,
mia, como resultado do comprometimento da denominada glomerulonefrite rapidamente
depuração de solutos. Para fins diagnósticos, progressiva (GNRP); o termo histopatológico
é recomendado primeiramente se estabele- glomerulonefrite crescêntica é o equivalente
cer um diagnóstico sindrômico (por exemplo, patológico da manifestação clínica da GNRP.
síndrome nefrítica vs. síndrome nefrótica), A GNRP deve ser considerada uma emergência
que poderá estreitar de modo considerável o médica e requer encaminhamento imediato
diagnóstico diferencial e, assim, permitir uma do paciente a um nefrologista, devido à neces-
abordagem mais lógica de investigação e tra- sidade urgente de diagnóstico e intervenção
tamento do paciente com doença glomerular. terapêutica para prevenção de perda irreversí-
vel da TFG, desenvolvimento de doença renal
As glomerulonefrites também são classifica- em estágio terminal (DRET) ou morte. Quando
das de acordo com a presença ou a ausência de os pacientes com GNRP se apresentam com
doença sistêmica, conforme a apresentação clí-
hemorragia pulmonar secundária à síndrome
nica e quanto ao seu modo de instalação e pro-
de Goodpasture, vasculite de pequenos
gressão. Quando as glomerulopatias aparecem
vasos associada a anticorpos anticitoplasma
isoladamente, são classificadas como primárias, e
de neutrófilo (ANCA), LES ou crioglobuline-
quando estão associadas às doenças sistêmicas,
mia, eles são diagnosticados com frequência
tais como lúpus eritematoso sistêmico (LES), dia-
como tendo uma síndrome pulmão-rim.
betes etc., são classificadas como secundárias.
Já a síndrome nefrótica é definida pela pre-
sença de uma proteinúria severa (> 3,5 g/
SÍNDROMES GLOMERULARES dia), edema e hipoalbuminemia, e geral-
mente acompanhada de lipidúria e hiperlipi-
Como descrito acima, nas síndromes glo- demia. Além da perda de albumina pela urina,
merulares, a doença pode estar limitada aos outras proteínas plasmáticas também podem
rins (primária) ou ser secundária a doenças
atravessar o glomérulo na síndrome nefrótica
autoimunes ou infecciosas.
severa. Os pacientes, portanto, podem apre-
A síndrome nefrítica é caracterizada pelo sentar hipercoagulabilidade decorrente da
desenvolvimento de hematúria macro ou perda urinária de antitrombina e apresentam
microscópica, com hemácias dismórficas ou risco aumentado de desenvolvimento de trom-
cilindros de hemácias na urinálise e graus variá- bose venosa e embolia pulmonar. Estes pacien-
veis de azotemia, oligúria, hipertensão e edema. tes também são suscetíveis a infecções, devido
Em geral, a tríade da síndrome nefrítica à perda de complemento e de imunoglobulinas,

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32 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

bem como ao desenvolvimento de osteomalá- basal têm membranas basais geneticamente


cia decorrente da perda de proteína ligadora anormais (síndrome de Alport) ou elaboram
de vitamina D. A síndrome nefrótica pode uma resposta autoimune ao colágeno IV da
ocorrer no contexto de doenças hereditárias membrana basal (síndrome de Goodpasture)
envolvendo os podócitos, doença sistêmica (p. associada à hematúria microscópica, proteinú-
ex., diabetes melito e amiloidose) ou doenças ria leve à maciça e hipertensão com elevações
renais primárias que têm como alvo os podó- variáveis da creatinina sérica. A síndrome
citos. Além disso, as reações idiossincráticas a glomerular-vascular descreve os pacientes
medicamentos como os anti-inflamatórios não com lesão vascular que produz hematúria e
hormonais (AINH) ou a intoxicação com metais proteinúria moderada. Os indivíduos afetados
pesados podem lesar os podócitos e produzir podem evidenciar vasculite, microangiopatia
síndrome nefrótica. trombótica, síndrome antifosfolípide ou, mais
comumente, uma doença sistêmica do tipo
As síndromes nefrítica e nefrótica não são aterosclerose, embolia de colesterol, hiper-
mutuamente exclusivas. Por exemplo, alguns tensão, anemia falciforme e autoimunidade.
pacientes podem apresentar manifestações clí- A síndrome associada à doença infecciosa
nico e laboratoriais compatíveis com síndrome é mais importante quando se assume uma
nefrítica-nefrótica, termo utilizado para des- perspectiva global. Com exceção da endocar-
crever pacientes que apresentam proteinúria dite bacteriana subaguda (mais comum no
nefrótica (> 3,5 g proteinúria/dia) e sedimento hemisfério ocidental), a malária e a esquistos-
urinário ativo contendo hemácias e cilindros somose podem ser as causas mais comuns de
hemáticos. Esta síndrome sugere a existência glomerulonefrite em todo o mundo, seguidas
de uma inflamação extensiva junto ao tufo glo- de perto pelo HIV e pelas hepatites B e C crôni-
merular e geralmente está associada a doenças cas. Essas doenças infecciosas produzem uma
que produzem um padrão de lesão membra- ampla variedade de reações inflamatórias nos
noproliferativa. O diagnóstico diferencial tam- capilares glomerulares, oscilando de síndrome
bém inclui a nefrite lúpica e a nefropatia por nefrótica a lesão nefrítica aguda, com exames
IgA (NIgA), púrpura de Henoch-Schönlein e de urina que demonstram uma combinação de
certas formas de nefrite pós-infecciosa. hematúria e proteinúria.
Existem outras formas menos comuns de As tabelas 2.1 e 2.2 descrevem as principais
apresentação de síndromes glomerulares. formas de apresentação de síndromes glo-
Os pacientes com síndrome da membrana merulares.

  Síndrome nefrítica GNRP Síndrome nefrótica

Edema
Hipertensão Síndrome nefrítica ou ne-
Proteinúria > 3,5 g/dia ou
Edema frítica-nefrótica, com dete-
proporção albumina:crea-
TFG reduzida rioração rápida da função
Achados clínicos tinina > 3
Hematúria com sedimento uriná- renal
Hipoalbuminemia
rio ativo Hematúria com sedimento
Hiperlipidemia
Proteinúria < 3,5 g/dia urinário ativo
Lipidúria

NIgA*
PHS
Doença de lesões mínimas
Doenças glomerulares Glomerulonefrite necrotizante
Doença anti-MBG GESF
primárias idiopática
Nefropatia membranosa
GNMP primária*
DDD

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 33

Síndrome nefrítica GNRP Síndrome nefrótica

Familiar:
 Distúrbios hereditários de
proteínas de podócitos
Farmacológicas:
Familiar:
 - Fármacos
 - Síndrome de Alport
 - AINH
Farmacológica:
Autoimune: - Toxinas
 - Vasculite ou lúpus fármaco-in-
 - Vasculite ANCA-associada - Metais pesados (ouro/
duzido
 -LES severo mercúrio)
Doenças glomerulares Infecciosa:
Infecciosa: Metabólica:
secundárias comuns  - Glomerulonefrite pós-infecciosa
 - Doença do imunocom-  - Diabetes melito
 - Crioglobulinemia associada à
plexo pós-infeccioso seve- Infecciosa:
hepatite C*
ra  - HIV
Autoimune:
 - Infecções parasitárias
 - LES*
Associada à malignidade:
 - Vasculites ANCA-associadas
 - Amiloidose
 - Doença da deposição de
Ig monoclonal
 - Paraneoplásica

Tabela 2.1
Fonte: Doenças glomerulares – Roman GB Bonegio e David J Salant. MedicinaNET, acessado em 02/11/2020.
*Pode ocorrer na síndrome nefrítica-nefrótica.
Abreviações: AINH = anti-inflamatórios não hormonais; ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo; DDD = doença de depósito denso; GESF = glomeruloscle-
rose segmentar focal; GNMP = glomerulonefrite membranoproliferativa; GMRP = glomerulonefrite rapidamente progressiva; LES = lúpus eritematoso sistêmico;

MBG = membrana basal glomerular; NIgA = nefropatia por IgA; PHS = púrpura de Henoch-Schönlein; TFG = taxa de filtração glomerular.
Fonte: Medicina Interna – Harrison, 19º. Edição.
a
Pode manifestar-se como glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP); às vezes denominada glomerulonefrite crescêntica.
Abreviações: AA, amiloide A; AL, amiloide L; ANCA, anticorpos anticitoplasma de neutrófilo; MBG, membrana basal glomerular.
figura. 2.1

EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA GLOMERULAR


As doenças do glomérulo constituem as causas mais comuns de DRET em todo o mundo. Nos
Estados Unidos, assim como nos países mais desenvolvidos, o diabetes melito predomina

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34 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

como causa de DRET (44%), enquanto a glo- glomerulonefrite pós-infecciosa, a nefrite


merulonefrite é responsável por cerca de 7% lúpica e a glomerulonefrite membranopro-
dos casos (http://www.usrds.org/). Nos países liferativa (GNMP) atribuível à hepatite C. Em
em desenvolvimento, onde a prevalência das geral, os anticorpos e imunocomplexos que
doenças infecciosas é mais alta, a glomeru- se depositam no glomérulo promovem lesão
lonefrite imunomediada constitui a principal principalmente por ativarem a cascata do
causa de DRET. A verdadeira prevalência da complemento. O sítio de deposição de anti-
doença glomerular pode estar subestimada, corpos (mesangial, subendotelial ou subepite-
todavia, pois é estimado que apenas 10 a 20% lial) é o principal determinante da inflamação
dos pacientes com doença glomerular apre- glomerular, de quais células glomerulares são
sentem sintomas clínicos até manifestarem lesadas e, consequentemente, da síndrome
insuficiência renal crônica. clínica que se desenvolverá.
A imunidade celular também pode exercer
algum papel em certas formas de glomeru-
PATOGÊNESE DA LESÃO lonefrite que envolvem o influxo de células
GLOMERULAR inflamatórias. As células T sensibilizadas por
As doenças glomerulares podem ser hereditá- antígenos endógenos ou exógenos presentes
rias (por exemplo, defeitos do colágeno da MBG nos glomérulos recrutam macrófagos e indu-
observados na síndrome de Alport e proteínas zem uma reação de hipersensibilidade tardia.
podócito-associadas), imunomediadas ou cau- A imunidade celular também pode estar envol-
sadas por estresse metabólico (por exemplo., vida na doença de lesões mínimas, em que uma
diabetes, síndrome metabólica) ou hemodi- citocina putativa derivada de células T parece
nâmico (p. ex., hipertensão intraglomerular causar a lesão no podócito.
subsequente à diminuição da massa renal). A O diagnóstico precoce e preciso das formas
lesão mediada por anticorpos constitui o agressivas de doença glomerular e o início
mecanismo mais comum e mais bem-des-
oportuno do tratamento são muito impor-
crito de glomerulonefrite imunomediada.
tantes para se melhorar o prognóstico. Por
A lesão mediada por anticorpos é produzida exemplo, a demora de alguns dias na institui-
por dois mecanismos distintos. Um meca- ção do tratamento adequado a um paciente
nismo envolve autoanticorpos dirigidos con- com glomerulonefrite crescente, rapidamente
tra antígenos-alvo específicos do glomérulo. progressiva, pode afetar, dramaticamente,
Os principais exemplos são a síndrome de a probabilidade de preservação da função
Goodpasture (doença anti-MBG), em que o renal em longo prazo. A biópsia renal pos-
paciente apresenta anticorpos contra o domí- sui importante papel na investigação de
nio não colágeno das cadeias de colágeno doenças glomerulares, já que a realização
de tipo IV existentes na MBG, e a nefropatia da mesma na vigência de glomerulonefrite
membranosa idiopática, em que os anticor- aguda identifica rapidamente o tipo de
pos dirigidos contra o receptor da fosfoli- lesão glomerular e, com frequência, sugere
pase A2 (PLA2R – em inglês, phospholipase uma sequência de tratamento.
A2 receptor) de tipo M atacam os podócitos.
Em outros casos, pode haver formação de
imunocomplexos contendo anticorpos e antí-
PROGRESSÃO DA DOENÇA
geno na circulação ou durante o processo de
filtração glomerular, com consequente depo-
GLOMERULAR
sição no glomérulo. Alguns exemplos deste A glomerulonefrite persistente que agrava a
tipo de doença por imunocomplexo são a função renal é sempre acompanhada de nefrite

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 35

intersticial, fibrose renal e atrofia tubular. Entre- glomérulos menos afetados. Independente-
tanto, o que não é tão evidente é o fato de que mente do mecanismo exato, a nefrite túbulo-
a insuficiência renal na glomerulonefrite apre- -intersticial aguda precoce sugere uma função
senta uma melhor correlação histológica com renal potencialmente recuperável, enquanto o
o aspecto da nefrite túbulo-intersticial do que desenvolvimento de fibrose intersticial crônica
com o tipo de lesão glomerular desencadeante. prognostica uma perda permanente.
A perda de função renal devida ao dano inters- A lesão persistente dos capilares glomerulares
ticial é explicada hipoteticamente por vários propaga-se para o túbulo-interstício em asso-
mecanismos. A explicação mais simples é que ciação com proteinúria. Existe uma hipótese de
o fluxo de urina é dificultado pela obstrução que as arteríolas eferentes provenientes dos
tubular como resultado da inflamação inters- glomérulos inflamados conduzem mediadores
ticial e da fibrose. Assim sendo, a obstrução inflamatórios, o que induz uma nefrite intersti-
dos túbulos com detritos ou pela compressão cial a jusante, resultando em fibrose. O filtrado
extrínseca resulta em néfrons aglomerulares. glomerular proveniente dos capilares glomeru-
Um segundo mecanismo sugere que as altera- lares lesionados aderidos à cápsula de Bowman
ções intersticiais, incluindo o edema intersticial também pode ser dirigido erroneamente para o
ou a fibrose, alteram a arquitetura vascular e interstício periglomerular. Entretanto, a maioria
tubular e, dessa forma, comprometem o trans- dos nefrologistas acredita que o filtrado glo-
porte tubular normal de solutos e de água do merular proteinúrico que forma o líquido tubu-
lúmen tubular para o espaço vascular. Essa lar representa a via primária para uma lesão
disfunção faz aumentar o conteúdo de solutos tubulointersticial distal, apesar de nenhuma
e de água do líquido tubular, resultando em dessas hipóteses ser mutuamente exclusiva.
isostenúria e poliúria. Os mecanismos adapta-
tivos relacionados com o feedback túbulo-glo-
merular também falham, resultando em uma ANORMALIDADES URINÁRIAS
redução na produção de renina pelo aparelho As anormalidades detectadas nos exames de
justaglomerular dominado pela inflamação urina de rotina, em pacientes sem sintomas
intersticial. Consequentemente, a influência de doenças renais ou urológicas, são achados
vasoconstritiva local da angiotensina-II sobre comuns na prática clínica. A avaliação apro-
as arteríolas glomerulares diminui, e a filtração priada de tais anormalidades pode levar à
cai em razão de uma diminuição generalizada detecção de sérias doenças renais subjacentes
do tônus arteriolar. Um terceiro mecanismo em pacientes assintomáticos.
envolve mudanças na resistência vascular
devidas à lesão dos capilares peritubulares. O As anormalidades urinárias constituem
volume do corte transversal desses capilares indicadores de doença renal estrutural (por
torna-se reduzido por inflamação intersticial, exemplo: cilindros hemáticos em glomerulo-
edema ou fibrose. Essas alterações estruturais nefrites) ou de doenças sistêmicas.
na resistência vascular afetam a função renal O EAS (com exame microscópico do sedimento
por meio de dois mecanismos. Em primeiro urinário), quando adequadamente efetuado
lugar, as células tubulares são metabolica- e interpretado, pode constituir um guia para
mente muito ativas, e, como resultado, uma melhor avaliação da doença renal e ajudar a
redução na perfusão leva à lesão isquêmica. evitar investigações desnecessárias. Já que nem
Em segundo, o comprometimento do efluxo sempre estão intrinsecamente relacionados, é
arteriolar glomerular resulta em agravamento possível que os resultados anormais dos compo-
da hipertensão intraglomerular nos gloméru- nentes do exame urinário ocorram isoladamente
los menos afetados; essa hipertensão intra- ou em associação. As anormalidades urinárias
glomerular seletiva agrava e amplia a escle- assintomáticas que são comumente diagnos-
rose mesangial e a glomerulosclerose para os ticadas pelo dipstick (fita reagente) e pelo

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36 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

exame microscópico da urina são: glicosúria, de três hemácias é suficiente para o diagnós-
piúria, cristalúria, bacteriúria, hematúria e tico. A hematúria macroscópica é definida
proteinúria. Veja abaixo: pela coloração característica (avermelhada
Glicosúria: na ausência de hiperglicemia, ou marrom), acompanhada por mais de 106
sugere glicosúria renal essencial ou relacio- hemácias/ml. A modificação na cor não signi-
nada à doença tubular proximal. Essa alteração fica, necessariamente, grandes perdas sanguí-
também é comum na gravidez. neas, dado que um ml de sangue é necessário
Piúria: a presença de mais de três a cinco leucó- para alterar um litro de urina.
citos por campo de grande aumento, na ausên- A hematúria pode aparecer devido a anorma-
cia de cultura de urina positiva, sugere nefrite lidades em qualquer parte do trato genituriná-
intersticial, prostatite ou tuberculose renal. rio, desde os rins até a uretra, bem como em
Cristalúria: cristais de muitos tipos aparecem algumas doenças sistêmicas. A hematúria iso-
no sedimento urinário de pacientes assinto- lada sem proteinúria, outras células ou cilin-
máticos. A maioria deles não tem significado dros hemáticos, frequentemente indica san-
diagnóstico, porém os cristais hexagonais gramento proveniente do trato urinário. As
de cistina só são observados na urina de doenças subjacentes também podem variar
pacientes com cistinúria. amplamente, desde benignas (por exemplo:
Bacteriúria: a bacteriúria assintomática em febre) até malignas e fatais (por exemplo: car-
mulheres é, frequentemente, contaminante, cinoma de células renais).
porém em mulheres grávidas e em crianças é
Na prática clínica, a hematúria pode ser diag-
uma útil orientação para maior avaliação de
nosticada por meio do teste com dipstick na
infecção do trato urinário. Temos como regra
tratar a bacteriúria assintomática em ges- urina (alteração da cor resultante da oxidação
tantes, pois estas aumentam o risco tanto da ortotolidina pelo peróxido).
de amniorrexe prematura como de parto A hematúria macroscópica pode ser suspei-
prematuro. tada pela cor vermelha da urina, porém pre-
Hematúria e proteinúria: a hematúria e a pro- cisa ser confirmada pelo dipstick e pelo exame
teinúria podem ser sintomáticas ou assintomá- microscópico da urina. A ingestão de alguns
ticas, estando comumente associadas com sig- alimentos (por exemplo, beterraba, coran-
nificativas doenças subjacentes. tes), medicamentos (como fenazopiridina e
fenotiazina) e excreção de porfirinas podem
alterar a cor da urina para vermelho, porém
HEMATÚRIA a urina é negativa para sangue pelo dipstick.
Pode ocorrer, também, que o dipstick seja posi-
Em geral, cerca de um milhão de hemácias são
tivo para sangue em pacientes com rabdomió-
excretadas pela urina diariamente, o que se
lise e hemólise, porém o exame microscópico
traduz na presença de uma a três hemácias
revela presença não significativa de hemá-
por campo de grande aumento, no sedimento
cias. Resultados falso-positivos do dipstick são
centrifugado da urina normal, examinado ao
observados na presença de iodo-povidona e
microscópio. O padrão ouro para o diagnós-
agentes oxidantes.
tico de hematúria microscópica é o exame
do sedimento urinário. O sedimento é obtido Os resultados falsos-negativos ao dipstick têm
por meio da centrifugação de uma amostra estado associados à excreção de vitamina C
de urina a 3.000 rpm durante cinco minutos ou à exposição dos dipsticks ao ar. É essencial
e submetido a análise por lentes de microscó- o exame microscópico da urina após o dipstick
pio de grande aumento. A presença de mais para o diagnóstico da hematúria, já que esse

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 37

exame proporciona informações adicionais Hematúria com dismorfismo eritrocitário é


para a avaliação da doença subjacente. diagnóstico de lesão glomerular.
A presença de mais de 30% de hemácias dismór-
CAUSAS DE HEMATÚRIA ficas se correlaciona fortemente com patologias
glomerulares.
Uma vez efetuado o diagnóstico de hematúria,
Presença de cilindros hemáticos é patognomô-
é necessário que sejam determinados o local e
nico de glomerulonefrite.
a causa do sangramento (Tabela 2.3). A maioria
dos pacientes com hematúria apresenta alguns Locais extra-renais são responsáveis por
sinais, sintomas ou anormalidades ao exame mais de 60% das causas de hematúria.
de urina ou a outros exames laboratoriais ou Neoplasias do trato urinário são encontra-
radiológicos, que proporcionam úteis indica- das em 15 a 20% de homens brancos apre-
ções diagnósticas quanto à causa subjacente. A sentando-se com hematúria. As neoplasias
hematúria isolada, sem causa aparente, pode do trato geniturinário são menos comuns em
representar um grande desafio diagnóstico. As mulheres, e sua incidência aumenta com a
idade. O câncer de próstata é a doença maligna
causas de hematúria podem ser divididas
do trato geniturinário mais comum, sobretudo
em origem glomerular e não glomerular. A
em homens com mais de 55 anos de idade e,
hematúria não glomerular pode ser ainda
em seguida, tem-se o câncer de bexiga.
subdividida em doença do parênquima
O câncer do rim, conhecido também como ade-
renal e em doença extrarrenal.
nocarcinoma renal, carcinoma de células renais
A identificação da hematúria glomerular é ou hipernefroma, é responsável por cerca de
importante tanto para o prognóstico quanto 2% dos cânceres em adultos e afeta uma vez e
para otimizar a avaliação subsequente. Os meia mais homens que mulheres. O carcinoma
pacientes com nítida evidência de sangramento de células claras renais é o tipo mais frequente.
glomerular não precisam ser avaliados para Trata-se da terceira neoplasia mais comum do
trato geniturinário, seguindo os tumores de
doenças urológicas potencialmente graves.
próstata e bexiga, com pico de incidência entre
Os achados que favorecem a hemorragia 50 e 70 anos de idade. O quadro clínico inicial
glomerular são urina escura (ou colúria; é composto de hematúria (60%), dor lombar
aspecto cor de coca-cola), insuficiência (40%) e massa em flanco palpável (30-40%).
renal, cilindros hemáticos (achado patog- Além disso, podem ocorrer febre, perda de
nomônico), hemácias dismórficas e pro- peso, anemia, varicocele e síndromes parane-
oplásicas (5%), caracterizadas por eritrocitose,
teinúria (em geral acima de 500-1000 mg/
hipercalcemia, disfunção hepática e amiloi-
dia). Contudo, a ausência desses achados nem
dose. A tríade clássica, composta de massa
sempre exclui a doença glomerular. Em algu-
abdominal, hematúria e dor, está presente
mas condições, como na nefropatia por IgA, em apenas 10% dos casos e normalmente
síndrome de Alport e doença da membrana em estágios mais avançados, com prognós-
basal fina, os pacientes podem apresentar tico reservado.
apenas hematúria glomerular isolada. Coá-
As infecções agudas do trato urinário, como cis-
gulos de sangue nunca aparecem na doença tite, uretrite e prostatite, geralmente, são sinto-
glomerular, devido à presença de urocinase e máticas e responsáveis por 5 a 25% de todos
ativadores de plasminogêneo do tipo tecidual os casos de hematúria. Caso a urocultura seja
no filtrado glomerular. negativa, deve ser considerada a possibilidade

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38 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

de infecção por Chlamydia trachomatis ou diuréticos tiazídicos (em casos de hipercalciú-


tuberculose. ria) ou alopurinol (em casos de hiperuricosúria)
Cerca de 20% de todos os casos de hema- resultou no desaparecimento da hematúria em
túria são causados por nefrolitíase, com 60% dos casos.
a maioria dos cálculos contendo cálcio e
podendo ser visíveis à radiografia simples A hematúria microscópica ou macroscópica
de abdome. A hipercalciúria e hiperuricosú- pode ocorrer após vários exercícios. Em alguns
ria têm sido associadas à hematúria, mesmo casos, isso ocorre por traumatismo direto. No
na ausência de cálculos renais demonstráveis. corredor de longa distância, a hematúria
Acredita-se que a lesão tubular resultante de geralmente é consequência de um trauma-
cristalúria e microcálculos possa resultar em
tismo, em decorrência de movimentos da
hematúria. Em um estudo prévio, 37% dos
pacientes adultos avaliados com hematúria bexiga para cima e para baixo. Independen-
isolada apresentaram hipercalciúria ou hiperu- temente da causa, a hematúria provocada por
ricosúria. O tratamento desses pacientes com exercícios tem um prognóstico benigno.

Glomerulares Não-glomerulares

Glomerulonefrites primárias Parênquima renal Extra-renais

Glomerulonefrite membranosa Tumores (pelve, ureter, bexiga,


próstata)
Nefropatia por IgA
Tumores renais (hipernefroma) Hiperplasia benigna de próstata
Glomerulonefrite pós-infecciosa
Vasculares Cálculo
Glomerulonefrite membranoproliferativa
• Hipertensão maligna Infecciosa
Glomeruloesclerose segmentar e focal
• Doença ou traço falciforme • Cistites
Glomerulonefrite rapidamente progressiva
• Síndrome de dor lombar-hema- • Prostatites
túria
• Schistosoma haematobium
Glomerulonefrites secundárias • Malformação árterio-venosa
• Tuberculose
Metabólicas

• Hipercalciúria Medicamentos
• Hiperuricosúria
• Heparina
Glomerulopatias associadas a infecções Familiares
• Varfarina
Nefrite lúpica sistêmica e vasculites • Doença renal policística • Ciclofosfamida (cistite hemor-
Crioglobulinemia mista essencial • Medula renal esponjosa rágica)
Infecção Distúrbios hemorrágicos sistêmi-
Síndrome hemolítico-urêmica
cos
Púrpura trombocitopênica trombótica • Pielonefrite

• Tuberculose Exercícios vigorosos

Tabela 2.2 – CAUSAS DE HEMATÚRIA

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 39

AVALIAÇÃO DE PACIENTES COM A cultura de urina em pacientes sintomáticos é útil


HEMATÚRIA para diagnosticar infecção do trato urinário. Uma
cultura negativa na presença de piúria obriga que
Na maioria das vezes, uma história e um exame sejam efetuadas culturas apropriadas para Myco-
físico cuidadosos proporcionam importantes bacterium tuberculosis e C. trachomatis, além de
indicações para o diagnóstico. No caso de considerar causas não infecciosas, como litíase,
nefropatias túbulo-intersticiais, entre outras.
hematúria macroscópica, a história de san-
gramento no início da micção sugere lesão Em pacientes com suspeita de litíase renal, exa-
uretral. A hematúria, ao término da micção, mes como radiografia simples de abdome, em
sugere uma causa vesical, enquanto a hema- associação com ultrassonografia de rins e vias
túria durante toda a micção sugere origem urinárias e/ou tomografia devem ser utilizados.
ureteral ou renal. O traumatismo provocado Excluindo-se nefrolitíase, em pacientes jovens,
pela inserção de um catéter vesical precisa ser considerar colher urina de 24 horas, para
excluído como causa da hematúria. excluir hiperuricosúria e hipercalciúria; em
pacientes idosos, a cistoscopia deve ser consi-
A existência de cólicas renais é compatível derada, sobretudo em pacientes com sinais ou
com cálculos ou necrose papilar. Hematúria sintomas de doença prostática ou vesical.
macroscópica recorrente, após infecção de
Os pacientes com suspeita de doença glomerular
vias aéreas superiores, é muito sugestiva de
podem requerer testes sorológicos (ver seção Exa-
nefropatia IgA (doença de Berger).
mes Laboratoriais e Investigação Inicial de Pacientes
A hematúria em homens idosos com limitação com Glomerulonefrite), como dosagem dos níveis
do jato urinário e hesitação sugere, geralmente, de complemento sérico, fator anti-núcleo, etc. A
doenças prostáticas. A hematúria em negros biópsia renal não é efetuada de rotina em pacien-
jovens e sem outros problemas de saúde deve tes assintomáticos com hematúria isolada, já que
levantar a possibilidade de traço falciforme ou o prognóstico geralmente é bom e não é necessá-
doença falciforme. Caso haja uma história fami- rio tratamento. Caso seja planejada uma biópsia
liar positiva de doença renal, deve-se conside- renal, estará aconselhada uma urografia antes da
rar a possibilidade de doença renal policística biópsia, para excluir rim esponjoso medular.
e nefrite hereditária. É necessário obter uma Nos pacientes com urografia excretora e cistosco-
lista completa sobre o uso de medicamentos. pia negativas, diante de forte suspeita de neopla-
sia do trato geniturinário, a avaliação citológica da
São indispensáveis um cuidadoso exame abdo-
urina é útil e tem uma sensibilidade de 80% no
minal, para a pesquisa de tumores ou hiperes-
diagnóstico de malignidade no sistema coletor.
tesia renal, além de realização de exame retal,
para se avaliar patologias prostáticas. A pre- Salienta-se que nenhuma causa de hematúria
sença de edema e hipertensão em pacientes é encontrada em pelo menos 10% dos pacien-
jovens, previamente saudáveis, pode suge- tes, a despeito de extensa investigação.
rir glomerulonefrite aguda.
Em casos de piúria com cultura negativa, deve-
Hematúria macroscópica recorrente indolor -se excluir infecção por Mycobacterium tubercu-
em adultos jovens, particularmente após IVAS, losis e C. trachomatis.
deve lembrar o diagnóstico de doença de Berger
Em casos de hematúria persistente não-glomeru-
(nefropatia por IgA).
lar em indivíduos acima de 40 anos de idade,
com ultrassonografia normal, é prudente solicitar
Exames de sangue, como hemograma completo, urografia excretora com nefrotomografia, com o
ureia, creatinina, tempo parcial de tromboplas- objetivo de excluir pequenos tumores renais e, nos
tina e tempo de protrombina, devem ser efetua- mais idosos, cistoscopia (1º exame).
dos em todos os pacientes com hematúria.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


40 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

benigno. É importante que os clínicos compre-


endam o significado da proteinúria em certas
doenças sistêmicas e sejam capazes de decidir
sobre quando e como a proteinúria deve ser
investigada. Ainda que até 15 kg de proteína
passem diariamente pelos rins do adulto, gra-
ças à peculiar barreira glomerular, como já
descrito, não mais de 150 mg de proteína
são excretadas na urina, normalmente, por
dia. A metade disso é representada pela pro-
teína de Tamm-Horsfall, uma glicoproteína
que se origina das células do ramo ascen-
dente espesso da alça de Henle; o restante
é constituído de várias proteínas plasmáticas
que passam para a urina, a despeito das deli-
cadas barreiras. Essas proteínas plasmáticas
incluem albumina (cerca de 60%), imunoglo-
bulinas, transferrina e vários hormônios. Para
que uma proteína plasmática penetre na urina,
FIGURA 2.2 é necessário que ela seja capaz de atravessar
MBG: membrana basal glomerular; AACN: anticorpo anticitoplasma neutro-
fílico; VDRL: veneral disease research laboratory; ASLO: antiestreptolisina a barreira glomerular. Normalmente, as prote-
O; EAS: exame simples da urina; PIV: pielografia intravenosa; TC: tomografia
computadorizada. ínas com mais de 20 mil dáltons não passam
facilmente pela parede capilar glomerular.

A membrana basal glomerular normal


PROTEINÚRIA
encerra uma carga negativa, que repele a
A excreção diária normal de proteína proteína plasmática carregada negativa-
(incluindo todas as proteínas) é inferior a 150 mente (por exemplo: albumina), assegu-
mg (geralmente 40 a 80 mg) (Tabela 2.4). A rando ainda mais a integridade dessa bar-
taxa normal de excreção de albumina é infe- reira. Contudo, a quantidade de proteína que
rior a 20 mg / dia (15 mcg/min), sendo cerca de pode passar para a urina também é uma fun-
4 a 7 mg/dia (3 a 5 mcg/min) em adultos jovens ção da pressão intraglomerular. O aumento
saudáveis e aumentando com a idade e com da pressão hidrostática, devido às alterações
o aumento do peso corporal. A excreção per- do tônus arteriolar aferente ou eferente, pode
sistente de albumina entre 30 e 300 mg/dia aumentar a quantidade de proteína filtrada
(20 a 200 mcg/min) é chamada de albuminúria para a urina. As alterações das concentrações
moderadamente aumentada (anteriormente
locais de angiotensina-II também podem afe-
denominada “microalbuminúria”). A excreção
tar a quantidade de proteína filtrada por meio
persistente de albumina acima de 300 mg/dia
dos glomérulos. Finalmente, após a proteína
(200 mcg/min) é considerada proteinúria sig-
ser filtrada pelo glomérulo, ela precisa escapar,
nificativa ou albuminúria significativamente
então, à reabsorção e ao catabolismo pelas
aumentada (anteriormente denominada
células dos túbulos proximais. Essas células
“macroalbuminúria”).
tubulares comumente removem as proteínas
A proteinúria pode ser um marcador de grave de baixo peso molecular que passam para o
doença renal ou sistêmica, ou achado incidental espaço urinário.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 41

A proteinúria tem sido considerada um fator de risco para declínio progressivo da função renal,
em várias doenças renais crônicas. Em diabéticos, sabe-se, atualmente, que uma microal-
buminúria entre 20 e 200 µg/minuto representa um fator de risco para o aparecimento
de nefropatia diabética declarada. No caso de várias doenças renais, sejam glomerula-
res, hipertensivas, diabéticas ou intersticiais, quanto maior o grau de proteinúria, mais
rápida será a evolução para insuficiência renal em estágio final.

Nas últimas duas décadas, os resultados de muitas investigações básicas e clínicas sugerem que a
velocidade de declínio da função renal possa ser reduzida pela alteração de certas hemodinâmicas
glomerulares. As pressões intraglomerulares podem ser reduzidas diminuindo-se a pressão arterial
sistêmica e, sobretudo, por meio de medicamentos antiproteinúricos, em especial os inibidores da
enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor da angiotensina-II. Essas medidas
diminuem a hiperfiltração glomerular e reduzem a velocidade do processo de esclerose glomerular.

Tabela 2.3 – Ensaios para albuminúria/proteinúria na urina


Fonte: Medicina Interna – Harrison, 19º. Edição.

TIPOS DE PROTEINÚRIA dos adultos que apresentam doença glomeru-


lar não é seletiva, contendo albumina e uma
Uma proteinúria persistente de >1 a 2 g/24 horas série de outras proteínas séricas, enquanto,
também está comumente associada à doença em crianças com doença por lesões mínimas, a
glomerular. Com frequência, os pacientes não proteinúria é seletiva e constituída, em grande
saberão que estão com proteinúria, a não ser parte, de albumina. Já a proteinúria tubular
quando se tornam edemaciados ou observam ocorre quando a lesão tubular causa uma inca-
uma urina espumosa à micção. A proteinúria pacidade de as células tubulares catabolizarem
persistente deve ser diferenciada das quan- as proteínas de baixo peso molecular, o que
tidades menores da denominada proteinú- ocorre na necrose tubular aguda e tubulopatias.
ria benigna na população normal (Tabela No caso da proteinúria de transbordamento,
2.5). Esta última classe de proteinúria não é a mesma ocorre quando há uma excessiva pro-
persistente, em geral é <1 g/24 horas e, às dução de proteínas de baixo peso molecular, o
vezes, é denominada proteinúria funcional ou que sobrecarrega a capacidade de reabsorção
transitória. Febre, exercício, obesidade, apneia das células tubulares; isso ocorre nas gamopa-
do sono, estresse emocional e insuficiência car- tias monoclonais, como mieloma múltiplo.
díaca congestiva podem explicar a proteinúria
A proteína urinária, em geral, é detectada ini-
transitória. A proteinúria observada somente
com a postura ereta é denominada proteinú- cialmente pelo exame de urina pelo dipstick
ria ortostática e tem prognóstico benigno. (Tabela 2.6). O método comum do dipstick
A proteinúria isolada que persiste ao longo emprega azul de tetrabromofenol em um tam-
de várias consultas é observada em muitas pão de ácido cítrico. Esse indicador muda de cor
lesões glomerulares. A proteinúria na maioria na presença de proteínas urinárias carregadas

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


42 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

negativamente. O reagente passa de uma cor amarela, negativa, para tons de verde mais escuros
e depois para azul, na presença de maiores quantidades de proteína. Uma proteinúria na faixa
de 30 a 1.000 mg/dL é detectada a partir desse método. Ainda que o dipstick da urina seja útil
como um instrumento de triagem, suas limitações precisam ser lembradas. Pode haver resulta-
dos tanto falso-positivos quanto falso-negativos usando este método.

Resultados falso-negativos podem ocorrer quando a urina está diluída. O azul de tetrabro-
mofenol também não detecta proteínas carregadas positivamente, como as cadeias leves. O
ácido sulfossalicílico e outros testes de precipitação da proteína são mais sensíveis para essas
proteínas. Quando a urina está concentrada, cursa com alto pH ou está sanguinolenta, podem
ocorrer resultados falso-positivos. Agentes de radiocontraste também podem causar tanto
um resultado falso-posivo ao dipstick quanto um resultado falso-positivo no teste de ácido
sulfossalicílico.

O dipstick da urina não detecta concentrações de albumina inferiores a 30 mg/dL. Por con-
seguinte, não pode ser usado como um teste de triagem nas doenças em que a detecção
de microalbuminúria é importante, como em estágios iniciais da nefropatia diabética.

Níveis típicos de proteinúria


Classificação de proteinúria Condições clínicas associadas
em adultos

Febre, exercício, infusão de vasopresso-


Proteinúria transitória < 1,0 g/dia
res e infusão de albumina

Proteinúria persistente - Incomum acima dos 30 ano; pode ocor-


<1-2,0 g/dia
proteinúria ortostática rer em 2 a 5% dos adolescentes

Proteinúria persistente - Mieloma (cadeias leves monoclonais),


Variável; pode ser na faixa nefró-
proteinúria por Hemólise (hemoglobinúria), rabdomiólise
tica
transbordamento (mioglobinúria)

Doenças glomerulares primárias, doen-


Proteinúria persistente - Variável; geralmente na faixa
ças glomerulares secundárias, nefropa-
proteinúria glomerular nefrótica
tia diabética, nefrosclerose hipertensiva

Intoxicações por metais pesados, infla-


Proteinúria persistente - mação intersticial autoimune ou alér-
< 3,0 g/dia
proteinúria túbulo-intersticial gica, lesão intersticial induzida por
medicamentos

Infecções do trato urinário, nefrolitíase e


Proteinúria pós-renal < 1,0 g/dia
tumores do trato geniturinário

Tabela 2.4 - Classificação e caracterização dos tipos de proteinúria

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 43

com menos de 18 anos de idade, ou com con-


Proteinúria
Concentração de albumina dições como atividade física recente. Portanto,
dipstick
repetir o exame fora de condições como febre
Traços Entre 15-30 mg/dL e atividade física extenuante é necessário; caso
a segunda dosagem de proteinúria seja nor-
1+ Entre 30-100 mg/dL mal, não são necessárias novas avaliações.

2+ Entre 100-300 mg/dL Um segundo passo é excluir a proteinúria ortos-


tática, sobretudo em pacientes com menos de
3+ Entre 300-1.000 mg/dL 30 anos de idade (2 a 5% em pacientes com
menos de 18 anos de idade), com testes para
4+ > 1.000 mg/dL
proteinúria repetidamente positivos. Nesse
Tabela 2.5 –Avaliação do grau de proteinúria pelo dipstick caso, algumas opções incluem usar frascos
separados para coletar a urina logo após ati-
AVALIAÇÃO DE PACIENTES COM vidades normais e para urina após o sono, ou,
PROTEINÚRIA após desprezar a urina antes de deitar, coletar
a urina pela manhã após uma noite de sono.
Quando se descobre que um paciente é por-
Em casos de proteinúria persistente, será
tador de proteinúria, no exame de urina
necessário efetuar a coleta de urina durante
pelo dipstick, esse paciente deve ser avaliado
certo tempo, para se determinar a excreção
no contexto do exame médico completo. O
quantitativa de proteínas. O método de quanti-
paciente era saudável inicialmente ou tinha
ficação padrão-ouro é uma coleta de urina em
alguma doença crônica que poderia levar à
período de 24 horas. No entanto, essas cole-
doença renal? Há sinais e sintomas que suge-
tas, além de serem pouco práticas, costumam
rem uma doença sistêmica? Há história fami-
ser repletas de imprecisões, e é complicado
liar de doença renal? Quais medicamentos
transportar grandes volumes de urina, sobre-
o paciente está tomando e que podem ser a
tudo para pacientes com proteinúria persis-
causa da proteinúria? É necessário que sejam
tente que necessitam de monitoramento regu-
efetuados um exame físico completo e um
lar. Em vista disso, têm sido propostos vários
cuidadoso exame do sedimento urinário. A
outros testes, como os que se baseiam em
presença de hemácias dismórficas ou cilin-
amostras de urina isolada e de coleta aleatória.
dros hemáticos é indicativo de glomerulo-
Por exemplo, a identificação de uma rela-
nefrite. A presença de leucócitos ou cilin-
ção proteína/creatinina urinária em amos-
dros leucocitários pode sugerir infecção ou
tra isolada > 3,5(mg/g) é indicativo de pro-
doenças túbulo-intersticiais. A presença de
teinúria em faixa nefrótica (> 3,5 gramas/24
corpos adiposos ovais e de cilindros gordu-
horas), enquanto valores < 0,2 encontram-
rosos sugere síndrome nefrótica.
-se na faixa de normalidade.
A proteinúria transitória é comum, ocorrendo
Proteínas urinárias abaixo de 1 g/dia podem
em até 4% dos homens e em 7% das mulheres.
indicar várias doenças tubulares e intersti-
Fatores como exercício vigoroso, trauma, febre
ciais, como nefropatia por chumbo ou anal-
ou uso de agentes vasopressores e bloqueado-
gésicos, doenças císticas, nefrites hereditárias
res de canal de cálcio com vasodilatação prefe-
e doença glomerular. Outros exames, como a
rencial da arteríola aferente como o nifedipino
ultrassonografia, podem ajudar a definir o tipo
podem aumentar a proteinúria.
de doença. Uma proteinúria entre 1 e 3 g/
Dessa forma, uma das primeiras medidas é dia geralmente reflete patologia glomeru-
excluir que a proteinúria seja apenas transitó- lar (cuja investigação encontra-se descrita
ria, que pode ocorrer em até 10% das pessoas com mais detalhes na próxima seção). Em

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


44 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

adultos, em casos de proteinúria persistente significativa de causa desconhecida, deve-se efetuar


a eletroforese das proteínas séricas e urinárias, para se excluir gamopatias monoclonais.

Proteinúria > 1 g/dia é sugestiva de doença glomerular; acima de 3,5 g/dia é definida como pro-
teinúria nefrótica e, quando associada à hiperlipidemia, hipoalbuminemia e lipidúria, constitui a
síndrome nefrótica.
Nefropatia diabética incipiente é definida pela presença de microalbuminúria persistente, ou seja,
perda entre 20-200 µg/min ou 30-300 mg/dia..

Figura 2.4 - Avaliação do paciente com proteinúria


A investigação da proteinúria geralmente é iniciada quando se obtém um resultado positivo no teste da urina com uma fita. As fitas de teste convencionais
detectam predominantemente albumina e não conseguem detectar níveis urinários de albumina entre 30 e 300 mg/dL. Contudo, a quantificação mais precisa
da proteinúria deve se basear em uma amostra de 24 horas ou na determinação da relação proteína/creatinina (mg/g) em uma amostra aleatória de urina
obtida pela manhã. O padrão da proteinúria na eletroforese das proteínas urinárias (EFPU) pode ser classificado como glomerular, tubular ou anormal, depen-
dendo da origem das proteínas da urina. A proteinúria glomerular é causada pela permeabilidade anormal dos glomérulos. As proteínas tubulares, como a
de Tamm-Horsfall, são produzidas normalmente pelos túbulos renais e secretadas na urina. As proteínas circulantes anormais, como as cadeias leves kappa
ou lambda, são facilmente filtradas em razão do seu tamanho reduzido. GESF: Glomerulosclerose Segmentar Focal; GNMP: Glomerulonefrite Membranopro-
liferativa.ABORDAGEM INICIAL DE PACIENTES COM SUSPEITA DE GLOMERULONEFRITE

Uma história detalhada fornece os indícios essenciais ao diagnóstico e à etiologia da doença


glomerular, em cada paciente. Os sintomas sugestivos incluem um ganho de peso inexpli-
cável, edema, episódios recentes ou passados de hematúria e urina espumosa. Devem ser

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 45

feitas perguntas específicas sobre os sin- pacientes com anasarca decorrente da sín-
tomas extra-renais de doenças sistêmicas, drome nefrótica não apresentem elevação
como artralgia, erupção prurídica ou sensí- da pressão venosa jugular nem congestão
vel à luz solar, alopécia, doença crônica no pulmonar. Estes achados devem alertar para
trato respiratório superior e hemoptise. Uma a possível coexistência de uma doença cardí-
história familiar de doença renal pode suge- aca. Contudo, pacientes com nefrite aguda e
rir uma forma familiar de glomerulonefrite, hipertensão severa podem apresentar edema
como a síndrome de Alport, em especial se o pulmonar e encefalopatia hipertensiva. É pre-
indivíduo afetado apresentar perda auditiva. ciso procurar sinais da possível existência
Também existem formas familiares de nefro- de doenças sistêmicas, incluindo um exame
patia por IgA, glomerulosclerose segmentar detalhado do trato respiratório superior, boca,
e focal (GESF) e síndrome hemolítica-urê- articulações e pele. Deve ser feito um exame
mica atípica. Além das formas mendelianas microscópico de urina, para determinar se o
de doença renal, a história familiar pode ser sedimento urinário é ativo e contém hemácias
importante como indicador de suscetibili- dismórficas e cilindros de hemácias – um sinal
dade à doença. A predisposição familiar à patognomônico de glomerulonefrite. A lipi-
nefropatia diabética, nefrosclerose hiperten- dúria (corpúsculos adiposos ovais, gotículas
siva e nefropatia associada à infecção pelo lipídicas e cilindros de gordura) é tipicamente
HIV (NAHIV) está bem descrita, sobretudo observada na síndrome nefrótica.
entre pacientes de ascendência africana
recente. Esta predisposição foi recentemente Pacientes com início agudo de síndrome nefró-
associada a um polimorfismo envolvendo tica normalmente não apresentam lesão
o gene codificador da cadeia pesada 9 da renal aguda (LRA). No entanto, a LRA pode ser
miosina (MYH9), bem como ligada a varian- observada no momento da apresentação em
tes localizadas nas adjacências deste gene pacientes com podocitopatias, como doença
(ApoL1) que codificam uma forma tripano- de alteração mínima ou glomeruloesclerose
lítica da proteína ApoL1. A ApoL1 confere segmentar focal primária (GESF). No entanto, o
resistência à doença do sono africana. comprometimento renal (agudo ou crônico) é
comumente visto em pacientes com glomeru-
As células glomerulares também podem ser
lonefrite nas seguintes situações:
lesadas pela exposição a fármacos e toxinas
específicos. Os podócitos, por exemplo, podem • A LRA pode ocorrer em casos de glomerulo-
ser lesados pela exposição aos AINH ou ao nefrite aguda, especialmente em pacientes
interferon, causando uma doença de lesões com glomerulonefrite crescente, que geral-
mínimas. Contudo, a exposição destas células mente é decorrente de vasculite associada a
ao ouro, à penicilamina e ao mercúrio predis- anticorpos anti-citoplasmasma de neutrófi-
põe ao desenvolvimento de nefropatia mem- los (ANCA) ou na síndrome de Goodpasture
branosa. A disfunção endotelial causadora (doença anti-MBG);
de microangiopatia trombótica ou síndrome • Pacientes com doenças glomerulares crô-
hemolítica-urêmica já foi associada ao uso de nicas podem desenvolver declínio progres-
inibidores do fator de crescimento endotelial sivo na taxa de filtração glomerular e evoluir
vascular (FCEV),  ciclosporina, tacrolimo, mito- posteriormente para doença renal crônica.
micina C e anticoncepcionais orais. O início agudo da hipertensão em pacientes
Durante o exame, é preciso procurar sinais com pressão arterial previamente normal ou
de síndromes nefrítica ou nefrótica, incluindo agravamento agudo da hipertensão em pacien-
hipertensão e edema, e usar o teste da tes hipertensos previamente controlados deve
vareta medidora de nível de urina para detec- levantar suspeita de doença glomerular, par-
tar hematúria e albuminúria. É notável que ticularmente se outras manifestações (por

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46 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

exemplo, hematúria, edema) também estive- pode estar associada à doença de Hodgkin), e,
rem presentes. por último, a amiloidose (possivelmente asso-
ciada ao mieloma múltiplo).
Alguns tipos de doença glomerular, em particu-
lar a nefropatia membranosa ou, menos comu-
mente, outras causas de síndrome nefrótica,
podem produzir um estado de hipercoagulabili- EXAMES LABORATORIAIS
dade. Assim, eventos trombóticos, como trom- E INVESTIGAÇÃO INICIAL
boembolismo pulmonar, podem representar DE PACIENTES COM
uma manifestação de doença glomerular. GLOMERULONEFRITE
A doença glomerular pode estar limitada Os exames de laboratório devem incluir as
principalmente ao rim ou pode estar asso- análises bioquímicas, que permitem o cálculo
ciada à condições sistêmicas, como infecções, da TFG estimada e a identificação de distúrbios
doenças autoimunes, malignidade e reações eletrolíticos capazes de complicar a insuficiên-
medicamentosas. Assim, em pacientes com cia renal, tais como: hipercalemia, hiperfosfa-
suspeita de doença glomerular, a história, o temia e hipocalcemia. Os níveis séricos de albu-
exame físico e os exames laboratoriais devem mina, perfil lipídico de jejum e quantificação da
incluir a pesquisa de sinais e sintomas de aco- excreção urinária de albumina, seja na urina
metimento sistêmico: de 24 horas ou via proporção proteína: crea-
tinina urinárias em amostra de urina isolada
• Constitucional - febre, calafrio, perda de
são essenciais para o diagnóstico da síndrome
peso, sudorese noturna e fadiga;
nefrótica. Como já mencionado, é importante
• Olho - retinite ou uveíte;
examinar um sedimento de urina fresco em
• Ouvido, nariz e garganta - epistaxe, sinusite, busca de evidências de hemácias, cilindros de
úlceras orais; hemácias ou lipidúria.
• Cardiovascular - sopros, dor (pericardite) ou
As investigações subsequentes são realizadas
insuficiência cardíaca;
com o objetivo de excluir causas secundárias
• Pulmões - hemoptise, infiltrados ou nódulos; de glomerulonefrite e devem ser adequadas
• Abdômen - enterite, colite ou pancreatite; à síndrome em questão. Nesse contexto, exa-
• Sistema nervoso - convulsões ou neuropatia mes úteis incluem a dosagem de complemento
periférica; sérico – frações C3 e C4 (Tabela 2.7), testes
sorológicos (anti-HIV, anti-HBC e anti-HCV),
• Extremidades – isquemia digital ou infarto;
pesquisa de anticorpos (anti-MBG, anti-fosfoli-
• Pele - púrpura ou erupções; pídeo, anti-estreptolisina O [ASO], anti-DNAse,
• Musculoesquelético - artrite, artralgias ou anti-hialuronidase, anti-citoplasma de neutrófi-
mialgias; los [ANCA], anti-DNA e crioglobulinas).
• Infecções - particularmente relacionadas à Diante de um paciente com exame de urina
infecções por Staphylococcus, Streptococcus, anormal ecreatinina sérica elevada, com ou
vírus da hepatite ou HIV, sífilis. sem edema ou insuficiência cardíaca conges-
Algumas doenças em particular podem estar tiva, deve ser esclarecido se a glomerulonefrite
associadas à malignidades, incluindo a nefropa- é aguda ou crônica. Os pacientes que desenvol-
tia membranosa (que pode ocorrer em associa- vem rapidamente insuficiência renal ficam fati-
ção com tumores do pulmão, mama, intestino gados e fracos e, com frequência, apresentam
ou próstata) e a doença de lesões mínimas (que sintomas urêmicos associados, como náusea,

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 47

vômitos, retenção de líquidos e sonolência. A ultrassonografia renal pode ser útil neste contexto,
já que pacientes com glomerulonefrite crônica geralmente cursam com rins pequenos. Por outro
lado, rins aumentados podem ser observados na glomerulonefrite aguda, nefropatia diabética
em estágio inicial, nefropatia associada ao HIV e amiloidose.

Complemento consumido Complemento normal

Doença por lesões mínimas

Glomeruloesclerose segmentar focal (GESF)


Glomerulonefrite pós-estreptocócica
Glomerulonefrite membranosa idiopática
Lúpus eritematoso sistêmico
Doença de Berger (nefropatia por IgA)
Crioglobulinemia
Púrpura de Henoch-Schönlein
Glomerulonefrite membranoproliferativa
Vasculites sistêmicas (ANCA relacionadas)
Endocardite e associada a shunt
Doença de Goodpasture (anticorpos anti-MBG)

Doenças de depósito (DM, amiloidose)

Tabela 2.8
- Causas de glomerulopatias e relação com complemento
Fonte: Brandão Neto RA. Doenças glomerulares. MedicinaNET, acessado em 02/11/2020

EXAME DE BIÓPSIA RENAL seção) utilizando-se anticorpos conjugados


contra IgG, IgM e IgA, a fim de detectar a pre-
A biópsia renal estabelece um diagnóstico sença de depósitos imunes “grumosos e irre-
patológico, determina se a doença é mediada gulares” ou de anticorpos IgG ou IgA “lineares”
por anticorpos ou complemento e auxilia na ligados à MBG, anticorpos contra proteínas do
determinação da terapia doença-específica. O complemento retidas (C3 e C4) ou anticorpos
exame de biópsia também fornece informa- específicos contra algum antígeno relevante. A
ção sobre o grau de cicatrização glomerular e microscopia eletrônica (também discutida mais
intersticial. O grau de cicatrização intersticial é adiante) de alta resolução consegue esclarecer
importante como indicador prognóstico, uma a localização principal dos depósitos imunes,
vez que a lesão renal fibrótica geralmente é assim como o estado da membrana basal.
considerada irreversível. Cada região de uma biópsia renal é ava-
A biópsia renal é processada para a microsco- liada separadamente. Pela microscopia
pia óptica utilizando colorações com hematoxi- óptica, os glomérulos (pelo menos 10 e de
lina e eosina (HE) a fim de determinar a celula- preferência 20) são inspecionados indi-
ridade e a arquitetura, com ácido periódico de vidualmente quanto à possível presença
Schiff (PAS) para corar os componentes de car- de lesões circunscritas; o acometimento
boidratos nas membranas do tufo glomerular e <50% é considerado focal, e >50% é difuso.
dos túbulos, metenamina-prata de Jones para A lesão em cada tufo glomerular pode ser
realçar a estrutura das membranas basais, ver- segmentar, envolvendo uma porção do
melho Congo para os depósitos de amiloide e tufo, ou global, envolvendo a maior parte
coloração tricrômica de Masson para identi- do glomérulo. Os glomérulos que exibem
ficar a deposição de colágeno e determinar o características proliferativas mostram celu-
grau de glomerulosclerose e de fibrose inters- laridade aumentada. Quando as células do
ticial. As biópsias também são processadas tufo capilar proliferam, o processo é deno-
para imunofluorescência direta (ver próxima minado endocapilar, e quando a proliferação

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48 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

celular se estende para o interior do espaço insuficiência renal em estágio avançado (creati-
de Bowman, ela é denominada extracapilar. nina > 5 mg/dL), ou atribuível a uma terapia con-
As sinéquias são formadas quando podócitos comitante com inibidores plaquetários, constitui
epiteliais se prendem na cápsula de Bowman o único fator preditor reconhecido de complica-
na presença de lesão glomerular; os crescen- ções de sangramento. O valor do exame de bióp-
tes, que em alguns casos podem ser prolon- sia deve ser cuidadosamente ponderado contra o
gamentos de sinéquias, surgem quando os risco aumentado de sangramento para todos os
acúmulos fibrocelulares/de fibrina preen- pacientes, porém especialmente no caso daque-
chem todo ou parte do espaço de Bowman; e les com insuficiência renal em estágio avançado
os glomérulos escleróticos mostram acúmu- para os quais uma intervenção terapêutica pode
los amorfos acelulares de material proteiná- não retardar a necessidade de diálise.
ceo em todo o tufo, com perda de capilares
Existem quatro situações em que o exame
funcionais e do mesângio normal. Já que a
de biópsia renal deve ser obrigatoriamente
glomerulosclerose relacionada com a idade é
considerado: (1) insuficiência renal de pro-
comum em adultos, é possível estimar o per-
gressão rápida no contexto da doença glo-
centual básico de esclerose dividindo a idade
merular (GNRP); (2) síndrome nefrótica
do paciente por dois e subtraindo 10.
(exceções: crianças que podem ser con-
As biópsias renais percutâneas costumam ser sideradas com portadores de doença de
obtidas por um nefrologista ou radiologista lesão mínima; ou pacientes diabéticos que
que emprega uma técnica estéril e anestesia apresentam os aspectos clínicos clássicos
local. Guiada por exame de ultrassonogra- da nefropatia diabética); (3) doença renal,
fia, uma agulha de biópsia disparada por um no contexto de uma doença sistêmica (por
mecanismo de molas é utilizada na obtenção exemplo, LES, mieloma múltiplo, amiloi-
de um centro de tecido cortical de um dos rins. dose ou vasculite clássica); e (4) disfun-
Havendo indicação, a biópsia deve ser realizada ção inexplicável de um transplante renal.
no momento adequado, uma vez que a rápida Alguns pacientes com proteinúria não nefró-
iniciação da terapia apropriada para a doença tica, hematúria ou doença renal crônica tam-
glomerular muitas vezes limita a lesão renal e bém podem ser beneficiados por um exame
preserva a função dos rins. de biópsia renal para fins diagnósticos ou
A obtenção de biópsias renais percutâneas prognósticos. As biópsias são relativamente
orientada por exame ultrassonográfico em geral contraindicadas para pacientes com DRET,
constitui um procedimento seguro. Entretanto, diátese hemorrágica ou que têm apenas um
pode haver complicações sérias, como o desen- único rim.
volvimento de hematomas perinéfricos, hema- O relatório do exame de biópsia renal inclui uma
túria grosseira, fístulas arteriovenosas, infecção descrição de microscopia óptica, coloração de
e lesão de um órgão adjacente. Até um terço imunofluorescência e microscopia eletrônica.
das complicações sérias não são reconhecidas
durante as primeiras 8 horas subsequentes à
conclusão do procedimento. Por isso, prefere-se
manter o paciente sob observação de um dia
MICROSCOPIA ÓPTICA
para o outro, após a obtenção da biópsia. A maio- A microscopia óptica descreve a natureza da
ria das complicações, quando identificada pronta- doença glomerular utilizando cortes de bióp-
mente, pode ser tratada de forma conservadora sia renal corados. O relatório do exame de
ou por radiologia intervencionista, necessitando biópsia deve conter uma descrição da celu-
de intervenção cirúrgica apenas em casos muito laridade glomerular, espessura da MBG e
raros. A disfunção plaquetária no contexto da patência das alças capilares glomerulares,

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 49

grau de cicatrização (esclerose) glomerular e linear de IgG na MBG é diagnóstica da doença


presença ou ausência de crescentes glomeru- anti-MBG. As colorações específicas para
lares. Quando o glomérulo é hipercelular, a cadeias leves kappa e lambda permitem
microscopia óptica é capaz de distinguir se o identificar as doenças de deposição de anti-
número aumentado de células glomerulares corpos monoclonais, como amiloidose AL e
é atribuível à proliferação de células glomeru- doença de deposição de cadeia leve.
lares residentes ou à infiltração do glomérulo
por células inflamatórias, como os neutrófi- MICROSCOPIA ELETRÔNICA
los. A MBG pode ser espessada pela deposi-
ção de imunocomplexos, enquanto as alças A microscopia eletrônica fornece informação
capilares podem entrar em colapso ou ser sobre a ultraestrutura glomerular. É possível ava-
preenchidas por material hialino. Os crescen- liar a localização dos imunodepósitos eletron-
tes glomerulares consistem em camadas de densos e o grau de lesão das células glomerula-
células, incluindo células epiteliais, linfócitos res. A integridade e a espessura da MBG também
e macrófagos, que são observadas no espaço podem ser avaliadas. A extensão da obliteração
urinário da cápsula de Bowman. A presença de do processo podal ajuda a distinguir as formas
crescentes glomerulares aponta a existência primárias de lesão ao podócito (como a doença
de uma doença severa, geralmente associada de lesões mínimas ou a GESF, em que todos os
à GNRP. A microscopia óptica também pode podócitos dos processos podais são obliterados)
ser empregada para esclarecer se a doença da obliteração “adaptativa” do podócito (que é
glomerular é focal ou difusa, ou se o acometi- secundária à hipertensão glomerular e envolve
mento é segmentar ou global. O relatório tam- redução do número de néfrons, com apenas
bém deve incluir um comentário sobre o grau uma parte dos podócitos afetados).
de atrofia tubular e fibrose intersticial, porque
o grau de fibrose tubulointersticial é o melhor
fator preditor do prognóstico. O uso de colo- GLOMERULONEFRITES
rações especiais permite detectar, por micros- ASSOCIADAS COM SÍNDROME
copia óptica, a presença de maior concentra-
ção proteica na matriz (coloração com prata),
NEFRÍTICA
fibrilas amiloides (corante vermelho Congo) ou As síndromes nefríticas cursam de modo geral
corpúsculos de inclusão viral. com os seguintes achados:
1- Hematúria: cilindros hemáticos;
IMUNOFLUORESCÊNCIA 2- Proteinúria subnefrótica < 3,5 g/dia;

A imunofluorescência determina a natureza do 3- Edema;


processo imune causativo. A coloração pode 4- Oligúria;
detectar a deposição de anticorpos específicos
(por exemplo, IgA ou IgG) e componentes do 5- HAS;
complemento (por exemplo, C1q, C3, C4 ou C5b- 6- Frequentemente de início abrupto. As for-
9). A localização e o padrão de deposição dos mas mais comuns de glomerulonefrite asso-
anticorpos com frequência são diagnósticos. Os ciada com síndrome nefrítica podem ser classi-
depósitos mesangiais de IgA, por exemplo, ficadas com base nos respectivos mecanismos
são típicos de NIgA ou púrpura de Henoch- patológicos subjacentes, em três categorias:
-Schönlein (PHS). Já os depósitos granulares mediada por imunocomplexo (por exemplo, glo-
de IgG e C3 junto à parede capilar são típicos merulonefrite pós-infecciosa, NIgA ou nefrite
dos imunocomplexos formados na nefropa- lúpica); induzida por anticorpo (por exemplo,
tia mesangial e na nefrite lúpica. A deposição doença anti-MBG); e paucimune (por exemplo,

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50 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

vasculites ANCA-associadas, que cursam com representa uma forma de glomerulonefrite,


ausência de imunodepósitos glomerulares à precedida por infecção estreptocócica (estrep-
imunofluorescência). É importante salientar que tococos beta-hemolítico do grupo A - SBGA),
o curso clínico dessas glomerulopatias podem caracterizada por processo inflamatório de
variar. Por exemplo, a glomerulonefrite pós-es- origem imunológica que acomete todos os glo-
treptocócica (GNPE) costuma ser aguda e auto- mérulos de ambos os rins. Juntamente com a
limitada, enquanto a nefropatia por IgA (NIgA) febre reumática, é considerada uma sequela
tende a ser intermitente e crônica. Por outro
tardia, e não supurativa, de uma infecção
lado, a doença anti-MBG e a vasculite ANCA-as-
estreptocócica prévia. Esta doença é o exemplo
sociada apresentam início rápido e progressivo,
clássico da síndrome nefrítica aguda.
levando ao desenvolvimento de insuficiência
renal, às vezes em níveis dialíticos, em um curto A GNPE nos países subdesenvolvidos é epidê-
período de tempo, caso não sejam tratadas (GN mica, afetando em geral crianças entre 2 e 14
rapidamente progressiva). anos de idade, enquanto nos países desen-
As principais complicações da síndrome volvidos, a sua ocorrência é mais típica no
nefrítica são hipertensão arterial e crises idoso, particularmente em associação à con-
hipertensivas, hipervolemia, hipercalemia dições debilitantes. É mais comum no sexo
e acidose metabólica. A diminuição da TFG masculino, e a incidência em familiares ou
observada na síndrome nefrítica causa co-habitantes pode chegar a 40%. As infec-
retenção acentuada de sal e água, com con- ções da pele e da garganta por determina-
sequente desenvolvimento de hiperten- dos tipos M de estreptococos (cepas nefrito-
são arterial e edema. Além da expansão do gênicas) precedem a doença glomerular; os
volume extracelular, a hipertensão arterial tipos M 47, 49, 55, 2, 60 e 57 são observados
também decorre do aumento do trabalho após o impetigo, e os tipos M 1, 2, 4, 3, 25, 49
cardíaco e da resistência vascular perifé- e 12, com a faringite. A glomerulonefrite pós-
rica. A hipertensão pode ser acompanhada -estreptocócica em consequência de impetigo
de encefalopatia, principalmente nas crian-
surge dentro de 2 a 6 semanas após uma infec-
ças. O paciente com síndrome nefrítica pode
ção cutânea e dentro de 1 a 3 semanas após
apresentar crise hipertensiva aguda acom-
uma faringite estreptocócica.
panhada de insuficiência cardíaca conges-
tiva, edema cerebral e edema pulmonar.
FISIOPATOLOGIA
Salienta-se que os casos de GN rapidamente
progressiva cursam com a presença de crescen-
Os estudos morfológicos e a redução sérica
tes à biópsia renal (GN crescêntica). Entretanto,
do complemento (principalmente do C3)
salienta-se que em alguns casos de glomeru-
lonefrite crescêntica não se observa necessa- sugerem que a GNDA seja doença de base
riamente deterioração rápida da função renal, imunológica, mediada por imunocomplexos,
do mesmo modo que outras glomerulonefrites embora este mecanismo ainda não esteja
não crescênticas também podem evoluir rapi- bem determinado.
damente para lesão renal aguda.
Dentre os vários mecanismos patogenéticos
propostos, os mais aceitos são:
GLOMERULONEFRITE AGUDA • Deposição glomerular de imunocomple-
PÓS-ESTREPTOCÓCICA (GNPE) xos de antígeno estreptococo-anticorpo ou
A glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) ou de produtos produzidos pelo estreptococo
glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE) (como a estreptoquinase);

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 51

• Mecanismos autoimunes, pelos quais cer- principalmente no que se refere à pro-


tos antígenos estreptocócicos simulariam teinúria;
anticorpos que apresentam reação cruzada Pontos-chave na GNPE:
com antígenos glomerulares renais (glico-
proteínas da membrana basal glomerular);
• Complexos terminais do complemento, for- Exemplo clássico de síndrome nefrítica;
mados a partir da ativação da cascata do Infecção de orofaringe: média de 14 dias de
complemento, que estimulam a produção intervalo para aparecimento dos sintomas;
de prostanoides pelas células mesangiais
Infecção cutânea: média de 21 dias de intervalo
glomerulares e a elaboração de interleuci-
para aparecimento dos sintomas;
nas, estando, assim, implicados na injúria
glomerular aguda e, particularmente, como Ocorre deposição de imunocomplexos circulan-
tes com antígenos estreptocócicos ou formação
um estímulo para a proliferação mesangial.
de imunocomplexos in situ na MBG;
A patogenia do antígeno autólogo baseia-se
na ação de substância produzida pelo estrep- Há ativação do sistema complemento (tanto
pela via clássica quanto pela via alternativa, na
tococo, a neuraminidase, que atuaria sobre a
maioria dos casos);
imunoglobulina G (IgG) tornando-a antigênica.
Ocorrem mecanismos autoimunes: antígenos
A patogênese do complexo imunológico é
estreptocócicos simulam anticorpos que apre-
aceita, mas o(s) antígeno(s) causador(es) ainda
sentam reação cruzada com antígenos glo-
é/são controverso(s). Nos últimos anos, dois merulares renais (glicoproteínas da membrana
antígenos estreptocócicos – a exotoxina ciste- basal glomerular).
ína-proteinase catiônica B (SPE B) e o receptor
de plasmina, um gliceraldeído fosfato desi-
drogenase (Pir, GAPDH) –, atraíram a atenção No tocante à fisiopatologia da GNDA, ocorre
porque foram localizados nos glomérulos de redução no ritmo de filtração glomerular
pacientes com GNPE e porque o anticorpo determinada pela infiltração de células infla-
sérico para esses antígenos foi associado às matórias e pela queda da permeabilidade
infecções nefritogênicas estreptocócicas. basal glomerular. Durante a fase aguda, há
importante processo inflamatório de natu-
Acredita-se, atualmente, que os imunocomple-
reza imunológica e alterações dos capilares
xos responsáveis pelo dano glomerular nesta
glomerulares com redução de seus lúmens
nefropatia são formados primariamente in
por tumefação de suas paredes ou por obs-
situ e depositam-se no lado subendotelial da
trução causada por coagulação intravascular.
parede capilar. A partir daí, ocorre:
Este processo leva a uma queda da filtração
• Ativação do sistema complemento (tanto glomerular com aumento dos níveis séricos,
pela via clássica quanto pela via alternada, de ureia e creatinina.
na maioria dos casos);
As lesões dos capilares glomerulares permitem
• Liberação de C5a e C5b, que possuem ativi- a passagem de hemácias da luz capilar para o
dades quimiotáxicas; espaço de Bowman, causando hematúria.
• Ativação de neutrófilos que, por sua vez, A própria reação inflamatória nos gloméru-
secretam proteases; los altera as condições de permeabilidade da
• Ativação de substâncias oxidantes que membrana glomerular às proteínas, condicio-
irão determinar alterações na MBG, nando proteinúria de pequena intensidade.

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52 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

A redução aguda do ritmo de filtração glo-


merular leva à retenção de sódio pelas célu-
las tubulares, principalmente distais. O sódio
plasmático, em geral, fica diminuído, porém
a massa total de sódio, em razão da expan-
são do espaço extracelular, fica aumentada.
A reabsorção do sódio no nível dos túbulos
está preservada, principalmente nos túbu-
los distais. Este fato resulta na expansão
do volume extracelular e na consequente
supressão do sistema renina-angiotensina-
-aldosterona (SRAA).

São discutíveis as condições que induzem à


hipertensão arterial na GNDA. Atribui-se seu
aparecimento à existência de vasoespasmo
generalizado, associado à hipervolemia por
retenção de sódio e água, levando à expansão
do volume intravascular, visto que o SRAA não
está ativado nesta patologia.

BIÓPSIA RENAL

À microscopia óptica (MO), o padrão histo-


lógico mais comumente encontrado é o de
glomerulonefrite proliferativa pura. A bióp-
sia renal demonstra tipicamente hipercelula-
ridade das células mesangiais e endoteliais,
infiltrados glomerulares de leucócitos polimor-
fonucleares, depósitos imunes subendoteliais
granulosos de IgG, IgM, C3, C4 e C5-9 e depó-
sitos subepiteliais (que aparecem como humps
ou “corcovas”) (Figura 2.3). Em outras pala-
vras, os humps apresentam-se como depósi- Figura 2.4 – Glomerulonefrite pós-infecciosa (pós-estreptocócica).
tos subepiteliais eletrondensos grosseiros,
morfologicamente semelhantes entre si, QUADRO CLÍNICO
dispostos ao acaso sob as paredes dos capi-
lares glomerulares. Fixam-se intensamente A GNPE é uma doença predominantemente
para anticorpos específicos para fator C3 do infantil. A descrição de ferimentos cutâneos (o
complemento e IgG. que pode sugerir piodermite) acompanhada
após duas a três semanas, por aparecimento
Outros achados à biopsia renal incluem oclu- de insuficiência renal e síndrome nefrítica,
são ou estreitamento das alças capilares. Pode direciona para o diagnóstico de GNPE. A hiper-
ocorrer a formação de crescentes no espaço de tensão e a presença de estertores à ausculta
Bowman, indicando gravidade e pouca chance pulmonar é decorrente da hipervolemia obser-
de remissão completa. vada nesses casos.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 53

O espectro clínico dos sinais e sintomas na


GNDA é bastante diverso, podendo incluir
casos assintomáticos com evidência subclínica
(edema subclínico, hipertensão e complemento
diminuído) ou laboratorial de envolvimento
renal (hematúria microscópica) até quadros
mais graves como insuficiência cardíaca con-
gestiva, encefalopatia hipertensiva e insufici-
ência renal aguda (Tabela 2.8).

Na maioria das vezes, o paciente encontra-se


em bom estado geral, com queixas vagas como
indisposição, inapetência, cefaleia e edema Figura 2.5 – Amigdalite estreptocócica
periorbital. Outros sintomas menos frequentes
podem acompanhar o quadro, como mal-estar,
letargia, cólicas abdominais ou dor nos flancos,
hipertermia e vômitos. O quadro clínico clás-
sico constitui-se de:

• Edema com intensidade variável, geralmente


leve, frio, mole e gravitacional, sendo mais
evidente em região periorbitária e no período
matutino, mas pode atingir as extremidades
inferiores e as regiões lombar ou genital;
• Hipertensão arterial presente em cerca de
90% dos casos;
• •Hematúria macroscópica presente em
aproximadamente 30% dos casos, enquanto
a hematúria microscópica é observada em
praticamente todos os casos na forma per-
sistente ou intermitente;
• Pode ser observada também congestão cir-
Figura 2.6 – Fáscies edemogênica em um
culatória associada à retenção de sal e água criança com síndrome nefrítica (gnpe)

(20%) e oligúria e/ou anúria transitórias, pre-


sentes em até 25% dos casos, sendo rara a ABORDAGEM CLÍNICA E
forma de oligoanúria mantida. INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
Hemáturia 100% (30% macro)
Diante de um paciente com síndrome nefrí-
Edema 80-90%
tica, a primeira ação diagnóstica deve ser ten-
tar encontrar, pela anamnese e exame físico, a
presença de manifestações extra-renais que
HAS 60-80%
possam indicar uma etiologia específica (por
exemplo, rash malar e artrite para o lúpus eri-
Oligúria 10-50% (15% < 200 ml / dia)
tematoso). Caso a síndrome nefrítica seja a
única condição do paciente, o médico deve per-
Não especificadas Fadiga, anoroxia e vômito
guntar a ele sobre faringite ou piodermite pré-
Tabela 2.9 – Principais características clínicas na gnpe vias recentes, como descrito acima, verificar

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54 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

se o período entre as infecções estreptocóci- streptozyme test, muito utilizado para o


cas prévias e o início dos sintomas da GNDA diagnóstico;
é compatível, documentar laboratorialmente • Na infecção cutânea, porém, títulos
a infecção estreptocócica (ASLO, anti-DNAse de ASLO não se elevam, devendo-se
B, anti-NADase, anti-hialuronidase) e avaliar
utilizar a anti-DNAse para o diag-
queda transitória típica de complemento (C3 e
nóstico (detectado em 60 a 70% dos
CH50), com um retorno a níveis normais entre
casos), seguido pelo anti-hialuroni-
2 e 8 semanas a contar dos primeiros sinais de
dase. Na GNDA pós-faringoamidalite,
nefropatia.
o anticorpo mais encontrado é o ASLO
Em termos laboratoriais, achados comuns na (em 80 a 90% dos casos), seguido pelo
GNPE incluem: anti-DNAse B (em 75% dos casos). Os
• Hemograma: níveis de ASLO geralmente se elevam de
• Anemia decorrente da expansão do 2 a 5 semanas após a infecção estrepto-
volume, que gera leve diluição da con- cócica, decaindo ao longo de meses.de
centração de hemoglobina; estreptococcia prévia recente.
• Plaquetopenia transitória pela diminui- • Cultura:
ção da meia-vida plaquetária. • Apenas 25% dos pacientes apresentam
• Urina tipo I: Na maioria dos casos, mostra cultura de orofaringe ou pele positiva
sinais de inflamação glomerular ativa, com para SBGA;
hemácias dismórficas, presença de cilindros • Alterações imunológicas (consumo de
hemáticos, granulosos, hialinos e leucocitá- complemento sérico):
rios, osmolaridade elevada e proteinúria
O complemento total e algumas de suas fra-
positiva (raramente maciça).
ções encontram-se diminuídos em aproxi-
• Função renal:
madamente 90% dos casos na fase aguda da
• Níveis séricos de ureia e creatinina GNPE. C3, C5 e properdina estão frequente-
podem estar elevados; mente diminuídos; C4 está em níveis normais.
• Função tubular costuma estar preser- A hipocomplementemia resolve-se em,
vada; aproximadamente, 8 semanas após o início
• Hiponatremia, acidose metabólica e do quadro; 90% dos pacientes apresentam
hipercalemia podem ocorrer quando a hipergamaglobulinemia, com elevação de
queda no ritmo de filtração glomerular IgM e IgG; 75% dos casos apresentam crio-
for importante, causando insuficiência globulinemia e 50% apresentam positivi-
renal aguda. dade para o fator reumatoide;
• Perfil de coagulação:
São relatados também casos em que se observa
• Fatores de coagulação possivelmente fator reumatoide positivo (30 a 40%), crioglobu-
alterados, com diminuição do fator XIII linas e imunocomplexos circulantes (60 a 70%) e
e alfamacroglobulina, diminuição do ANCA contra a mieloperoxidase (10%).
nível e da atividade da antitrombina III e
aumento discreto da alfa-1-antitripsina. • Biopsia renal:
• Evidência de infecção estreptocócica prévia: • GN exsudativa com proliferação
• A infecção de orofaringe leva à eleva- endocapilar proeminente (depósitos
ção dos títulos de antiestreptolisina O subendoteliais).
(ASLO), anti-hialuronidase e anti-DNAse. Exames a serem considerados na avaliação de
Todos esses anticorpos fazem parte do pacientes com suspeita de GNPE:

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 55

Hemograma completo; recomendado enquanto persistirem a hematú-


ria macroscópica, a hipertensão e o edema.
Ureia e creatinina;
A dieta deve ser restrita em sal (limitada à fase
Eletrólitos; de oligúria, edema e hipertensão). Superada a
Proteinúria de 24 horas ou em amostra isolada; fase aguda, a dieta é gradativamente transicio-
nada para a dieta comum, sendo um erro man-
Urinálise;
ter a dieta assódica por muito tempo.
Dosagem do complemento sérico (C3, C4 e
A restrição hídrica está indicada, sendo espe-
CH50);
cialmente importante na fase inicial, quando há
Cultura de orofaringe; oligúria e hipervolemia. O volume hídrico pres-
Sorologias (ASLO, etc); crito depende da gravidade do quadro clínico,
oferecendo-se inicialmente 400 mL/m2/dia (ou
Biópsia renal.
20 mL/kg/dia) para cobrir as perdas insensíveis.
Adiciona-se a esse volume inicial uma fração
gradualmente maior de volume, dependendo
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL do débito urinário de 24 horas e da melhora do
edema e da hipertensão arterial.
• GN membranoproliferativa (apresentação A restrição proteica está indicada quando a fil-
semelhante: síndrome nefrítica); tração glomerular permanecer muito diminu-
• Nefropatia por IgA (cursa com hematúria; ída. Devem ser prescritas dietas com baixo teor
precedida por infecção respiratória das vias proteico (0,5 g/kg/dia) e a restrição de potássio
aéreas superiores); deve ser iniciada apenas em presença de oligú-
• Causas secundárias de GN (LES e púrpura ria importante (diurese < 240 mL/m2/dia), isto
de Henoch-Schönlein); é, nos primeiros 2 a 3 dias de doença.

• GN associada à endocardite infecciosa e Para o controle da retenção hídrica, recomen-


hepatite B. da-se o uso de diuréticos. Nos casos de edema
mais intenso, com hipertensão arterial e/ou
EVOLUÇÃO E TRATAMENTO sinais de congestão cardiocirculatória, indica-
-se o uso de furosemida (1 a 2 até 6 mg/kg/dia).
A manifestação clínica da GNPE difere nas Nas hipertensões mais graves, deve-se admi-
formas esporádica e endêmica no adulto ou nistrar drogas hipotensoras, como os bloquea-
criança. A forma endêmica na criança é, em dores de canais de cálcio ou inibidores de ECA.
geral, autolimitada e de bom prognóstico. Na emergência hipertensiva, a droga de esco-
Menos de 1% dos pacientes pediátricos evolui lha é o nitroprussiato de sódio (1 a 8 µg/kg/min
para óbito, um pequeno percentual pode evo- com controle rigoroso da PA).
luir para glomerulonefrite crescente. Menos A insuficiência renal na GNPE, em geral, é tran-
de 5% dos pacientes apresentam oligúria com sitória e de curta duração. No entanto, quando
duração superior a 9 dias e o prognóstico nes- severa e duradoura, podem ocorrer hipercale-
ses casos é pior. Em adultos, o prognóstico é mia, hipocalcemia, hiperfosfatemia e acidose
pior, principalmente na forma esporádica, que metabólica. A hipercalemia leve, sem alterações
ecocardiográficas, pode ser conduzida com res-
pode evoluir para deterioração da função renal
trição dietética de potássio e uso de furosemida.
em 30 a 50% dos casos.
Podem ser utilizadas também a resina troca-
O tratamento da GNPE é de suporte. O repouso dora de cálcio pelo potássio (Sorcal 0,5 a 1 mg/
deve ser limitado pelo próprio paciente. É kg até 4 a 6 horas), a glicose hipertônica a 25%

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56 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

(1 a 3 mL/kg/h), junto com a insulina (3 U/3 a A hipocomplementemia retorna em níveis nor-


5 g de glicose), e o bicarbonato de sódio a 3% mais em 6 a 8 semanas. Uma minoria de pacien-
(2 mEq/kg IV em 10 a 15 minutos). Na presença tes (1 a 5% dos casos) evolui de forma desfa-
de hipercalemia severa, com alterações eletro- vorável, especialmente os adultos de maior
cardiográficas graves, como ausência de onda
idade, que podem evoluir para deterioração da
P, alargamento de complexo QRS e arritmias,
função renal em 30 a 50% dos casos. Podem
deve-se acrescentar o gluconato de cálcio a 10%
complicar com GN rapidamente progressiva,
(0,5 a 1 mL/kg IV, 5 a 10 minutos, com monitora-
ção eletrocardiográfica) e indicar a diálise. proteinúria crônica, glomeruloesclerose focal
e insuficiência renal crônica. A mortalidade no
A diálise peritoneal remove efetivamente o
estágio agudo é evitável por tratamento apro-
potássio corpóreo e está indicada nas seguin-
priado da insuficiência renal ou cardíaca aguda.
tes situações clínicas: anúria com duração de
As recorrências são raríssimas.
48 horas, sobrecarga de volume (resultando
em insuficiência cardíaca congestiva), acidose Principais complicações clínicas no curso da
metabólica intratável, hipercalemia refratária GNPE:
ao tratamento, uremia sintomática, pericardite
urêmica e hiponatremia grave. • Congestão cardiocirculatória;

Quando há infecção estreptocócica compro- • Encefalopatia hipertensiva;


vada, deve-se utilizar antibioticoterapia (peni- • Insuficiência renal aguda.
cilina benzatina na dose de 25 mil a 50 mil U/
Pontos-chave no manejo da GNPE:
kg/dose, dose máxima de 1 milhão e duzentos
mil U/dose; nos pacientes alérgicos, recomen- • Antibioticoterapia: se evidência de
da-se o uso de eritromicina na dose de 30 a 50 infecção estreptocócica ativa (betalactâmico ou
mg/kg/dia de 6/6 horas por 10 dias), e o melhor macrolídeo);
parâmetro para identificar infecção estrep-
Repouso;
tocócica é a avaliação laboratorial com ASLO
(cepas cutâneas não secretam essa enzima) e Dieta hipossódica;
anti-DNase (para as cepas cutâneas em par-
Restrição hídrica;
ticular). A antibioticoterapia precoce não
previne o aparecimento de GNPE e não está Diuréticos (furosemida, preferencialmente, IV;
indicado o uso profilático de antibiótico. dose: 1 mg/kg);

Não há evidência de que o uso de corticoste- Anti-hipertensivos (por exemplo, captopril 25 a 50


roides e drogas citotóxicas promovam bene- mg se crise hipertensiva; usar nitroprussiato de
fícios clínicos. sódio em casos de emergência hipertensiva);

Com relação ao curso clínico, a recuperação Diálise (uremia, hipervolemia e hipercalemia


completa ocorre em mais de 95% das crianças refratárias).
com GNPE aguda. Em torno de uma semana
após o quadro inicial, há a normalização da
pressão arterial, aumento da diurese e queda
PA biópsia renal em pacientes com GNPE dever
dos níveis de ureia e creatinina séricas.
ser considerada em casos selecionados, como
A resolução da hematúria macroscópica ocorre os descritos abaixo:
em torno de 2 a 3 semanas, enquanto a micros-
• Oligoanúria com duração maior que 48 a
cópica pode persistir por 1 ano ou mais, sem
que isso seja indicação de mau prognóstico. A 72 horas;
proteinúria tende a se resolver em torno de 3 • Oligúria e/ou azotemia persistente por
a 6 meses. mais de 4 semanas;

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 57

• Hipertensão arterial persistente por adultos, em particular indivíduos imunocom-


mais de 4 semanas; prometidos, e o microrganismo predominante
• Hematúria macroscópica por mais de 4 é Staphylococcus. A manifestação clínica des-
semanas; sas condições é variável e inclui proteinúria,
• Complemento total e frações persisten- hematúria microscópica, insuficiência renal
temente baixas por mais de 8 semanas; aguda e hipertensão. Os níveis séricos do
complemento estão baixos, e podem existir
• Proteinúria nefrótica (> 50 mg/kg/dia)
presente por mais de 4 semanas.  níveis elevados de proteínas C-reativas, fator
reumatoide, fatores antinucleares e crioglo-
bulinas. As lesões renais incluem a glomeru-
GLOMERULONEFRITE AGUDA lonefrite membranoproliferativa (GNMP), a
glomerulonefrite proliferativa difusa (GNPD)
NÃO ESTREPTOCÓCICA
e exsudativa ou a glomerulonefrite mesangio-
Uma variedade de doenças infecciosas pode proliferativa, resultando ocasionalmente em
estar associada à glomerulonefrite aguda. GNRP. O tratamento concentra-se em erradi-
Por exemplo, síndrome nefrítica pode resul-
car a infecção, e os pacientes são tratados, em
tar de infecções bacterianas (Staphylococcus
sua maioria, como se tivessem endocardite
aureus, Salmonella, Escherichia coli, Legionella
(ver abaixo). O prognóstico é reservado.
e Mycoplasma), infecções virais (hepatite B,
hepatite C, HIV e citomegalovírus), infecções
parasitárias (Schistosoma, Plasmodium, Trypa-
nosoma) e infecções fúngicas (Aspergillus, GLOMERULONEFRITE
Histoplasma, Candida). A doença renal asso- ASSOCIADA À ENDOCARDITE
ciada à infecção costuma estar relacionada BACTERIANA SUBAGUDA
a imunocomplexos. Estes imunocomplexos
A glomerulonefrite associada à endocardite é
são compostos de antígenos do agente infec-
cioso e de anticorpos do hospedeiro dirigidos uma complicação da endocardite bacteriana
contra os antígenos do patógeno. A hepatite subaguda, particularmente nos pacientes que
C e a infecção pelo HIV constituem as prin- não são tratados por um período prolongado,
cipais causas de glomerulonefrite associada que possuem hemoculturas negativas ou que
à infecção em países industrializados. Con- sofrem de endocardite do lado direito. A glo-
tudo, a GNPE continua sendo comum em merulonefrite é incomum na endocardite
outras partes do mundo. A glomerulonefrite bacteriana aguda, pois leva 10 a 14 dias para
associada à hepatite C e a GNPE tipicamente elaborar uma lesão mediada por imunocom-
se manifestam como síndrome nefrítica, plexos, período no qual o paciente já terá sido
enquanto a infecção pelo HIV causa síndro- tratado, muitas vezes com uma cirurgia emer-
mes nefríticas ou nefróticas. gencial. Macroscopicamente, na endocar-
Como variantes da glomerulonefrite asso- dite bacteriana subaguda os rins evidenciam
ciada à infecção bacteriana persistente no hemorragias subcapsulares com um aspecto
sangue, podem ocorrer glomerulonefrite de “picada de pulga”, e a microscopia da bióp-
pós-infecciosa em pacientes com derivações sia renal revela proliferação focal ao redor de
(shunts) ventrículo-atriais e ventrículo-perito- focos de necrose associados à abundantes
neais, infecções pulmonares, intra-abdomi- depósitos imunes mesangiais, subendoteliais
nais, pélvicas ou cutâneas e próteses vascu- e subepiteliais de IgG, IgM e C3. Os pacientes
lares infectadas. Nos países desenvolvidos, que se apresentam com um quadro clínico de
uma proporção significativa de casos acomete GNRP têm crescentes.

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58 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Também podem estar presentes infartos


Causas Infecciosas
embólicos ou abscessos sépticos. A patogê-
nese tem como base a deposição de imuno- Glomerulonefrite pós-estreptocócica
complexos circulante no rim com ativação do
complemento. Os pacientes se apresentam Endocardite bacteriana

com hematúria macroscópica ou micros-


Infecção oculta
cópica, piúria e proteinúria leve ou, menos
comumente, GNRP com perda rápida da fun-
Hepatite B
ção renal. Pode-se observar a presença de
anemia normocítica, velocidade de hemosse- HIV
dimentação elevada, hipocomplementemia,
altos títulos do fator reumatoide, crioglobu- Doenças Sistêmicas

linas tipo III, imunocomplexos circulantes e


LES
ANCA. Os níveis séricos de creatinina tam-
bém podem estar elevados por ocasião do Púrpura de Henoch-Schönlein
diagnóstico, porém com a terapia moderna
haverá pouca progressão para insuficiência Sindrome de Goodpasture

renal crônica. O tratamento primário con-


Crioglobulinemia essencial
siste na erradicação da infecção com 4 a 6
semanas de antibióticos e, se isso for feito Atrite reumatoide
com eficiência, o prognóstico para a recupe-
Drogas
ração renal é bom. Algumas vezes, a vasculite
associada ao ANCA acompanha a endocar-
Penicilina
dite bacteriana subaguda (EBS) ou é confun-
dida com ela, de modo que é necessário des- Hidralazina
cartar a sua possível presença, visto que o
tratamento é diferente. Alopurinol

Rifampicina

GLOMERULONEFRITE RAPIDA- Glomerulonefrite crescente idiopática

MENTE PROGRESSIVA (GNRP) Tipo I - Depósito linear de 1g


A GNRP, também denominada de prolifera-
Tipo II - Depósito granular de 1g
tiva extracapilar ou crescêntica (Tabela 2.9),
é caracterizada por desenvolvimento abrupto
Tipo III - ausência ou mínimo depósito de 1g
de falência renal e raramente remite de forma
espontânea e com recuperação completa. Em Associado a outra doença renal
geral, a lesão característica é a glomerulone-
Glomerulonefrite mesangiocapilar
frite extracapilar (em crescentes), e muitas
vezes estes termos são usados como sinôni- Glomerulonefrite membrosa
mos, apesar de a GNRP ser um padrão de evo-
Doença de Berger (nefropatia pr IGA)
lução clinico-laboratorial, enquanto a caracte-
rística crescêntica ser um padrão histológico. Tabela 2.10 – Principais características clínicas na gnpe

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 59

SÍNDROME DE GOODPASTURE sais e água atribuível a um severo comprome-


timento renal.
A doença anti-MBG (também conhecida como
anti-GBM – do inglês glomerular basement mem- A hemorragia alveolar ocorre em 25-60%
brane) pode ocorrer como uma forma de GNRP dos pacientes, cursando com dispneia, tosse,
limitada aos rins ou pode ser acompanhada de hemoptise e infiltrados pulmonares à radio-
hemorragia pulmonar grave (síndrome de Goo- grafia/tomografia de tórax, elevação da capaci-
dpasture). Esta doença contribui para cerca dade de difusão de CO (DLCO), além de anemia
de 15-20% dos casos de GNRP, mas continua por deficiência de ferro. A hemoptise se limita
sendo uma condição rara, cuja incidência em grande parte aos fumantes, e aqueles que
anual foi estimada em 0,5 a 0,9 casos por se apresentam com hemorragia pulmonar
milhão na população branca, enquanto a como grupo demonstram melhor evolução
incidência nas outras raças é ainda menor. do que as populações mais idosas que sofrem
Observa-se uma distribuição bimodal de ida- lesão renal assintomática prolongada. Os exa-
des com picos na terceira e sexta-sétima déca-
mes radiológicos podem evidenciar infiltrado
das de vida. A maioria dos pacientes é do sexo
alveolar e a hipóxia é frequente.
masculino, porém a doença foi descrita em indi-
víduos de ambos os sexos, bem como em todas A GNRP é observada em 90% dos pacientes, resul-
as faixas etárias. Os pacientes mais jovens tando em desenvolvimento de insuficiência renal
(< 30 anos de idade) são mais susceptíveis a aguda, em associação com síndrome nefrítica.
desenvolver hemorragia alveolar, enquanto os
pacientes mais idosos (> 50 anos de idade) têm
maior risco de apresentarem glomerulonefrite
ABORDAGEM CLÍNICA E
isolada. INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
O exame de urina apresenta hematúria dis-
FISIOPATOLOGIA mórfica, cilindros hemáticos, piúria, proteinú-
Os epítopos-alvo para essa doença autoimune ria < 3 g/dL. Acantócitos e cilindros granulares
residem na estrutura quaternária do domínio podem ser observados, e hematúria macroscó-
α3 NC1 do colágeno IV. De fato, a doença anti- pica pode também ocorrer.
-MBG pode ser considerada uma “conforme- C3 e ASLO estão dentro da normalidade. A
ropatia” autoimune, que envolve a perturba- pesquisa de anticorpos anti-MBG circulan-
ção da estrutura quaternária do hexâmero α tes pelo método ELISA apresenta sensibili-
345NC1. As células T restritas ao MHC iniciam
dade de 63-100%. O ANCA pode ser positivo
a resposta dos autoanticorpos, pois os huma-
em 20 a 30% dos casos, inclusive com padrão
nos não são tolerantes aos epítopos criados
C-ANCA, mas em baixos títulos.
por essa estrutura quaternária. Os epítopos
são sequestrados normalmente no hexâmero A realização de biópsia renal é essencial nos
do colágeno IV e podem ser expostos por casos com suspeita de síndrome de Goodpas-
infecção, tabagismo, oxidantes ou solventes. ture para confirmar o diagnóstico e determinar
Existe susceptibilidade genética, havendo asso- o prognóstico. As biópsias renais costumam
ciação entre a doença anti-MBG e os haplótipos mostrar a presença de necrose focal ou seg-
HLA-DR15 e HLA-DR4. mentar que, a seguir, com a destruição agres-
siva dos capilares pela proliferação celular, evo-
lui para a formação de crescentes no espaço de
QUADRO CLÍNICO Bowman. Achados típicos à biópsia renal na
síndrome de Goodpasture incluem:
Febre, artralgia ou outros sintomas sistêmicos
podem ocorrer. A hipertensão arterial consti- • Microscopia óptica: glomerulonefrite
tui um aspecto tardio e resulta da retenção de com formação de crescentes;

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60 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

• Microscopia eletrônica: depósitos linea- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL


res de IgG nas alças glomerulares e oca-
• Síndromes pulmão-rim (glomerulonefrite +
sionalmente túbulos distais. hemorragia alveolar):
Exames a serem considerados na avaliação • Vasculites
de pacientes com suspeita de síndrome de • ANCA-relacionadas: glomerulonefrite
Goodpasture: com poliangeíte e poliangeíte micros-
• Hemograma completo; cópica;
• Associada à IgA: púrpura de Henoch-
• VHS e PCR;
-Schönlein;
• Ureia / creatinina; • Crioglobulinemia mista essencial.
• Eletrólitos; • Endocardite infecciosa;
• Gasometria arterial/venosa; • LES;

• Urinálise; • Síndrome do anticorpo antifosfolípide;


• Leptospirose.
• Pesquisa de dismorfismo eritrocitário;
• Presença de depósito linear de IgG à biopsia
• Proteinúria de 24 horas;
renal:
• Dosagem de complemento sérico (C3, C4 e • Nefropatia diabética;
CH50);
• GN fibrilar.
• FAN, anti-DNA dupla-hélice;
• ANCA;
• Sorologias para hepatite B e C; EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
• Sorologia para HIV; A doença, se não tratada, evolui quase inva-
• Pesquisa de crioaglutininas; riavelmente para doença renal terminal. A
identificação de anticorpos anti-MBG levou ao
• Hemoculturas (sobretudo se suspeita de
desenvolvimento de intervenções específicas;
endocardite infecciosa);
para remover esses anticorpos patogênicos, o
• Eletroforese sérica de proteínas e imunofixa- diagnóstico precoce é importante para iniciar
ção urinária; precocemente a intervenção, o que melhora o
prognóstico do paciente. O prognóstico por
• Radiografia e tomografia de tórax (achados
ocasião da apresentação é pior se houver
compatíveis: opacidades em vidro fosco ou
consolidações com distribuição bilateral e >50% de crescentes na biópsia renal com
difusa); fibrose em fase avançada, se a creatinina
sérica for >5 a 6 mg/dL, se houver oligúria
• DLCO; ou se houver necessidade de recorrer à diá-
• Broncoscopia com coleta de lavado bronco- lise aguda.
alveolar (padrão-ouro para diagnóstico de Antes de disponibilidade da terapia atual e da
hemorragia alveolar); terapia de substituição renal, a mortalidade era
• Pesquisa de anticorpos anti-MBG circulan- superior a 90%. As terapias atuais incluem a
tes (ELISA: sensibilidade de 63-100%); combinação de plasmaférese mais corticoides
e ciclofosfamida (CFM), o que permitiu reduzir
• Biopsia renal (indicada em todos os casos
a mortalidade para menos de 20%. Desde a sua
suspeitos).
introdução como uma opção terapêutica para

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 61

a doença anti-MBG, em meados da década de • Duração da terapia: plasmaférese (2-3


1970, a plasmaférese foi rapidamente adotada semanas); prednisona + CFM (3-4 meses) –
em todo o mundo e foi incorporada em todos prednisona (6-9 meses);
os ensaios clínicos. Salienta-se, no entanto, • Níveis séricos de anticorpos anti-MBG: soli-
que, devido à raridade da doença, poucos estu- citar a cada 1-2 semanas até duas mensura-
dos compararam o uso de terapia imunossu- ções negativas;
pressora com a combinação de terapia imunos- • Manter tratamento imunossupressor se
supressora mais plasmaférese. Em um desses níveis séricos elevados de anticorpos anti-
estudos, 17 pacientes com doença de Goo- -MBG.
dpasture foram randomizados para receber
terapia imunossupressora com plasmaférese
e 17 randomizados para terapia imunossupres- NEFROPATIA POR IGA
sora isolada. O grupo que recebeu plasmafé-
Trata-se de forma de glomerulonefrite (GN)
rese apresentou desaparecimento mais rápido
primária associada a IgA (também conhecida
do anticorpo anti-MBG e melhorou a função
como doença de Berger). A doença pode afe-
renal em comparação com o grupo terapia tar pacientes de todas as idades e repre-
imunossupressora isolada. Outro estudo com senta 20-40% de todas as glomerulopatias
211 pacientes também demonstrou melhor primárias. Caracteriza-se classicamente por
prognóstico com a plasmaférese. hematúria episódica associada ao depósito de
As principais recomendações para o trata- IgA no mesângio. A nefropatia por IgA é uma
mento e acompanhamento de pacientes com das formas mais comuns de glomerulonefrite
síndrome de Goodpasture encontram-se des- em todo o mundo. Existe uma predominância
critas a seguir: masculina, uma incidência máxima na segunda
e na terceira décadas de vida e em raros agru-
• Plasmaférese (remoção de anticorpos anti- pamentos familiares. Existem diferenças geo-
-MBG circulantes): gráficas na prevalência de nefropatia por IgA,
• Sessões diárias ou em dias alternados com a mesma sendo mais frequente em asiáti-
por 2-3 semanas; cos e caucasianos.
• Deve ser associada com tratamento A nefropatia por IgA é predominantemente
imunossupressor (ver abaixo). uma doença esporádica. As formas familia-
• Terapia imunossupressora: res de nefropatia por IgA são mais comuns
• Metilprednisolona (15-30 mg/kg - dose no norte da Itália e no leste de Kentucky, não
máxima: 1000 mg, por 3 dias) – predni- tendo sido identificado nenhum gene causal
sona (1 mg/kg/dia -dose máxima: 60-80 único. As evidências clínicas e laboratoriais
sugerem grandes semelhanças entre a púrpura
mg/dia) +
de Henoch-Schönlein e a nefropatia por IgA. A
• CFM (2 mg/kg/dia, via oral - não exceder
púrpura de Henoch-Schönlein é clinicamente
100 mg/dia em pacientes com mais de 60
diferenciada da nefropatia por IgA pelos sinto-
anos de idade); considerar formulações mas sistêmicos proeminentes, uma idade mais
endovenosas se intolerância à admi- jovem (<20 anos), infecção precedente e quei-
nistração oral, aderência questionável, xas abdominais. Depósitos de IgA também são
insuficiência renal grave e oligúria; encontrados no mesângio glomerular em uma
• Opções à CFM: rituximabe e micofeno- variedade de doenças sistêmicas, de modo que
lato mofetil. alguns autores sugerem a existência de formas

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62 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

tanto primárias como secundárias de nefropa- com aumento da produção de IgA, como na
tia por IgA: doença celíaca, doença inflamatória intestinal
e dermatite herpetiforme, enquanto a pato-
• Primária:
gênese em pacientes com carcinoma do trato
• Associada ou não com púrpura de Heno-
gastrointestinal e pulmão permanece incerta.
ch-Schönlein.
De modo geral, são quatro as principais anor-
• Secundária:
malidades características da nefropatia por
• Cirrose hepática, principalmente por
IgA:
álcool;
• IgA sérica é aniônica e as cadeias lambdas
• Dermatite herpetiforme;
são predominantes;
• HIV;
• Ocorre aumento na IgA sérica, principal-
• Psoríase; mente IgA polimérica;
• Espondilite anquilosante; • Alta proporção de IgA A1 pobremente galac-
• Doença celíaca; tolizada;
• Doença inflamatória intestinal e outras • Alterações na sinalização da IgA A1.
formas de enterite; Apesar da presença de níveis séricos elevados
• Síndrome de Reiter; de IgA em 20 a 50% dos pacientes, da depo-
• Carcinoma e micose fungoide (causas sição de IgA nas biópsias da pele de 15 a 55%
raras). dos pacientes, ou dos níveis elevados de IgA
secretória e dos complexos IgA-fibronectina,
FISIOPATOLOGIA a biópsia renal é necessária para confirmar o
diagnóstico. Achados comuns à biópsia renal
A patogênese da nefropatia por IgA primária com o auxílio de técnicas de imunofluores-
envolve a produção de IgA e C3, e seu evento cência incluem depósitos glomerulares de
precipitante é o depósito de IgA mesangial, que IgA (também são frequentes depósitos de
é a forma predominantemente polimérica IgA C3). Embora o padrão à imunofluorescência de
da subclasse IgA1, não se sabendo se a produ- IgA na biópsia renal defina a nefropatia por IgA
ção de IgA1 ocorre in situ ou é sistêmica. Já nos no contexto clínico apropriado, uma variedade
casos secundários parece haver menor clea- de lesões histológicas pode ser observada à
rance hepático de imunocomplexos contendo microscopia óptica, incluindo GNPD, esclerose
IgA, o que ocorre principalmente na cirrose por segmentar, e, raramente, necrose segmentar
álcool; também parece que pode haver expo- com formação de crescentes celulares, que
sição a antígenos adquiridos pela alimentação costuma se manifestar como GNRP.

Figura 2.7 – Fáscies edemogênica em um criança com síndrome nefrítica (gnpe)


A) Fotomicrografia obtida de um paciente com nefropatia por IgA, mostrando a característica hipercelularidade mesangial e a expansão da matriz (*). (b)
Micrografia eletrônica de transmissão do mesângio de um paciente com NIgA. Os imunodepósitos mesangiais (asterisco branco) e a matriz mesangial
expandida (asterisco preto) são indicadas. Fonte: Doenças Glomerulares – Roman Gb Bonegio David J Salant. MedicinaNET.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 63

maioria das vezes o paciente se encontra


oligossintomático, exceto pela hematú-
ria, mas fadiga, mal-estar e mialgia são
relatados em alguns casos. HAS e edema
periférico são raros e são outro fator dife-
renciador da glomerulonefrite pós-estrep-
tocócica. A hematúria dura de dias a sema-
nas e pode recorrer mesmo anos depois
após faringite, exercício ou doença febril.
A forma de apresentação com hematúria
macroscópica é mais comum em crianças
do que em adultos;

Figura 2.8 – Fáscies edemogênica em um criança com síndrome nefrí-


• Hematúria microscópica: outra forma de
tica (gnpe) manifestação frequente, representando
Imunocoloração de IgA mostrando a deposição de IgA com típica dis-
tribuição celular mesangial na nefropatia por IgA. Fonte: Doenças Glo- 30-40% dos casos. Geralmente ocorre como
merulares – Roman Gb Bonegio David J Salant. MedicinaNET.
hematúria microscópica assintomática,
sendo acompanhada com graus variáveis
QUADRO CLÍNICO
de proteinúria. Nesses casos, o diagnóstico
A apresentação clínica pode ocorrer em uma é realizado por exames de rotina;
das três formas descritas abaixo: • Associação com púrpura de Henoch-S-
chönlein: uma forma de vasculite sistêmica
• Hematúria macroscópica: 50% dos pacien-
envolvendo arteríolas, capilares e vênulas,
tes apresentam quadro de hematúria
em que ocorre o depósito de IgA nas pare-
macroscópica que aparece após episódio
des dos vasos. Os sítios mais afetados são
de infecções de vias aéreas superiores. Em
os membros inferiores e parte baixa de
estatísticas norte-americanas a hematúria
tronco; as lesões são inicialmente morbili-
macroscópica após infecção de vias aéreas
formes e depois purpúricas. A maioria dos
superiores representa 75% das apresen-
casos ocorre em crianças e eventualmente
tações. O principal diagnóstico diferencial
em adultos jovens. Achados clínicos nesta
nesses casos é com a glomerulonefrite forma de apresentação incluem:
difusa aguda secundária à infecção por
• Artralgias: punhos, joelhos e tornozelos;
estreptococos, que tem relação com farin-
artrite é rara;
gites, porém a lesão na nefropatia por IgA
ocorre ao mesmo tempo (em geral 1 a 2 dias • Vasculite leucocitoclástica de pequenos
depois) ou cerca de uma semana depois, vasos com depósitos de IgA;
enquanto a glomerulonefrite pós-estrepto- • Pele: lesões purpúricas palpáveis, espe-
cócica ocorre em média 10 a 14 dias depois. cialmente em membros inferiores; cos-
Por esse motivo, essa manifestação é tuma se iniciar com um rash peri-ma-
denominada de hematúria sinfaringí- leolar, evoluindo para pernas, coxas e,
tica. Os pacientes na sua maioria evoluem eventualmente, nádegas;
com função renal estável, mas podem apre- • Sinais e sintomas abdominais: dor
sentar disfunção renal por glomerulone- difusa, diarreia, vômitos e, eventual-
frite crescêntica ou necrose tubular aguda. mente, melena ou enterorragia, eventu-
As infecções de vias áreas superiores nos almente pacientes podem ter íleo para-
pacientes com nefropatia por IgA incluem lítico;
desde tonsilite bacteriana até infecções • Biópsia de pele demonstra vasculite leuco-
virais das vias aéreas. Clinicamente, na citoclástica com imunocomplexos de IGA.

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64 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Existem outras formas de manifestação da EVOLUÇÃO E TRATAMENTO


nefropatia por IgA, o que inclui síndrome
nefrótica (incomum) e glomerulonefrite rapi- A nefropatia por IgA é uma doença benigna
damente progressiva. A proteinúria também para a maioria dos pacientes, e 5 a 30% dos
pode aparecer pela primeira vez em uma fase pacientes podem sofrer remissão completa,
tardia da evolução da doença. enquanto outros apresentam hematúria,
porém com função renal bem preservada.
Na minoria de pacientes que desenvolvem
ABORDAGEM CLÍNICA E doença progressiva, a evolução é lenta, e
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL observa-se o desenvolvimento de insuficiên-
cia renal em apenas 25 a 30% dos pacientes
IgA sérica está aumentada em 50% dos com nefropatia por IgA durante um período
pacientes, com a relação entre IgA e C3 tam- de 20 a 25 anos. Esse risco varia de modo con-
bém estando frequentemente aumentada, siderável entre as populações. Os fatores de
mas esse não é um achado único da nefropa- risco cumulativos para a perda de função renal
tia por IgA. identificados até o momento respondem por
A descoberta recente de imunocomplexos IgA- menos de 50% da variação no desfecho obser-
-fibronectina em alguns pacientes levantou o vado, porém incluem a presença de hiperten-
interesse na dosagem destes como teste de são ou proteinúria, a ausência de episódios
de hematúria macroscópica, sexo masculino,
rastreamento, mas a sensibilidade e especifici-
idade mais avançada por ocasião do início e
dade é ruim. O diagnóstico definitivo é com a
glomerulosclerose extensa ou fibrose intersti-
biópsia renal.
cial na biópsia renal. Várias análises em gran-
Achados típicos de nefropatia por IgA à biópsia des populações de pacientes verificaram que
renal incluem: a proteinúria persistente durante 6 meses ou
mais tem o maior valor preditivo para resulta-
• Depósitos mesangiais de IgA (presença
dos renais adversos.
de C3 também é frequente);
• Microscopia óptica: expansão mesangial
por proliferação celular; alguns pacien-
tes apresentam crescentes e necrose
focal, fibrose e dano tubular;
• Microscopia eletrônica: mesângio
ampliado proliferativamente, com distri-
buição focal da lesão.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
• Curso clínico de GN após infecção de orofa-
ringe:
• GN pós-estreptocócica. Figura 2.9 – Evolução natural na nefropatia por iga.

• GN associadas com hematúria isolada e per- Não existe consenso quanto ao tratamento
sistente: ideal. As principais recomendações no trata-
• Nefrite hereditária (síndrome de Alport); mento da nefropatia por IgA são:
• Doença da membrana fina; • Restrição hidrossalina;
• GN membranoproliferativa. • Terapias não imunossupressoras:

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 65

• Indicação: proteinúria persistente (> renais em algum momento durante a evolução


500-1000 mg/dia) e função renal normal de sua doença.
ou discretamente reduzida;
A nefrite lúpica resulta do depósito de imuno-
• Opções: complexos circulantes, que ativam a cascata do
• Inibidores de ECA ou bloqueadores de complemento e resultam em lesão mediada pelo
receptor de angiotensina-II (manter PA complemento, infiltração de leucócitos, ativação
< 130 x 80 mmHg); dos fatores pró-coagulantes e liberação de várias
• Associar óleo de peixe (3,3 gramas/dia) citocinas. A formação de imunocomplexos in situ
se proteinúria persistente. após a ligação glomerular dos antígenos nuclea-
res, particularmente nucleossomos necróticos,
• Terapias imunossupressoras:
também desempenha algum papel na lesão
• Indicação: elevação progressiva de cre-
renal. A presença de anticorpos antifosfolipídeo
atinina sérica, proteinúria persistente também pode desencadear microangiopatia
(> 1000 mg/dia) apesar de terapias não trombótica em uma minoria dos pacientes.
imunossupressoras, alterações morfoló-
gicas à biópsia renal (alterações necroti- As manifestações clínicas, a evolução da
zantes ou proliferativas); doença e o tratamento da nefrite lúpica estão
intimamente relacionados com a patologia
• Opções:
renal. O sinal clínico mais comum de doença
• Metilprednisolona (1000 mg/dia por renal é a proteinúria, porém pode se observar
3 dias) no início dos meses 1,3 e 5 + a presença de hematúria, hipertensão, graus
prednisona 0,5 mg/kg em dias alterna- variáveis de insuficiência renal e sedimento uri-
dos por 6 meses; ou nário ativo com cilindros hemáticos. Uma pato-
• Prednisona 0,8-1 mg/kg/dia por 2 logia renal significativa pode ser observada na
meses; reduzir dose em 0,2 mg/kg/dia biópsia até mesmo na ausência de anormali-
a cada mês nos próximos 4 meses; dades significativas no exame de urina, porém
• Casos refratários: terapias combina- a maioria dos nefrologistas não solicita uma
das (glicocorticoides + ciclofosfamida biópsia até que o exame de urina seja com-
– manutenção com azatioprina; ou gli- provadamente anormal. As manifestações
cocorticoides + azatioprina); extra-renais do lúpus são importantes para se
• Outros: micofenolato mofetil, inibi- estabelecer um diagnóstico objetivo de lúpus
dores de calcineurina neural e rituxi- sistêmico porque, apesar de as anormalidades
mabe. sorológicas serem comuns na nefrite lúpica,
elas não são diagnósticas.
• Outras intervenções:
• Tonsilectomia; Os anticorpos antiDNA dupla hélice (anti-
-dsDNA) que fixam o complemento se corre-
• Imunoglobulina, IV.
lacionam melhor com a presença de doença
renal. A hipocomplementemia é comum nos
pacientes com nefrite lúpica aguda (70 a 90%),
NEFRITE LÚPICA e um declínio nos níveis de complemento
A nefrite lúpica é uma complicação comum e pode prenunciar uma exacerbação. Embora
grave do lúpus eritematoso sistêmico (LES) e os biomarcadores urinários da nefrite lúpica
ainda mais grave em mulheres adolescentes estejam sendo identificados para ajudar a
afro-americanas. De 30 a 50% dos pacientes prever as exacerbações renais, a realização
terão manifestações clínicas de doença renal de biópsia renal é o único método confiável
por ocasião do diagnóstico, e 60% dos adultos e para identificar as variantes morfológicas da
80% das crianças desenvolvem anormalidades nefrite lúpica.

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66 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

O seminário da Organização Mundial de As nefrites lúpicas proliferativa focal (classe


Saúde (OMS) realizado em 1974 esboçou III) e proliferativa difusa (classe IV) apre-
pela primeira vez vários padrões distintos de sentam lesões glomerulares inflamatórias
lesão glomerular relacionada com o lúpus. destrutivas, com graus variáveis de infiltra-
Eles foram modificados em 1982. Em 2004, a ção leucocitária, proliferação mesangial e
International Society of Nephrology, junto com de células endoteliais, necrose e, nos casos
a Renal Pathology Society, revisou novamente mais graves, formações em crescente. A gra-
essa classificação. Esta última versão das vidade da inflamação se correlaciona com
lesões observadas na biópsia (Tabela 2.10) a extensão do depósito subendotelial de
define melhor as correlações clínico-patoló- complexo imune. A lesão inflamatória aguda
gicas, proporciona informação prognóstica pode progredir para esclerose glomerular.
valiosa e constitui a base para as modernas A nefrite lúpica classe III descreve lesões
recomendações terapêuticas. focais com proliferação ou formação de cica-
A nefrite de classe I descreve uma histologia triz, envolvendo frequentemente apenas um
glomerular normal por qualquer técnica ou segmento do glomérulo. As lesões classe III
uma microscopia óptica normal com depósitos exibem a evolução mais variada. Hiperten-
mesangiais mínimos evidenciados pela imuno- são, um sedimento urinário ativo e proteinú-
fluorescência ou microscopia eletrônica. ria são comuns com uma proteinúria na faixa
nefrótica em 25 a 33% dos pacientes. Uma
A nefrite da classe II caracteriza-se por com-
creatinina sérica elevada está presente em
plexos imunes confinados ao mesângio, onde
25% dos pacientes.
causam hipercelularidade mesangial, porém
sem influxo de leucócitos para o interior dos A nefrite lúpica classe IV descreve lesões
capilares e sem necrose ou esclerose. Os proliferativas globais e difusas envolvendo
pacientes com nefrite lúpica classe II geral- a vasta maioria dos glomérulos. Os pacien-
mente têm doença renal leve, como hema- tes com lesões classe IV exibem comumente
túria assintomática e proteinúria, o que não altos títulos de anticorpos anti-DNA, baixos
justifica tratamento específico. níveis de complemento sérico, hematúria,
cilindros hemáticos, proteinúria, hipertensão
QUADRO CLÍNICO e função renal reduzida; 50% dos pacientes
apresentam proteinúria na faixa nefrótica.
As lesões tanto da classe I quanto da classe Os pacientes com crescentes na biópsia em
II costumam estar associadas à mani- geral exibem um declínio rapidamente pro-
festações renais mínimas e função renal gressivo da função renal. Sem tratamento,
normal; a síndrome nefrótica é rara. Os essa lesão agressiva comporta o pior prog-
pacientes com lesões limitadas ao mesân- nóstico renal.
gio renal têm um excelente prognóstico e, A nefrite lúpica classe V causa numerosos
em geral, não necessitam de terapia para depósitos subepiteliais de complexos imu-
sua nefrite lúpica. nes, bem como depósitos mesangiais. Os
O tema da nefrite lúpica é apresentado no depósitos subendoteliais são pequenos ou
tópico das síndromes nefríticas agudas, em estão ausentes, exceto em pacientes com
função das lesões proliferativas agressivas e lesões de classe V associadas à lesões de
importantes observadas na doença renal das classes III ou IV. Manifesta-se predominan-
classes III a V. temente como síndrome nefrótica.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 67

EVOLUÇÃO E TRATAMENTO Como ocorre com a glomerulopatia membra-


nosa idiopática (descrita na seção de síndrome
Os pacientes com proliferação leve (classe nefrótica), não há consenso acerca da forma de
III) que acomete um pequeno percentual dos tratamento da nefrite lúpica classe V.
glomérulos respondem muito bem à terapia
apenas com esteroides, e menos de 5% pro-
gridem para insuficiência renal no transcor-
rer de 5 anos. Os pacientes com proliferação
mais acentuada envolvendo um maior per-
centual dos glomérulos têm um prognóstico
muito mais reservado e apresentam taxas de
remissão mais baixas. O tratamento desses
pacientes é o mesmo adotado para as lesões
classe IV. Muitos nefrologistas acreditam
que as lesões classe III representam simples-
mente uma manifestação precoce da doença
classe IV. Outros acreditam que a doença
classe III grave consiste em uma lesão dis-
tinta, que exige terapia agressiva. Entre-
tanto, se uma remissão – definida como o
retorno a uma função renal próxima ao nor-
mal e uma proteinúria ≤ 330 mg/dL/dia – for
conseguida com tratamento, os resultados
em termos de função renal são excelentes.
A evidência atual sugere que a indução
de uma remissão com administração de
esteroides sistêmicos em altas doses e de
ciclofosfamida ou micofenolato de mofe-
til por 2 a 6 meses, seguida por terapia de Figura 2.10 – Evolução natural na nefropatia por iga

A) Nefrite lúpica proliferativa, classes III ou IV da ISN/RPS, manifesta-se


manutenção, com menores doses de este- como proliferação endocapilar, que pode resultar em necrose segmen-
tar devido a depósitos, particularmente na área subendotelial. B) À imu-
roides e de micofenolato de mofetil ou nofluorescência, depósitos mesangiais e de alças capilares volumosos e
irregulares são evidentes, sendo que alguns depósitos de alça periférica
azatioprina, estabelece um melhor equilí- têm um contorno externo liso e emoldurado devido à localização suben-
dotelial. Esses depósitos tipicamente coram para todas as três imunoglo-
brio entre a probabilidade de uma remis- bulinas, IgG, IgA e IgM e C3 e C1q. C) À microscopia eletrônica, depósitos
de imunocomplexos subepiteliais densos raros, subendoteliais e mesan-
são bem-sucedida e os efeitos colaterais giais são evidentes, juntamente ao apagamento extenso do pedicelo.

da terapia. Não existe consenso acerca do


uso de metilprednisolona intravenosa em
GLOMERULONEFRITES ANCA
altas doses versus prednisona oral, de ciclo-
fosfamida intravenosa mensal versus ciclo-
RELACIONADAS
fosfamida oral diária, ou de outros imunos- Um grupo de pacientes com vasculite de peque-
supressores, como ciclosporina, tacrolimo, nos vasos (arteríolas, capilares e vênulas; raras
rituximabe ou belimunabe. Os nefrologistas vezes pequenas artérias) e glomerulonefrite
tendem a evitar o uso prolongado de ciclo- possui anticorpos séricos anticitoplasma de
fosfamida em pacientes em idade fértil sem neutrófilo (ANCA).
o depósito prévio de óvulos ou espermato- Esses anticorpos são de dois tipos, antiprotei-
zoides em bancos apropriados. nase 3 (PR3) ou antimieloperoxidase (MPO);

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68 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

experimentalmente, foram também relata- granulomas não caseosos adjacentes. As bióp-


dos anticorpos Lamp-2 como potencialmente sias renais realizadas durante a doença ativa
patogênicos. Os ANCA são produzidos com demonstram glomerulonefrite necrosante seg-
ajuda das células T e ativam os leucócitos e mentar sem depósitos imunes. A doença é mais
os monócitos, que, juntos, lesionam as pare- comum em pacientes com exposição ao pó de
des dos pequenos vasos. A lesão endotelial sílica e naqueles com deficiência de α1-antitrip-
também atrai mais leucócitos e exacerba a sina, que é um inibidor de PR3. A recidiva após
inflamação. A granulomatose com poliangeíte, a obtenção de remissão é comum e ocorre com
a poliangeíte microscópica e a síndrome de mais frequência em pacientes portadores de
Churg-Strauss pertencem a esse grupo, pois granulomatose com poliangeíte do que outra
são ANCA-positivas e exibem uma glomerulo- vasculite associada à ANCA, exigindo acom-
nefrite pauci-imune com poucos imunocom- panhamento cuidadoso. Apesar de sua asso-
plexos nos pequenos vasos e nos capilares glo- ciação a uma taxa de mortalidade inaceitavel-
merulares. Os pacientes com qualquer uma mente alta sem tratamento, a maior ameaça
dessas três doenças podem ter qualquer aos pacientes, sobretudo pacientes idosos no
combinação dos anticorpos séricos cita- primeiro ano de tratamento, provém dos even-
dos, porém os anticorpos anti-PR3 são mais tos adversos, que em geral são secundários ao
comuns na granulomatose com poliangeíte, tratamento, e não à vasculite ativa.
e os anticorpos anti-MPO são mais comuns
na poliangeíte microscópica ou na síndrome
POLIANGEÍTE MICROSCÓPICA
de Churg-Strauss. Cada uma dessas doenças
apresenta algumas características clínicas pró- Clinicamente, esses pacientes têm um aspecto
prias, mas a maioria delas não permite prever bastante semelhante ao dos indivíduos com
a recidiva nem a progressão e, como um grupo, granulomatose com poliangeíte, exceto pelo
em geral elas são tratadas da mesma maneira.
fato de raramente terem doença pulmonar
Como a taxa de mortalidade apresenta-se com
significativa ou rinossinusite destrutiva. A dis-
alta sem tratamento, quase todos os pacientes
tinção é feita pela biópsia, na qual a vasculite
recebem tratamento de urgência.
da poliangeíte microscópica é isenta de granu-
lomas. Alguns pacientes também terão uma
GRANULOMATOSE COM lesão limitada aos capilares e às vênulas.
POLIANGEÍTE
SÍNDROME DE CHURG-STRAUSS
Os pacientes com essa doença apresentam
classicamente febre, rinorreia purulenta, úlce- Quando a vasculite de pequenos vasos está
ras nasais, dor nos seios paranasais, poliar- associada à eosinofilia periférica, púrpura cutâ-
tralgias/artrite, tosse, hemoptise, dispneia, nea, mononeurite, asma e rinite alérgica, deve
hematúria microscópica e 0,5 a 1 g/24 horas ser considerado o diagnóstico de síndrome de
de proteinúria; por vezes pode haver púrpura Churg-Strauss. Hipergamaglobulinemia, níveis
cutânea e mononeurite múltipla. A apresen- séricos elevados de IgE ou a presença do fator
tação sem acometimento renal é denomi- reumatoide acompanham ocasionalmente
nada granulomatose com poliangeíte limitada, o estado alérgico. A inflamação pulmonar,
embora alguns desses pacientes exibam pos-
incluindo tosse passageira e infiltrados pulmo-
teriormente sinais de lesão renal.
nares, costuma preceder as manifestações sis-
A radiografia de tórax costuma revelar nódu- têmicas da doença em alguns anos; a ausência
los e infiltrados persistentes, às vezes com de manifestações pulmonares é rara. Cerca de
cavidades. A biópsia do tecido acometido 33% dos pacientes podem ter derrames pleurais
mostrará uma vasculite de pequenos vasos e exsudativos associados a eosinófilos. A vasculite

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 69

de pequenos vasos e a glomerulonefrite necro- dados históricos sugerem que a glomerulone-


sante segmentar focal podem ser observadas frite ANCA em crescente não tratada resulta em
na biópsia renal, habitualmente com ausência doença renal em estágio final em mais de 80%
de eosinófilos ou de granulomas. A causa da dos pacientes, sendo o sucesso do tratamento
síndrome de Churg-Strauss é autoimune, porém inversamente proporcional à creatinina sérica
os fatores desencadeantes são desconhecidos. no momento em que o tratamento é iniciado.

ABORDAGEM CLÍNICA E TRATAMENTO


INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
A terapia de indução costuma incluir alguma
DE PACIENTES COM
combinação de plasmaférese, metilpredniso-
GLOMERULONEFRITE ANCA lona e ciclofosfamida. A ciclofosfamida IV em
RELACIONADA “pulsos” mensais para induzir remissão da vas-
culite associada à ANCA é tão efetiva quanto
Quando a glomerulonefrite ANCA é identifi-
a ciclofosfamida oral diária, porém pode estar
cada, deve-se investigar a presença de vascu- associada a um aumento das recidivas. Os este-
lite sistêmica e classificá-la, se encontrada. A roides sistêmicos são reduzidos gradualmente
granulomatose com poliangeíte é o diagnóstico logo após a resolução da inflamação aguda, e
apropriado, quando a glomerulonefrite ANCA é os pacientes são mantidos com ciclofosfamida
acompanhada de evidências de vasculite sistê- ou azatioprina por até um ano, a fim de minimi-
mica (por exemplo: hemorragia pulmonar, púr- zar o risco de recidiva.
pura, dor abdominal, mononeurite múltipla),
bem como inflamação granulomatosa necro-
sante, que mais frequentemente envolve as vias GLOMERULONEFRITE
respiratórias alta ou baixa que pode evoluir com MEMBRANOPROLIFERATIVA
necrose do septo nasal, nariz em sela, úlceras
orais, infiltrado pulmonar, nódulos e cavitação.
(GNMP)
A GNMP, às vezes, é denominada glomerulo-
Síndrome de Churg-Strauss é o diagnóstico apro-
nefrite mesangiocapilar ou glomerulonefrite
priado quando a glomerulonefrite ANCA é acom-
lobular. Trata-se de uma glomerulonefrite de
panhada de evidências de vasculite sistêmica,
mediação imune caracterizada pelo espes-
eosinofilia no sangue (> 10% de eosinófilos no
samento da MBG com alterações mesan-
total de leucócitos), elevação de IgE sérica e asma.
gioproliferativas; 70% dos pacientes exibem
Poliangeíte microscópica é o diagnóstico apro- hipocomplementemia. Do ponto de vista
priado quando a glomerulonefrite ANCA é epidemiológico, a GNMP é diagnosticada em
acompanhada de evidências de vasculite sis- 6-12% das biopsias renais realizadas para ava-
têmica, na ausência de inflamação granuloma- liação de doença glomerular nos EUA. A GNMP
tosa ou asma. é rara em afro-americanos, e a doença idiopá-
tica se manifesta em geral na infância ou no iní-
A glomerulonefrite ANCA rapidamente pro-
cio da vida adulta. A GNMP é subdividida pato-
gressiva deve ser tratada com imunossupres-
logicamente em doença tipo I, tipo II e tipo III.
são agressiva. Não é necessária a classificação
exata da vasculite ANCA antes da instituição do A GNMP tipo I costuma estar associada à infec-
tratamento imunossupressor, já que o mesmo ções persistentes pela hepatite C, à doenças
tratamento é adequado para cada categoria, autoimunes como lúpus ou crioglobulinemia, ou
caso haja glomerulonefrite ativa agressiva. A à doenças neoplásicas. Os tipos II e III da GNMP
instituição do tratamento tão rapidamente em geral são idiopáticos, exceto em pacientes
quanto possível é importante, uma vez que com deficiência do fator H do complemento, na

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70 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

presença do fator nefrítico C3 e/ou da lipodistrofia parcial, que produzem doença tipo II, ou deficiência
dos receptores do complemento na doença tipo III. Foi proposta uma reclassificação da GNMP em
doença mediada por imunoglobulinas (impulsionada pela via clássica do complemento) e doença não
mediada por imunoglobulinas (impulsionada pela via alternativa do complemento) (Tabela 2.11).

Causas Infecciosas

• Com base na microscopia eletrônica:


• Tipo I:
• Depósitos imunes discretos no mesângio e espaço subendotelial;
• Associação com hepatite C.
• Tipo II (doença de depósitos densos - DDD):
• Depósitos intramembranosos homogêneos densos;
• Afeta sobretudo indivíduos mais jovens.
• Tipo III :
• Similar ao tipo II;
• Depósitos subepiteliais e subendoteliais;

• Com base em imunofluorescência (IF):


• Com deposição de imunoglobulina (GNMP mediada por imunocomplexos):
• diopática;
• Secundária:
• Doenças autoimunes (LES, artrite reumatoide e síndrome de Sjögren);
• Infecções (hepatites B e C);
• Gamopatias monoclonais;
• Com depósitos de C3 ou C4 com ausência ou discretos depósitos de imunoglobulinas (GNMP mediada
por complemento):
• Predominância de C3 (glomerulopatia por C3);
• Tipos (avaliar à microscopia eletrônica):
• Glomerulonefrite C3;
• C3 DDD (equivalente à GNMP tipo II).
• Predominância de C4 (glomerulopatia por C4);
• Tipos (avaliar à microscopia eletrônica):
• Glomerulonefrite C4;
• C4 DDD.
• Sem deposição de imunoglobulina:
• Associação com microangiopatias trombóticas e SAF

Tabela 2.11 – Principais características clínicas na gnpe

FISIOPATOLOGIA
A GNMP tipo I, que é a mais proliferativa dos três tipos, mostra proliferação mesangial com seg-
mentação lobular na biópsia renal e interposição mesangial entre a membrana basal dos capi-
lares e as células endoteliais, produzindo um duplo contorno algumas vezes denominado em

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 71

trilhos de bonde. Os depósitos subendoteliais Pode cursar tanto com síndrome nefrítica
com baixos níveis séricos de C3 são típicos, (inclusive na forma de GNRP) como síndrome
apesar de 50% dos pacientes apresentarem nefrótica. De modo similar a outras formas de
níveis normais de C3 e depósitos intramesan- glomerulonefrite, os exame de urina também
giais ocasionais. Os baixos níveis séricos de C3 evidenciam hematúria e piúria (30%). É comum
e um espessamento denso da MBG contendo a presença de baixos níveis séricos de C3. Os
fitas de depósitos densos e C3 caracterizam níveis de C4 podem permanecer normais na
a GNMP tipo II, algumas vezes denominada GNMP mediada por complemento (ativação da
doença de depósito denso. Classicamente, o via alternativa).
tufo glomerular possui um aspecto lobular;
os depósitos intramesangiais estão presentes
apenas raras vezes, e os depósitos subendo-
teliais em geral estão ausentes. A proliferação
na GNMP tipo III é menos comum do que nos
outros dois tipos e, com frequência, é de natu-
reza focal; a interposição mesangial é rara, e
os depósitos subepiteliais podem ocorrer ao
longo de segmentos alargados da MBG que
parecem ter um aspecto laminado e rompido.
A GNMP tipo I é secundária à deposição glo-
merular de imunocomplexos circulantes ou à
sua formação in situ. Os tipos II e III de GNMP
podem estar relacionados com “fatores nefrí-
ticos”, que são autoanticorpos que estabili-
zam a C3 convertase e permitem que ative o
C3 sérico. A GNMP também pode resultar de Figura 2.11 – Depósitos subendoteliais na =
gnmp tipo i à microscopia eletrônica
anormalidades adquiridas ou genéticas na via
alternativa do complemento.
EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
Em suma, os principais achados fisiopatológi-
cos na GNMP incluem: Cerca de 50% dos pacientes com GNMP desen-
• Espessamento e duplicação da MBG; volvem doença em estágio terminal 10 anos
após fazer o diagnóstico, e 90% sofrem de insu-
• Deposição de imunocomplexos e/ou fatores
ficiência renal após 20 anos. Síndrome nefró-
de complemento na MBG;
tica, hipertensão e insuficiência renal permi-
• Desregulação e ativação persistente da via tem todas predizer um desfecho ruim.
alternativa do complemento;
As principais recomendações com relação ao
• Proliferação difusa de células mesangiais;
tratamento da GNMP incluem:
• Infiltração glomerular por macrófagos;
• Inibidores de ECA ou bloqueadores de
• Aumento da matriz mesangial.
angiotensina II (BRA)
• Controle da PA e ação anti-proteinúrica.
ABORDAGEM CLÍNICA E
• Tratar causa subjacente (por exemplo, trata-
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
mento antiviral para hepatite C);
Sintomas sistêmicos de fadiga e mal-estar são • Varia conforme apresentação:
mais comuns em crianças com a doença tipo I. • Com síndrome não nefrótica

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72 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

• Tratamento conservador (observação insuficiência renal. Existe pouca concordância


clínica e inibidores de ECA ou BRA); quanto ao tratamento, porém alguns relatos
• om síndrome nefrótica: clínicos sugerem algum benefício proporcio-
nado pelo uso de inibidores do sistema reni-
• Prednisona 1 mg/kg/dia (dose máxima:
na-angiotensina, pela terapia com esteroides e
60-80 mg/dia por 12-16 semanas); ou
até mesmo pelos agentes citotóxicos.
• Inibidores de calcineurina neural.
• Elevação de creatinina sérica associada ou
não à síndrome nefrótica: SÍNDROME NEFRÓTICA
• Prednisona 1 mg/kg/dia (dose máxima: Proteinúria nefrótica é a perda de proteínas
60-80 mg/dia por 12-16 semanas); pela urina em um valor superior a 3,5 g/1,73
• Ausência de resposta clínica: m2/24 h (em crianças, > define-se como > 50
mg/kg/dia). A síndrome nefrótica (Tabela 2.12)
• Associar ciclofosfamida - CFM (2 mg/
acontece quando há proteinúria nefrótica asso-
kg/dia por 3-6 meses) ou rituximabe.
ciada a graus variáveis de hipoalbuminemia,
• Na forma mediada por defeitos na via do edema e dislipidemia (achado não obrigatório).
complemento: Esta situação também pode se correlacionar
• Eculizumabe. com aumento no risco de infecções e trom-
• Glomerulonefrite rapidamente progressiva: boses. Quando há hematúria ou hipertensão
associadas ao quadro renal, há evidências de
• Pulsoterapia com glicocorticoides +
glomerulonefrite. À associação de síndrome
CFM. nefrótica + glomerulonefrite dá-se o nome
de síndrome nefrítica-nefrótica.
GLOMERULONEFRITE A síndrome nefrótica pode ocorrer em função
MESANGIOPROLIFERATIVA de doença sistêmica ou pode ser a manifes-
tação de doença primária renal. Sua ocorrên-
A glomerulonefrite mesangioproliferativa cia traduz a presença de glomerulopatia, uma
caracteriza-se pela expansão do mesângio, vez que a presença de proteinúria nefrótica é
às vezes associada a uma hipercelularidade praticamente patognomônica de doença glo-
mesangial; paredes capilares finas, únicas e merular (raramente doenças túbulo-intersti-
contornadas; e depósitos imunes mesangiais. ciais podem cursar com proteinúria de maior
Clinicamente, pode manifestar-se com graus monta). A biópsia renal está indicada na quase
variáveis de proteinúria e, muitas vezes, hema- totalidade das síndromes nefróticas primárias
túria. A doença mesangioproliferativa pode ser em adultos e na maioria das síndromes nefróti-
observada na nefropatia por IgA, na malária cas secundárias.
por Plasmodium falciparum, na glomerulone-
frite pós-infecciosa em fase de resolução e na Proteinúra (adulto) .> 3,5g/dia
nefrite classe II devida ao lúpus, todas as quais
podem ter um aspecto histológico semelhante. Proteinúra (criança)
Com essas entidades secundárias excluídas, o
diagnóstico de glomerulonefrite mesangiopro- Hipoalbomina
liferativa primária é feito em menos de 15%
das biópsias renais. Por ser uma lesão renal Edema
imunomediada com depósitos de IgM, C1q e
C3, a evolução clínica é variável. Os pacientes Hipercolesterolemia
com hematúria isolada podem ter uma evolu-
Lipidúria
ção muito benigna, e aqueles com proteinú-
ria maciça progridem ocasionalmente para Tabela 2.12 – Síndrome Nefrótica

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 73

ETIOLOGIA glomerular parece ser o principal fator para a


proteinúria predominante de albumina.
A síndrome nefrótica pode ser secundária a
diversas doenças sistêmicas, como doenças Fatores hemodinâmicos, por exemplo hiper-
de depósito (por exemplo, amiloidose), meta- tensão glomerular, também modificam a pas-
bólicas (por exemplo, nefropatia diabética), sagem de proteínas para a urina. Além da albu-
autoimunes (por exemplo, lúpus eritematoso mina, muitas outras proteínas são perdidas na
sistêmico – LES), infecções bacterianas ou urina dos nefróticos. Essas perdas podem pro-
vocar alterações do sistema endócrino ou dos
virais, drogas e tumores sólidos ou hematopoi-
padrões metabólicos normais. Por exemplo, a
éticos. Pode, ainda, ser primária, como mani-
excreção urinária da tiroxina ligada à globuli-
festação de doença puramente renal (Tabela
nas (TBG), de T3 e T4, está bem documentada e
2.13). As formas primárias podem ser idiopáti-
é responsável pelos níveis séricos reduzidos de
cas ou associadas a defeitos genéticos em pro-
T3 e TBG. O valor de TSH é normal enquanto a
teínas da barreira de filtração glomerular.
tiroxina pode estar normal ou diminuída.
TABELA 2.13
Entre as várias alterações metabólicas
Em adultos, cerca de 30% das síndromes nefró- secundárias, predominam as alterações do
ticas estão associadas à doenças sistêmicas, metabolismo lipídico. Há aumento do coleste-
principalmente diabetes mellitus (DM), amiloi- rol, principalmente quando o nível de albumina
dose e LES. sérica for inferior a 2 g/dL. Os triglicerídeos
podem ser inicialmente normais, mas também
A integridade anatômica e a presença de subs-
aumentam no curso da doença. Os valores do
tâncias com cargas negativas (principalmente
colesterol LDL e VLDL estão muito aumenta-
sialoglicoproteínas) fazem da parede glomeru-
dos. O nível do colesterol HDL é extremamente
lar uma excelente barreira à passagem de
variado, dependendo de fatores como idade,
proteínas séricas para o espaço de Bowman
causa da síndrome nefrótica, drogas em uso e
(Tabela 2.14).
função renal.
A barreira glomerular é composta de três
Acredita-se que tanto a síntese hepática de
camadas: a camada de células endoteliais,
lipídios quanto a de apolipoproteínas estão
a membrana basal trilaminar e a camada de
aumentadas e que o clearance de quilomí-
células epiteliais. Essa barreira é altamente
cron e VLDL estão diminuídos na síndrome
permeável à água e a pequenos solutos, mas nefrótica. A causa precisa e a contribuição rela-
apresenta permeabilidade limitada às grandes tiva de cada fator no aumento da lipogênese e
moléculas. Os diafragmas das células epiteliais na redução do catabolismo das proteínas e sua
(slit pores) têm poros retangulares e constituem relação com a proteinúria, hipoalbuminemia e
um filtro adicional à passagem de proteínas redução da pressão oncótica permanecem con-
para a urina. Em várias glomerulopatias pri- troversas. Acredita-se que a redução da pres-
márias ou secundárias (GNMP, lúpus) o dano são oncótica estimula diretamente a síntese
estrutural do glomérulo parece ser a principal de lipídios e lipoproteínas pelo fígado. Outra
causa da proteinúria. hipótese é que o defeito no catabolismo das
O filtro glomerular contém cargas negativas, lipoproteínas não está relacionado ao aumento
principalmente na membrana basal, mas tam- da lipogênese, mas a alguma anormalidade na
bém nas camadas endoteliais e epiteliais. Por composição lipoproteica e/ou à perda urinária
isso, é conhecido com o nome de poliânion glo- de substâncias liporreguladoras.
merular. A presença dessas cargas dificulta a Outras alterações vistas na síndrome nefrótica
passagem de proteínas com cargas negativas, são desnutrição proteica, aumento da incidên-
como a albumina. Em pacientes com doença cia de toxicidade às drogas e deficiência de
de lesão mínima, uma depleção do poliânion alguns metais, como zinco, ferro e cobre.

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74 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

Proteína Possível efeito

Albumina Edema, ascite, derrame pleural, hiperlipidemia


Transferrina Anemia microcítica (resistente a ferro)
Ceruloplasmina Deficiência de cobre
Globulina ligadora de tiroxina Redução no T3 e T4 totais
Proteína ligadora do cortisol Aumento do cortisol livre, alteração no metabolismo
do cortisol
Antitrombina III e outros inibidores da coagulação Tromboses
(proteína C)
Fator B ou sistema alternativo do Opsonização bacteriana prejudicada, aumento da sus-
cetibilidade a infecções
complemento

Imunoglobulina G Aumento da incidência de infecções bacterianas (espe-


cialmente germes capsulados)
Proteína ligadora do 25-hidroxicalciferol Hipocalcemia, osteomalacia, má absorção intestinal
de cálcio, hiperparatireoidismo secundário
Proteína ligadora da prostaglandina Alteração no metabolismo da prostaglandina, trom-
bose (?)
Proteína ligadora do zinco Hipozincemia, disgeusia, impotência (?), dificuldade
para cicatrização de feridas (?) Alteração no metabo-
lismo de LDL e VLDL
Lipoproteína lipase Alteração no metabolismo de LDL e VLDL
Lecitina-colesterol aciltransferase Hiperlipidemia
Tabela 2.13– Síndrome Nefrótica

FISIOPATOLOGIA DO EDEMA atrial natriurético (PAN) parece ser o principal


responsável pelo balanço positivo de sódio, com
NEFRÓTICO
aumento do volume plasmático e aumento da
Existem duas teorias para a explicação do filtração pelo capilar glomerular. Hoje se admite
edema nefrótico. Na primeira, a proteinúria que estes dois mecanismos tendem a coexistir
maciça resulta em hipoalbuminemia impor- em momentos diferentes da doença com predo-
tante, com consequente diminuição da pressão minância de um ou de outro.
oncótica plasmática que, atingindo níveis críti-
cos, provoca deslocamento de água do espaço
intravascular para o interstício. Isso resulta em
redução do volume plasmático circulante efe-
tivo, que, por sua vez, promove ativação do
sistema renina-angiotensina-aldosterona com
retenção renal de sódio. Este mecanismo clás-
sico é conhecido como mecanismo do underfill
ou underflow. No segundo mecanismo, teoria
do overfill ou overflow, não há hipovolemia, e a
hipoalbuminemia não é o componente crítico
para a retenção de sódio, que é reabsorvido
avidamente pelo túbulo distal. Provavelmente
um estado de resistência à ação do peptídeo Figura 2.12 – Mecanismos do edema na síndrome nefrótica

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 75

ACHADOS CLÍNICOS EM A história familiar também pode auxiliar no


diagnóstico, tanto em doenças complexas,
PACIENTES COM SÍNDROME
como nefropatia diabética, como em doenças
NEFRÓTICA monogenéticas, como Alport, GESF familiar etc.
A principal manifestação clínica da síndrome
nefrótica é o edema, o qual pode progredir
para anasarca e derrames cavitários. Pode COMPLICAÇÕES CLÍNICAS
haver ainda queixa de urina espumosa, expres-
são clínica da proteinúria importante. TROMBOEMBOLISMO
Fadiga e perda de massa muscular estão
A incidência de tromboembolismo nos adultos
comumente presentes, mas esta última deve
(Tabela 2.15) é significativamente maior do que
ser sempre um sinal de alerta, principalmente
nas crianças, em algumas séries pode chegar
em idosos, pois algumas doenças que levam à
a 30%. A trombose venosa profunda de mem-
síndrome nefrótica podem estar associadas à
bros inferiores é frequente em adultos, sendo
neoplasias. Muitos pacientes referem dispneia
responsável por aproximadamente 30% das
aos esforços, provavelmente em função de
complicações tromboembólicas.
derrame pleural, desnutrição, anemia e disfun-
ção cardíaca. A trombose de veias renais tem sido rela-
Em diversas doenças, a síndrome nefrótica é tada em várias séries de pacientes com sín-
acompanhada de hipertensão arterial. Com a drome nefrótica com frequência de 4-33%.
exceção de lesões mínimas, todas as outras for- Pode haver trombose em outros locais: sub-
mas de síndrome nefrótica podem cursar com clávia, axilar, jugular externa, porta, esplênica,
hematúria microscópica. Já a hematúria macros- hepática e mesentérica. A causa da hipercoa-
cópica é mais habitual na nefropatia da IgA, mas gulabilidade na síndrome nefrótica é múltipla:
pode ocorrer em outras doenças também. aumento da agregação plaquetária, aumento
da atividade de pró-coagulantes (fatores II, V,
Devemos também estar atentos a dados de
VII, VIII, IX, X e fibrinogênio), em associação
anamnese e exame físico que sejam sugestivos
com a perda urinária de diversos anticoagu-
de doenças sistêmicas (infecciosas, autoimu- lantes (antitrombina III e proteína S livre). Por
nes, tumorais), assim como pesquisar ativa- outro lado, condições como estase venosa,
mente o uso prévio de medicamentos, exposi- hemoconcentração, hipovolemia, aumento da
ção à drogas ilícitas, comportamentos de risco viscosidade e, possivelmente, o uso de corticos-
e epidemiologia para doenças infecciosas.
teroides também contribuem para aumento da
Em pacientes hipertensos, obesos e diabéti- coagulação sanguínea.
cos, é sempre importante avaliar a presença
de lesão em outros órgãos-alvo (por exemplo, Tromboembolismo pulmonar
se há retinopatia coexistente). A concomitância Trombose da artéria mesentérica com necrose do
de síndrome nefrótica e retinopatia diabética ID e omento
permite definir o quadro renal como nefropatia Trombose de veia cava inferior
diabética (mesmo sem biópsia renal) na ausên- Trombose de artéria axiliar
cia de outros achados que levem a pensar em Trombose de veia ilíaca
outras causas de glomerulopatia. Na ausência Trombose de VD e embolismo pulmonar maciço
da retinopatia, deve-se estar atento a outras
Trombose de artéria coronariana
possíveis causas de síndrome nefrótica, apesar
Trombose de via renal
de saber que, mesmo assim, mais de 50% des-
Trombose de artéria periférica e necrose isquêmica
tes casos atípicos ainda apresentam a nefropa-
tia diabética como lesão de base. Tabela 2.14 – Complicações tromboembólicas na síndrome nefrótica

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76 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

INFECÇÕES INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA


Os pacientes com síndrome nefrótica são muito A insuficiência renal aguda é frequente, prin-
suscetíveis às infecções. Infecções cutâneas, cipalmente nos pacientes com hipoalbumi-
pneumonias e peritonites são as mais frequen- nemia severa (em geral, acompanhada com
tes. Vários fatores colaboram para essa ten- hipovolemia). Na maioria das vezes, a insu-
dência. A perda de imunoglobulinas na urina ficiência é pré-renal, mas em alguns casos
(IgG) pode favorecer à infecção por germes pode haver choque com necrose tubular
encapsulados, especialmente Streptococcus aguda. Pode ser precipitada ou agravada por
pneumoniae, Klebsiella e Haemophilus.
condições associadas, como diarreia, uso
O fator B, um dos componentes da via alter- excessivo de diuréticos, drenagem de líquido
nativa do complemento, está diminuído ascítico ou sepse.
na síndrome nefrótica, possivelmente por
perda urinária. Como sabemos, o comple-
mento está envolvido na fagocitose das bacté-
rias encapsuladas.
ABORDAGEM CLÍNICA E
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
,ATEROGÊNESE EM PACIENTES COM SÍNDROME
NEFRÓTICA
A hipercolesterolemia e a hipertrigliceridemia
Para estabelecer o diagnóstico de síndrome
persistentes, combinadas com redução do
colesterol HDL, favorecem o desenvolvimento nefrótica, são necessários os seguintes exa-
de aterosclerose. Além disso, a hipercolestero- mes:
lemia predispõe à progressão mais rápida da • Análise do sedimento urinário: para avalia-
doença renal através do dano mesangial com
ção de hematúria e cilindrúria;
esclerose glomerular e, além disso, o dano glo-
merular pode agravar a proteinúria. Há evidên- • Proteinúria de 24 horas: pode-se estimá-la
cias de que manipulações dietéticas e terapêu- por meio da relação entre a proteinúria de
ticas podem prevenir o desenvolvimento da amostra isolada sobre a creatinina urinária
aterosclerose e a progressão da doença renal. da mesma amostra;
Devemos notar que algumas drogas utilizadas • Dosagem de colesterol total e frações;
para o tratamento da síndrome nefrótica, prin-
• Albumina sérica: preferencialmente por
cipalmente os corticosteroides e os diuréticos,
podem exacerbar a hiperlipidemia. meio da eletroforese de proteínas, pois,
desta forma já se avalia também a presença
de pico monoclonal de gamaglobulinas, caso
exista, o que levaria a pensar, por exemplo,
no diagnóstico de síndrome nefrótica asso-
ciada a gamopatia monoclonal, como a ami-
loidose ou a glomerulonefrite fibrilar.
Para que se possa estabelecer a etiologia da
síndrome nefrótica, outros exames podem ser
necessários:

• Exames de função renal: creatinina, ureia,


clearance de creatinina;
• Exame de fundo de olho: na suspeita de
Tabela 2.13 nefropatia diabética, este exame é essencial;

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 77

• Dosagem de complemento sérico (frações C3 exemplo, mesmo que crônicos e hipereco-


e C4): permite diferenciar a síndrome nefró- gênicos, podem ter tamanho normal. Deve-
tica em dois grandes grupos: as glomerulo- -se saber, no entanto, que rins nefróticos
patias normocomplementêmicas (doença de são discretamente mais ecogênicos que
lesões mínimas, GESF, glomerulonefrite mem- rins normais;
branosa idiopática e as doenças de depósito, • Ecodopplercardiograma: importante em
como DM, amiloidose etc.) e as glomerulopa- casos de HAS, DM, amiloidose etc.;
tias hipocomplementêmicas (glomerulone-
• Rastreamento para neoplasias (sobretudo
frite membranoproliferativa, glomerulonefrite
em pacientes idosos com glomerulonefrite
crioglobulinêmica e as diversas apresentações
membranosa): avaliar estratégias conforme
de nefrite lúpica), que consomem C3 e C4 (revi- idade; considerar radiografia/tomografia de
sar Tabela 2.7); tórax em pacientes com história de taba-
• Eletroforese de proteínas no sangue e na gismo ou exposição ao asbesto; pesquisa de
urina, com imunofixação sérica e urinária, sangue oculto nas fezes; cistoscopia (hema-
se houver suspeita de gamopatia monoclo- túria + suspeita de câncer de bexiga);
nal, e mielograma, se necessário: para quan- • Biópsia renal: indicada em pacientes adultos
tificar a hipoalbuminemia e o grau de perda com síndrome nefrótica (raras exceções). O
das imunoglobulinas, avaliar a presença de diagnóstico exclusivamente clínico da sín-
paraproteína e avaliar a função hepática; drome nefrótica em adultos determina um
• Sorologias para hepatites B, C e HIV; percentual não desprezível de erro diagnós-
• Pesquisa de autoanticorpos (FAN, anti- tico e, por esse motivo, a biópsia renal tor-
nou-se imprescindível nas abordagens diag-
-DNA, ANCA) na possibilidade de doença
nósticas e terapêuticas. Diferentemente, em
autoimune;
pacientes pediátricos a biópsia renal geral-
• Pesquisa de crioglobulinas séricas na sus-
mente não está indicada, já que a maioria
peita de crioglobulinemia;
dos casos se deve à doença de lesão mínima
• Cálculo do índice de seletividade (Figura (ver próximas seções).
2.13): apesar de não ser um exame diagnós-
tico, pode sugerir a etiologia da síndrome IS = [IgG] urinária x [Albumina] sérica / [IgG] sérica
(por exemplo, habitualmente, a permea- x [Albumina] urinearia.
bilidade para imunoglobulinas é baixa em
relação à de albumina na doença de lesões < 10%: Seletivo; > 20% não seletivo

mínimas, enquanto o contrário ocorre em Figura 2.13 – Fórmula para cálculo do índice de seletividade (is) na investiga-
ção da etiologia de proteinúria nefrótica
glomerulopatia membranosa). Há também
trabalhos que sugerem que o índice de sele- As principais lesões histológicas que se asso-
tividade possa ser utilizado como um parâ- ciam com síndrome nefrótica são:
metro de gravidade e resposta terapêutica
• Glomerulopatia de lesões mínimas;
na glomerulopatia membranosa;
• Glomeruloesclerose segmentar e focal
• Ultrassonografia renal: principalmente
(GESF);
para avaliação de tamanho e ecogenici-
• Glomerulopatia membranosa;
dade dos rins, além de espessura da córtex
renal, informações que podem mostrar se • Glomeruloesclerose nodular;
o quadro renal tende a ser agudo ou crô- • Glomerulonefrites membranoproliferativas;
nico. Além disso, sabe-se que os rins de • Nefropatia da IgA (comumente manifesta-
nefropatia diabética e de amiloidose, por das por síndrome nefrítica-nefrótica);

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78 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

• Glomerulonefrite fibrilar ou imunotactoide.


Tais padrões histopatológicos podem corresponder tanto a doenças primárias renais quanto a
doenças sistêmicas (Tabela 2.16).

Primária: idiopática
Lesões mínimas
Secundária: drogas, tumores linfoproliferativos, HIV, sífilis
Primária: idiopática; genética (mutação em nefrina, podocina etc.)
GESF Secundária: obesidade, DM, HIV, uso de heroína, abuso de analgésicos,
pielonefrite crônica
Primária: idiopática
Secundária: hepatites B e C, LES (classe V), infecções, drogas, doenças autoimu-
Glomerulonefrite membranosa
nes, neoplasias (principalmente brônquicas, pulmonares, prostáticas e gástri-
cas)
Com depósito de amiloide: amiloidose hereditária, mieloma múltiplo,
infecções crônicas, artrite reumatoide
Com depósito de imunoglobulina: doença de cadeia leve, doença de
cadeia pesada ou doença de cadeias leve e pesada, mieloma múltiplo,
Glomeruloesclerose nodular
macroglobulinemia de Waldenström, leucemia linfocítica crônica, gamo-
patia de significado indeterminado
Com depósito não imune, não amiloide: diabetes mellitus
Com depósito de crioglobulina: crioglobulinemias primária e secundária
Primária: idiopática
Glomerulonefrite membra- Secundária: hepatite C (com ou sem crioglobulinemia), LES (classes III e IV),
noproliferativa esquistossomose, SHU, infecções, deficiência de complemento ou fator H,
paraproteinemias
Primária: idiopática
Nefropatia da IgA
Secundária: cirrose hepática, doenças autoimunes
Primária: idiopática
Glomerulopatia fibrilar ou
Secundária: tumores linfoproliferativos, mieloma, gamopatia monoclonal de
imunotactoide
significado indeterminado
Tabela 2.16 - Principais causas das diferentes lesões histológicas na síndrome nefrótica
Fonte: Rodrigues CE, Titan S, Woronik V. Síndrome nefrótica. MedicinaNET.

Também é importante que tenhamos em mente as causas possíveis de síndrome nefrótica, sendo
que as formas mais comuns de síndrome nefrótica idiopática são a doença de lesões mínimas em
crianças, a glomerulopatia membranosa (principalmente na faixa etária dos 40 anos de idade) e
a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) em adultos jovens. Dentre as causas secundárias,
deve-se dar destaque, por conta da prevalência das doenças na população, à nefropatia diabé-
tica, à nefropatia associada a VHC e VHB, à nefropatia lúpica, à amiloidose e às vasculites sistêmi-
cas e renais. Dependendo do quadro clínico apresentado pelo paciente e de sua idade, há alguns
tipos mais comuns de etiologia que devem ser considerados (Tabela 2.17).

Manifestações Possibilidades diagnósticas prováveis

Síndrome nefrótica em criança Lesões mínimas; GESF


Síndrome nefrótica em adulto jovem (função
GESF; lesões mínimas; glomerulopatia membranosa; nefropatia da IgA
renal normal)
Síndrome nefrótica em adulto jovem + perda GESF (forma colapsante); nefropatia de IgA; glomerulonefrite mem-
de função renal branoproliferativa; glomerulopatia membranosa

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 79

Manifestações Possibilidades diagnósticas prováveis


Síndrome nefrótica em adulto jovem
Nefropatia de IgA
associada à hematúria macroscópica
LES (atentar a sintomas e sinais típicos da doença, como artrites,
Síndrome nefrótica em sexo feminino
artralgias, rash, alopecia, serosite, febre)
Glomerulopatias membranosa, membranoproliferativa, amiloidose,
Síndrome nefrótica em idoso associada à
doença de cadeia leve ou pesada, fibrilar. Investigar exaustivamente
perda variável de função renal
causas secundárias como DM, paraproteinemia, doenças tumorais etc.
Síndrome nefrótica em idoso com função
Lesões mínimas (investigar doença tumoral e medicamentos)
renal normal
Artralgias e púrpura em criança Púrpura de Henoch-Schönlein
LES, crioglobulinemia primária ou secundária (hepatite C),
Artralgias e púrpura em adulto jovem
raramente púrpura de Henoch-Schönlein
Artralgias e púrpura em idoso Vasculites, crioglobulinemia
Síndrome nefrótica associada a doenças linfoproliferativas, mico-
Linfonodomegalia
bacterioses, LES
Síndrome nefrótica associada a doenças linfoproliferativas, esquis-
Hepatoesplenomegalia
tostossomose, hepatites B e C
Hipotensão postural (em euvolemia) Nefropatia diabética; amiloidose
Retinopatia diabética Nefropatia diabética
Insuficiência cardíaca DM, HAS, doenças de depósito (amiloidose, doença de Fabry)
Lesões mínimas: AINH, interferon, lítio, rifampicina, sais de ouro,
metimazol
Medicamentos
GESF: analgésicos
Membranosa: mercúrio, D-penicilamida, sais de ouro, captopril, AINH

Fonte: Rodrigues CE, Titan S, Woronik V. Síndrome nefrótica. MedicinaNET.


Tabela 2.17 - Dados de anamnese e exame físico sugestivos da causa da
síndrome nefrótica
excretam menos do que 10 mEq de sódio por dia.
A seguir, serão detalhadas as alterações clíni- Ao se restringir o sódio dietético, também se torna
cas, laboratoriais e histopatológicas habituais possível se reduzir as doses de diuréticos necessá-
nas diversas formas de glomerulopatias que rias para a indução do balanço negativo de sódio.
cursam com síndrome nefrótica. Principalmente no domicílio, devemos contentar-
-nos com uma quantidade de 2-4 g de sal por
dia. A maioria dos pacientes com edema discreto
RECOMENDAÇÕES GERAIS EM pode ser manejada somente com restrição de
sódio.
PACIENTES COM SÍNDROME
NEFRÓTICA O repouso no leito pode ser útil em alguns
pacientes, porque diminui a ativação postural
O tratamento da síndrome nefrótica consiste de
do sistema renina-angiotensina aldosterona.
medidas gerais, utilizadas em todos os casos, e
O repouso pode, no entanto, contribuir para o
de medidas específicas, aplicadas a cada tipo de
risco aumentado de tromboembolismo.
lesão renal ou doença sistêmica associada.
É importante o uso de diuréticos, principal-
TRATAMENTO DO EDEMA mente os de alça, pois os de outras classes,
quando usados isoladamente, são quase sem-
A restrição de sódio é fundamental, pois muitos pre ineficazes. Deve-se iniciar com doses de 40
pacientes nefróticos, em fases ativas da doença, mg de furosemida por dia com aumento lento e

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80 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

gradual. A não ser em situações especiais, não • Adaptação tubular ao uso crônico de diuré-
se recomenda reduções de peso maiores do ticos; nesse caso, o uso de diuréticos com
que 2 kg/dia. Os diuréticos de alça devem ser ações diferentes é o mais recomendado.
usados com cautela nos pacientes com hipo-
albuminemia severa, pois há possibilidade de INGESTÃO PROTEICA
haver piora da função renal por redução rápida
do setor intravascular. Uma proteinúria significativa e prolongada,
além de um catabolismo aumentado da albu-
A expansão do volume plasmático com o uso mina, pode levar a balanço nitrogenado nega-
de concentrado de albumina produz resulta- tivo. Entretanto, nos pacientes com síndrome
dos variáveis, com benefício em menos de 50% nefrótica, dieta hiperproteica não é recomen-
dos casos. Pode ser útil nos pacientes com dável, porque produz aumento na proteinú-
edema refratário, quando associada ao uso de ria sem alteração no nível sérico de albumina.
diuréticos de alça. O maior inconveniente é que Outro fato relevante para não usarmos die-
a albumina infundida é excretada rapidamente tas hiperproteicas são as evidências clínicas e
na urina, tendo assim um efeito transitório e, experimentais dos benefícios de uma restrição
além disso, tal conduta é limitada pelo alto proteica sobre a progressão da doença renal,
custo de tratamento. tanto na nefropatia diabética quanto nas glo-
merulopatias primárias.
Alguns pacientes com tendência à hipocalemia
podem ser tratados com a combinação de diu- Para pacientes com função renal normal, reco-
réticos de alça com um diurético poupador de menda-se a ingestão de 1 g/kg/dia de proteí-
potássio (amilorida, triantereno ou espirono- nas de alto valor biológico e uma quantidade
lactona). de calorias de 35 kcal/kg/dia.

A resistência aos diuréticos pode ser aparente


DISLIPIDEMIA
ou real. A primeira é devido a problemas de
aderência à dieta ou às drogas em uso ou, No início, o manejo dietético é preferível com
ainda, à administração dos diuréticos em inter- uma redução na ingestão de lipídios para
valos infrequentes. Entre as causas que devem menos de 30% do valor calórico total e um
ser investigadas em pacientes com edema aumento dos ácidos graxos poli-insaturados.
refratário, destacam-se: A diminuição máxima esperada nos pacientes
• Redução ou retardo na absorção por edema nefróticos com essas dietas é uma redução
de 30-40% no LDL colesterol. Muitos estudos,
de parede intestinal;
no entanto, não mostram benefício apreciável
• Ação reduzida dos diuréticos em decorrên-
com o tratamento dietético.
cia do comprometimento da função renal
(redução importante da taxa de filtração O uso rotineiro de drogas antilipemiantes é dis-
glomerular); cutível. Além disso, a duração prolongada do
tratamento e os efeitos colaterais, em geral fre-
• Baixa biodisponibilidade da furosemida,
quentes, restringem ainda mais o uso dessas
decorrente de hipoalbuminemia severa;
medicações. No entanto, em pacientes com
• Uso concomitante de drogas que reduzem alto risco cardiovascular, diante de dislipidemia
a ação do diuréticos em si (anti-inflamató- decorrente de síndrome nefrótica, recomen-
rios não esteroides, inibidores de ECA, blo- da-se o uso de inibidores da 3-hidroxi-3-metil-
queadores do receptor da angiotensina-II e glutaril-coenzima A redutase (estatinas; como,
outras drogas nefrotóxicas); por exemplo, lovastatina e pravostatina) e/ou

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 81

derivados do ácido fíbrico (fibratos; como, por • Medicamentos:


exemplo, gemfibrozila). • AINES;
• Antimicrobianos (ampicilina, rifampi-
TROMBOEMBOLISMO cina e cefalosporinas);
• Lítio;
Na maioria dos casos, não há indicações para o
• Penicilamina-D;
uso profilático de anticoagulantes. É importante
evitar imobilização prolongada. Em pacientes • Sulfassalazina;
que necessitam ficar acamados, recomenda-se o • Pamidronato e outros bisfosfonatos.
uso profilático de heparina em doses baixas ou • Infecções:
de outros anticoagulantes orais. Durante os epi- • Sífilis;
sódios de tromboembolismo, os anticoagulantes
• Tuberculose;
são empregados em doses convencionais.
• Micoplasma;
• Hepatite C;
INFECÇÕES
• Borreliose.
As infecções continuam sendo uma das princi- • Alergia/atopia;
pais causas de morbidade e mortalidade nos • Associação com outras doenças glo-
pacientes com síndrome nefrótica. Vacinações merulares (nefropatia por IgA, LES e
(antigripal e antipneumocócica), uso judicioso nefropatia por HIV).
de tratamentos imunossupressores e alto grau Uma combinação de síndrome nefrótica e insu-
de suspeição para o diagnóstico precoce de ficiência renal deve alertar o clínico para a pos-
infecções são os principais cuidados recomen- sibilidade de DLM induzida por fármacos AINES
dados para prevenir complicações relaciona- agravada por uma nefrite intersticial.
das a quadros infecciosos.

FISIOPATOLOGIA
DOENÇA DE LESÃO MÍNIMA Na DLM, existem evidências de que possa
(DLM) haver um distúrbio imunológico subjacente.
Isso é sugerido por vários fatos:
A DLM é a causa mais comum de síndrome
nefrótica em crianças, sendo responsável por a. excelente resposta clínica à terapia com
aproximadamente 90% dos casos de síndrome corticosteroides e agentes citotóxicos;
nefrótica em crianças pré-adolescentes, por b. associação frequente com linfoma de Hod-
aproximadamente 33% em crianças maiores e gkin em adultos e atopia em crianças;
aproximadamente 10% dos casos em adultos.
c. recidivas frequentes pós-infecções;
Em crianças, a condição afeta duas vezes mais
d. remissão pós-sarampo, por redução transitó-
meninos do que meninas, com pico de incidên-
ria da hipersensibilidade mediada por células;
cia aos 4 anos de idade. Em adultos, não há
predileção entre os sexos. e. alterações na função de linfócitos T. Mui-
tos fenômenos imunológicos são descritos,
Embora a maioria das formas de doença de mas é difícil decidir se eles são importantes
lesões mínimas seja idiopática, é preciso excluir na patogenia ou consequências do próprio
as causas secundárias. Veja abaixo: estado nefrótico.
• Causas secundárias de DLM: A biópsia renal na DLM mostra a ausência de
• Neoplasias (sobretudo linfoma de Hodgkin); alterações histológicas à microscopia ótica (daí

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82 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

o nome da doença), com imunofluorescência especialmente albumina), em comparação


negativa. A região túbulo-intersticial também com outras causas de síndrome nefrótica. Em
não costuma mostrar alterações, à exceção dos até 20-30% dos casos se observa hematúria
casos nos quais há sinais de necrose tubular. microscópica, enquanto a existência de hema-
Quando há sinais de fibrose túbulo-intersticial, túria macroscópica praticamente exclui o diag-
devemos considerar a possibilidade de GESF, nóstico de DLM. O consumo de complemento
uma vez que a lesão típica desta glomerulopatia sérico mostra-se normal.
é focal e pode não estar representada na bióp-
sia nas fases iniciais da doença. À microscopia
eletrônica, nota-se apagamento e fusão podo-
citária, alteração que não é patognomônica de
lesões mínimas (achado também pode estar
presente em glomérulos de pacientes com pro-
teinúria grave decorrente de outras causas).

Figura 2.15 – Edema bipalpebral em


uma criança com síndrome nefrótica

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Diferenciar sobretudo de outras causas de sín-
drome nefrótica:

Figura 2.14 – Achados à biópsia renal na doença de lesão mínima Glomeruloesclerose segmentar focal;
A) Microscopia óptica, que se mostra pouco elucidativa na doença de
lesão mínima; B) Microscopia eletrônica revelando lesão podocitária,
evidenciada por apagamento completo do pedicelo ou podócitos.
Nefropatia membranosa;
Nefropatia diabética;
QUADRO CLÍNICO Amiloidose.
A DLM geralmente se manifesta com uma sín-
drome nefrótica franca, com aparecimento EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
súbito de edema, que pode ser maciço (ana-
sarca). Pode haver complicações infecciosas O tratamento inicial da doença de lesões míni-
(principalmente pneumonias e peritonites) e mas é sempre feito com corticosteroides sis-
trombóticas. A hipertensão arterial também têmicos, com uma taxa de resposta de 75%
não é habitual, mas pode estar presente em nas primeiras duas semanas, 80 a 85% em até
até 30% dos casos, principalmente em adul- quatro semanas e 90% até a oitava semana. As
tos jovens. Não é rara a ocorrência de necrose doses recomendadas de corticosteroides são:
tubular aguda em pacientes portadores de • Crianças: prednisona 60 mg/m2 (dose
DLM, em decorrência da hipovolemia que máxima: 60 mg/dia); duração pode variar
alguns pacientes com hipoalbuminemia mais conforme velocidade de resolução da pro-
grave apresentam. teinúria;
Lembre-se de que a proteinúria na DLM é • Adultos: prednisona 1 mg/kg (dose
mais seletiva (i. e., proteinúria deve-se princi- máxima: 80 mg/dia); manter em média por
palmente a pequenas proteínas plasmáticas, 12-16 semanas.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 83

A corticoterapia deve ser mantida, em geral, nefrótica que pode ser idiopática ou secun-
por quatro semanas após a remissão da pro- dária a várias outras doenças. Trata-se de
teinúria, quando se deve iniciar redução das uma doença predominantemente de adul-
doses em uso: passar de terapia diária – tera- tos jovens, sendo a principal causa de sín-
pia em dias alternados e/ou redução progres- drome nefrótica em adultos, responsável
siva da dose diária, completando um período por cerca de 35% dos casos.
total de 2 a 4 meses de tratamento.
A GESF mostra-se mais comum em negros,
Alguns cuidados devem ser tomados após o sendo quatro vezes mais frequente neste
início da corticoterapia, que incluem o controle grupo em comparação a brancos e asiáticos.
da pressão arterial, orientação dietética para Em 10 a 30% dos pacientes, nota-se apenas
evitar ganho de peso, controle de glicemia e a presença de proteinúria não nefrótica,
identificação de eventuais parasitoses intesti- associada ou não à perda de função renal e
nais (há vários relatos sobretudo de estrongi- hipertensão. A remissão espontânea é rara e
loidíase disseminada após introdução de corti- pode haver perda definitiva de função renal
coterapia sistêmica em altas doses). em 30 a 55% dos casos após 10 anos.

Recidivas são frequentes após descontinuação De modo semelhante a outras glomerulopa-


dos glicocorticoides, ocorrendo em mais de tias, a GESF pode ocorrer tanto de forma primá-
50% dos casos. Os episódios de recidiva não ria (idiopática) como secundária. Veja abaixo:
costumam ser graves e podem ser tratados • GESF primária ou idiopática:
com um novo curso de corticoterapia.
• Diagnóstico de exclusão;
As crianças com um diagnóstico clínico de • Cursa tipicamente com síndrome
DLM que não respondem adequadamente nefrótica.
ao tratamento corticoterápico devem ser
• GESF secundária:
avaliadas quanto à realização de biópsia
renal para esclarecimento da etiologia. • Cursa com proteinúria não nefrótica e,
Mesmo nos pacientes que foram submetidos à geralmente, algum grau de disfunção
biópsia renal inicial, o diagnóstico de DLM após renal.
a mesma poderia justificar a repetição de nova • Etiologias:
biópsia renal, caso o curso clínico seja atípico • Nefropatia de refluxo;
para esta glomerulopatia. • Obesidade mórbida;
Por outro lado, deve se salientar que em cerca • Nefropatia diabética;
de 10-15% dos casos observa-se ausência de res- • Anemia falciforme;
posta da DLM aos corticosteroides, o que requer
• Doença cardíaca congênita;
uso de outras terapias, sendo as mais utilizadas:
• Deficiência de G6PD;
• Crianças: levamisole, micofenolato mofetil e
• Uso de heroína;
ciclosporina;
• Medicamentos (interferon, bisfosfo-
• Adultos: ciclofosfamida, ciclosporina, tacro-
natos, lítio, antracíclicos etc.);
limus e rituximabe.
• Infecções (HIV, CMV, parvovírus B19,
EBV e hepatite C).
GLOMERULOESCLEROSE
SEGMENTAR FOCAL (GESF) CAUSAS GENÉTICAS
A GESF representa uma forma de glo- Início na infância ou adolescência de pro-
merulonefrite associada com síndrome teinúria nefrótica.

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84 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

FISIOPATOLOGIA • Celular.

A patogênese da GESF provavelmente é multi-


fatorial. Os possíveis mecanismos incluem um
fator de permeabilidade circulante mediado
por células T, níveis aumentados do receptor
de uroquinase solúvel, proliferação celular e
síntese da matriz mediadas por TGF-β, bem
como anormalidades dos podócitos associa-
das à mutações genéticas. Os polimorfismos
de risco no locus APOL1 que codifica a expres-
são da apolipoproteína L1 nos podócitos expli-
cam substancialmente a presença aumentada
da GESF entre afro-americanos com ou sem Figura 2.17 – Microscopia óptica de biópsia renal de paciente com gesf
Observa-se aumento segmentar bem definido na matriz e obliteração
doença associada ao HIV. das alças capilares, condição sine qua non para esclerose segmentar.

Resumindo-se, na GESF primária, acredita-se


que fatores circulatórios costumam ser os res- QUADRO CLÍNICO
ponsáveis pela lesão glomerular. Já na GESF
Na GESF primária ou idiopática, observa-se tipi-
secundária, a mesma decorre de uma resposta
camente um início agudo de síndrome nefrótica
adaptativa à hipertrofia e hiperfiltração glo-
(proteinúria de 24h > 3,5 gramas, edema peri-
merular após redução de massa renal (padrão
férico, hipoalbuminemia, dislipidemia, fenôme-
inespecífico de lesão glomerular).
nos tromboembólicos e aumento da susceptibi-
lidade à infecções). Hematúria é observada em
BIÓPSIA RENAL 50% dos pacientes, com HAS ocorrendo em 20%
dos pacientes. Disfunção renal aguda é identifi-
A biópsia renal de pacientes com GESF revela cada em 25-50% dos pacientes.
a presença de lesões escleróticas focais (não
acometem todos os glomérulos) e segmen- NA GESF secundária, observa-se um quadro
tares (não acometem todo o glomérulo) de proteinúria progressiva (geralmente subne-
(Figura 2.16). A imunofluorescência revela frótica; níveis séricos de albumina podem ser
caracteristicamente a presença de C3 e IgM, normais). Isso explica porque alguns pacientes
possivelmente em decorrência de trapping, com a forma secundária podem não apresen-
inespecífico. A microscopia eletrônica revela tar edema periférico. Paralelamente à progres-
alterações podocitárias muito semelhantes são da proteinúria, a função renal também
tende a evoluir com piora progressiva.
àquelas encontradas na doença de lesões
mínimas. As seguintes variantes histopatoló- Uma variante especialmente maligna de GESF
gicas de GESF já foram relatadas: ocorre em pacientes com infecção pelo HIV
(Figura 2.18). Essa nefropatia associada ao
• GESF não especificada (antigamente GESF
HIV tem uma forte predileção por indivíduos
clássica);
negros (ver seção Nefropatia associada ao
• Variante colapsante (associada à infeção
HIV). Em geral, os esses pacientes apresen-
pelo HIV);
tam proteinúria maciça, comumente acima de
• Lesão epitelial em ponta glomerular 10 g/dia, e a maioria dos pacientes apresenta
(“Tip”); insuficiência renal em estágio final, dentro de
• Perihilar; um ano.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 85

• 2 mg/kg em dias alternados - dose


máxima: 150 mg a cada 2 dias;
• Duração do tratamento: incerta (pelo
menos 6 meses de corticoterapia).
• Inibidores de calcineurina neural:
• Ciclosporina: 2-4 mg/kg/dia (dividido em
duas doses) ou 75-100 mg 2x/dia;
• Tacrolimus: 0,1 mg/kg/dia (dividido em
duas doses) ou 2-4 mg 2x/dia.
• Outras opções:
• Micofenolato mofetil;
FIGURA 2.18 – BIÓPSIA RENAL DE PACIENTE COM GLOMERULOPATIA
COLAPSANTE Observa-se colapso segmentar das alças capilares glo- • Rituximabe.
merulares e hiperplasia do podócito sobrejacente. Essa lesão pode ser
idiopática ou associada à infecção pelo HIV e tem um prognóstico par- Na GESF secundária, é essencial tratar a
ticularmente sombrio
doença de base subjacente, o que inclui como
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
exemplos:
Diferenciar sobretudo de outras causas de sín-
drome nefrótica: • Remoção de fármacos ou medicamentos
associados;
• Doença de lesão mínima;
• Infecção por HIV: terapia antirretroviral;
• GN membranosa;
• Obesidade mórbida: perda de peso.
• Nefropatia diabética;
Os inibidores de ECA ou bloqueadores do
• Amiloidose.
receptor de angiotensina-II também são roti-
neiramente utilizados em pacientes com GESF
EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
secundária.
Na GESF primária, remissões espontâneas são
raras, ocorrendo em < 5% dos pacientes.
GLOMERULOPATIA
Medidas gerais recomendadas em pacientes MEMBRANOSA
com GESF primária incluem uso de inibidores
de ECA ou bloqueadores do receptor de angio- A glomerulonefrite membranosa (GNM), ou
tensina-II devido a sua ação anti-proteinúrica. nefropatia membranosa, como é denominada
Hipolipemiantes (estatinas) estão recomen- ocasionalmente, é responsável por cerca de
dados para o tratamento da dislipidemia, 30% dos casos de síndrome nefrótica em adul-
enquanto anticoagulantes estão indicados em tos, com um pico de incidência máxima entre
os 30 e 50 anos de idade e uma razão entre
pacientes selecionados (que evoluíram com
homens e mulheres de 2:1. É rara na infân-
fenômenos tromboembólicos).
cia e constitui a causa mais comum de sín-
A terapia imunossupressora em pacientes com drome nefrótica nos idosos.
GESF primária é comumente utilizada, com a
Pode ocorrer tanto como glomerulonefrite pri-
maioria da evidência favorecendo os seguintes
mária como secundária. A forma idiopática é
tratamentos:
mais comum em pessoas com mais de 40 anos
• Corticoterapia sistêmica: de idade. Em cerca de 25% dos casos, a GNM
• Prednisona: 1 mg/kg/dia - dose máxima: está associada a uma condição subjacente,
60-80 mg; ou como descrito abaixo:

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86 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

• GNM primária: do tipo M (PLA2R). Outras doenças renais e a


• 75% dos casos. nefropatia membranosa secundária não pare-
• GNM secundária: cem envolver esses autoanticorpos, e seus níveis
foram correlacionados com a gravidade da GNM.
• Neoplasias malignas:
• Mama; A patogenia da GNM associada à doença sis-
têmica dependerá da doença subjacente. Inde-
• Pulmão;
pendentemente da doença sistêmica relacio-
• Cólon.
nada, ocorre ativação do complemento com
• Infecções: formação de complexo de ataque à membrana
• Hepatites B e C; (MAC), que parece ser essencial no desenvolvi-
• Sífilis; mento da proteinúria.
• Esquistossomose;
• HIV. BIÓPSIA RENAL
• LES (nefrite lúpica, classe V);
Os achados histopatológicos na GNM podem
• Outras doenças autoimunes; ser descritos em diferentes estágios con-
• Drogas: forme ocorre progressão da doença (Tabela
• AINES; 2.18). No estágio I, os achados consistem
• Penicilamina; inicialmente de deposição de imunocom-
• Sais de ouro; plexos subepiteliais, melhor visualizados à
microscopia eletrônica, com microscopia
• Terapia anti-TNF.
óptica praticamente normal. No segundo
• Tireoidite;
estágio, notam-se espículas e espessamento
• Sarcoidose; da membrana basal (daí o nome da doença),
• Transplante de células hematopoéticas/ facilmente visualizáveis à microscopia óptica.
doença do enxerto versus hospedeiro. Conforme há agravamento da lesão em
membrana basal e intensificação dos depó-
FISIOPATOLOGIA sitos epiteliais, nota-se o estágio III da lesão
histológica, caracterizado por espessamento
O fato de a doença ser desencadeada por
exuberante da membrana basal, gerando o
diversas infecções virais e por algumas drogas,
aspecto “em trilho de trem”. Os achados de
assim como a presença de imunocomplexos na
imunofluorescência são variáveis, a depen-
biópsia, sugerem que a doença seja de natu-
der da etiologia da nefrite. Assim, a forma
reza imunológica.
idiopática cursa com depósitos de IgG e C3.
Aproximadamente 70% dos pacientes com A presença de imunoflourescência mais rica,
GNM idiopática apresentam antígeno HLA com depósitos de IgA e IgM, além de IgG e
classe II DR3. Como a porcentagem de pessoas C3, sugere o diagnóstico de glomerulonefrite
normais com essa classe de antígenos é de membranosa lúpica.
aproximadamente 20%, o risco relativo de tais
pacientes desenvolverem GNM é de 12 vezes. Em resumo, os principais achados da GNM são:

As lesões glomerulares resultam da formação in • Espessamento difuso da MBG com proje-


situ de imunocomplexos contra antígenos endó- ções subepiteliais (spikes), circundado por
genos expressos nos processos podocitários da depósitos imunes;
membrana basal glomerular (MBG); antígeno • Depósito subepiteliais de IgG e C3 (imuno-
mais frequente é o receptor de fosfolipase A2 fluorescência).

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 87

Estágio I

Espassamento irregular da MB por depósitos


subepiteliais, spikes raros. Sem metodologia
especial, pode ser difícil excluir alterações glo-
merulares mínimas. Sob os pontos de vista
clínico e laboratoriais: síndrome nefrótica ou
proteinúria. Função renal normal.

Estágio II

Espessamento irregular de MB por depósito


subepitelial maiores e unifomemente distribui-
dos. Spikes evidentes. Pela imunefluorescência,
depósitos subepiteliais e raros mesangiais. Sob
os pontos de vista clínico laboratorial, predo-
mina a sindrome nefrótica. Função renal nor-
mal ou levemente reduzida.

Estágio III

Depósitos grandes, irregulares e separados


por spikes. É o estágio mais encontrado em
biópsias renais. Sob os pontos de vista clínico e
laboratorial, quase sempre há sindrome nefró-
tica e insuficiência renal.

Estágio Figura 2.19 – Biópsia renal de paciente


com glomerulopatia membranosa
A glomerulopatia membranosa é causada por depósitos subepite-
Reabsorcão dos depósitos pela MB e fusão dos liais, com consequente reação da membrana basal, que resulta no
surgimento de projeções semelhantes a espículas na coloração pela
spikes. Área rarefeita no interior da MB. Sob os prata (A). Os depósitos são diretamente visualizados por anti-IgG flu-
orescente, revelando coloração de alça capilar granulosa difusa (B).
pontos de vista clínico e laboratorial há hiper- À microscopia eletrônica, a localização subepitelial dos depósitos e a
tensão, sindrome nefrótica e insuficiência renal. reação precoce da membrana basal circundante é evidente, com apaga-
mento do pedicelo subjacente (C).

QUADRO CLÍNICO
Dos pacientes com GNM, 80% se apresentam com síndrome nefrótica e proteinúria não seletiva, com
20% dos pacientes apresentando-se com proteinúria assintomática. Ocorre hematúria microscópica,
porém com menos frequência do que na nefropatia por IgA ou na GESF.
Remissões espontâneas acontecem em 20 a 33% dos pacientes, as quais costumam ser observa-
das tardiamente na evolução de vários anos de síndrome nefrótica, tornando difícil a tomada de
decisões quanto ao tratamento.
Cerca de 33% dos pacientes continuam tendo a síndrome nefrótica recorrente, mas preservam
uma função renal normal, e aproximadamente outros 33% dos pacientes desenvolvem insufici-
ência renal ou morrem das complicações da síndrome nefrótica. Sexo masculino, idade avançada,
hipertensão e a persistência da proteinúria estão associados a um pior prognóstico. As com-
plicações trombóticas representam uma característica de todas as síndromes nefróticas,
porém a GNM exibe as mais altas incidências relatadas de trombose da veia renal, embolia
pulmonar e trombose venosa profunda.

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88 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

PARTICULARIDADES NA com proteinúria acentuada ou prolongada na


INVESTIGAÇÃO DE PACIENTES ausência de fatores de risco para sangramento.

COM GLOMERULONEFRITE Na GNM, para melhor definição do tratamento


MEMBRANOSA específico, recomenda-se estratificação do
risco de progressão. Os principais parâmetros
A pesquisa do anticorpo anti-PLA2R pode ser utilizados nessa avaliação prognóstica são: fun-
realizada nesta glomerulopatia, sendo detec- ção renal, grau de proteinúria e títulos do anti-
tado entre 70 a 89% de portadores da GNM idio- corpo anti-PLA2R (quando positivo). Com base
pática, diferenciando das formas secundárias. nesses parâmetros, os pacientes são classifi-
De modo geral, qualquer caso de síndrome cados em risco baixo, moderado, alto e muito
nefrótica em pacientes adultos, como já men- alto. De modo geral, recomenda-se:
cionado, requer a realização de biópsia renal.
• Risco baixo/moderado:
Entretanto, em pacientes com síndrome
• Observação clínica por 3-6 meses;
nefrótica com características típicas + anti-
corpo anti-PLA2R positivo + função renal • Se proteinúria progressiva ou persis-
normal + sem evidência clínica de causas tente: iniciar tratamento imunossupres-
secundárias, diversos experts não indicam a sor (ver abaixo);
necessidade de realização de biopsia renal. • Risco alto/muito alto:
Por outro lado, em casos de síndrome nefró-
• Iniciar tratamento imunossupressor:
tica com características atípicas e/ou função
renal anormal e/ou suspeita clínica de causas • Rituximabe - primeira opção;
secundárias, deve-se proceder com biópsia • Ciclosporina ou tacrolimus;
renal (independentemente de positividade • Glicocorticoides + ciclofosfamida.
para anticorpo anti-PLA2R). Naturalmente,
em pacientes adultos com síndromenefró-
tica e anticorpo anti-PLA2R negativo, a bióp- SÍNDROME NEFRÓTICA
sia renal também está indicada.
SECUNDÁRIA À DOENÇAS
SISTÊMICAS COMUNS
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Diferenciar sobretudo de outras causas de sín- NEFROPATIA DIABÉTICA
drome nefrótica:

• Doença de lesão mínima; A nefropatia diabética é a causa isolada mais


comum de insuficiência renal crônica nos EUA,
• GESF;
sendo responsável por 45% dos pacientes que
• Nefropatia diabética;
recebem terapia de substituição renal, além de
• Amiloidose. ser um problema que está crescendo rapida-
mente em todo o mundo. O aumento dramá-
EVOLUÇÃO E TRATAMENTO tico do número de pacientes com nefropatia
diabética reflete o aumento epidêmico na obe-
Além do tratamento do edema, da dislipidemia
sidade, na síndrome metabólica e no diabetes
e da hipertensão, recomenda-se o uso de inibi-
melito tipo 2. Cerca de 40% dos pacientes com
dores de ECA ou bloqueadores de angiotensi-
diabetes tipos 1 ou 2 desenvolvem nefropatia,
na-II (ação anti-proteinúrica). mas em função da prevalência mais alta do dia-
A anticoagulação profilática é controversa, betes tipo 2 (90%) em comparação com o tipo 1
porém foi recomendada para os pacientes (10%), a maioria dos pacientes com nefropatia

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 89

diabética sofre de doença tipo 2. As lesões de evidências apoiam um papel importante do


renais são mais comuns nas populações afro- aumento da pressão nos capilares glomerulares
-americanas, americanas nativas, polinésias e (hipertensão intraglomerular) nas alterações da
maori. Os fatores de risco para o desenvolvi- função e estrutura renais. Os efeitos diretos da
mento de nefropatia diabética incluem hiper- hiperglicemia sobre o citoesqueleto de actina das
glicemia, hipertensão, dislipidemia, tabagismo, células musculares lisas mesangiais e vasculares
história familiar de nefropatia diabética e poli- do rim, assim como às mudanças associadas ao
morfismos gênicos que afetam a atividade do diabetes nos fatores circulantes, como o fator
natriurético atrial, a angiotensina-II e o fator de
eixo renina-angiotensina-aldosterona.
crescimento semelhante à insulina (IGF), podem
ser responsáveis por isso. A hipertensão glo-
FISIOPATOLOGIA merular persistente induz maior produção da
matriz, alterações na MBG com ruptura da bar-
Dentro de 1 a 2 anos após o início do diabetes
reira de filtração (e, consequentemente, proteinú-
clínico, surgem alterações morfológicas no
ria) e glomerulosclerose. Foram também identi-
rim. O espessamento da MBG é um indicador
ficados diversos fatores que alteram a produção
sensível da presença de diabetes, mas se corre-
da matriz, incluindo o acúmulo de produtos finais
laciona de maneira precária com a presença ou
da glicosilação avançada, fatores circulantes que
ausência de uma nefropatia clinicamente signifi- incluem o hormônio do crescimento, IGF-I, angio-
cativa. A composição da MBG é particularmente tensina II, fator de crescimento do tecido conec-
alterada com a perda dos componentes do sul- tivo, TGF-β e dislipidemia.
fato de heparan que formam a barreira de fil-
tração carregada negativamente. Essa mudança
resulta em maior filtração das proteínas séricas
que irão penetrar na urina, representadas pre-
dominantemente pela albumina com carga nega-
tiva. A expansão do mesângio devido ao acúmulo
de matriz extracelular correlaciona-se com as
manifestações clínicas da nefropatia diabética.
Essa expansão na matriz mesangial está asso-
ciada ao desenvolvimento de esclerose mesan-
gial. Alguns pacientes também desenvolvem
nódulos eosinofílicos PAS+, designados como
glomerulosclerose nodular ou nódulos de Figura 2.20– Nefropatia diabética
Observa-se expansão mesangial nodular, chamada de nódulos de Kim-
Kimmelstiel-Wilson (Figura 2.19). A microscopia melstiel-=Wilson, com aumento da matriz mesangial e da celularidade,
formação de microaneurisma no glomérulo à esquerda e membranas
por imunofluorescência revela com frequência a basais glomerulares proeminentes sem evidências de depósitos imu-
nes e hialinose arteriolar de ambas as arteríolas aferentes e eferentes.
deposição inespecífica de IgG (às vezes seguindo
um padrão linear) ou a coloração do comple-
mento sem depósitos imunes pela microscopia EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
eletrônica. Alterações vasculares proeminentes
A história natural de nefropatia diabética em
em geral são observadas com arteriosclerose
pacientes com diabetes tipos 1 e 2 é semelhante.
hialina e hipertensiva, a qual está associada a
Entretanto, como o início do diabetes tipo 1 é pron-
graus variáveis de glomerulosclerose crônica e
tamente identificável, o que não ocorre com o iní-
alterações túbulo-intersticiais. As biópsias renais
cio do diabetes tipo 2, um paciente recém-diag-
de pacientes com diabetes tipos 1 e 2 são essen- nosticado com diabetes tipo 2 pode apresentar
cialmente indistinguíveis. nefropatia diabética avançada. No início do dia-
Essas alterações patológicas são o resultado betes, observam-se hipertrofia renal e hiper-
de inúmeros fatores postulados. Muitas linhas filtração glomerular. O grau de hiperfiltração

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90 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

glomerular correlaciona-se com o risco sub- terminal. Após o aparecimento da insuficiência


sequente de nefropatia clinicamente signi- renal, porém, a sobrevida com diálise é muito
ficativa. Nos cerca de 40% dos pacientes com mais curta para os pacientes com diabetes em
diabetes que desenvolvem nefropatia diabética, comparação com outros pacientes dialisados.
a manifestação mais precoce é um aumento A sobrevida é melhor para pacientes com dia-
da albuminúria detectado por um teste de betes tipo 1 que recebem um transplante de
radioimunoensaio sensível. A albuminúria na doador vivo aparentado.
faixa de 30 a 300 mg/24 horas é denominada
microalbuminúria. A microalbuminúria apa- O tratamento da nefropatia diabética foi
rece 5 a 10 anos após o início do diabetes. Hoje, revolucionado pelo uso dos inibidores de
recomenda-se testar os pacientes com doença ECA e BRA, que são ambos empregados para
tipo 1 para microalbuminúria 5 anos após o diag- controlar a pressão arterial sistêmica, man-
nóstico de diabetes e anualmente daí em diante tendo-a abaixo de 130/80 mmHg. Além disso,
e, pelo fato de a época do início do diabetes tipo 2 também foi demonstrado que um controle
muitas vezes ser desconhecida, testar os pacien- glicêmico rigoroso (HbA1C  < 7%) e um trata-
tes tipo 2 por ocasião do diagnóstico de diabetes mento eficaz para dislipidemia com estati-
e anualmente daí em diante. nas são capazes de retardar a progressão da
Os pacientes com pequenas elevações na microalbuminúria para a macroalbuminúria e
albuminúria aumentam seus níveis de excre- nefropatia estabelecida.
ção urinária de albumina, alcançando níveis
positivos de proteinúria na fita reagente (> 300
NEFROPATIA ASSOCIADA AO
mg de albuminúria) 5 a 10 anos após o início da
albuminúria inicial. A microalbuminúria é um
HIV (NAHIV)
poderoso fator de risco para eventos cardiovas- A infecção pelo HIV pode causar várias lesões
culares e morte nos pacientes com diabetes tipo glomerulares distintas. A doença mais comum
2. Muitos pacientes com diabetes tipo 2 e microal- é a NAHIV, que se manifesta como síndrome
nefrótica e é causada por uma glomerulopatia
buminúria sucumbem a eventos cardiovasculares
colapsante. A NAHIV ocorre em casos avançados
antes de progredirem para proteinúria ou insufi-
de infecção por HIV/AIDS (CD4 < 200 células/µL)
ciência renal. A proteinúria na nefropatia dia-
e afeta de modo predominante indivíduos afro-
bética franca pode ser variável, oscilando de -americanos que apresentam variantes especí-
500 mg a 25 g/24 horas e está associada com ficas do gene codificador da cadeia pesada de
frequência a uma síndrome nefrótica. Mais de miosina 9 (MYH9). A infecção pelo HIV também
90% dos pacientes com diabetes tipo 1 e nefro- pode levar ao desenvolvimento da síndrome
patia sofrem de retinopatia diabética, razão pela hemolítica-urêmica e de púrpura trombocitopê-
qual a ausência de retinopatia nos pacientes tipo nica trombótica, nefropatia por IgA, glomerulo-
1 com proteinúria deve levar à consideração de nefrite proliferativa mesangial e GNMP.
um diagnóstico alternativo à nefropatia diabética; Deste modo, é recomendável que seja feito o
apenas 60% dos pacientes com diabetes tipo 2 e exame de biópsia renal para confirmação do
com nefropatia sofrem de retinopatia diabética. diagnóstico, em especial no caso de pacientes
com contagens de CD4 acima de 400 células/µL.
Após o início da proteinúria, a função renal
Na era da HAART, houve uma melhora da sobre-
declina inexoravelmente, com 50% dos pacien-
vida dos pacientes. A maioria dos pacientes
tes evoluindo para insuficiência renal no com NAHIV é iniciada na HAART em decorrên-
decorrer de outros 5 a 10 anos; assim sendo, cia da infecção pelo HIV em estágio avançado.
desde os estágios mais precoces de microalbu- Segundo alguns estudos de coortes, a HAART, a
minúria, em geral precisam passar de 10 a 20 inibição da ECA ou o uso de esteroides podem
anos para alcançar a doença renal em estágio melhorar ou prevenir a NAHIV. Entretanto, nos

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 91

estudos randomizados, nenhuma terapia foi seguido do exame de biópsia renal. O achado
capaz de retardar a progressão da NAHIV já histológico renal característico consiste
estabelecida; ademais, muitos pacientes evo- na detecção de material amorfo junto ao
luem rapidamente para DRET e diálise. mesângio glomerular e alças capilares. Nos
casos severos, a microscopia óptica permite
AMILOIDOSE observar nódulos de material amiloide seme-
lhantes à nefropatia diabética. Contudo, em
O termo “amiloidose” é utilizado para des- contraste com os nódulos corados com ácido
crever um grupo de doenças causadas pela periódico de Schiff (PAS) na nefropatia diabé-
deposição extracelular de fibrilas insolúveis tica, os nódulos associados à amiloidose são
junto aos tecidos. A doença renal constitui fracamente corados pelo PAS. Isto se deve à
uma complicação frequente da amiloidose e composição destes nódulos por fibrilas amiloi-
uma fonte importante de mortalidade para os des, em vez de proteínas de matriz. O corante
pacientes. A amiloidose renal não tratada pro- vermelho Congo é empregado para confirmar
gride frequentemente para insuficiência renal o diagnóstico, sendo que a birrefringência mui-
em estágio terminal. Foram descritas 25 prote- tas vezes pode ser observada junto aos glo-
ínas plasmáticas distintas na composição das mérulos, túbulos e vasculatura. A coloração à
fibrilas amiloides. Entretanto, a maioria dos imunofluorescência resulta negativa para IgG
casos de amiloidose renal resulta da depo- e complemento, porém é positiva para cadeias
sição de cadeias leves monoclonais amiloi- leves kappa ou lambda na amiloidose AL. Os
dogênicas (amiloidose AL) ou de amiloide A anticorpos anti-AA podem ser utilizados para
sérico (amiloidose AA secundária). corar depósitos amiloides e confirmar o diag-
A amiloidose AL pode ser um distúrbio primário nóstico de amiloidose AA. Por fim, a microsco-
ou secundário ao mieloma múltiplo. As formas pia eletrônica revela a presença de fibrilas não
familiares de amiloidose raramente afetam os ramificantes, medindo 8 a 10 nm de diâmetro,
rins. A amiloidose AL é produzida por um clone que infiltram o mesângio, a parede capilar glo-
de plasmócitos produtores de cadeias leves merular e a vasculatura renal.
anômalas, enquanto a amiloidose AA é atri-
buível à deposição do fragmento N-terminal AVALIAÇÃO CLÍNICA
do amiloide A sérico (AAS), que é induzida por
doenças inflamatórias crônicas, como artrite A suspeita diagnóstica de amiloidose deve ser
reumatoide, febre do Mediterrâneo familiar, levantada em pacientes apresentando proteinú-
enteropatia inflamatória e infecções crônicas. ria, que pode variar de subnefrótica a mais de
20 g/dia. Muitos pacientes exibem os aspectos
FISIOPATOLOGIA típicos da síndrome nefrótica com ou sem dis-
função renal. Os pacientes também podem apre-
Todas as formas de deposição amiloide são sentar síndrome de Fanconi ou diabetes insípido
positivamente marcadas com corante ver- nefrogênico atribuível aos depósitos tubulares
melho Congo, que produz uma birrefringên- de fibrilas amiloides. Os rins, que são infiltra-
cia em tom maçã-verde característica sob dos por proteínas amiloides, muitas vezes são
luz polarizada. A biópsia do coxim adiposo de tamanho aumentado ao serem vistos no
abdominal (menos invasiva do que a biópsia exame de ultrassonografia. A amiloidose renal
renal) é diagnóstica em 80 a 90% dos casos de pode ser a forma de manifestação da doença
pacientes com amiloidose AL e em 65 a 75% amiloide ou pode ocorrer em pacientes que apre-
dos casos de amiloidose AA; por isso, deve sentam evidências clínicas de deposição amiloide
ser realizada primeiro. Entretanto, um resul- em outros órgãos. Utilizando um ensaio especí-
tado negativo de exame de biópsia de coxim fico e sensível, é possível detectar níveis séricos
adiposo não exclui o diagnóstico e deve ser elevados de cadeias leves kappa ou lambda.

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92 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

EVOLUÇÃO E TRATAMENTO DOENÇAS POR DEPOSIÇÃO DE


CADEIAS LEVES
O prognóstico da amiloidose renal costuma
ser precário no caso de pacientes não trata- As características bioquímicas das cadeias
dos, a maioria dos quais progride para insu- leves nefrotóxicas produzidas em pacientes
ficiência renal dentro de 1 a 2 anos.  O con- com neoplasias malignas por cadeias leves
trole das complicações da síndrome nefrótica, frequentemente conferem um padrão espe-
como edema e sobrecarga de volume, pode cífico de lesão renal: o da nefropatia de cilin-
ser uma tarefa desafiadora, uma vez que mui- dros, que causa insuficiência renal sem pro-
tos pacientes com amiloidose renal também teinúria maciça; ou amiloidose, ou doença
apresentam doença cardíaca e doença do sis- de depósitos de cadeias leves, que produz
tema nervoso autônomo. síndrome nefrótica com insuficiência renal.
Esses últimos pacientes produzem cadeias
A meta da terapia da amiloidose AL consiste em
leves kappa que não possuem as característi-
erradicar o clone de plasmócitos produtores
cas bioquímicas necessárias para a formação
de cadeia leve amiloidogênica, por meio da uti-
de fibrilas amiloides. Pelo contrário, eles rea-
lização de altas doses de agentes quimioterá-
lizam a autoagregação e formam depósitos
picos e transplante autólogo da medula óssea.
granulosos ao longo do capilar glomerular e
O tratamento deve ser realizado em um centro
do mesângio, da membrana basal tubular e
especializado, por uma equipe multidisciplinar
da cápsula de Bowman.
de nefrologistas, oncologistas e cardiologis-
tas. Os regimes menos tóxicos, como a com- Quando é predominante nos glomérulos, insta-
binação de melfalano a altas doses de dexa- la-se a síndrome nefrótica, e cerca de 70% dos
metasona,  bortezomibe ou lenalidomida, são pacientes progridem para diálise. Os depósitos
utilizados em casos de pacientes com doença de cadeias leves não são fibrilares e não são
cardíaca severa, que não apresentam boa tole- corados pelo vermelho Congo, porém são facil-
rância ao transplante de células-tronco. A abor- mente identificados com o anticorpo antica-
dagem da amiloidose AA consiste em erradicar deias leves utilizando imunofluorescência, ou
a fonte de inflamação crônica, sempre que como depósitos granulosos pela microscopia
possível. Entretanto, há relatos de resultados eletrônica. Uma combinação de rearranjo das
promissores obtidos com o uso de eprodisato, cadeias leves, das propriedades de autoagre-
um análogo de glicosaminoglicana projetado gação em Ph neutro e do metabolismo anor-
para inibidor a deposição amiloide AA. mal contribui provavelmente para a deposição.
O tratamento da doença por deposição de
cadeias leves consiste no tratamento da
DOENÇAS POR DEPOSIÇÃO
doença primária e, se possível, em transplante
GLOMERULAR de células-tronco autólogas.
As discrasias de plasmócitos que produzem
um excesso de imunoglobulina de cadeias
leves às vezes resultam na formação de depó-
AMILOIDOSE RENAL
sitos glomerulares e tubulares que causam A maioria dos casos de amiloidose renal repre-
proteinúria maciça e insuficiência renal; o senta o resultado de depósitos fibrilares primá-
mesmo é válido para o acúmulo de fragmen- rios de cadeias leves de imunoglobulina conhe-
tos proteicos séricos de amiloide A observado cidas como amiloide L (AL), ou são secundários
em várias doenças inflamatórias. Esse grande aos depósitos fibrilares dos fragmentos protei-
grupo de pacientes proteinúricos sofre de cos séricos de amiloide A (AA). A amiloidose foi
doença por deposição glomerular. discutida com mais detalhes na seção anterior.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 93

GLOMERULOPATIA FIBRILAR a doença de Fabry manifesta-se na infância em


meninos com acroparestesias, angioceratoma e
IMUNOTACTOIDE hipoidrose. Com o decorrer do tempo, os pacien-
A glomerulopatia fibrilar imunotactoide é uma tes de sexo masculino desenvolvem miocar-
doença morfologicamente definida de ocor- diopatia, doença cerebrovascular e lesão renal,
rência rara (< 1% das biópsias renais), caracte- ocorrendo a morte em uma idade média de 50
rizada pelo acúmulo glomerular de fibrilas não anos. Os hemizigotos com mutações hipomórfi-
ramificadas de disposição aleatória. Alguns cas às vezes se apresentam entre a quarta e a
classificam todas as doenças renais associadas sexta décadas com acometimento de um único
à fibrilas amiloides e não amiloides como glo- órgão. Raramente, mutações dominantes nega-
merulopatias fibrilares, sendo a glomerulopatia tivas de α-galactosidase A ou os heterozigotos
imunotactoide reservada para a doença fibri- femininos com inativação X desfavorável se
lar não amiloide não associada a uma doença apresentam com um leve acometimento de um
sistêmica. Outros definem a glomerulonefrite único órgão. As raras pacientes do sexo feminino
fibrilar como uma doença fibrilar não amiloide desenvolvem manifestações graves, incluindo
com fibrilas de 12 a 24 nm e a glomerulonefrite insuficiência renal, porém isso ocorre em uma
imunotactoide com fibrilas >30 nm. fase mais avançada da vida do que nos homens.
Em ambos os casos, os depósitos fibrilares/ O exame de urina pode revelar corpúsculos
microtubulares das imunoglobulinas oligoclonais adiposos ovais e glóbulos de glicolipídeos bir-
ou oligotípicas e do complemento aparecem no refringentes sob luz polarizada (cruz-de-malta).
mesângio e ao longo da parede dos capilares glo- A biópsia renal revela células epiteliais viscerais
merulares. As colorações vermelho Congo são glomerulares aumentadas de volume e acondi-
negativas. A causa dessa glomerulopatia “não cionadas com pequenos vacúolos claros que con-
amiloide” é, em grande parte, idiopática; os rela- têm globotriaosilceramida; os vacúolos também
tos de glomerulonefrite imunotactoide descre- podem ser encontrados nos epitélios parietal e
vem uma associação ocasional com leucemia lin- tubular. Esses vacúolos de materiais eletroden-
focítica crônica ou linfoma de células B. sos em fileiras paralelas (corpos em zebra) são
Ambos os distúrbios aparecem em adultos na facilmente visualizados pela microscopia eletrô-
quarta década com proteinúria moderada a nica. Finalmente, a biópsia renal revela GESF. A
maciça, hematúria e uma ampla variedade de nefropatia da doença de Fabry se manifesta na
lesões histológicas, incluindo GNPD, GNMP, terceira década como uma proteinúria de leve a
GNM ou glomerulonefrite mesangioprolifera- moderada, às vezes com hematúria microscópica
tiva. Quase 50% dos pacientes desenvolvem ou síndrome nefrótica. A biópsia renal é indispen-
insuficiência renal no transcorrer de poucos sável para fazer o diagnóstico definitivo.
anos. Não existe consenso quanto ao trata- A progressão para insuficiência renal ocorre por
mento desse distúrbio incomum. Foi relatada volta da quarta ou quinta décadas. Recomen-
a ocorrência de recidiva da doença após trans- da-se o tratamento com inibidores do sistema
plante renal em uma minoria de casos. renina-angiotensina. O tratamento com α-galac-
tosidase A recombinante elimina os depósitos
endoteliais microvasculares de globotriaosilcera-
DOENÇA DE FABRY mida existentes nos rins, no coração e na pele.
A doença de Fabry é um erro inato ligado ao X do Nos pacientes com comprometimento orgânico
metabolismo da globotriaosilceramida secundá- avançado, ocorre progressão da doença apesar
rio a uma atividade deficiente de α-galactosidase da terapia de reposição enzimática. As respostas
A lisossomal, resultando em armazenamento variáveis à terapia enzimática podem ser devidas
intracelular excessivo de globotriaosilceramida. à ocorrência de anticorpos neutralizantes ou à
Os órgãos afetados incluem o endotélio vascu- diferenças na captação da enzima. A sobrevida
lar, o coração, o cérebro e os rins. Classicamente, do enxerto e do paciente após transplante renal

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94 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

em pacientes com doença de Fabry assemelha- SÍNDROME DE ALPORT


-se àquela de outras causas de doença renal em
Classicamente, os pacientes com síndrome de
estágio terminal.
Alport desenvolvem hematúria, adelgaçamento
e clivagem das MBG, proteinúria leve (< 1 a 2 g/24
SÍNDROMES DA MEMBRANA horas), que aparece tardiamente na evolução,
seguida de glomerulosclerose crônica, resultando
BASAL
em insuficiência renal associada com surdez sen-
Todos os epitélios renais, incluindo os podóci- sorineural. Alguns pacientes desenvolvem len-
tos, estão apoiados sobre membranas basais ticone da cápsula anterior da lente, retinopatia
produzidas em uma superfície plana por meio em “pontilhado e manchas” e, raras vezes, defi-
do entrelaçamento do colágeno IV com lamini- ciência intelectual ou leiomiomatose. Cerca de
nas, nidogênio e proteoglicanas sulfatadas. As 85% dos pacientes com síndrome de Alport têm
anormalidades estruturais nas MBG associadas uma herança ligada ao X de mutações na cadeia
à hematúria são características de vários distúr- do colágeno α5(IV) no cromossomo Xq22-24. As
bios familiares relacionados com a expressão dos mulheres portadoras possuem penetrância vari-
genes para o colágeno IV. A enorme família do ável, que depende do tipo de mutação ou do grau
colágeno IV contém seis cadeias, que se expres- de mosaicismo criado pela inativação do X. Cerca
sam em diferentes tecidos em diferentes está- de 15% dos pacientes sofrem de doença autos-
gios do desenvolvimento embrionário. Todas as sômica recessiva das cadeias α3(IV) ou α4(IV)
membranas basais epiteliais no início do desen- no cromossomo 2q35-37. Raramente, algumas
volvimento humano são formadas por protô- famílias exibem uma herança autossômica domi-
meros interligados por hélices tríplices ricos em nante de mutações dominantes negativas nas
colágeno α1.α1.α2(IV). Alguns tecidos especializa- cadeias α3(IV) ou α4(IV).
dos sofrem um desvio no desenvolvimento que As linhagens com a síndrome ligada ao X são
irá substituir os protômeros α1.α1.α2(IV) por uma bastante variáveis em seu ritmo e frequência de
rede de colágeno α3.α4.α5(IV); esse desvio ocorre dano tecidual que evolui para falência orgânica.
no rim (membrana basal glomerular e tubular), Cerca de 70% dos pacientes apresentam a forma
pulmão, testículo, cóclea e olho, enquanto uma juvenil com mutações nonsense e missense e de
rede α5.α5.α6(IV) aparece na pele, no músculo sentido incorreto, mudanças na fase de leitura ou
liso e no esôfago, assim como ao longo da cápsula grandes deleções e, em geral, desenvolvem insu-
de Bowman no rim. Tal desvio ocorre provavel- ficiência renal e surdez sensorineural por volta
mente porque a rede α3.α4.α5(IV) é mais resis- dos 30 anos de idade. Os pacientes com varian-
tente às proteases e garante a longevidade estru- tes de junção, saltos de éxons ou mutações mis-
tural dos tecidos críticos. Quando as membranas sense das glicinas α-helicoidais em geral sofrem
basais constituem o alvo de doença glomerular, deterioração após os 30 anos de idade (forma
elas produzem proteinúria moderada, alguma adulta), com surdez leve ou tardia. A surdez grave
hematúria e insuficiência renal progressiva. precoce, o lenticone ou a proteinúria sugerem um
prognóstico mais reservado. Em geral, os indiví-
duos do sexo feminino de linhagens ligadas ao
DOENÇA ANTI-MBG X apresentam apenas micro-hematúria, porém
A doença autoimune na qual anticorpos são foi relatado que até 25% dos portadores do sexo
dirigidos contra o domínio α3 NC1 do colágeno feminino têm manifestações renais mais graves.
IV produz uma doença anti-MBG associada As linhagens com a forma autossômica recessiva
frequentemente à GNRP e/ou uma síndrome da doença exibem doença inicial grave em indiví-
pulmonar renal denominada síndrome de Goo- duos de ambos os sexos com pais assintomáticos.
dpasture, já discutida na seção de glomerulone- A avaliação clínica deve incluir um cuidadoso
frites associadas à síndrome nefrítica. exame oftalmológico e testes audiométricos.

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NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES; 95

Entretanto, a ausência de sintomas extra- aloenxertos renais desenvolvam geralmente


-renais não afasta o diagnóstico. Devido à anticorpos anti-MBG dirigidos para os epíto-
expressão do colágeno α5(IV) na pele, alguns pos de colágeno ausentes em seu rim nativo, a
pacientes com síndrome de Alport ligada ao X síndrome de Goodpasture manifesta é rara, e
podem ser diagnosticados por meio de biópsia a sobrevida do enxerto é boa.
de pele, a qual revela a ausência da cadeia de
colágeno α5(IV) na análise com imunofluores-
cência. Pacientes com mutações em α3(IV) ou DOENÇA DA MEMBRANA
α4(IV) exigem biópsia renal. Pode-se efetuar BASAL FINA
um teste genético para o diagnóstico de sín-
drome de Alport e a demonstração do modo A doença da membrana basal fina (DMBF), carac-
de herança. No início da doença, os pacien- terizada por hematúria persistente ou recor-
tes costumam ter membranas basais finas na rente, em geral não está associada à proteinúria,
biópsia renal, que se tornam espessas com o hipertensão ou perda da função renal ou doença
passar do tempo e se transformam em multila- extrarrenal. Embora nem todos os casos sejam
melações que circundam áreas transparentes familiares (talvez um efeito fundador), ela cos-
que, com frequência, contêm grânulos de den- tuma se manifestar na infância em vários mem-
sidade variável – constituindo a denominada bros da família e é também conhecida como
membrana basal fendida. Em qualquer rim de hematúria familiar benigna. Os casos de DMBF
Alport existem áreas de adelgaçamento mistu- apresentam defeitos genéticos no colágeno
radas com clivagem da MBG. Os túbulos desa- tipo IV; todavia, diferentemente da síndrome de
parecem, os glomérulos sofrem um processo Alport, comportam-se como um distúrbio autos-
de fibrose e o rim acaba sucumbindo à fibrose sômico dominante que, em cerca de 40% das
intersticial. Todos os membros afetados de famílias, segrega com os loci COL(IV) α3/COL(IV)
uma família com síndrome de Alport ligada ao α4. A ocorrência de mutações nesses loci pode
X devem ser identificados e acompanhados, resultar em um espectro de doença que vai desde
incluindo as mães de indivíduos do sexo mas- a DMBF até a síndrome de Alport dominante ou
culino acometidos. recessiva. A MBG exibe adelgaçamento difuso em
O tratamento primário consiste no controle da comparação com os valores normais para a idade
hipertensão sistêmica e no uso de inibidores do paciente em biópsias normais sob os demais
da ECA para tornar mais lenta a progressão do aspectos. A grande maioria dos pacientes segue
dano renal. Embora os pacientes que recebem uma evolução benigna.

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96 NEFROLOGIA 1 - INTRODUÇÃO À NEFROLOGIA E DOENÇAS GLOMERULARES;

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