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Nefrologia 1 - Introdução à Nefrologia e Doenças Glomerulares. São Paulo: SJT-MED Editora, 2021.
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Sódio.................................................................................. 16 Imunofluorescência............................................................ 49
Aterogênese....................................................................... 76 Fisiopatologia..................................................................... 89
ANATOMIA E FISIOLOGIA
Figura 1.1 Estruturas do trato urinário (A) e corte transversal do rim (B).
VASCULARIZAÇÃO
Figura 1.3 Corte frontal do rim esquerdo mostrando vascularização em visão anterior.
Figura 1.2 O rim.
Fonte: Atlas de Anatomia Humana, Frank H. Netter, 6º. Edição
A circulação renal apresenta uma característica única: duas redes capilares se encontram em
série em um mesmo órgão – rede capilar e peritubular. A artéria renal se divide em ramo ante-
rior e ramo posterior. Algumas vezes, é possível encontrar artérias acessórias renais, as quais
apresentam importância cirúrgica, por exemplo, na nefrectomia. As artérias renais são únicas e
se dividem sequencialmente até a formação do glomérulo: a. renal - a. interlobares - a. arqueadas
- a. interlobulares - arteríolas aferentes - capilares glomerulares.
Devido à ausência de anastomoses entre as múltiplas divisões da artéria renal, a obs-
trução de uma dessas divisões ocasiona isquemia parcial do órgão. As arteríolas aferen-
tes apresentam o mesmo padrão morfológico por todo o córtex renal. As arteríolas eferentes
partir de aminoácidos e outros precursores e alça de Henle, túbulo distal e segmento conec-
liberam-na na circulação. tor. Cada rim possui aproximadamente 1
A função endócrina renal é exercida pela milhão de néfrons, originados embriologi-
secreção de três principais hormônios: camente do blastema metanéfrico. O sis-
renina, eritropoetina e 1,25(OH)2D3 (calcitriol). tema coletor formado pelo túbulo coletor ini-
cial, ducto coletor cortical no raio medular e
A renina produzida no aparelho justaglo-
segmentos medular interno e externo não é
merular é uma enzima proteolítica que
considerado parte do néfron por ter origem
atua sobre o angiotensinogênio, liberando
embriológica diferente. Ele se origina do broto
a angiotensina-I (A1), um decapeptídeo que,
ureteral. No entanto, do ponto de vista didá-
pela ação da enzima conversora de angio-
tico, considera-se todo o sistema tubular cole-
tensina (ECA), transforma-se em angioten-
tor como parte do néfron, assim como o apare-
sina-II (A2) (octapeptídeo). A A2 apresenta
lho justaglomerular.
uma potente ação vasoconstrictora e atua nos
mecanismos renais de reabsorção de sódio. O Existem duas populações de néfrons: uma
sistema renina-angiotensina atua localmente com alça de Henle curta e a outra com alça de
(ação parácrina) no interior do órgão, exer- Henle longa. Os néfrons que se originam da
cendo importante função no balanço gloméru- região córtico-medular apresentam alças
lo-tubular, responsável pela regulação do de Henle longas, que penetram profun-
ritmo de filtração glomerular. damente na medula interna. No homem,
A eritropoetina é um hormônio produzido existem aproximadamente sete vezes mais
por grupos especiais de células intersticiais néfrons de alça de Henle curta do que longa.
renais, estimulando a produção de eritrócitos Em relação aos vários segmentos do néfron,
pela medula óssea, e sua secreção é desen- podemos localizá-los da seguinte forma: na
cadeada pela redução da pressão parcial de medula interna, temos as alças finas des-
oxigênio (PO2) no tecido renal, que ocorre cendente e ascendente de Henle e os ductos
na anemia, na hipoxemia e na diminuição do coletores. Na faixa interna da zona externa da
fluxo sanguíneo renal. A anemia das doenças medula externa, podemos observar os ramos
renais crônicas (DRC) é devida, principalmente, finos descendentes e espessos ascendentes,
à menor produção de eritropoetina. juntamente com os ductos coletores. Na faixa
A 1,25(OH)2D3 é a forma ativa da vitamina D que, externa da zona externa da medula externa,
para ser sintetizada, necessita de uma primeira podemos observar o segmento terminal da
hidroxilação, realizada no fígado, e uma segunda parte reta do túbulo proximal e os ramos
nos rins, sendo a mesma essencial para a ascendentes espessos (parte reta do túbulo
absorção intestinal de cálcio. Na DRC, os níveis distal) e ductos coletores.
de 1,25(OH)2D3 estão diminuídos, levando à Os túbulos renais podem ser divididos con-
menor absorção de cálcio. Os menores níveis forme sua estrutura e função celular. O túbulo
séricos de cálcio estimulam a secreção de para-
proximal tem aproximadamente 14 nm de
tormônio (PTH), resultando em hiperparatireoi-
comprimento, inicia-se no pólo urinário do
dismo, inicialmente secundário, com as suas
glomérulo, forma vários contornos próxi-
consequentes alterações ósseas (osteomalácia).
mos ao glomérulo de origem e depois desce,
sob a forma de segmento reto, em direção
à medula. O segmento inicial é geralmente
O NÉFRON denominado pars convoluta e o mais distal,
O néfron é a unidade funcional do rim, sendo pars reta, sendo que estes últimos consti-
constituído por glomérulo, túbulo proximal, tuem parte dos raios medulares. A alça de
Henle é formada pela porção reta do túbulo proximal (pars reta), segmento delgado e por-
ção reta do túbulo distal.
Já o túbulo distal constitui-se através do segmento ascendente espesso da alça de Henle
(pars reta), da mácula densa e do túbulo contornado distal (pars convoluta). A porção reta
(pars reta) do túbulo distal pode encontrar-se tanto na região medular como na cortical, depen-
dendo da localização do glomérulo. A pars reta atravessa a medula externa e sobe no raio medu-
lar do córtex até ficar em contato com o seu próprio glomérulo. Esta porção tubular contígua ao
glomérulo forma a mácula densa. A pars reta possui um alto metabolismo, sendo especialmente
sensível à isquemia. A transição entre o segmento ascendente delgado e o segmento espesso
marca a divisão entre zona externa e zona interna da medula.
A pars convoluta estende-se da mácula densa ao início do ducto coletor. O ducto coletor deri-
va-se do broto ureteral. De acordo com a localização do rim, costuma-se dividir o ducto
coletor (DC) em três segmentos: segmento coletor proximal, segmento medular interno e
externo. O segmento coletor cortical forma-se inicialmente pelo túbulo coletor inicial e, depois,
continua com uma porção arqueada e medular. O segmento medular interno termina na papila.
Figura 1.6 Representação esquemática de túbulo urinífero que constitui néfron da zona cortical externa, túbulo e
ductos coletores medulares. A representação também mostra a sua vascularização sanguínea.
Figura 1.7 Representação esquemática (A) e fotomicrografia (B) de corpúsculo renal (de Malpighi). Nota-se, tanto em A quanto em B, túbulo distal junto ao
Figura 1.7 Representação esquemática (A) e fotomicrografia (B) de corpúsculo renal (de Malpighi). Nota-se, tanto em A quanto em B, túbulo distal junto ao
polo vascular, o glomérulo e o polo urinário do corpúsculo, onde tem início o túbulo contorcido proximal. Em A, observam-se detalhes das arteríolas, aferente
e eferente; da mácula densa e células justaglomerulares; dos podócitos e das características de células do folheto parietal da cápsula de Bowman. Em B,
fotomicrografia obtida de preparado corado pela hematoxilina-eosina. Aumento médio.
Figura 1.8 Esquema da ultraestrutura do capilar glomerular e do folheto visceral da cápsula de Bowman. Este folheto é constituído pelos podócitos. O endo-
télio do capilar é fenestrado e está apoiado em uma membrana basal. À esquerda, aparece um corte em um podócito, vendo-se a ultraestrutura desta célula.
Aparecem ainda dois podócitos não cortados, observando-se que seus núcleos fazem saliência no corpo celular. Os podócitos contêm prolongamentos
primários, de onde partem os prolongamentos secundários que se vão apoiar na membrana basal glomerular, deixando uma fenda de filtração entre eles.
Figura 1.9 Representação esquemática mostrando capilares glomerulares e a localização de podócito e célula mensangial entre eles. Nota-se no esquema que
tanto a célula mesangial quanto os dois capilares estão envoltos pela mesma membrana basal glomerular (MBG).
APARELHO JUSTAGLOMERULAR
O aparelho justaglomerular é constituído por um componente vascular, tubular, células mesangiais
e sua matriz. Está localizado no pólo vascular do glomérulo, onde uma porção do néfron distal entra
em contato com as arteríolas glomerulares. O componente vascular é composto pelas porções
terminal da arteríola aferente e inicial da arteríola eferente. O componente tubular é formado
pela mácula densa, que é a porção do ramo estabelece a relação entre a tensão da parede do
espesso ascendente em contato com o com- vaso, o seu raio e a pressão transmural. Quando a
ponente vascular. No componente vascular, pressão de perfusão se eleva, aumenta também
temos dois tipos de células: 1) as células granu- a pressão transmural e a tensão. O aumento da
lares justa glomerulares, também chamadas
tensão resulta em contração da musculatura lisa
de mioepiteliais ou epitelioides e 2) as células
arteriolar, com redução do raio. Portanto, um
mesangiais extra-glomerulares agranulares. As
aumento da pressão de perfusão diminui o cali-
células granulares estão localizadas nas arterí-
olas aferente e eferente (e também na região bre do vaso, com aumento da resistência vascular
mesangial e manutenção do fluxo. A autorregulação renal
sofre a influência de várias substâncias vasoativas
extra-glomerular) e produzem renina e óxido
e hormônios. O sistema renina-angiotensina
nítrico, importantes mediadores na hemodinâ-
mica glomerular. tem um papel importante na autorregulação
renal e no feedback túbulo-glomerular: quando
ocorre hipotensão, há formação de angiotensina-
RESISTÊNCIA ARTERIOLAR -II, que irá atuar preferencialmente na arteríola
eferente, aumentando sua resistência. Com isso,
Os capilares glomerulares estão interpostos
entre duas arteríolas: a arteríola aferente, ou ocorre elevação da pressão no interior do capilar
pré-capilar, e a eferente, ou pós-capilar. Como glomerular e, consequentemente, a manutenção
resultado, a pressão hidráulica no capilar glo- da filtração glomerular normal.
merular é dependente da pressão aórtica que
perfunde o rim, da resistência da arteríola afe-
rente, a qual determina o grau de pressão arte-
rial transmitida para o
capilar glomerular, e da resistência na arteríola
eferente. O aumento na resistência da arterí-
ola eferente eleva a pressão capilar glomerular
e, consequentemente, a filtração glomerular.
Por outro lado, sua dilatação diminui a pressão
intracapilar e também a filtração glomerular.
AUTORREGULAÇÃO
A pressão do capilar glomerular teoricamente
Figura 1.11 Efeito das alterações da resistência das arteríolas aferente
deveria variar muito em consequência de varia- sobre o fluxo sanguíneo renal (FSR) e taxa de filtração glomerular (TGF),
ções na pressão arterial sistêmica. Entretanto, mantendo-se constante a pressão de perfusão. Af = arteríola aferente; Ef
= arteríola eferente.
a filtração glomerular e o fluxo sanguíneo
renal são relativamente estáveis, mesmo
com grandes variações na pressão arterial. FILTRAÇÃO GLOMERULAR
Esse fenômeno é chamado de autorregulação.
As arteríolas aferente e eferente, que se encon- O volume de urina produzido diariamente, em
tram interpostas com os capilares glomerulares, média 1,5 L (ou 1 mL/min), é o produto da ultra-
podem controlar de maneira efetiva o fluxo plas- filtração de 180 L/dia de plasma (ou 125 mL/
mático e a filtração glomerular. Uma hipótese min) e da reabsorção de mais de 99% deste fil-
para o fenômeno de autorregulação é a teoria trado por vários processos de transporte nas
miogênica que se baseia na lei de Laplace, a qual células tubulares renais.
O fluxo sanguíneo renal corresponde a apro- volumes de água sem proteínas. A conservação
ximadamente 20% do débito cardíaco, 1.000 de proteínas no organismo é fundamental para
a 1.200 mL/min de sangue, ainda que o rim a regulação da pressão oncótica, da proteção
represente apenas 1% do peso corporal total. imunológica, da coagulação sanguínea normal
O rim, proporcionalmente ao seu tamanho, e de uma série de outros processos vitais para
recebe mais fluxo de sangue do que o cérebro, o indivíduo. No entanto, uma pequena quan-
o coração ou o fígado. tidade de proteínas é encontrada na urina
A força inicial que determina a formação do de pessoas normais. Aproximadamente 30
ultrafiltrado glomerular, através da parede a 40% desta proteinúria é constituída de
capilar glomerular para o espaço urinário, é albumina, 15 a 20% de globulinas como IgG,
derivada do desequilíbrio da pressão hidráu- IgA e outras proteínas de cadeias leves,
lica gerada pelo coração e da pressão oncótica e o restante é constituído por proteína de
dentro dos capilares glomerulares. A pressão Tamm-Horsfall (descrita abaixo). O valor
hidrostática dentro do capilar glomerular favo- normal da proteinúria deve ser inferior a
rece a filtração, enquanto a pressão oncótica 150 mg/24h.
intracapilar e a pressão hidrostática na cápsula
de Bowman opõem-se a ela. O fluxo plasmático
renal e a área de superfície dos capilares glo- MANUSEIO RENAL DE
merulares também são determinantes impor-
PROTEÍNAS
tantes da taxa de filtração glomerular.
O manuseio de proteínas pelo rim é com-
Uma diminuição da taxa de filtração glomeru-
plexo e consiste fundamentalmente de três
lar pode ser esperada quando há:
componentes principais: a permeabilidade
Diminuição da pressão hidrostática glo- da parede capilar glomerular, do metabolismo
merular (exemplos: hipotensão e choque). tubular de proteínas filtradas e da produção e
Elevação da pressão tubular (exemplos: obs- secreção de proteínas pelas células tubulares
trução urinária, como na hiperplasia prostática renais. Exemplo disso é a proteína de Tamm-
benigna ou neoplasia de próstata). -Horsfall, também chamada de uromodu-
lina, uma glicoproteína não encontrada no
Elevação da pressão oncótica (exemplos:
plasma, de origem tubular, que é a proteína
hemoconcentração e mieloma múltiplo).
mais abundante encontrada na urina de
Diminuição da perfusão renal (como na insu- pessoas sadias. Apresenta peso molecular de
ficiência cardíaca). até 1 milhão de dáltons - Da (quando presente
Diminuição da permeabilidade capilar glo- na forma agregada), pesando aproximada-
merular (como nas glomerulonefrites). mente 95 mil - Da na sua forma monomérica.
Está presente em quantidades de 20 a 100 mg
Diminuição da área de superfície de filtra-
na urina de 24 horas. Essa proteína é secretada
ção (exemplos: perda de néfrons, nefrectomia
principalmente pelas células do ramo ascen-
prévia ou insuficiência renal crônica).
dente da alça de Henle e pela parte inicial do
túbulo distal. A proteína de Tamm-Horsfall é
o principal componente dos cilindros hiali-
PAREDE CAPILAR GLOMERULAR, nos presentes na urina. Os principais fatores
PERMEABILIDADE E que limitam a filtração de proteínas plasmáti-
PROTEINÚRIA cas são mecânicos e eletroquímicos.
• Células endoteliais que formam a porção também são cobertos com sialoglicopro-
mais interna e representam uma continua- teínas contendo cargas negativas, contri-
ção direta do endotélio da arteríola aferente. buindo com a integridade dos podócitos e
Este prolongamento é também denomi- do diafragma entre eles.
nado lâmina fenestrada, pela característica
Portanto, as várias proteínas aniônicas nas
peculiar dos citoplasmas das células endote-
três camadas da membrana basal contribuem
liais. Essas fenestras ou poros têm diâmetro
de forma decisiva para a manutenção das pro-
de 70 a 100 nm. Há ainda membranas del-
teínas plasmáticas na circulação sanguínea.
gadas, ou diafragmas, que são observadas
entre poros. As células endoteliais apresen- Esse é o elemento mais importante para expli-
tam uma rede de cargas negativas devido a car a ausência de albumina no espaço uriná-
poliânions como os proteoglicanos; rio. Por outro lado, as proteínas de baixo peso
molecular, abaixo de 25 mil - Da ou com raio
• Uma membrana basal contínua que consti-
molecular menor do que 2,3 nm, são peque-
tui a camada média. A membrana basal do
nas o suficiente para atravessar a barreira do
capilar glomerular (espessura em torno de
310 nm) está formada por uma região central capilar glomerular. Nesses casos, a carga elé-
densa, denominada lâmina densa, e por duas trica tem um papel secundário no processo de
camadas mais finas, menos densas, deno- filtração glomerular. Elas são extensivamente
minadas lâminas raras interna e externa. O filtradas e posteriormente reabsorvidas pelos
principal componente da membrana basal túbulos proximais.
é uma molécula apolar do tipo procolágeno
associada a glicoproteínas, sendo a molécula
procolágeno composta de cadeias alfa ricas MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS
em hidroxiprolina, hidroxilisina e glicina. Um DA PROTEINÚRIA
segundo componente refere-se a uma fra-
ção não-colágena, polar, representada por As proteínas plasmáticas podem aparecer
unidades de polissacarídeos ligados à aspa- na urina por meio de mecanismos distin-
raginase. O colágeno tipo IV representa o tos. O primeiro, devido a uma alteração na
principal constituinte da fração colágena barreira da membrana capilar glomerular,
da membrana basal; que permitiria a passagem de proteínas de
• Uma camada mais externa, formada de alto peso molecular, normalmente retidas. Tais
células epiteliais (podócitos), que constitui o proteínas aparecem na urina devido à inca-
folheto visceral da cápsula de Bowman. pacidade de reabsorção tubular. No segundo,
devido à lesão tubular, que pode resultar em
Entretanto, o tamanho não é o único obs-
diminuição na capacidade absortiva do túbulo
táculo às proteínas plasmáticas. Cargas
elétricas na membrana basal também proximal, permitindo a presença de proteínas
desempenham um importante papel na de baixo peso molecular na urina. No terceiro,
seletividade à filtração das proteínas. Por devido a uma produção aumentada de prote-
exemplo, a albumina, com um raio molecu- ínas no plasma, que, em situações extremas,
lar de 3,6 nm e peso molecular de 69 mil - Da, pode ultrapassar a capacidade de reabsorção
deveria facilmente transpor a barreira capilar do túbulo proximal. Dessa maneira, a proteinú-
glomerular, se o tamanho fosse a única bar- ria pode ser didaticamente classificada como
reira. Isso não ocorre, no entanto, pelo fato glomerular, tubular ou por transbordamento
de a albumina ser repelida eletricamente , já (também conhecida como hiperfluxo – decor-
que tanto a albumina como a membrana basal rente da filtração de grandes quantidades de
apresentam cargas negativas. Os podócitos proteínas séricas).
CÓRTEX RENAL
somente uma vez a membrana. A função da subunidade B não é conhecida,
mas ela é indispensável para o completo funcionamento da Na+-K+-ATPase.
TÚBULO PROXIMAL
O túbulo proximal promove uma reabsorção,
quase isosmótica, de 2/3 do ultrafiltrado, aco-
plada a transporte ativo de sódio (reabsorção
de 50-55% do sódio filtrado). O túbulo proxi-
mal também é responsável por reabsorver
praticamente toda glicose, fósforo, aminoá-
cidos e cerca de 90% do bicarbonato e outros
solutos orgânicos através do cotransporte
com o sódio. O sódio filtrado entra nas células do
túbulo proximal através de vários transportado-
res, que também transportam outros solutos. Há
cotransportadores específicos que transportam
sódio ligado à glicose, sódio-fósfato, sódio-citrato,
sódio-aminoácidos etc.
A reabsorção desses diferentes solutos é pas-
siva, mas existe um gasto de energia para o
seu transporte gerado pela bomba sódio-po-
tássio ATPase (Na+ -K+ -ATPase) na membrana
basolateral. É importante ressaltar, neste seg-
mento, a troca de Na+/H+ através de transpor-
Figura 1.12 Neste esquema, o néfron foi estendido e os vasos sanguíneos tador específico, havendo reabsorção de sódio
circundantes foram removidos para ilustrar os diferentes segmentos do
túbulo. A reabsorção de sódio e de água está indicada. e secreção de hidrogênio para a luz tubular. Na
luz tubular, esse hidrogênio combina-se com envolvido na concentração urinária. Nesse
o bicarbonato filtrado gerando CO2 e, através segmento, o sódio e o cloro entram na célula
da anidrase carbônica, há formação de bicar- através do cotransportador eletroneutro Na+-
bonato (HCO3-) que irá ser reabsorvido, cor- -K+ -2Cl - da membrana apical. O potássio recir-
respondendo a 90% do bicarbonato filtrado. cula e volta para o lúmen através de canais
A reabsorção dos vários solutos do lúmen do específicos de potássio, tornando o lúmen
túbulo proximal produz uma diminuição da eletropositivo. O lúmen eletropositivo favo-
osmolaridade luminal, favorecendo a reabsor- rece a reabsorção de cálcio, magnésio e sódio
ção de água através de vários canais de água através das tight junctions (vias paracelulares).
existentes nas células do túbulo proximal.
Esse é o local de maior reabsorção de magné-
sio. Os diuréticos de alça agem justamente
inibindo o cotransportador Na+ -K+ -2Cl - des-
crito acima.
TÚBULO DISTAL
O túbulo distal reabsorve 5 a 8% do Na+ e Cl-
filtrados, sendo o cotransportador Na+Cl- o
principal responsável pela entrada de sódio na
célula tubular neste segmento. O mesmo tam-
bém é relativamente impermeável à água, dei-
xando as concentrações de sódio e cloro baixas
no fluido luminal. A inibição do cotransporta-
dor Na+Cl - corresponde justamente ao meca-
nismo de ação dos diuréticos tiazídicos. A
diminuição da concentração de cloro afeta
negativamente a atividade do cotransportador
Na+-K+-2Cl e do Na+Cl-.
TÚBULOS COLETORES
hipoalbuminemia pode ser realizada adicio- direcionada por uma força eletrogênica carac-
nando-se 0,8 mg/dL à concentração sérica de terizada pela diferença de potencial (DP) lúmen
cálcio para cada 1 g/dL de albumina abaixo de positivo. Há também um mecanismo de
4 g/dL. Inversamente, níveis de cálcio sérico transporte ativo, no qual o cálcio entra na
falsamente elevados podem resultar da ele- célula do TP passivamente a favor de um
vação da albumina sérica devido à desidrata- gradiente eletroquímico e é extraído ativa-
ção ou hemoconcentração. A concentração mente via membrana basolateral, através
de cálcio iônico no interior das células é muito de um cotransportador 3Na+/Ca++ ou uma
menor que no fluido extracelular. O transporte bomba Ca++-ATPase, ainda não definido.
ativo mantém o cálcio intracelular reduzido a Os fatores que podem afetar a reabsorção de
partir do bombeamento de cálcio para fora da cálcio no TP são os mesmos que afetam a reab-
célula ou para o interior de organelas, o que é sorção de sódio e água. A expansão do volume
mediado por bombas de cálcio, como cálcio-A- plasmático aumenta a excreção de sódio, água
TPases e contratransporte Na+-Ca++. e cálcio. O inverso ocorre em casos de deple-
ção de volume extracelular.
ABSORÇÃO INTESTINAL No ramo ascendente espesso da alça de
Henle, ocorre a reabsorção de 30% do cál-
A dieta normal contém, aproximadamente,
cio filtrado. Nesse segmento, o transporte
1.000 mg de cálcio (300 a 3.000 mg). Cerca de
de cálcio também parece ser predominante-
30 a 40% do cálcio da dieta são normalmente
mente paracelular, impulsionado por um gra-
absorvidos no intestino, principalmente
diente eletroquímico. A diferença de potencial
no intestino delgado proximal. O cálcio
(lúmen mostra-se positivo) é estabelecida pelo
entra passivamente para dentro do enteró-
cotransportador Na+-K+-2Cl– na membrana
cito, sendo ativamente bombeado para fora
luminal, com a recirculação de potássio de volta
via membrana basolateral, provavelmente por
ao lúmen tubular ocorrendo via canais especí-
uma bomba cálcio-ATPase. Simultaneamente
ficos. Já o gradiente de concentração deve-se à
à absorção, há secreção intestinal de cálcio via
maior concentração de cálcio no lúmen tubular
suco gástrico, pancreático e biliar. em relação ao plasma. Também pode ocorrer
transporte ativo. Fatores que afetam a reab-
MANEJO RENAL sorção de cálcio nesse segmento são os diu-
réticos de alça, os quais inibem o cotrans-
O rim é a principal via de excreção de cál- porte Na+ -K+ -2Cl -, e o paratormônio (PTH),
cio do organismo. Somente as frações iônica e descrito na próxima seção, que aumenta a
complexada são livremente filtráveis pelos glo- reabsorção tubular de cálcio.
mérulos, isto é, 60% do cálcio total. Embora a
Os túbulos distal, conector e coletor proximal
quantidade filtrada seja grande, a excreção
são responsáveis por reabsorver cerca de 5 a
urinária final de cálcio é de apenas 100 a 300
10% do cálcio filtrado. Esse é o local modula-
mg por dia. Isso se deve à reabsorção pelos
dor mais importante para controlar a quanti-
túbulos renais de 97 a 99% do cálcio filtrado,
dade de cálcio excretado na urina. O trans-
sendo que o túbulo proximal reabsorve 60%,
porte é basicamente ativo. O cálcio entra na
o ramo ascendente espesso da alça de Henle
célula passivamente, a favor de um gradiente
30% e o túbulo distal e coletor cerca de 8%.
eletroquímico, e sua extrusão pela membrana
A absorção de cálcio no túbulo proximal basolateral realiza-se através de um contra-
(TP) ocorre principalmente por transporte transportador 3Na+/Ca++. A menor concentra-
passivo, proporcional à reabsorção de sódio ção de sódio e o ambiente eletronegativo no
e água. A reabsorção ocorre via paracelular, interior da célula, em comparação com o meio
extracelular mantido pela bomba Na+-K+-A- do nível sérico de cálcio por aumento na reab-
TPase na membrana basolateral, geram a força sorção tubular renal e diminuição da reabsor-
necessária para a reabsorção tubular de cálcio. ção de fósforo. O PTH também estimula a rea-
bsorção de cálcio nos ossos, a mobilização de
Vários são os fatores que podem afetar o trans-
cálcio e fósforo do esqueleto e, indiretamente,
porte de cálcio no túbulo distal. PTH, diuréticos
promove a absorção intestinal de cálcio, por
tiazídicos e alcalose metabólica estimulam a
estímular a síntese de calcitriol.
reabsorção tubular de cálcio. Os diuréticos tia-
zídicos agem inibindo a reabsorção de sódio, A vitamina D deriva da dieta e da conversão do
aumentando a reabsorção de cálcio, por inter- 7-diidrocolesterol para vitamina D3 pela ação
ferir no mecanismo de transporte de NaCl do da luz ultravioleta na pele. A vitamina D3 é,
lúmen tubular para o interior da célula. então, hidroxilada no fígado para 25(OH)2D3
(calcifediol), sendo este convertido para
A queda da concentração de sódio intracelular 1,25(OH)2D3 no rim. A enzima renal responsá-
gera uma entrada maior de sódio via contra- vel pela conversão do calcifediol em calcitriol é
transportador 3Na+/Ca++ na membrana basola- a 1α-hidroxilase, presente nas células do túbulo
teral, resultando em redução da concentração proximal. Tanto o PTH como a hipofosfatemia
de cálcio intracelular e consequente aumento estimulam a síntese de 1α-hidroxilase.
da reabsorção tubular de cálcio pela mem-
O calcitriol age ligando-se a receptores citoplas-
brana luminal.
máticos em células-alvo, estimulando a absor-
ção intestinal de cálcio, também promovendo
REGULAÇÃO HORMONAL DO CÁLCIO elevação na reabsorção renal de cálcio (este
último mecanismo permanece controverso).
Três sistemas participam da regulação de cál- Níveis elevados de calcitriol exercem uma ação
cio: intestino, esqueleto e rins. Dois hormônios inibitória sobre a síntese e secreção de PTH.
são fundamentais para a manutenção da con-
centração normal de cálcio: o PTH e o calcitriol.
O PTH é um peptídeo composto de 84 aminoá- FÓSFORO
cidos sintetizado pelas células das glândulas da
O fósforo constitui 1% do peso corporal total
paratireoide e derivado da quebra de um pré-
e distribui-se da seguinte maneira: 85% do
-pró-hormônio de 115 aminoácidos, o pré-pró-
fósforo estão no esqueleto, 14% no comparti-
-PTH. Após secreção pelas glândulas da para-
mento intracelular e apenas 1% no plasma.
tireoide, o PTH é novamente clivado em dois
fragmentos, o 1-34 N-terminal, biologicamente No fluido intracelular, a maior parte do fósforo
ativo, e o 35-84 C-terminal, biologicamente encontra-se na forma orgânica (90%) e uma
inativo. O principal estímulo para síntese e menor proporção na forma inorgânica (10%).
secreção de PTH é a redução dos níveis séri- Compostos orgânicos contendo fósforo são
cos de cálcio iônico. Hipomagnesemia grave fundamentais para a função celular e incluem
e níveis elevados de 1,25(OH)2D3 (calcitriol) ácidos nucleicos, fosfoproteínas, fosfolipídios
inibem a liberação de PTH. de membrana celular, ATP, AMP cíclico, coenzi-
mas e fatores regulatórios (NAD e 2,3-DPG).
O PTH age ligando-se a receptores específi-
cos na membrana celular em células-alvos, No plasma, cerca de 70% do fósforo é encon-
principalmente nos rins e nos ossos. A intera- trado na forma orgânica e o restante na forma
ção do PTH com o seu receptor na membrana inorgânica. A maior parte do fosfato inorgânico
ativa (o que ocorre a partir do acoplamento da encontra-se livre e fisiologicamente ativo, for-
proteína G à adenilciclase), leva ao aumento mando complexos de fosfato dibásico e mono-
nos níveis intracelulares de AMP cíclico. O efeito básico, que funcionam como sistema tampão.
final da ação do PTH é justamente a elevação Uma fração menor do fosfato inorgânico está
ligado à albumina ou complexado com sódio, intestinal. A ingestão baixa de sódio também
cálcio e magnésio. As formas complexadas e diminui a absorção de fósforo.
livres são filtráveis nos glomérulos. Apenas o
componente inorgânico do fosfato é medido
MANEJO RENAL
no plasma, e sua concentração varia de 2,5 a
4,5 mg/dL (0,81-1,45 mM). Em crianças, os limi-
O rim é o principal órgão regulador do fósforo.
tes da normalidade são maiores (3,5 a 6 mg/
As formas livres e complexadas do fósforo inor-
dL). Há uma variação diurna da concentração
gânico são livremente filtradas pelos glomérulos.
de fósforo, com picos às 16 horas e às 3 horas e
Para manter o balanço de fósforo, é necessário
uma queda às 11 horas.
que a maior parte do que foi filtrado seja reab-
O controle hemostático do fosfato é depen- sorvida. Os túbulos renais reabsorvem cerca
dente da interação entre o trato gastrointesti-
de 80% do fósforo filtrado, sendo a excreção
nal, esqueleto e rins, além da ação hormonal
urinária média de 900 mg/dia. A reabsorção
exercida pelo PTH e vitamina D.
ocorre basicamente no túbulo proximal (75%),
e uma fração bem menor no túbulo contorcido
DIETA E ABSORÇÃO distal (4%) e coletor (1%). A reabsorção renal de
fósforo é saturável. Quando a concentração
A ingestão diária média de fósforo é de 800-1.500
sérica de fósforo aumenta, a quantidade reab-
mg. Os alimentos mais ricos em fósforo são
sorvida também aumenta até atingir o limite da
leite e derivados, carnes e cereais. A depleção
de fósforo secundária à dieta inadequada é rara. sua capacidade. Essa taxa máxima de reabsorção
é conhecida como taxa de reabsorção tubular
Aproximadamente 65 a 80% do fósforo da
máxima para fósforo (TmP).
dieta são absorvidos no intestino por meca-
nismos de transporte ativo e passivo. O No túbulo proximal, a reabsorção do fósforo
transporte passivo localiza-se principalmente ocorre por transporte ativo mantido por um
no jejuno e no íleo e ocorre por difusão, pro- gradiente de sódio gerado pela bomba Na+ -K+-
porcional à sua concentração no lúmen intesti- -ATPase na membrana basolateral. O fósforo
nal. Por outro lado, o transporte ativo ocorre no entra na célula do TP, via membrana apical,
duodeno, é saturável e dependente do sódio. como fosfato ligado com sódio (cotransporte
O fósforo entra na célula intestinal acoplado Na+-P), devido a uma diferença de concentra-
a um cotransportador Na-P, saindo da célula ção de sódio entre o lúmen tubular e a célula.
passivamente via membrana basolateral. Em A extrusão do fosfato pela membrana baso-
paralelo, assim como ocorre com o cálcio, há lateral parece ocorrer por um processo inde-
um refluxo secretório fixo de fósforo de aproxi- pendente do sódio, a favor de um gradiente
madamente 200 mg/ dia no intestino. eletroquímico. Fatores que inibem a reab-
O calcitriol é o principal estimulador da sorção renal de fósforo são PTH, volume
absorção intestinal ativa de fósforo. Outros extracelular aumentado, concentração
fatores são o conteúdo de fósforo da dieta e tubular aumentada de fosfato e acidemia.
PTH sérico, que agem indiretamente a partir do Outros fatores que podem influenciar a rea-
estímulo à síntese de 1,25(OH)2D3. bsorção de fósforo são vitamina D, fator de
A ingestão de cálcio, magnésio e alumínio dimi- crescimento semelhante à insulina I, glicocor-
nui a absorção de fósforo no trato intestinal por ticoide, hipercalcemia e hormônio de cresci-
formar complexos insolúveis com o mesmo. Os mento, que aumentam reabsorção, enquanto
sais de cálcio são usados na insuficiência renal calcitonina, hormônio da tireoide, dopamina e
crônica justamente como quelantes do fósforo glucagon a diminuem.
MECANISMOS DE DILUIÇÃO E
MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONCENTRAÇÃO URINÁRIA
ACIDOBÁSICO
O mecanismo de concentração e diluição da
O hidrogênio ionizado ou o próton H+ é um íon urina baseia-se na formação de um interstício
altamente reativo que influi nas reações quí- medular hipertônico e de um fluido tubular
micas e, portanto, nas reações bioquímicas e distal hipotônico. Com esse cenário montado,
enzimáticas fundamentais para a manutenção a concentração final da urina dependerá da
aumentam muito o fluxo, como a poli- são: dor, estresse, vômitos e drogas. Várias
dipsia compulsiva, o que “lava” o soluto situações clínicas (neoplasias, doenças pulmo-
medular e interfere no mecanismo. Além nares, doenças do sistema nervoso central)
disso, a hiperosmolaridade do sangue provocam um defeito no sistema de osmorre-
medular explica a ocorrência de isque- gulação que libera ADH, mesmo em situações
mia medular em inúmeras situações clí- de hiposmolaridade e hiponatremia. Essa é a
nicas, inclusive com necrose de papila. síndrome de secreção inapropriada do hormô-
Como exemplo, temos a nefrite inters- nio antidiurético (SIHAD).
ticial desencadeada em pacientes com
anemia falciforme;
• Carga de solutos: a carga de solutos entre- REGULAÇÃO HORMONAL DO
gue ao túbulo coletor não pode ser exces- EQUILÍBRIO DE SÓDIO E ÁGUA
siva, pois provoca aumento do fluxo tubu-
O equilíbrio dos solutos e da água do corpo
lar e diminuição do tempo de contato entre
é determinado pelas quantidades ingeridas,
o fluido tubular e o interstício. Do mesmo
distribuídas aos diversos compartimentos de
modo, a diurese osmótica por excesso de
líquidos e excretadas pela pele, intestinos e
solutos (ureia, bicarbonato, manitol) pro-
rins. A tonicidade, o estado osmolar que deter-
voca aumento do fluxo sanguíneo medular,
mina as alterações de volume das células em
cuja consequência já foi mencionada.
uma solução, é regulada pelo balanço hídrico,
O resultante desse processo é um fluido tubu-
enquanto o volume sanguíneo extracelular é
lar distal hipotônico e um interstício medular
controlado pelo balanço de Na+. O rim é funda-
hipertônico. Os determinantes finais da osmo-
mental para a modulação desses dois proces-
laridade urinária serão a disponibilidade do
sos fisiológicos.
ADH e a resposta dos túbulos coletores a ele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Uyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica, 13º. edição, 2017
2. Obbins & Cotran: Patologia - Bases Patologicas das Doenas (Portuguese Brazilian), 2016
3. IGUEL CARLOS RIELLA. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, 6ª. edição, 2018.
Edema
Hipertensão Síndrome nefrítica ou ne-
Proteinúria > 3,5 g/dia ou
Edema frítica-nefrótica, com dete-
proporção albumina:crea-
TFG reduzida rioração rápida da função
Achados clínicos tinina > 3
Hematúria com sedimento uriná- renal
Hipoalbuminemia
rio ativo Hematúria com sedimento
Hiperlipidemia
Proteinúria < 3,5 g/dia urinário ativo
Lipidúria
NIgA*
PHS
Doença de lesões mínimas
Doenças glomerulares Glomerulonefrite necrotizante
Doença anti-MBG GESF
primárias idiopática
Nefropatia membranosa
GNMP primária*
DDD
Familiar:
Distúrbios hereditários de
proteínas de podócitos
Farmacológicas:
Familiar:
- Fármacos
- Síndrome de Alport
- AINH
Farmacológica:
Autoimune: - Toxinas
- Vasculite ou lúpus fármaco-in-
- Vasculite ANCA-associada - Metais pesados (ouro/
duzido
-LES severo mercúrio)
Doenças glomerulares Infecciosa:
Infecciosa: Metabólica:
secundárias comuns - Glomerulonefrite pós-infecciosa
- Doença do imunocom- - Diabetes melito
- Crioglobulinemia associada à
plexo pós-infeccioso seve- Infecciosa:
hepatite C*
ra - HIV
Autoimune:
- Infecções parasitárias
- LES*
Associada à malignidade:
- Vasculites ANCA-associadas
- Amiloidose
- Doença da deposição de
Ig monoclonal
- Paraneoplásica
Tabela 2.1
Fonte: Doenças glomerulares – Roman GB Bonegio e David J Salant. MedicinaNET, acessado em 02/11/2020.
*Pode ocorrer na síndrome nefrítica-nefrótica.
Abreviações: AINH = anti-inflamatórios não hormonais; ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo; DDD = doença de depósito denso; GESF = glomeruloscle-
rose segmentar focal; GNMP = glomerulonefrite membranoproliferativa; GMRP = glomerulonefrite rapidamente progressiva; LES = lúpus eritematoso sistêmico;
MBG = membrana basal glomerular; NIgA = nefropatia por IgA; PHS = púrpura de Henoch-Schönlein; TFG = taxa de filtração glomerular.
Fonte: Medicina Interna – Harrison, 19º. Edição.
a
Pode manifestar-se como glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP); às vezes denominada glomerulonefrite crescêntica.
Abreviações: AA, amiloide A; AL, amiloide L; ANCA, anticorpos anticitoplasma de neutrófilo; MBG, membrana basal glomerular.
figura. 2.1
intersticial, fibrose renal e atrofia tubular. Entre- glomérulos menos afetados. Independente-
tanto, o que não é tão evidente é o fato de que mente do mecanismo exato, a nefrite túbulo-
a insuficiência renal na glomerulonefrite apre- -intersticial aguda precoce sugere uma função
senta uma melhor correlação histológica com renal potencialmente recuperável, enquanto o
o aspecto da nefrite túbulo-intersticial do que desenvolvimento de fibrose intersticial crônica
com o tipo de lesão glomerular desencadeante. prognostica uma perda permanente.
A perda de função renal devida ao dano inters- A lesão persistente dos capilares glomerulares
ticial é explicada hipoteticamente por vários propaga-se para o túbulo-interstício em asso-
mecanismos. A explicação mais simples é que ciação com proteinúria. Existe uma hipótese de
o fluxo de urina é dificultado pela obstrução que as arteríolas eferentes provenientes dos
tubular como resultado da inflamação inters- glomérulos inflamados conduzem mediadores
ticial e da fibrose. Assim sendo, a obstrução inflamatórios, o que induz uma nefrite intersti-
dos túbulos com detritos ou pela compressão cial a jusante, resultando em fibrose. O filtrado
extrínseca resulta em néfrons aglomerulares. glomerular proveniente dos capilares glomeru-
Um segundo mecanismo sugere que as altera- lares lesionados aderidos à cápsula de Bowman
ções intersticiais, incluindo o edema intersticial também pode ser dirigido erroneamente para o
ou a fibrose, alteram a arquitetura vascular e interstício periglomerular. Entretanto, a maioria
tubular e, dessa forma, comprometem o trans- dos nefrologistas acredita que o filtrado glo-
porte tubular normal de solutos e de água do merular proteinúrico que forma o líquido tubu-
lúmen tubular para o espaço vascular. Essa lar representa a via primária para uma lesão
disfunção faz aumentar o conteúdo de solutos tubulointersticial distal, apesar de nenhuma
e de água do líquido tubular, resultando em dessas hipóteses ser mutuamente exclusiva.
isostenúria e poliúria. Os mecanismos adapta-
tivos relacionados com o feedback túbulo-glo-
merular também falham, resultando em uma ANORMALIDADES URINÁRIAS
redução na produção de renina pelo aparelho As anormalidades detectadas nos exames de
justaglomerular dominado pela inflamação urina de rotina, em pacientes sem sintomas
intersticial. Consequentemente, a influência de doenças renais ou urológicas, são achados
vasoconstritiva local da angiotensina-II sobre comuns na prática clínica. A avaliação apro-
as arteríolas glomerulares diminui, e a filtração priada de tais anormalidades pode levar à
cai em razão de uma diminuição generalizada detecção de sérias doenças renais subjacentes
do tônus arteriolar. Um terceiro mecanismo em pacientes assintomáticos.
envolve mudanças na resistência vascular
devidas à lesão dos capilares peritubulares. O As anormalidades urinárias constituem
volume do corte transversal desses capilares indicadores de doença renal estrutural (por
torna-se reduzido por inflamação intersticial, exemplo: cilindros hemáticos em glomerulo-
edema ou fibrose. Essas alterações estruturais nefrites) ou de doenças sistêmicas.
na resistência vascular afetam a função renal O EAS (com exame microscópico do sedimento
por meio de dois mecanismos. Em primeiro urinário), quando adequadamente efetuado
lugar, as células tubulares são metabolica- e interpretado, pode constituir um guia para
mente muito ativas, e, como resultado, uma melhor avaliação da doença renal e ajudar a
redução na perfusão leva à lesão isquêmica. evitar investigações desnecessárias. Já que nem
Em segundo, o comprometimento do efluxo sempre estão intrinsecamente relacionados, é
arteriolar glomerular resulta em agravamento possível que os resultados anormais dos compo-
da hipertensão intraglomerular nos gloméru- nentes do exame urinário ocorram isoladamente
los menos afetados; essa hipertensão intra- ou em associação. As anormalidades urinárias
glomerular seletiva agrava e amplia a escle- assintomáticas que são comumente diagnos-
rose mesangial e a glomerulosclerose para os ticadas pelo dipstick (fita reagente) e pelo
exame microscópico da urina são: glicosúria, de três hemácias é suficiente para o diagnós-
piúria, cristalúria, bacteriúria, hematúria e tico. A hematúria macroscópica é definida
proteinúria. Veja abaixo: pela coloração característica (avermelhada
Glicosúria: na ausência de hiperglicemia, ou marrom), acompanhada por mais de 106
sugere glicosúria renal essencial ou relacio- hemácias/ml. A modificação na cor não signi-
nada à doença tubular proximal. Essa alteração fica, necessariamente, grandes perdas sanguí-
também é comum na gravidez. neas, dado que um ml de sangue é necessário
Piúria: a presença de mais de três a cinco leucó- para alterar um litro de urina.
citos por campo de grande aumento, na ausên- A hematúria pode aparecer devido a anorma-
cia de cultura de urina positiva, sugere nefrite lidades em qualquer parte do trato genituriná-
intersticial, prostatite ou tuberculose renal. rio, desde os rins até a uretra, bem como em
Cristalúria: cristais de muitos tipos aparecem algumas doenças sistêmicas. A hematúria iso-
no sedimento urinário de pacientes assinto- lada sem proteinúria, outras células ou cilin-
máticos. A maioria deles não tem significado dros hemáticos, frequentemente indica san-
diagnóstico, porém os cristais hexagonais gramento proveniente do trato urinário. As
de cistina só são observados na urina de doenças subjacentes também podem variar
pacientes com cistinúria. amplamente, desde benignas (por exemplo:
Bacteriúria: a bacteriúria assintomática em febre) até malignas e fatais (por exemplo: car-
mulheres é, frequentemente, contaminante, cinoma de células renais).
porém em mulheres grávidas e em crianças é
Na prática clínica, a hematúria pode ser diag-
uma útil orientação para maior avaliação de
nosticada por meio do teste com dipstick na
infecção do trato urinário. Temos como regra
tratar a bacteriúria assintomática em ges- urina (alteração da cor resultante da oxidação
tantes, pois estas aumentam o risco tanto da ortotolidina pelo peróxido).
de amniorrexe prematura como de parto A hematúria macroscópica pode ser suspei-
prematuro. tada pela cor vermelha da urina, porém pre-
Hematúria e proteinúria: a hematúria e a pro- cisa ser confirmada pelo dipstick e pelo exame
teinúria podem ser sintomáticas ou assintomá- microscópico da urina. A ingestão de alguns
ticas, estando comumente associadas com sig- alimentos (por exemplo, beterraba, coran-
nificativas doenças subjacentes. tes), medicamentos (como fenazopiridina e
fenotiazina) e excreção de porfirinas podem
alterar a cor da urina para vermelho, porém
HEMATÚRIA a urina é negativa para sangue pelo dipstick.
Pode ocorrer, também, que o dipstick seja posi-
Em geral, cerca de um milhão de hemácias são
tivo para sangue em pacientes com rabdomió-
excretadas pela urina diariamente, o que se
lise e hemólise, porém o exame microscópico
traduz na presença de uma a três hemácias
revela presença não significativa de hemá-
por campo de grande aumento, no sedimento
cias. Resultados falso-positivos do dipstick são
centrifugado da urina normal, examinado ao
observados na presença de iodo-povidona e
microscópio. O padrão ouro para o diagnós-
agentes oxidantes.
tico de hematúria microscópica é o exame
do sedimento urinário. O sedimento é obtido Os resultados falsos-negativos ao dipstick têm
por meio da centrifugação de uma amostra estado associados à excreção de vitamina C
de urina a 3.000 rpm durante cinco minutos ou à exposição dos dipsticks ao ar. É essencial
e submetido a análise por lentes de microscó- o exame microscópico da urina após o dipstick
pio de grande aumento. A presença de mais para o diagnóstico da hematúria, já que esse
Glomerulares Não-glomerulares
• Hipercalciúria Medicamentos
• Hiperuricosúria
• Heparina
Glomerulopatias associadas a infecções Familiares
• Varfarina
Nefrite lúpica sistêmica e vasculites • Doença renal policística • Ciclofosfamida (cistite hemor-
Crioglobulinemia mista essencial • Medula renal esponjosa rágica)
Infecção Distúrbios hemorrágicos sistêmi-
Síndrome hemolítico-urêmica
cos
Púrpura trombocitopênica trombótica • Pielonefrite
A proteinúria tem sido considerada um fator de risco para declínio progressivo da função renal,
em várias doenças renais crônicas. Em diabéticos, sabe-se, atualmente, que uma microal-
buminúria entre 20 e 200 µg/minuto representa um fator de risco para o aparecimento
de nefropatia diabética declarada. No caso de várias doenças renais, sejam glomerula-
res, hipertensivas, diabéticas ou intersticiais, quanto maior o grau de proteinúria, mais
rápida será a evolução para insuficiência renal em estágio final.
Nas últimas duas décadas, os resultados de muitas investigações básicas e clínicas sugerem que a
velocidade de declínio da função renal possa ser reduzida pela alteração de certas hemodinâmicas
glomerulares. As pressões intraglomerulares podem ser reduzidas diminuindo-se a pressão arterial
sistêmica e, sobretudo, por meio de medicamentos antiproteinúricos, em especial os inibidores da
enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor da angiotensina-II. Essas medidas
diminuem a hiperfiltração glomerular e reduzem a velocidade do processo de esclerose glomerular.
negativamente. O reagente passa de uma cor amarela, negativa, para tons de verde mais escuros
e depois para azul, na presença de maiores quantidades de proteína. Uma proteinúria na faixa
de 30 a 1.000 mg/dL é detectada a partir desse método. Ainda que o dipstick da urina seja útil
como um instrumento de triagem, suas limitações precisam ser lembradas. Pode haver resulta-
dos tanto falso-positivos quanto falso-negativos usando este método.
Resultados falso-negativos podem ocorrer quando a urina está diluída. O azul de tetrabro-
mofenol também não detecta proteínas carregadas positivamente, como as cadeias leves. O
ácido sulfossalicílico e outros testes de precipitação da proteína são mais sensíveis para essas
proteínas. Quando a urina está concentrada, cursa com alto pH ou está sanguinolenta, podem
ocorrer resultados falso-positivos. Agentes de radiocontraste também podem causar tanto
um resultado falso-posivo ao dipstick quanto um resultado falso-positivo no teste de ácido
sulfossalicílico.
O dipstick da urina não detecta concentrações de albumina inferiores a 30 mg/dL. Por con-
seguinte, não pode ser usado como um teste de triagem nas doenças em que a detecção
de microalbuminúria é importante, como em estágios iniciais da nefropatia diabética.
Proteinúria > 1 g/dia é sugestiva de doença glomerular; acima de 3,5 g/dia é definida como pro-
teinúria nefrótica e, quando associada à hiperlipidemia, hipoalbuminemia e lipidúria, constitui a
síndrome nefrótica.
Nefropatia diabética incipiente é definida pela presença de microalbuminúria persistente, ou seja,
perda entre 20-200 µg/min ou 30-300 mg/dia..
feitas perguntas específicas sobre os sin- pacientes com anasarca decorrente da sín-
tomas extra-renais de doenças sistêmicas, drome nefrótica não apresentem elevação
como artralgia, erupção prurídica ou sensí- da pressão venosa jugular nem congestão
vel à luz solar, alopécia, doença crônica no pulmonar. Estes achados devem alertar para
trato respiratório superior e hemoptise. Uma a possível coexistência de uma doença cardí-
história familiar de doença renal pode suge- aca. Contudo, pacientes com nefrite aguda e
rir uma forma familiar de glomerulonefrite, hipertensão severa podem apresentar edema
como a síndrome de Alport, em especial se o pulmonar e encefalopatia hipertensiva. É pre-
indivíduo afetado apresentar perda auditiva. ciso procurar sinais da possível existência
Também existem formas familiares de nefro- de doenças sistêmicas, incluindo um exame
patia por IgA, glomerulosclerose segmentar detalhado do trato respiratório superior, boca,
e focal (GESF) e síndrome hemolítica-urê- articulações e pele. Deve ser feito um exame
mica atípica. Além das formas mendelianas microscópico de urina, para determinar se o
de doença renal, a história familiar pode ser sedimento urinário é ativo e contém hemácias
importante como indicador de suscetibili- dismórficas e cilindros de hemácias – um sinal
dade à doença. A predisposição familiar à patognomônico de glomerulonefrite. A lipi-
nefropatia diabética, nefrosclerose hiperten- dúria (corpúsculos adiposos ovais, gotículas
siva e nefropatia associada à infecção pelo lipídicas e cilindros de gordura) é tipicamente
HIV (NAHIV) está bem descrita, sobretudo observada na síndrome nefrótica.
entre pacientes de ascendência africana
recente. Esta predisposição foi recentemente Pacientes com início agudo de síndrome nefró-
associada a um polimorfismo envolvendo tica normalmente não apresentam lesão
o gene codificador da cadeia pesada 9 da renal aguda (LRA). No entanto, a LRA pode ser
miosina (MYH9), bem como ligada a varian- observada no momento da apresentação em
tes localizadas nas adjacências deste gene pacientes com podocitopatias, como doença
(ApoL1) que codificam uma forma tripano- de alteração mínima ou glomeruloesclerose
lítica da proteína ApoL1. A ApoL1 confere segmentar focal primária (GESF). No entanto, o
resistência à doença do sono africana. comprometimento renal (agudo ou crônico) é
comumente visto em pacientes com glomeru-
As células glomerulares também podem ser
lonefrite nas seguintes situações:
lesadas pela exposição a fármacos e toxinas
específicos. Os podócitos, por exemplo, podem • A LRA pode ocorrer em casos de glomerulo-
ser lesados pela exposição aos AINH ou ao nefrite aguda, especialmente em pacientes
interferon, causando uma doença de lesões com glomerulonefrite crescente, que geral-
mínimas. Contudo, a exposição destas células mente é decorrente de vasculite associada a
ao ouro, à penicilamina e ao mercúrio predis- anticorpos anti-citoplasmasma de neutrófi-
põe ao desenvolvimento de nefropatia mem- los (ANCA) ou na síndrome de Goodpasture
branosa. A disfunção endotelial causadora (doença anti-MBG);
de microangiopatia trombótica ou síndrome • Pacientes com doenças glomerulares crô-
hemolítica-urêmica já foi associada ao uso de nicas podem desenvolver declínio progres-
inibidores do fator de crescimento endotelial sivo na taxa de filtração glomerular e evoluir
vascular (FCEV), ciclosporina, tacrolimo, mito- posteriormente para doença renal crônica.
micina C e anticoncepcionais orais. O início agudo da hipertensão em pacientes
Durante o exame, é preciso procurar sinais com pressão arterial previamente normal ou
de síndromes nefrítica ou nefrótica, incluindo agravamento agudo da hipertensão em pacien-
hipertensão e edema, e usar o teste da tes hipertensos previamente controlados deve
vareta medidora de nível de urina para detec- levantar suspeita de doença glomerular, par-
tar hematúria e albuminúria. É notável que ticularmente se outras manifestações (por
exemplo, hematúria, edema) também estive- pode estar associada à doença de Hodgkin), e,
rem presentes. por último, a amiloidose (possivelmente asso-
ciada ao mieloma múltiplo).
Alguns tipos de doença glomerular, em particu-
lar a nefropatia membranosa ou, menos comu-
mente, outras causas de síndrome nefrótica,
podem produzir um estado de hipercoagulabili- EXAMES LABORATORIAIS
dade. Assim, eventos trombóticos, como trom- E INVESTIGAÇÃO INICIAL
boembolismo pulmonar, podem representar DE PACIENTES COM
uma manifestação de doença glomerular. GLOMERULONEFRITE
A doença glomerular pode estar limitada Os exames de laboratório devem incluir as
principalmente ao rim ou pode estar asso- análises bioquímicas, que permitem o cálculo
ciada à condições sistêmicas, como infecções, da TFG estimada e a identificação de distúrbios
doenças autoimunes, malignidade e reações eletrolíticos capazes de complicar a insuficiên-
medicamentosas. Assim, em pacientes com cia renal, tais como: hipercalemia, hiperfosfa-
suspeita de doença glomerular, a história, o temia e hipocalcemia. Os níveis séricos de albu-
exame físico e os exames laboratoriais devem mina, perfil lipídico de jejum e quantificação da
incluir a pesquisa de sinais e sintomas de aco- excreção urinária de albumina, seja na urina
metimento sistêmico: de 24 horas ou via proporção proteína: crea-
tinina urinárias em amostra de urina isolada
• Constitucional - febre, calafrio, perda de
são essenciais para o diagnóstico da síndrome
peso, sudorese noturna e fadiga;
nefrótica. Como já mencionado, é importante
• Olho - retinite ou uveíte;
examinar um sedimento de urina fresco em
• Ouvido, nariz e garganta - epistaxe, sinusite, busca de evidências de hemácias, cilindros de
úlceras orais; hemácias ou lipidúria.
• Cardiovascular - sopros, dor (pericardite) ou
As investigações subsequentes são realizadas
insuficiência cardíaca;
com o objetivo de excluir causas secundárias
• Pulmões - hemoptise, infiltrados ou nódulos; de glomerulonefrite e devem ser adequadas
• Abdômen - enterite, colite ou pancreatite; à síndrome em questão. Nesse contexto, exa-
• Sistema nervoso - convulsões ou neuropatia mes úteis incluem a dosagem de complemento
periférica; sérico – frações C3 e C4 (Tabela 2.7), testes
sorológicos (anti-HIV, anti-HBC e anti-HCV),
• Extremidades – isquemia digital ou infarto;
pesquisa de anticorpos (anti-MBG, anti-fosfoli-
• Pele - púrpura ou erupções; pídeo, anti-estreptolisina O [ASO], anti-DNAse,
• Musculoesquelético - artrite, artralgias ou anti-hialuronidase, anti-citoplasma de neutrófi-
mialgias; los [ANCA], anti-DNA e crioglobulinas).
• Infecções - particularmente relacionadas à Diante de um paciente com exame de urina
infecções por Staphylococcus, Streptococcus, anormal ecreatinina sérica elevada, com ou
vírus da hepatite ou HIV, sífilis. sem edema ou insuficiência cardíaca conges-
Algumas doenças em particular podem estar tiva, deve ser esclarecido se a glomerulonefrite
associadas à malignidades, incluindo a nefropa- é aguda ou crônica. Os pacientes que desenvol-
tia membranosa (que pode ocorrer em associa- vem rapidamente insuficiência renal ficam fati-
ção com tumores do pulmão, mama, intestino gados e fracos e, com frequência, apresentam
ou próstata) e a doença de lesões mínimas (que sintomas urêmicos associados, como náusea,
vômitos, retenção de líquidos e sonolência. A ultrassonografia renal pode ser útil neste contexto,
já que pacientes com glomerulonefrite crônica geralmente cursam com rins pequenos. Por outro
lado, rins aumentados podem ser observados na glomerulonefrite aguda, nefropatia diabética
em estágio inicial, nefropatia associada ao HIV e amiloidose.
Tabela 2.8
- Causas de glomerulopatias e relação com complemento
Fonte: Brandão Neto RA. Doenças glomerulares. MedicinaNET, acessado em 02/11/2020
celular se estende para o interior do espaço insuficiência renal em estágio avançado (creati-
de Bowman, ela é denominada extracapilar. nina > 5 mg/dL), ou atribuível a uma terapia con-
As sinéquias são formadas quando podócitos comitante com inibidores plaquetários, constitui
epiteliais se prendem na cápsula de Bowman o único fator preditor reconhecido de complica-
na presença de lesão glomerular; os crescen- ções de sangramento. O valor do exame de bióp-
tes, que em alguns casos podem ser prolon- sia deve ser cuidadosamente ponderado contra o
gamentos de sinéquias, surgem quando os risco aumentado de sangramento para todos os
acúmulos fibrocelulares/de fibrina preen- pacientes, porém especialmente no caso daque-
chem todo ou parte do espaço de Bowman; e les com insuficiência renal em estágio avançado
os glomérulos escleróticos mostram acúmu- para os quais uma intervenção terapêutica pode
los amorfos acelulares de material proteiná- não retardar a necessidade de diálise.
ceo em todo o tufo, com perda de capilares
Existem quatro situações em que o exame
funcionais e do mesângio normal. Já que a
de biópsia renal deve ser obrigatoriamente
glomerulosclerose relacionada com a idade é
considerado: (1) insuficiência renal de pro-
comum em adultos, é possível estimar o per-
gressão rápida no contexto da doença glo-
centual básico de esclerose dividindo a idade
merular (GNRP); (2) síndrome nefrótica
do paciente por dois e subtraindo 10.
(exceções: crianças que podem ser con-
As biópsias renais percutâneas costumam ser sideradas com portadores de doença de
obtidas por um nefrologista ou radiologista lesão mínima; ou pacientes diabéticos que
que emprega uma técnica estéril e anestesia apresentam os aspectos clínicos clássicos
local. Guiada por exame de ultrassonogra- da nefropatia diabética); (3) doença renal,
fia, uma agulha de biópsia disparada por um no contexto de uma doença sistêmica (por
mecanismo de molas é utilizada na obtenção exemplo, LES, mieloma múltiplo, amiloi-
de um centro de tecido cortical de um dos rins. dose ou vasculite clássica); e (4) disfun-
Havendo indicação, a biópsia deve ser realizada ção inexplicável de um transplante renal.
no momento adequado, uma vez que a rápida Alguns pacientes com proteinúria não nefró-
iniciação da terapia apropriada para a doença tica, hematúria ou doença renal crônica tam-
glomerular muitas vezes limita a lesão renal e bém podem ser beneficiados por um exame
preserva a função dos rins. de biópsia renal para fins diagnósticos ou
A obtenção de biópsias renais percutâneas prognósticos. As biópsias são relativamente
orientada por exame ultrassonográfico em geral contraindicadas para pacientes com DRET,
constitui um procedimento seguro. Entretanto, diátese hemorrágica ou que têm apenas um
pode haver complicações sérias, como o desen- único rim.
volvimento de hematomas perinéfricos, hema- O relatório do exame de biópsia renal inclui uma
túria grosseira, fístulas arteriovenosas, infecção descrição de microscopia óptica, coloração de
e lesão de um órgão adjacente. Até um terço imunofluorescência e microscopia eletrônica.
das complicações sérias não são reconhecidas
durante as primeiras 8 horas subsequentes à
conclusão do procedimento. Por isso, prefere-se
manter o paciente sob observação de um dia
MICROSCOPIA ÓPTICA
para o outro, após a obtenção da biópsia. A maio- A microscopia óptica descreve a natureza da
ria das complicações, quando identificada pronta- doença glomerular utilizando cortes de bióp-
mente, pode ser tratada de forma conservadora sia renal corados. O relatório do exame de
ou por radiologia intervencionista, necessitando biópsia deve conter uma descrição da celu-
de intervenção cirúrgica apenas em casos muito laridade glomerular, espessura da MBG e
raros. A disfunção plaquetária no contexto da patência das alças capilares glomerulares,
BIÓPSIA RENAL
Rifampicina
tanto primárias como secundárias de nefropa- com aumento da produção de IgA, como na
tia por IgA: doença celíaca, doença inflamatória intestinal
e dermatite herpetiforme, enquanto a pato-
• Primária:
gênese em pacientes com carcinoma do trato
• Associada ou não com púrpura de Heno-
gastrointestinal e pulmão permanece incerta.
ch-Schönlein.
De modo geral, são quatro as principais anor-
• Secundária:
malidades características da nefropatia por
• Cirrose hepática, principalmente por
IgA:
álcool;
• IgA sérica é aniônica e as cadeias lambdas
• Dermatite herpetiforme;
são predominantes;
• HIV;
• Ocorre aumento na IgA sérica, principal-
• Psoríase; mente IgA polimérica;
• Espondilite anquilosante; • Alta proporção de IgA A1 pobremente galac-
• Doença celíaca; tolizada;
• Doença inflamatória intestinal e outras • Alterações na sinalização da IgA A1.
formas de enterite; Apesar da presença de níveis séricos elevados
• Síndrome de Reiter; de IgA em 20 a 50% dos pacientes, da depo-
• Carcinoma e micose fungoide (causas sição de IgA nas biópsias da pele de 15 a 55%
raras). dos pacientes, ou dos níveis elevados de IgA
secretória e dos complexos IgA-fibronectina,
FISIOPATOLOGIA a biópsia renal é necessária para confirmar o
diagnóstico. Achados comuns à biópsia renal
A patogênese da nefropatia por IgA primária com o auxílio de técnicas de imunofluores-
envolve a produção de IgA e C3, e seu evento cência incluem depósitos glomerulares de
precipitante é o depósito de IgA mesangial, que IgA (também são frequentes depósitos de
é a forma predominantemente polimérica IgA C3). Embora o padrão à imunofluorescência de
da subclasse IgA1, não se sabendo se a produ- IgA na biópsia renal defina a nefropatia por IgA
ção de IgA1 ocorre in situ ou é sistêmica. Já nos no contexto clínico apropriado, uma variedade
casos secundários parece haver menor clea- de lesões histológicas pode ser observada à
rance hepático de imunocomplexos contendo microscopia óptica, incluindo GNPD, esclerose
IgA, o que ocorre principalmente na cirrose por segmentar, e, raramente, necrose segmentar
álcool; também parece que pode haver expo- com formação de crescentes celulares, que
sição a antígenos adquiridos pela alimentação costuma se manifestar como GNRP.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
• Curso clínico de GN após infecção de orofa-
ringe:
• GN pós-estreptocócica. Figura 2.9 – Evolução natural na nefropatia por iga.
• GN associadas com hematúria isolada e per- Não existe consenso quanto ao tratamento
sistente: ideal. As principais recomendações no trata-
• Nefrite hereditária (síndrome de Alport); mento da nefropatia por IgA são:
• Doença da membrana fina; • Restrição hidrossalina;
• GN membranoproliferativa. • Terapias não imunossupressoras:
presença do fator nefrítico C3 e/ou da lipodistrofia parcial, que produzem doença tipo II, ou deficiência
dos receptores do complemento na doença tipo III. Foi proposta uma reclassificação da GNMP em
doença mediada por imunoglobulinas (impulsionada pela via clássica do complemento) e doença não
mediada por imunoglobulinas (impulsionada pela via alternativa do complemento) (Tabela 2.11).
Causas Infecciosas
FISIOPATOLOGIA
A GNMP tipo I, que é a mais proliferativa dos três tipos, mostra proliferação mesangial com seg-
mentação lobular na biópsia renal e interposição mesangial entre a membrana basal dos capi-
lares e as células endoteliais, produzindo um duplo contorno algumas vezes denominado em
trilhos de bonde. Os depósitos subendoteliais Pode cursar tanto com síndrome nefrítica
com baixos níveis séricos de C3 são típicos, (inclusive na forma de GNRP) como síndrome
apesar de 50% dos pacientes apresentarem nefrótica. De modo similar a outras formas de
níveis normais de C3 e depósitos intramesan- glomerulonefrite, os exame de urina também
giais ocasionais. Os baixos níveis séricos de C3 evidenciam hematúria e piúria (30%). É comum
e um espessamento denso da MBG contendo a presença de baixos níveis séricos de C3. Os
fitas de depósitos densos e C3 caracterizam níveis de C4 podem permanecer normais na
a GNMP tipo II, algumas vezes denominada GNMP mediada por complemento (ativação da
doença de depósito denso. Classicamente, o via alternativa).
tufo glomerular possui um aspecto lobular;
os depósitos intramesangiais estão presentes
apenas raras vezes, e os depósitos subendo-
teliais em geral estão ausentes. A proliferação
na GNMP tipo III é menos comum do que nos
outros dois tipos e, com frequência, é de natu-
reza focal; a interposição mesangial é rara, e
os depósitos subepiteliais podem ocorrer ao
longo de segmentos alargados da MBG que
parecem ter um aspecto laminado e rompido.
A GNMP tipo I é secundária à deposição glo-
merular de imunocomplexos circulantes ou à
sua formação in situ. Os tipos II e III de GNMP
podem estar relacionados com “fatores nefrí-
ticos”, que são autoanticorpos que estabili-
zam a C3 convertase e permitem que ative o
C3 sérico. A GNMP também pode resultar de Figura 2.11 – Depósitos subendoteliais na =
gnmp tipo i à microscopia eletrônica
anormalidades adquiridas ou genéticas na via
alternativa do complemento.
EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
Em suma, os principais achados fisiopatológi-
cos na GNMP incluem: Cerca de 50% dos pacientes com GNMP desen-
• Espessamento e duplicação da MBG; volvem doença em estágio terminal 10 anos
após fazer o diagnóstico, e 90% sofrem de insu-
• Deposição de imunocomplexos e/ou fatores
ficiência renal após 20 anos. Síndrome nefró-
de complemento na MBG;
tica, hipertensão e insuficiência renal permi-
• Desregulação e ativação persistente da via tem todas predizer um desfecho ruim.
alternativa do complemento;
As principais recomendações com relação ao
• Proliferação difusa de células mesangiais;
tratamento da GNMP incluem:
• Infiltração glomerular por macrófagos;
• Inibidores de ECA ou bloqueadores de
• Aumento da matriz mesangial.
angiotensina II (BRA)
• Controle da PA e ação anti-proteinúrica.
ABORDAGEM CLÍNICA E
• Tratar causa subjacente (por exemplo, trata-
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
mento antiviral para hepatite C);
Sintomas sistêmicos de fadiga e mal-estar são • Varia conforme apresentação:
mais comuns em crianças com a doença tipo I. • Com síndrome não nefrótica
mínimas, enquanto o contrário ocorre em Figura 2.13 – Fórmula para cálculo do índice de seletividade (is) na investiga-
ção da etiologia de proteinúria nefrótica
glomerulopatia membranosa). Há também
trabalhos que sugerem que o índice de sele- As principais lesões histológicas que se asso-
tividade possa ser utilizado como um parâ- ciam com síndrome nefrótica são:
metro de gravidade e resposta terapêutica
• Glomerulopatia de lesões mínimas;
na glomerulopatia membranosa;
• Glomeruloesclerose segmentar e focal
• Ultrassonografia renal: principalmente
(GESF);
para avaliação de tamanho e ecogenici-
• Glomerulopatia membranosa;
dade dos rins, além de espessura da córtex
renal, informações que podem mostrar se • Glomeruloesclerose nodular;
o quadro renal tende a ser agudo ou crô- • Glomerulonefrites membranoproliferativas;
nico. Além disso, sabe-se que os rins de • Nefropatia da IgA (comumente manifesta-
nefropatia diabética e de amiloidose, por das por síndrome nefrítica-nefrótica);
Primária: idiopática
Lesões mínimas
Secundária: drogas, tumores linfoproliferativos, HIV, sífilis
Primária: idiopática; genética (mutação em nefrina, podocina etc.)
GESF Secundária: obesidade, DM, HIV, uso de heroína, abuso de analgésicos,
pielonefrite crônica
Primária: idiopática
Secundária: hepatites B e C, LES (classe V), infecções, drogas, doenças autoimu-
Glomerulonefrite membranosa
nes, neoplasias (principalmente brônquicas, pulmonares, prostáticas e gástri-
cas)
Com depósito de amiloide: amiloidose hereditária, mieloma múltiplo,
infecções crônicas, artrite reumatoide
Com depósito de imunoglobulina: doença de cadeia leve, doença de
cadeia pesada ou doença de cadeias leve e pesada, mieloma múltiplo,
Glomeruloesclerose nodular
macroglobulinemia de Waldenström, leucemia linfocítica crônica, gamo-
patia de significado indeterminado
Com depósito não imune, não amiloide: diabetes mellitus
Com depósito de crioglobulina: crioglobulinemias primária e secundária
Primária: idiopática
Glomerulonefrite membra- Secundária: hepatite C (com ou sem crioglobulinemia), LES (classes III e IV),
noproliferativa esquistossomose, SHU, infecções, deficiência de complemento ou fator H,
paraproteinemias
Primária: idiopática
Nefropatia da IgA
Secundária: cirrose hepática, doenças autoimunes
Primária: idiopática
Glomerulopatia fibrilar ou
Secundária: tumores linfoproliferativos, mieloma, gamopatia monoclonal de
imunotactoide
significado indeterminado
Tabela 2.16 - Principais causas das diferentes lesões histológicas na síndrome nefrótica
Fonte: Rodrigues CE, Titan S, Woronik V. Síndrome nefrótica. MedicinaNET.
Também é importante que tenhamos em mente as causas possíveis de síndrome nefrótica, sendo
que as formas mais comuns de síndrome nefrótica idiopática são a doença de lesões mínimas em
crianças, a glomerulopatia membranosa (principalmente na faixa etária dos 40 anos de idade) e
a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) em adultos jovens. Dentre as causas secundárias,
deve-se dar destaque, por conta da prevalência das doenças na população, à nefropatia diabé-
tica, à nefropatia associada a VHC e VHB, à nefropatia lúpica, à amiloidose e às vasculites sistêmi-
cas e renais. Dependendo do quadro clínico apresentado pelo paciente e de sua idade, há alguns
tipos mais comuns de etiologia que devem ser considerados (Tabela 2.17).
gradual. A não ser em situações especiais, não • Adaptação tubular ao uso crônico de diuré-
se recomenda reduções de peso maiores do ticos; nesse caso, o uso de diuréticos com
que 2 kg/dia. Os diuréticos de alça devem ser ações diferentes é o mais recomendado.
usados com cautela nos pacientes com hipo-
albuminemia severa, pois há possibilidade de INGESTÃO PROTEICA
haver piora da função renal por redução rápida
do setor intravascular. Uma proteinúria significativa e prolongada,
além de um catabolismo aumentado da albu-
A expansão do volume plasmático com o uso mina, pode levar a balanço nitrogenado nega-
de concentrado de albumina produz resulta- tivo. Entretanto, nos pacientes com síndrome
dos variáveis, com benefício em menos de 50% nefrótica, dieta hiperproteica não é recomen-
dos casos. Pode ser útil nos pacientes com dável, porque produz aumento na proteinú-
edema refratário, quando associada ao uso de ria sem alteração no nível sérico de albumina.
diuréticos de alça. O maior inconveniente é que Outro fato relevante para não usarmos die-
a albumina infundida é excretada rapidamente tas hiperproteicas são as evidências clínicas e
na urina, tendo assim um efeito transitório e, experimentais dos benefícios de uma restrição
além disso, tal conduta é limitada pelo alto proteica sobre a progressão da doença renal,
custo de tratamento. tanto na nefropatia diabética quanto nas glo-
merulopatias primárias.
Alguns pacientes com tendência à hipocalemia
podem ser tratados com a combinação de diu- Para pacientes com função renal normal, reco-
réticos de alça com um diurético poupador de menda-se a ingestão de 1 g/kg/dia de proteí-
potássio (amilorida, triantereno ou espirono- nas de alto valor biológico e uma quantidade
lactona). de calorias de 35 kcal/kg/dia.
FISIOPATOLOGIA
DOENÇA DE LESÃO MÍNIMA Na DLM, existem evidências de que possa
(DLM) haver um distúrbio imunológico subjacente.
Isso é sugerido por vários fatos:
A DLM é a causa mais comum de síndrome
nefrótica em crianças, sendo responsável por a. excelente resposta clínica à terapia com
aproximadamente 90% dos casos de síndrome corticosteroides e agentes citotóxicos;
nefrótica em crianças pré-adolescentes, por b. associação frequente com linfoma de Hod-
aproximadamente 33% em crianças maiores e gkin em adultos e atopia em crianças;
aproximadamente 10% dos casos em adultos.
c. recidivas frequentes pós-infecções;
Em crianças, a condição afeta duas vezes mais
d. remissão pós-sarampo, por redução transitó-
meninos do que meninas, com pico de incidên-
ria da hipersensibilidade mediada por células;
cia aos 4 anos de idade. Em adultos, não há
predileção entre os sexos. e. alterações na função de linfócitos T. Mui-
tos fenômenos imunológicos são descritos,
Embora a maioria das formas de doença de mas é difícil decidir se eles são importantes
lesões mínimas seja idiopática, é preciso excluir na patogenia ou consequências do próprio
as causas secundárias. Veja abaixo: estado nefrótico.
• Causas secundárias de DLM: A biópsia renal na DLM mostra a ausência de
• Neoplasias (sobretudo linfoma de Hodgkin); alterações histológicas à microscopia ótica (daí
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Diferenciar sobretudo de outras causas de sín-
drome nefrótica:
Figura 2.14 – Achados à biópsia renal na doença de lesão mínima Glomeruloesclerose segmentar focal;
A) Microscopia óptica, que se mostra pouco elucidativa na doença de
lesão mínima; B) Microscopia eletrônica revelando lesão podocitária,
evidenciada por apagamento completo do pedicelo ou podócitos.
Nefropatia membranosa;
Nefropatia diabética;
QUADRO CLÍNICO Amiloidose.
A DLM geralmente se manifesta com uma sín-
drome nefrótica franca, com aparecimento EVOLUÇÃO E TRATAMENTO
súbito de edema, que pode ser maciço (ana-
sarca). Pode haver complicações infecciosas O tratamento inicial da doença de lesões míni-
(principalmente pneumonias e peritonites) e mas é sempre feito com corticosteroides sis-
trombóticas. A hipertensão arterial também têmicos, com uma taxa de resposta de 75%
não é habitual, mas pode estar presente em nas primeiras duas semanas, 80 a 85% em até
até 30% dos casos, principalmente em adul- quatro semanas e 90% até a oitava semana. As
tos jovens. Não é rara a ocorrência de necrose doses recomendadas de corticosteroides são:
tubular aguda em pacientes portadores de • Crianças: prednisona 60 mg/m2 (dose
DLM, em decorrência da hipovolemia que máxima: 60 mg/dia); duração pode variar
alguns pacientes com hipoalbuminemia mais conforme velocidade de resolução da pro-
grave apresentam. teinúria;
Lembre-se de que a proteinúria na DLM é • Adultos: prednisona 1 mg/kg (dose
mais seletiva (i. e., proteinúria deve-se princi- máxima: 80 mg/dia); manter em média por
palmente a pequenas proteínas plasmáticas, 12-16 semanas.
A corticoterapia deve ser mantida, em geral, nefrótica que pode ser idiopática ou secun-
por quatro semanas após a remissão da pro- dária a várias outras doenças. Trata-se de
teinúria, quando se deve iniciar redução das uma doença predominantemente de adul-
doses em uso: passar de terapia diária – tera- tos jovens, sendo a principal causa de sín-
pia em dias alternados e/ou redução progres- drome nefrótica em adultos, responsável
siva da dose diária, completando um período por cerca de 35% dos casos.
total de 2 a 4 meses de tratamento.
A GESF mostra-se mais comum em negros,
Alguns cuidados devem ser tomados após o sendo quatro vezes mais frequente neste
início da corticoterapia, que incluem o controle grupo em comparação a brancos e asiáticos.
da pressão arterial, orientação dietética para Em 10 a 30% dos pacientes, nota-se apenas
evitar ganho de peso, controle de glicemia e a presença de proteinúria não nefrótica,
identificação de eventuais parasitoses intesti- associada ou não à perda de função renal e
nais (há vários relatos sobretudo de estrongi- hipertensão. A remissão espontânea é rara e
loidíase disseminada após introdução de corti- pode haver perda definitiva de função renal
coterapia sistêmica em altas doses). em 30 a 55% dos casos após 10 anos.
FISIOPATOLOGIA • Celular.
Estágio I
Estágio II
Estágio III
QUADRO CLÍNICO
Dos pacientes com GNM, 80% se apresentam com síndrome nefrótica e proteinúria não seletiva, com
20% dos pacientes apresentando-se com proteinúria assintomática. Ocorre hematúria microscópica,
porém com menos frequência do que na nefropatia por IgA ou na GESF.
Remissões espontâneas acontecem em 20 a 33% dos pacientes, as quais costumam ser observa-
das tardiamente na evolução de vários anos de síndrome nefrótica, tornando difícil a tomada de
decisões quanto ao tratamento.
Cerca de 33% dos pacientes continuam tendo a síndrome nefrótica recorrente, mas preservam
uma função renal normal, e aproximadamente outros 33% dos pacientes desenvolvem insufici-
ência renal ou morrem das complicações da síndrome nefrótica. Sexo masculino, idade avançada,
hipertensão e a persistência da proteinúria estão associados a um pior prognóstico. As com-
plicações trombóticas representam uma característica de todas as síndromes nefróticas,
porém a GNM exibe as mais altas incidências relatadas de trombose da veia renal, embolia
pulmonar e trombose venosa profunda.
estudos randomizados, nenhuma terapia foi seguido do exame de biópsia renal. O achado
capaz de retardar a progressão da NAHIV já histológico renal característico consiste
estabelecida; ademais, muitos pacientes evo- na detecção de material amorfo junto ao
luem rapidamente para DRET e diálise. mesângio glomerular e alças capilares. Nos
casos severos, a microscopia óptica permite
AMILOIDOSE observar nódulos de material amiloide seme-
lhantes à nefropatia diabética. Contudo, em
O termo “amiloidose” é utilizado para des- contraste com os nódulos corados com ácido
crever um grupo de doenças causadas pela periódico de Schiff (PAS) na nefropatia diabé-
deposição extracelular de fibrilas insolúveis tica, os nódulos associados à amiloidose são
junto aos tecidos. A doença renal constitui fracamente corados pelo PAS. Isto se deve à
uma complicação frequente da amiloidose e composição destes nódulos por fibrilas amiloi-
uma fonte importante de mortalidade para os des, em vez de proteínas de matriz. O corante
pacientes. A amiloidose renal não tratada pro- vermelho Congo é empregado para confirmar
gride frequentemente para insuficiência renal o diagnóstico, sendo que a birrefringência mui-
em estágio terminal. Foram descritas 25 prote- tas vezes pode ser observada junto aos glo-
ínas plasmáticas distintas na composição das mérulos, túbulos e vasculatura. A coloração à
fibrilas amiloides. Entretanto, a maioria dos imunofluorescência resulta negativa para IgG
casos de amiloidose renal resulta da depo- e complemento, porém é positiva para cadeias
sição de cadeias leves monoclonais amiloi- leves kappa ou lambda na amiloidose AL. Os
dogênicas (amiloidose AL) ou de amiloide A anticorpos anti-AA podem ser utilizados para
sérico (amiloidose AA secundária). corar depósitos amiloides e confirmar o diag-
A amiloidose AL pode ser um distúrbio primário nóstico de amiloidose AA. Por fim, a microsco-
ou secundário ao mieloma múltiplo. As formas pia eletrônica revela a presença de fibrilas não
familiares de amiloidose raramente afetam os ramificantes, medindo 8 a 10 nm de diâmetro,
rins. A amiloidose AL é produzida por um clone que infiltram o mesângio, a parede capilar glo-
de plasmócitos produtores de cadeias leves merular e a vasculatura renal.
anômalas, enquanto a amiloidose AA é atri-
buível à deposição do fragmento N-terminal AVALIAÇÃO CLÍNICA
do amiloide A sérico (AAS), que é induzida por
doenças inflamatórias crônicas, como artrite A suspeita diagnóstica de amiloidose deve ser
reumatoide, febre do Mediterrâneo familiar, levantada em pacientes apresentando proteinú-
enteropatia inflamatória e infecções crônicas. ria, que pode variar de subnefrótica a mais de
20 g/dia. Muitos pacientes exibem os aspectos
FISIOPATOLOGIA típicos da síndrome nefrótica com ou sem dis-
função renal. Os pacientes também podem apre-
Todas as formas de deposição amiloide são sentar síndrome de Fanconi ou diabetes insípido
positivamente marcadas com corante ver- nefrogênico atribuível aos depósitos tubulares
melho Congo, que produz uma birrefringên- de fibrilas amiloides. Os rins, que são infiltra-
cia em tom maçã-verde característica sob dos por proteínas amiloides, muitas vezes são
luz polarizada. A biópsia do coxim adiposo de tamanho aumentado ao serem vistos no
abdominal (menos invasiva do que a biópsia exame de ultrassonografia. A amiloidose renal
renal) é diagnóstica em 80 a 90% dos casos de pode ser a forma de manifestação da doença
pacientes com amiloidose AL e em 65 a 75% amiloide ou pode ocorrer em pacientes que apre-
dos casos de amiloidose AA; por isso, deve sentam evidências clínicas de deposição amiloide
ser realizada primeiro. Entretanto, um resul- em outros órgãos. Utilizando um ensaio especí-
tado negativo de exame de biópsia de coxim fico e sensível, é possível detectar níveis séricos
adiposo não exclui o diagnóstico e deve ser elevados de cadeias leves kappa ou lambda.
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