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SJT-MED - Preparatório para Residência Médica

Cirurgia 1 - Politrauma I. São Paulo: SJT-MED Editora, 2021.

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SUMÁRIO

POLITRAUMA.................................................................................7 E – Exposição do doente e proteção contra a hipotermia.24

Introdução........................................................................................7 Exames adjuntos ao exame primário e à reanimação..... 25

Mortalidade por trauma (distribuição trimodal)...................7 Exame secundário....................................................................... 25

Índices de trauma...........................................................................9 Populações especiais..................................................................28

Índices anatômicos........................................................................9 VIA AÉREA E VENTILAÇÃO.................................................... 29

Escala abreviada de lesões (AIS)................................................9 Aérea temporária......................................................................... 30

Índice de gravidade da lesão (ISS).............................................9 Sistema balão-válvula-máscara

Novo índice de gravidade da lesão (NISS)...............................9 (AMBU) acoplado a reservatório de O2................................. 30

Índices fisiológicos........................................................................10 Cânulas oro e nasofaríngeas.................................................... 30

Escore de trauma revisado (RTS).............................................10 Máscara Laríngea (ML)................................................................31

Índices mistos................................................................................10 Tubo laríngeo (TL).........................................................................31

TRISS.................................................................................................10 Guia introdutor de intubação (Eschmann)............................31

ATENDIMENTO INICIAL DO POLITRAUMATIZADO.....11 Combitube (tubo de duplo lúmen)..........................................32

Introdução......................................................................................11 Cricotireoidostomia por punção..............................................32

Avaliação e exame primário......................................................14 Complicações da cricotireoidostomia por punção.................33

(Airway Cervical Spine Control) Via aérea definitiva...................................................................... 33

vias aéreas pérvias e proteção da coluna cervical;............14 Intubação orotraqueal (IOT)..................................................... 33

A – Manutenção da via aérea e Predizendo a VA difícil................................................................ 34

proteção da coluna cervical......................................................15 Complicações da IOT.................................................................. 35

Tarefas do A....................................................................................15 Intubação nasotraqueal (INT) ................................................. 35

Corpo estranho.............................................................................17 Cricotireoidostomia cirúrgica................................................... 36

B – Respiração e ventilaçãTarefas do B..................................19 Outros dispositivos auxiliares da via aérea......................... 36

C – Circulação com controle da hemorragia........................19 Oximetria de pulso ..................................................................... 36

Tarefas do C....................................................................................19 Monitor colorimétrico de CO2 (capnógrafo) ........................37

Nível de consciência.....................................................................20 Intubação de sequência rápida (RSI) .....................................37

Cor da pele......................................................................................20 Contraindicações da RSI – IOT

Pulsos...............................................................................................20 farmacologicamente assistida..................................................37

Hemorragias..................................................................................20 TRAUMA CERVICAL.................................................................. 39

Acesso venoso.............................................................................. 23 Introdução..................................................................................... 39

D – Disability (Exame Neurológico Sumário)....................... 23 Racional do trauma cervical .................................................... 40

Tarefas do D.................................................................................. 23 Existem três grupos de pacientes:......................................... 40


Zonas do pescoço........................................................................41 Ferimento de grandes vasos.................................................... 62

Tratamento cirúrgico e conservador......................................42 Tratamento.................................................................................... 64

Tratamento endovascular......................................................... 43 Trauma cardíaco Tamponamento cardíaco agudo............ 64

Complicações do trauma cervical........................................... 43 Pericardiocentese (punção de Marfan)................................. 66

Trauma de Laringe....................................................................... 44 Contusão miocárdica ................................................................ 66

Fratura da maxila......................................................................... 44 diafragmática traumática.......................................................... 67

Classificação.................................................................................. 44 Tratamento.................................................................................... 67

Quadro clínico.............................................................................. 45 Lesão transfixante de mediastino.......................................... 68

Exame radiográfico..................................................................... 45 Trauma de esôfago...................................................................... 69

Tratamento.................................................................................... 45 Tratamento.................................................................................... 69

Complicações................................................................................ 45 Conservador................................................................................. 69

TRAUMA DE TÓRAX..................................................................47 Cirúrgico......................................................................................... 69

Introdução......................................................................................47 Esôfago cervical............................................................................70

Avaliação inicial e atendimento................................................47 Esôfago torácico............................................................................70

Vias aéreas......................................................................................47 Esôfago abdominal.......................................................................71

Respiração..................................................................................... 48 Ferimentos da zona de transição toracoabdominal..........71

Circulação...................................................................................... 48 Toracotomia de reanimação..................................................... 73

Tipos de trauma de tórax.......................................................... 48 Toracotomia de emergência..................................................... 73

Lesões superficiais...................................................................... 48 Toracotomia de urgência............................................................74

Fraturas costais e esterno.........................................................49 Videotoracoscopia........................................................................74

Fratura do esterno.......................................................................49 Peculiaridades da análise da radiografia de tórax..............74

Tratamento.................................................................................... 50 TRAUMA ABDOMINAL.............................................................75

Pneumotórax aberto.................................................................. 50 Introdução......................................................................................75

Pneumotórax hipertensivo........................................................51 Trauma fechado (contuso).........................................................75

Complicações da drenagem de tórax.................................... 53 Órgãos mais lesados por FAB:..................................................75

Pneumotórax simples (PTX)..................................................... 54 Órgãos mais lesados por FAF:...................................................75

Tórax instável ou flácido (retalho costal móvel).................. 55 Trauma penetrante......................................................................76

Tratamento.................................................................................... 55 Anatomia.........................................................................................76

Hemotórax..................................................................................... 56 Avaliação........................................................................................ 77

Quilotórax...................................................................................... 58 História........................................................................................... 77

Tratamento.....................................................................................59 Características dos ferimentos por projétil..........................78

Contusão pulmonar.....................................................................59 Exame físico.................................................................................. 79

Ferimentos traqueobrônquicos.............................................. 60 Inspeção......................................................................................... 79

Laringe.............................................................................................61 Ausculta.......................................................................................... 79

Traqueia e brônquios..................................................................61 Percussão...................................................................................... 79

Acesso cirúrgico........................................................................... 62 Palpação......................................................................................... 79


Toque retal..................................................................................... 80 das vias biliares.......................................................................... 105

Avaliação de ferimentos penetrantes.................................... 80 Tratamento não operatório das lesões esplênicas......... 107

Avaliação da estabilidade pélvica........................................... 82 Acompanhamento:.................................................................... 107

Toque vaginal................................................................................ 82 Trauma de cólon ....................................................................... 108

Exame do pênis e região escrotal........................................... 82 Tratamento.................................................................................. 109

Exame da região glútea............................................................. 82 Trauma de reto............................................................................110

Sondagens..................................................................................... 82 Tratamento...................................................................................111

Sondagem nasogástrica (SNG)................................................ 82 TRAUMA GENITURINÁRIO...................................................113

Cateterismo vesical (Sondagem vesical de demora – SVD).82 Traumatismo renal.....................................................................113

Coleta de sangue e urina........................................................... 83 Diagnóstico...................................................................................114

Radiologia...................................................................................... 83 Tratamento...................................................................................116

Trauma contuso........................................................................... 83 Indicações de Nefrectomia......................................................117

Trauma penetrante..................................................................... 83 Complicações...............................................................................118

Estudos radiológicos contrastados........................................ 84 Traumatismo renal em pediatria............................................118

Uretrocistografia retrógrada (UCR)........................................ 84 Trauma do ureter........................................................................119

Urografia excretora..................................................................... 84 Anatomia ureteral.......................................................................119

Lavado peritoneal diagnóstico (LPD)..................................... 84 Diagnóstico.................................................................................. 120

Técnica cirúrgica.......................................................................... 85 Tratamento.................................................................................. 121

Ultrassonografia no trauma (Focused Assessment Sonogra- Traumatismo vesical................................................................. 122


phy for Trauma – FAST).............................................................. 85 Classificação das lesões de bexiga....................................... 123
Laparoscopia no Trauma ...........................................................87 Mecanismo de lesão................................................................. 123
Indicações de laparotomia exploradora............................... 88 Quadro clínico............................................................................ 123
Ferimentos por arma branca .................................................. 88 Exames complementares........................................................ 124
(FAB)................................................................................................. 88 Tratamento.................................................................................. 125
Ferimentos por arma de fogo (FAF)....................................... 89 Traumatismo uretral................................................................. 126
Trauma abdominal fechado...................................................... 90 Etiologia........................................................................................ 126
Tratamento não operatório...................................................... 90 Mecanismo de lesão................................................................. 127
Diafragma........................................................................................91 Classificação................................................................................ 127
Trauma de estômago e intestino delgado.............................92 Apresentação clínica................................................................ 128
Trauma duodenal......................................................................... 95 Tratamento da lesão da uretra.............................................. 129
Hematoma duodenal...................................................................97 Rotura de uretra anterior........................................................ 129
Trauma pancreático.................................................................... 98 Rotura de uretra posterior..................................................... 129
........................................................................................................ 100 Trauma peniano e testicular Trauma peniano.................. 129
Tratamento das lesões pancreáticas................................... 101 Trauma testicular....................................................................... 130
Trauma hepático........................................................................ 102 TRAUMA PÉLVICO................................................................... 131
Tratamento não operatório das lesões hepáticas........... 103 Introdução................................................................................... 131
6 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Classificação................................................................................ 132 Atenção!........................................................................................ 136

Aspectos clínicos....................................................................... 134 Arteriografia................................................................................ 136

Raios X de pelve AP................................................................... 135 Tratamento.................................................................................. 137

FAST............................................................................................... 135 Hematoma retroperitoneal.................................................... 138

TC da pelve.................................................................................. 135 Condutas cirúrgicas.................................................................. 139

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


1
CAPÍTULO 1

POLITRAUMA

INTRODUÇÃO que a morte no trauma é um fenômeno tri-


modal (descrita pela primeira vez em 1982),
Por definição, o trauma caracteriza-se como
isto é, ocorrem em três distintos momentos ou
o dano fisiológico produzido pela exposição
aguda a diferentes formas de energia (ciné- picos de morte.
tica, térmica, química, elétrica ou radioativa) e, Primeiro pico de morte (cerca de 50% dos óbi-
ou, pela suspensão de elementos fisiológicos tos) – ocorre nos primeiros segundos a minu-
essenciais (oxigênio ou calor).
tos após o trauma. É causado por lesões graves
No Brasil, os homicídios ou tentativas destes, são praticamente intratáveis no curto período de
as causas de trauma mais prevalentes, seguidos tempo que resta , como no TCE grave, lesão de
pelos acidentes com veículos de transporte. tronco encefálico, trauma raquimedular (TRM)
Atualmente, a principal causa de morte entre 1-44 alto, insuficiência respiratória aguda, lesões
anos de idade em todo o mundo são as traumá- cardíacas e trauma de aorta e grandes vasos.
ticas. Dados da OMS indicam que morrem mais Esses pacientes dificilmente chegam vivos ao
de 9 pessoas por trauma ou violência por minuto. hospital e morrem no local onde ocorreu o
Por ano, nos Estados Unidos, cerca de 60 trauma. A principal tática para reduzir signi-
milhões de americanos (1 em cada 4) sofrem ficativamente esse pico de mortalidade são
algum tipo de trauma, com: as políticas de prevenção (exemplo, Lei Seca,
• 145 mil mortes; uso obrigatório do cinto de segurança, policia-
• 30 milhões requerem tratamento médico; mento etc.) e a filosofia de controle de danos
• 3,6 milhões requerem hospitalização; desde o pré-hospitalar.
• 9 milhões são ferimentos incapacitantes, dos Segundo pico de morte (cerca de 30% dos óbitos)
quais 300 mil serão de incapacidade definitiva e
- ocorre dentro de minutos a várias horas após
8,7 milhões de incapacidade permanente;
o trauma. São lesões graves, porém poten-
• Custo: 100 bilhões de dólares – 40% do orça- cialmente tratáveis geralmente causadas por
mento do país. hematoma subdural e epidural, hemopneu-
Segundo às diretrizes de desenvolvimento de motórax, lesões de órgãos abdominais, fratu-
programa de qualidade no atendimento ao ras pélvicas, outras lesões, associadas a perda
trauma, a prevenção e as melhorias no atendi-
excessiva de sangue. A forma de reduzir os óbi-
mento às vítimas são os pilares para a redução
tos nesse período é a realização de um atendi-
desta morbimortalidade e seus gastos.
mento pré-hospitalar e hospitalar sistemático
rápido e de qualidade.

MORTALIDADE POR TRAUMA O grande objetivo do Advanced Trauma Life


Support (ATLS®) é prevenir o óbito nesse
(DISTRIBUIÇÃO TRIMODAL) momento, focando os esforços na primeira
A morte está diretamente relacionada com o hora do trauma (golden hour ) onde toda a dife-
tempo e a gravidade da lesão. Podemos dizer rença pode ser feita.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


8 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Terceiro pico de morte (cerca de 20% dos óbi- Distribuição Trimodal das
tos) ocorre dentro de vários dias a semanas Mortes por Trauma
após o evento traumático. Aqui, as mortes Lacerações:
Cérebro
ocorrem por complicações do trauma, princi- 1º Pico Aorta
Medula
palmente devido a sepse, disfunção de múl- Coração

tiplos órgãos e tromboembolismo pulmonar

Mortes
2º Pico Epidural
(TEP), sendo que o atendimento prestado em Subdural
3º Pico
cada fase do trauma tem impacto direto sobre Hemopneumotórax
Fraturas Pélvicas Sepse
a mortalidade dessa fase. Fraturas de Ossos Longos
Lesões Abdominais
DMOS

As principais melhorias na estratégia de atendi-


mento de pacientes gravemente feridos nas últi-
mas décadas levaram à uma redução significativa
0 1 Hora 3 Horas 2 semanas 4 semanas
da mortalidade passando de cerca de 40% na Tempo
década de 1970 para cerca de 10% no ano 2000 Figura 1.1 Distribuição trimodal das mortes por trauma. 1º pico: segundos
a minutos do trauma. 2º pico: minutos a horas do trauma. Este é o foco do
[Rösch M, Klose T, Leidl R, et al. Costs of acute care ATLS. 3º pico: ocorre tardiamente – dias, semanas ou meses.

hospitalization in multiple trauma patients.


Unfallchirurg 2000;103:632–9.].
Uma vez que o resultado e impacto na sobre-
vida destes doentes é tempo-dependente,
a otimização do período pré-hospitalar e a
implementação do conceito de transporte do
paciente para o hospital mais apropriado, não
apenas para o mais próximo, se faz importante.
A regra dos “três R’s” de Donald Trunkey: “get
the Right patient to the Right hospital in the
Right time”, deve ser recordada.( Trunkey DD. Figura 1.2 Vítima de trauma após colisão direta com trem. Trauma de tórax
grave, com esmagamento e trauma de extremidades.
What’s wrong with trauma care? Bull Am Coll
Surg 1990;75:10–5.)
A vantagem do método do ATLS é que inicial-
mente podemos tratar as vítimas do trauma
sem que tenhamos o diagnóstico definitivo
como pré-requisito. O caminho é estabelecer
a padronização do atendimento ao politrau-
matizado: avaliação inicial paralela e simul-
tânea aos procedimentos de reanimação
respiratória e cardiocirculatória. Reavaliação
frequente das funções vitais e encaminha-
mento para cirurgia ou para exames comple-
mentares específicos. A decisão de transfe-
rência para o hospital especializado deve ser
feita até o final do exame primário e não deve
ser postergada para a realização de exames Figura 1.3 Hematoma epidural à esquerda. Repare na convexidade para dentro
complementares. Palavras chaves para as do cérebro que desvia a linha média. O desvio na linha média é mais comum no
hematoma subdural e raro no epidural (que tem bom prognóstico). Há sinais
questões de residência médica – reavaliar indiretos de hemorragia, meníngea que é o “aspecto em J”, na linha média, do
sangue na foice do cerebelo. O hematoma epidural é caracterizado pelo inter-
o paciente, tempo e sequência de atendi- valo lúcido de tempo: o paciente fala e morre. Na verdade, o paciente geralmente
chega com Glasgow 15 e na evolução há rebaixamento súbito do nível de consci-
mento padronizado. ência (Glasgow < 8) havendo necessidade de intubação.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 9

ÍNDICES DE TRAUMA Escala abreviada de lesões (AIS)


Os índices de trauma são sistemas de pontuação
5. Crítico (sobrevida incerta)
criados para avaliar as alterações fisiológicas, a
gravidade das lesões anatômicas e a probabili- 6. Mortal (não sobrevive)
dade de sobrevida dos pacientes politraumatiza-
Tabela 1.1
dos. Eles permitem que um serviço de emergência
prepare adequadamente os recursos terapêuti-
cos necessários antes da chegada de um paciente
ÍNDICE DE GRAVIDADE DA LESÃO (ISS)
ao hospital. É possível avaliar as mudanças no
Foi desenvolvido a partir do AIS e é definido
estado do paciente durante um determinado
como um escore obtido matematicamente a
período, prever diferentes desfechos e analisar partir da soma dos quadrados dos escores AIS
prognósticos. Os escores de trauma permitem, mais altos de três regiões diferentes do corpo
ainda, avaliar e comparar a qualidade do atendi- (figura). Pelo ISS obtém-se o escore de gravi-
mento em diferentes serviços. dade do trauma, que é global.
As regiões do corpo utilizadas no ISS são 6 e
incluem: face; cabeça e pescoço; tórax; abdome
ÍNDICES ANATÔMICOS e pelve extremidades; pele (superfície externa).
Em cada um desses segmentos, a lesão recebe
ESCALA ABREVIADA DE LESÕES (AIS) uma pontuação de 1 a 6, tendo como base os
critérios do AIS (Tabela 1.1). Conforme descrito,
Em 1969 foi publicada a Escala Abreviada de
o ISS considera apenas a soma dos quadrados
Lesões (AIS), sendo revisada em 1990. O AIS é dos três maiores AIS que são os mais graves.
um importante índice anatômico que, além O índice tem valor mínimo de 3 e máximo de
de avaliar a gravidade das injúrias dos pacien- 75, e quanto maior o valor, maior a probabili-
tes, também serve como base para o cálculo de dade de morbimortalidade e tempo de interna-
outras escalas frequentemente utilizados como ção. Lesões maiores que 25 são consideradas
o ISS e o TRISS. Baseia-se na classificação das traumas graves. Pacientes que apresentam
lesões traumáticas de acordo com seu grau de lesão fatal correspondem a AIS 6 e, automati-
severidade podendo variar de 1 a 6 pontos, onde camente, por definição, terão um ISS de 75.
1 se refere a lesões menores e 6 a lesões incom-
Crítica a esse método são os pacientes que
patíveis com a vida.; (Tabela 1.1). Vale lembrar
apresentam mais de uma lesão em um mesmo
que o AIS sozinho não prediz mortalidade. Sua
segmento corporal que serão desconsiderados
importância está no fato de servir como base no cálculo se não forem graves o suficiente. E
para outros índices prognósticos, como vere- qualquer erro no AIS aumenta muito o ISS. O
mos a seguir. Uma crítica ao método seria a ISS não é utilizado como triagem.
avaliação de pacientes com múltiplas lesões.
*Limitações: o ISS não considera a presença de
múltiplas lesões em determinado seguimento
Escala abreviada de lesões (AIS) como determinantes de maior gravidade ao
aproveitar apenas a lesão mais grave.
1. Menor

2. Moderado
NOVO ÍNDICE DE GRAVIDADE DA
3. Sério LESÃO (NISS)

4. Grave (sobrevida provável) O NISS é obtido pela soma dos quadrados das três
lesões mais graves do AIS, independentemente

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


10 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

do segmento corporal acometido. Pacientes que Lembrando que este índice não é um preditor
apresentem lesões graves associadas ao mesmo de complicações, mas correlaciona-se com a
segmento corporal, o que é relativamente fre- probabilidade de sobrevida. O valor do RTS
quente em traumas penetrantes, podem ser con- pode variar de aproximadamente 8 (7,8408)
siderados para calcular o NISS. até 0, onde quanto menor o valor, menor a
probabilidade de sobrevida. Um paciente
com RTS < 4 deverá ser transferido a um cen-
ÍNDICES FISIOLÓGICOS tro de trauma.

Variáveis do escore de trauma revisado (RTS)


ESCORE DE TRAUMA REVISADO (RTS)
ECG PAS FR Valor
O RTS é escore fisiológico com alta acurácia para 13-15 >89 10-29 4
predizer probabilidade de óbito. É oriundo de 9-12 76-89 > 29 3
uma revisão do “Trauma Score” e deve ser calcu-
6-8 50-75 6-9 2
lado na admissão do paciente no hospital levando
em consideração os valores de Pressão Arterial 4-5 1-49 1-5 1
Sistólica (PAS), Frequência Respiratória (FR) e a 3 0 0 0
pontuação na Escala de Coma de Glasgow (ECG)
0,9368 0,7326 0,2908 Constante
que são convertidos em uma escala de gravidade
de 0 a 4 como na Tabela 1.2. Tabela 1.2 TS = 0,9368 GCS + 0,7326 PAS - 0,2908 FR

Probabilidade de sobrevida pelo RTS


Probabilidade de sobrevida pelo RTS (%)

0.969 0.988
1 0.919
0.9 0.807
0.8
0.7
0.605
0.6
0.5 0.361
0.4
0.3
0.2 0.172
0.071
0.1 0.027
0

Figura 1.4
Revised Trauma Score (RTS)

ÍNDICES MISTOS que determina através de regressão logística


probabilidade de sobrevida.

TRISS Atenção: vale lembrar quais são os índices


anatômicos, fisiológicos e mistos. O signifi-
É um índice que avalia a probabilidade de cado destes
sobrevida, utilizando-se do RTS e do ISS. Além
índices é mais importante do que decorar fór-
do RTS e do ISS, consideram-se a idade do mulas. É improvável que o examinador ques-
paciente (menor ou maior do que 54 anos) e o tione sobre a fórmula dos índices ainda mais
tipo de trauma (fechado ou penetrante). Esses que são calculados por programas de compu-
valores são colocados em programa de com- tador, mas é interessante saber os componen-
putador e aplicados em uma tabela TRISSCAN, tes do RTS, por exemplo.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


2
CAPÍTULO 2
ATENDIMENTO INICIAL
DO POLITRAUMATIZADO

INTRODUÇÃO A equipe de atendimento pré-hospitalar, ao


chegar ao local, deve observar:
Se tempo é dinheiro, para os americanos,
tempo é sangue no ATLS. O tratamento de • Segurança do local, da equipe e dos espec-
pacientes vítimas de trauma grave requer tadores;
rápida avaliação de suas lesões e imediata ins- • Mecanismo de trauma/gravidade;
tituição de medidas terapêuticas que possam • Número de vítimas.
garantir a sobrevivência desses pacientes.
No Brasil, existe um sistema misto de Atendi-
Uma vez que o tempo é fator essencial no mento Pré-hospitalar, sistema este composto
resultado final do tratamento, é necessário por equipes de atendimento Básico, equipes
fazer uma abordagem sistematizada, incluindo de atendimento avançado e equipes de salva-
sequência hierarquizada de prioridades. mento e resgate, sendo essa área de atuação
regulamentada pela Portaria 2048/2002 do
O processo é denominado avaliação inicial e
Ministério da Saúde.
inclui diversas etapas como preparação pré-
-hospitalar, triagem, exame primário (ABCDE), O nosso SAMU, Resgate Rodoviário privado
reanimação, medidas auxiliares (exames com- e Corpo de Bombeiros são compostos pelos
plementares), necessidade de transferência seguintes tipos de viatura:
do doente, avaliação secundária (anamnese +
• Ambulâncias do Tipo B (Unidades de
exame físico crânio – caudal), medidas auxilia-
Suporte Bási-co), tripuladas por auxiliar de
res à avaliação secundária, reavaliação e moni-
enfermagem e condutor socorrista, ambos
torização contínuas após reanimação e trata-
com treinamento voltado para a realiza-
mento definitivo.
ção de medidas de Suporte Básico de Vida
O atendimento ocorre em dois cenários distin- através da execução de procedimentos não
tos: atendimento pré-hospitalar e hospitalar. invasivos;

Existem diferenças entre países e continen- • Ambulâncias do Tipo D (Unidades de Suporte


tes em relação ao sistema empregado. Na Avançado, também chamadas de UTIs
Europa, por exemplo, o SAMUR (Serviço de móveis), tripuladas por médico, enfermei-
Atendimento Móvel de Urgência) adota certas ros treinados para o atendimento dos trau-
medidas de tratamento na fase pré-hospitalar mas com maior complexidade ou gravidade 0.919

que podem retardar um pouco a remoção até e habilitados para a realização de medidas
o hospital, já que existe a presença de médi- invasivas para a estabilização hemodinâ-
cos que podem fazer procedimentos no local mica e ventilatória desses pacientes antes do
(scoop and play). No sistema norte-americano, transporte à referência hospitalar;
há a figura do paramédico, que foca em fazer • Ambulâncias do Tipo C (Unidades de Res-
reanimação básica e transporte rápido para o gate), tripuladas por agente, militar ou
centro de trauma (scoop and run). civil, maiores de idade, com ensino médio

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


12 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

completo e treinamento em Resgate e Sal- desabamento, incêndio), neste local devem


vamento, além de treinamento para a rea- trabalhar apenas profissionais com treina-
lização de medidas de Suporte Básico de mento e equipamentos de proteção indivi-
Vida, lembrando que essas ambulâncias duais específicos;
possuem equipamentos voltados para Sal- • Zona morna: é um raio ao redor da zona
vamento, tais como alicates de corte para quente onde fica o pessoal de apoio, unidades
ferragens, cordas e sistemas para salva- de resgate estacionada, os materiais necessá-
mento em altura, entre outros; rios ao atendimento organizados etc.;
• Além desses tipos, ainda temos a presença • Zona fria: raio ao redor da zona morna, onde
de Helicópteros, Aviões, Embarcações,
se controla e restringe o acesso ao foco do
Motocicletas etc., ambos adaptados para
trauma e são afastados os curiosos etc.
a realização do atendimento às vítimas em
No atendimento pré-hospitalar é de suma
emergência médica no pré-hospitalar.
importância avaliar a Biomecânica relacionada
Dica de prova: No atendimento pré-hos- ao trauma. Dessa forma, suspeita-se de trau-
pitalar a sequência de prioridades segue o matismo grave quando:
mesmo padrão do ATLS, porém antes de
qualquer ABCDE, verifique: a cena está • Quedas superiores a 3 vezes a altura da
segura? Primeiro passo é sempre SINALI- vítima;
ZAR a via. Além disso, a equipe deve comu- • Colisões: intrusão incluindo o teto com mais
nicar o caso ao hospital receptor para de 30 cm no lado do ocupante ou maior que
que estejam preparados para receber o 45 cm em qualquer lugar;
paciente. • Houve ejeção parcial ou completa da vítima
A partir da atualização do ATLS de 2018, antes para fora do veículo;
de se realizar a transferência, deve-se garantir • Houve morte de um ou mais ocupantes do
a manutenção das vias aéreas e da ventilação, veículo;
controlar o sangramento externo e o choque • Ocorreram danos graves ao veículo (perda
e imobilizar o paciente, de forma que procedi-
total);
mentos como toracocentese de alívio em pneu-
• Auto X pedestre / bicicleta lançado à distância;
motórax hipertensivo ou ténicas de controle
de dano temporário para sangramento (uso • Colisão com motocicleta maior de 32 km/h;
de balão de sonda de Folley na lesão, tornique- • Idade maior que 55 anos – aumento de risco
tes, compressões) devem ser realizados ainda de morte;
nesse ambiente. • PAS < 110mmHg pode significar choque
É fundamental, no atendimento ao trauma, o após os 65 anos de idade;
cuidado com a integridade da equipe que está • Mecanismo de baixo impacto como queda
prestando o atendimento. da própria altura pode resultar em lesões
O controle da cena é fundamental, identifi- graves em vítimas idosas;
cando situações de risco (exemplo: risco de • Quando uso de anticoagulantes, pacientes
explosão), evitando-as, afastando curiosos etc. vitimas de TCE (traumatismo cranioencefálico)
Nessa mesma linha, temos a questão da divi- têm risco aumentado de piorar rapidamente;
são do atendimento ao trauma em zonas: • Queimados;
• Zona quente: é o foco principal do inci- • Gestantes > 20 semanas;
dente, onde estão as vítimas (exemplo: local Atenção: procedimentos secundários, como
exato onde foi encontrada a vítima, den- exames contrastados, tomografia, arteriogra-
tro do carro, presa em ferragens, local de fia e ressonância, não devem ser realizados no

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 13

hospital que irá transferir o paciente, mas sim, C. Se um paciente apresentar sintomas respi-
priorizar e não retardar a transferência. A deci- ratórios, coloque imediatamente uma máscara
são desses exames deverá ficar a critério do facial no paciente;
médico assistente do hospital de destino. D. A anamnese deve conter perguntas sobre
A transferência deve ser considerada toda vez febre, sintomas respiratórios superiores,
que as necessidades de tratamento do doente COVID-19, histórico de exposição, histórico de
excederem a capacidade da instituição que o viagens e histórico de isolamento apropriado;
recebeu. Essa decisão requer uma avaliação E. Minimize o número de pessoas à beira do
detalhada das lesões do doente e da capaci- leito para apenas àquelas que são necessárias
dade da instituição, incluindo equipamentos, para o atendimento direto ao paciente;
recurso e equipe.
F. Desenvolver políticas e procedimentos para
Na fase hospitalar é preciso ter planejamento. o manejo das vias aéreas para pacientes com
A organização antecipada à chegada do doente probabilidade de infecção por COVID-19 e que
traumatizado é essencial: os equipamentos necessitam de intubação emergente.
devem estar testados (laringoscópios, tubos
TRIAGEM
etc.) e disponíveis para serem usados assim que
necessário, além de soluções cristaloides aque- É a avaliação e screening (classificação) dos
cidas devem estar prontamente disponíveis. pacientes politraumatizados de acordo com a
probabilidade de sobrevida, recursos e pessoal
Além disso, para o atendimento do politrauma-
disponível e tratamento provável necessário.
tizado deve ser usada proteção contra doen-
ças transmissíveis (hepatite, AIDS etc.), usando O atendimento prestado deve ser baseado nas
máscaras, protetor ocular, avental impermeá- prioridades, com ênfase nas lesões ameaça-
vel, luvas etc. O ATLS obriga sempre o cuidado doras à vida. A classificação dos doentes no
local do acidente e a decisão do tipo de hospi-
com o controle da infecção e a utilização de
tal para o qual deve ser transportado o doente
EPI adequado.
são primordiais, principalmente tratando-se de
A Organização Mundial de Saúde reconheceu, catástrofes.
a partir de março de 2020, a existência de uma
Em situações de catástrofes, a triagem rea-
pandemia do novo coronavírus que surgiu na
lizada pelas equipes deverá obedecer a dois
China no final de 2019, e cuja doença foi deno-
aspectos:
minada COVID-19. Nesse contexto, as recomen-
dações de proteção no atendimento ao trauma • O número de pacientes não excede a capa-
são ainda mais importantes. O Colégio Brasi- cidade dos cuidados disponíveis: pacientes
leiro de Cirurgiões emitiu, em abril de 2020, um com lesões graves são cuidados primeiro;
guia rápido com as orientações relacionadas • O número de pacientes excede a capaci-
ao atendimento inicial ao paciente politrauma- dade de cuidados disponíveis: pacientes
tizado em vigência da citada pandemia: com maior chance de sobrevivência são tra-
tados primeiro.
A. A avaliação do paciente com trauma não
O algorítimo de triagem de vítimas mais uti-
deve ser adiada para determinar o status do
lizado no Brasil é o START (“Simple Triage And
COVID-19, mas devem ser tomadas as devi-
Rapid Treatment”) que permite a avaliação
das precauções;
rápida de parâmetros vitais dos pacientes
B. Garantir o uso estrito do EPI nas precau- (deambulação, respiração, circulação e cogni-
ções de contato com gotículas para TODOS ção) para classificá-los em escala de gravidade
os pacientes ; e prioridade de atendimento: verde (gravidade

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14 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

menor, deambulando, pode até ajudar no aten- (*) O ABCDE dos cuidados com o politraumati-
dimento de outras vítimas), amarelo( gravidade zado é a sistematização do atendimento que
moderada mas pode esperar algumas horas), objetiva identificar as condições que impli-
vermelho (grave com chance de sobrevida, tra- cam risco de morte na seguinte sequência:
tamento e, ou, transferência imediata) e preto
(óbitos ou lesões incompatíveis com a vida, con-
duta paliativa ou expectante). Fig em anexo1. (AIRWAY CERVICAL SPINE
A triagem baseia-se na ideia de fazer o melhor, CONTROL) – VIAS AÉREAS
para o maior número de doentes. Dessa forma, PÉRVIAS E PROTEÇÃO DA
o doente que possui problemas na via aérea é
COLUNA CERVICAL;
tratado primeiro do que o doente que possui
problemas ventilatórios, que por sua vez é tra- (Breathing) – Respiração e ventilação;
tado antes dos doentes com problemas relacio- (Circulation) – Circulação e controle da hemor-
nados à circulação, e assim por diante. ragia.;(Disability) – Diagnóstico com exame
A triagem ocorre nos mais diversos níveis de aten- neurológico sumário: GLASGOW e pupilas ou
dimento, podendo ocorrer da cena do acidente AVDI* rápido.
ou até mesmo dentro dos grandes centros. (Exposure) – Exposição do doente, com controle
Além disso, o centro médico, ao receber a da temperatura do ambiente e medidas contra
vítima, deve definir se a mesma possui condi- a hipotermia.
ções de ser tratada naquele local, caso contrá-
*AVDI é um mnemônico para avaliação rápida
rio, uma transferência a um centro especiali-
do status neurológico do doente, sendo
zado que seja capaz de realizar o tratamento
A-Alerta, V-Verbalizando, D-Respondendo à
definitivo das lesões deve ocorrer após o aten-
estímulo Doloroso e I-Inconsciente.
dimento inicial à vítima politraumatizada.
Durante o exame primário, todas as condições
que implicam risco à vida deverão ser diag-
nosticadas e, simultaneamente, o tratamento
AVALIAÇÃO E EXAME PRIMÁRIO
deverá ser instituído imediatamente. Lembre-
Os pacientes serão avaliados conforme prio- -se de que o ATLS 10 traz para o atendimento
ridades de tratamento. Para os gravemente das vítimas politraumatizadas o conceito de
feridos, é estabelecida uma sequência lógica TEAM que já era utilizado no ACLS, onde uma
no tratamento, obedecendo-se as prioridades equipe treinada realiza o atendimento integral,
baseadas na avaliação geral do doente. Um simultâneo e sistematizado da vítima.
paciente com problemas na via aérea morre
mais facilmente do que aquele com pro- Deve-se considerar a cinética do trauma e seu
blemas respiratórios que, por sua vez, tem mecanismo para suspeição diagnóstica de
mais chances de morrer do que um que tem lesões associadas. O uso de cinto de segu-
hemorragia. rança pode relacionar-se diretamente com
lesões de vísceras ocas retroperitoniais
Sempre obedeça à sequência do ABCDE, seja (trauma duodenal e explosão de ceco) e
no intra ou extra-hospitalar(*)! fraturas de Chance na coluna lombar, além
O tratamento começa paralelamente ao exame pri- de trauma a órgãos retroperitoneais como
mário rápido e consiste na reanimação das funções pâncreas, rim e ureter. O uso de airbags rela-
vitais comprometidas, pois o tempo é fator funda- ciona-se às fraturas de face, mas já foram des-
mental no resultado final, em que as decisões tera- critos outros tipos de lesões como casos de
pêuticas exigem rapidez e precisão. rotura cardíaca por esse dispositivo.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 15

No trauma pediátrico e na gestante, as priori- jovem hipotenso, deve-se atentar para um


dades são as mesmas do adulto. Entretanto, possível sangramento importante, visto que
peculiaridades fisiológicas e anatômicas ine- possui reserva funcional.
rentes à gravidez modificam a resposta ao
As avaliações primárias e secundárias devem
trauma. A gestante tem aumento de 30-40% da
ser repetidas frequentemente para identificar
volemia progressiva até pico na 34ª semana, em
qualquer alteração no status do paciente que
preparação para a perda sanguínea pelo parto
indique a necessidade de intervenção adicional
vaginal ou cesárea. Assim, devido à hipervole-
mia fisiológica da grávida, o feto já pode estar
em sofrimento fetal antes que a mãe apre-
sente sinais de taquicardia, hipotensão ou
A – MANUTENÇÃO DA VIA AÉREA E
oligúria. Antes da mãe apresentar sinais de PROTEÇÃO DA COLUNA CERVICAL
choque, a redução abrupta de volume circu-
lante da mãe ocasiona aumento da resistência TAREFAS DO A
vascular uterina, reduzindo a oxigenação fetal.
Na avaliação primária, a permeabilidade das
O foco, então, para salvar o feto é voltar todo o
vias aéreas e o controle cervical devem ser
cuidado para a fase de ressuscitação da mãe.
prioridades. Deve-se verificar sinais de obs-
O diagnóstico de gestação é outro fator extre- trução e a presença de corpos estranhos, lem-
mamente importante tanto para a sobrevida brando que as manobras para estabelecer a
da mãe quanto para a do feto. Toda mulher permeabilidade de via aérea devem ser feitas
em idade fértil deve ser considerada grá- em conjunto com a proteção da coluna cervical.
vida até que se prove o contrário e possui
Atenção: sempre proteja a coluna cervical
prioridade absoluta.
antes de falar com o paciente. Se há resposta
O idoso também merece cuidados especiais na verbal à abordagem inicial, significa que a via
reanimação. O processo de envelhecimento é aérea está patente (pérvia). Doente cons-
frequentemente acompanhado de doenças ciente significa = boa oxigenação cerebral, o
crônicas, com redução significativa das reser- que nos leva a crer que o status circulatório
vas fisiológicas, comprometendo a resposta também encontra-se preservado.
metabólica ao trauma e uso de medicações que
Há de se fazer a imobilização do pescoço do
causam diferentes respostas frente ao trauma.
doente com as mãos e então fale com ele: Você
Possuem capacidade limitada de aumento da
está bem? Se ele responder: “ótimo!”, nesse
frequência cardíaca (seja fisiológica ou medi-
momento algumas questões foram resolvidas:
camentosa) em resposta ao trauma. Desta
as vias aéreas (VA) estão pérvias, o doente está
forma, perde-se um sinal precoce de hipovo-
ventilando (a fala é o resultado da passagem de
lemia e um importante mecanismo compensa-
ar pelas cordas vocais) e encontra-se com fluxo
tório, a TAQUICARDIA. A pressão arterial tem
sanguíneo cerebral minimamente preservado,
pouca relação com debito cardíaco nos idosos.
visto que está consciente. Instale o colar cervi-
A utilização de medicações para múltiplas cal com a ajuda de um assistente.
comorbidades, como por exemplo anticoa-
Importante:
gulantes, aumenta risco potencial de sangra-
mento nesta população. O idoso do sexo mas- • Imobilização da coluna cervical e falar com
culino tem maior mortalidade. o paciente;
O contrário é visto em jovens e atletas, que • Posicionar o colar cervical;
são capazes de compensar a agressão fisiopa- • Liberação da via aérea ( Jaw Thrust (tração da
tológica com facilidade. Assim, se houver um mandíbula) ou Chin Lift (elevação do mento)

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16 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

são as principais manobras realizadas para Vamos observar os fluxograma do protocolo


liberar as vias aéreas; no Anexo 3.
• Aspiração da via aérea (aspirador rígido) – se Manobras para assegurar a permeabilidade
houver necessidade; das vias aéreas:
Considere a existência de uma lesão de coluna
• Inspeção e remoção de corpos estranhos/
cervical em todo doente com traumatismo
próteses: abrir a cavidade oral, olhar no
multissistêmico, especialmente nos interior, remover próteses ou corpos estra-
doentes que apresentam nível de consciência nhos, aspirar secreções e hemorragias com
alterado ou traumatismo fechado acima da cla- aspirador rígido;
vícula. • Jaw-Thrust: anteriorização da mandíbula atra-
Quando se tratar de uma vítima de acidente vés da elevação do ângulo da mandíbula;
de motocicleta, cuidado na remoção do capa- • Chin-lift: elevação do mento;
cete. Empregue a manobra-padrão de retirada Manobras para remover corpos estranhos:
do capacete, sem movimentar o pescoço (vide
figura a seguir). Não realize hiperextensão,
nem flexione a coluna cervical até que seja
excluída a suspeita de lesão cervical.

A C

Figura 2.2 Aspiração de secreções e remoção de corpos estranhos da boca


com aspirador rígido.

B D

Figura 2.1 Note a manobra de retirada do capacete que deverá ser reali-


zada por duas pessoas. Um socorrista imobiliza a coluna cervical alinhando
manualmente a cabeça e o pescoço (A), a segunda pessoa abre o capacete
lateralmente, liberando os tirantes e traciona o mesmo no sentido cranial,
com cuidado para não produzir ferimentos nasais, ou occipitais (B) e (C). Note
que um dos socorristas realiza o controle da cervical a todo o momento, e
finalmente mantém esta estabilidade (D) para a colocação do colar cervical
pelo segundo socorrista.
Figura 2.3 Manobra de chin-lift: elevação do mento impedindo que a língua
oclua a retrofaringe.

Exame neurológico isolado não exclui lesão de


coluna cervical.
Qualquer manobra no paciente com rebaixa-
mento do nível de consciência deve ser feita
com proteção da coluna cervical e em bloco.
Atenção: o ATLS 10 traz o estudo NEXUS e o
Protocolo Canadense de avaliação da coluna
cervical como elementos padrão para a avalia-
ção cervical e a decisão da necessidade ou não Figuras 2.4 Manobra de chin-lift no modelo de cabeça da via aérea. Note
que após a elevação do mento o ar flui com facilidade sem obstrução na
de estudo radiológico para a retirada do colar. retrofaringe.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 17

Figuras 2.5 Manobra de Jaw-Thrust: elevação da mandíbula e tração do mento a ser usada no trauma quando amanobra head-tilt-chin-lift (hiperextensão
da cabeça) está contraindicada.

Figuras 2.6 Manobra de Heimlich para remoção de corpo estranho. A: manobra de Heimlich em ortostase com paciente consciente, JAMAIS deverá ser
realizada em pacientes inconscientes; B: compressões abdominais no epigástrico; C: compressões torácicas semelhantes às usadas na reanimação cardior-
respiratória.

Além dessas manobras, para as vítimas incons- O finger sweep (“dedo em gancho”) não está
cientes é possível abrir mão do uso do dis- mais indicado e pode ser prejudicial (classe III).
positivo orofaríngeo (cânula de Guedel) para E o tapa nas costas não está mais contraindi-
manter a permeabilidade das vias aéreas. Mas cado por relatos de que essa manobra foi efe-
lembre-se de que esses dispositivos devem tiva em desobstruir previamente a via aérea.
ser utilizados apenas em vítimas com nível de As compressões abdominais em crianças < 1
consciência reduzido a ponto de perderem o ano de idade estão contraindicadas, preferin-
reflexo do vômito. do-se as compressões torácicas e o tapa nas
costas (back bows); no paciente obeso, a prefe-
rência é por compressões torácicas pela maior
CORPO ESTRANHO efetividade.

Na suspeita de corpo estranho deve-se reali- Uma vez que o A (via aérea) esteja garantido
zar a manobra de Heimlich e ligar para o ser- com controle de coluna cervical, procede-se
viço de emergência (193) quando o paciente para o B (respiração).
cair inconsciente. Após a sequência, iniciam-se Se as manobras de permeabilização das vias
compressões torácicas, abdominais e ventila- aéreas não foram efetivas, deve-se ime-
ções na tentativa de desobstruir a via aérea. diatamente garantir via aérea definitiva

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18 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

principalmente no paciente com rebaixa-


mento do nível de consciência (Glasgow <
8). No doente que está falando, sem sinais de
rouquidão ou dispneia, é improvável que haja
obstrução de vias aéreas.

Atenção: o segredo do ATLS é a reavaliação


constante do paciente. Isto é fundamental para
diagnosticar sinais de obstrução tardiamente
durante a evolução de um politraumatizado.

Via aérea definitiva é aquela que protege a via Figura 2.8  A escolha do tamanho da cânula de Guedel consiste em: aproxi-
mar o bocal da cânula à rima e verificar se a ponta da mesma atinge o ângulo
aérea do paciente contra broncoaspiração. da mandíbula, não ultrapassando o lóbulo da orelha.

Ou seja, para uma via aérea artificial ser con- Na impossibilidade de intubação, outra forma
siderada como definitiva, ela deve apresentar de via aérea avançada é mandatória, seja uma
via aérea cirúrgica, seja uma via aérea avançada
um tubo intratraqueal com o balão insuflado
temporária através de dispositivos supraglóticos,
abaixo das cordas vocais e conectado à uma
o método de escolha para via aérea cirúrgica, na
fonte de oxigênio sob ventilação assistida (intu- maioria dos traumas, é a cricotireoidostomia.
bação orotraqueal ou nasotraqueal, cricotireoi- A traqueostomia deve ser evitada, via de regra,
dostomia cirúrgia, traqueostomia). Já as tem- por ser mais trabalhosa, demorada e com maior
porárias não apresentam o balão insuflado na chance de sangramento, mas existem situações
traqueia (cricotireoidostomia por punção, más- em que seu emprego é necessário na urgência,
como nas fraturas de laringe e também em crian-
cara laríngea, combitubo).
ças menores que 12 anos de idade.
Particularidades: A via aérea da criança exige
Relembrando: Em doentes pediátricos, a cri-
conhecimento adequado de suas peculiarida- cotireoidostomia cirúrgica é contraindicação
des. A traqueia infantil é mais curta e angulada relativa na faixa etária abaixo dos 12 anos de
em relação a do adulto, portanto, a intubação idade, pois a cartilagem cricóide constitui o
nasotraqueal fica contraindicada em < 12 anos esqueleto de sustentação da laringe, e, dessa
de idade. A cricotireoidostomia cirúrgica tam- forma, se houver uma lesão extensa dessa car-
tilagem e da membrana cricotireoideana, pode
bém é contraindicada para pacientes abaixo
ocorrer um grave desabamento de laringe em
de 12 anos de idade, pois a membrana cricoti-
direção ao mediastino, obstrução da via aérea
reoidea é o único ponto de sustentação alta da e óbito. Poderá, em algumas situações, ser rea-
traqueia infantil. lizada por profissionais experientes e plena-
mente conhecedores da anatomia infantil.
cricotireoidostomia por punção é permitida
em crianças. Um jelco (Abocath) 16-18 é colo-
cado na cricóide e adaptado a um tubo T sob
jatos intermitentes, que é conectado a 15 litros
de O2/minutos e até tempo máximo de 30-45
minutos para evitar hipercarbia, até que possa
ser realizada a traqueostomia ou outro dispo-
sitivo de via aérea avançada, como será abor-
Figura 2.7 Cânulas de Guedel. dado no capítulo de via aérea.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 19

Cricotireoidostomia por punção não é via • Trauma cardíaco fechado;


aérea definitiva! • Rotura da aorta;
• Lesão diafragmática traumática;
• Ferimento transfixante de mediastino;
B – RESPIRAÇÃO E VENTILAÇÃO • Ferimento de esôfago;
TAREFAS DO B Armadilhas: identificar a origem da dispneia
• Máscara de O2 10-12 L/min. (reservatório de do paciente: avalie se o paciente está dispneico
oxigênio); por um problema de A (exemplo: obstrução), B
(exemplo: pneumotórax), C (exemplo: hipovole-
• Oxímetro de pulso + capnografia;
mia), D (exemplo: TCE), E (exemplo: hipotermia)
• Avaliação do tórax.
ou um somatório desses fatores. A diferenciação
Resolvido o A, inicia-se o B assegurando-se de entre problemas pulmonares e obstrução de vias
que o doente ventila apropriadamente. Afinal, aéreas pode ser muito difícil. O paciente pode se
via aérea pérvia não significa necessariamente apresentar profundamente taquipneico e disp-
ventilação adequada. neico, levando a crer que seu problema mais
Todo paciente politraumatizado deve rece- importante decorra de via aérea inadequada.
ber O2 em máscara de 10-12 litros/minuto. Há de se lembrar que um pneumotórax simples
Outra regra fundamental – sempre ofertar oxi- pode se tornar hipertensivo naqueles pacientes
gênio suplementar – por máscara com reserva- em ventilação mecânica com pressão positiva.
tório de oxigênio (cuja FiO2 é próxima a 100%). Nesta circunstância, quando o problema ven-
tilatório é decorrente a um pneumotórax,
Uma boa ventilação exige funcionamento ade-
a intubação e ventilação pioram provisoria-
quado da caixa torácica, funcionalidade ade-
mente as condições clinicas do doente até que
quada dos pulmões, da parede torácica e do
a descompressão seja realizada.
diafragma.
Importante: o diagnóstico de pneumotórax
O paciente deve estar com o tórax exposto
hipertensivo é clínico e não devem ser reali-
para a inspeção. A ausculta deve ser realizada,
zados exames complementares antes da des-
bem como a percussão para evidenciar a pre-
compressão torácica!
sença de ar/sangue no espaço pleural.
As radiografias imprescindíveis deverão ser fei-
Lesões ameaçadoras à vida devem ser reco-
tas na sala de trauma somente após término
nhecidas no exame primário:
do exame primário (ABCDE), utilizando-se, pre-
• Pneumotórax hipertensivo; ferencialmente, de aparelhos portáteis, sem
• Pneumotórax aberto; que o paciente seja transportado ou mobilizado
• Contusão pulmonar com tórax instável; desnecessariamente até a sala de radiologia.

• Hemotórax maciço; Lamentavelmente, inúmeros pacientes morrem


• Tamponamento cardíaco. ao serem transportados para exames de imagem.

Já as lesões potencialmente ameaçadoras à


vida deverão ser reconhecidas até o final do
exame secundário: C – CIRCULAÇÃO COM
CONTROLE DA HEMORRAGIA
• Pneumotórax simples;
• Hemotórax;
TAREFAS DO C
• Contusão pulmonar.
• Lesão traqueobrônquica; • Compressão de hemorragias;

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20 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

• Verificação dos pulsos; PULSOS


• Monitor cardíaco;
Pulsos centrais de fácil acesso deverão ser che-
• Jelco 18 (ATLS 10) dois acessos calibrosos
cados quanto à presença e simetria podendo
em veia periférica com reanimação inicial
se estimar a pressão sistólica pela detecção de
com fluido isotônico (Soro Fisiológico 0,9%,
pulsos:
Ringer Lactato) e reavaliação constante;
Lembrando que a infusão de fluidos ou • Pulso radial palpável >= 80 mmHg;
sangue não substitui a efetividade do • Pulso femoral palpável >= 70 mmHg;
controle da hemorragia, esse deve ser o
• Pulso carotídeo palpável >= 60 mmHg.
foco principal no choque hemorrágico;
Pulsos regulares, lentos e cheios indicam normo-
• Sangue para laboratório (hemograma, gli-
volemia desde que o doente não esteja fazendo
cemia, β-hCG em mulheres em idade fértil,
uso de betabloqueadores. Pulsos filiformes e
amilase, eletrólitos, creatinina, ureia, coagu-
rápidos são sugestivos de hipovolemia.
lograma);
• Tipagem sanguínea; Atenção: enchimento capilar > 3 segundos
indica má perfusão periférica. Taquicardia é o
Gasometria arterial;
primeiro sinal de hipovolemia! O doente com
• Profilaxia Antitetânica; imunoglobulina se pulso radial presente tem pressão sistólica de
necessário. pelo menos 80 mmHg.
Hipotensão em politraumatizado é devido a cho-
que hipovolêmico, até que se prove o contrário!
A hemorragia é a principal causa de morte HEMORRAGIAS
traumática evitável. Portanto, é essencial a Perdas sanguíneas externas (visíveis) devem ser
rápida e precisa avaliação do estado hemodi- identificadas e controladas no exame primário.
nâmico desses pacientes, verificando-se: Deverá ser feita a compressão manual direta
• Nível de consciência; sobre o ferimento, que é o método mais rápido
e eficaz para controle da hemorragia externa.
• Cor da pele;
Nosso dedo é uma arma potente que cessa
• Pulso.
o sangramento na maioria dos casos. Se
mesmo com a compressão manual o sangra-
NÍVEL DE CONSCIÊNCIA mento se mantiver, uma opção é comprimir
o vaso proximal à injúria, tentando interrom-
A perfusão cerebral poderá estar prejudicada
per o fluxo que vai para a lesão.
quando o volume sanguíneo estiver diminu-
ído. Lembrar que doente consciente também
poderá ter perdido quantidade significativa de
sangue, pois os mecanismos compensató-
rios são variáveis de paciente para paciente.
(idosos, crianças, atletas, gravidas).

COR DA PELE
A coloração da pele poderá ser importante na
avaliação do choque. A coloração acinzentada
da face e pele esbranquiçada das extremida-
des são sinais sugestivos de hipovolemia. Figura 2.9 Pressão direta da ferida com compressa.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 21

A tentativa de controle de sangramento com


pinças hemostáticas ou clampes às cegas, deve
ser sempre evitado, pois causa frequentes
lesões iatrogênicas de nervos e vasos.
Quando a compressão local não é suficiente
ou quando há lesões muito extensas, o uso
de torniquetes manuais ou pneumáticos se
faz importante. Esses dispositivos ocluem
os vasos proximais à lesão por meio da pres-
são. Nos pneumáticos, a pressão para ocluir
grandes vasos do membro superior deve ser
maior que 250 mmHg e no membro inferior,
maior que 400 mmHg. Lembrando que um
torniquete não deve ficar muito tempo no
membro e sim ser uma ponte rápida para o
tratamento definitivo. Se por algum motivo
(transferência, por exemplo) for ficar mais
de 1 hora com essa compressão, o recomen-
Figura 2.10 Compressão direta e elevação da área traumatizada.
dável é soltá-la rapidamente e intervalada-
Outra técnica muito importante de con-
mente para que não haja isquemia grosseira
trole temporário do sangramento e que
do membro.
deve sempre ser lembrada, é a compres-
são por balão. Tal artifício se mostra Mas atenção, o risco do torniquete é a isque-
essencial para sangramentos em regiões mia, porém se para salvar uma vida for neces-
onde a compressão é complexa como sário perder um membro, assim deve ser feito.
a região cervical (pode levar ao colaba- Uma vida vale mais que um membro.
mento das vias respiratórias), ou de difí-
As feridas de tecido mole e as fraturas aber-
cil acesso como na região inguinal, fossa
tas precisam ser documentadas no local do
supraclavicular, área glútea, ou qualquer
acidente e cobertas por um curativo estéril.
ferida mais profunda.
Nenhuma inspeção adicional da ferida é neces-
A técnica é simples e pode ser realizada em sária até a exploração cirúrgica definitiva.
qualquer emergência com o uso de uma
Nesse momento, então, você já sabe o que
sonda de Foley (sonda de cateterismo vesi-
cal). Você deve introduzir a sonda dentro deve fazer frente a um sangramento externo,
da ferida, inflar o balonete ate que pare de porém, nem todo paciente com choque hemor-
sangrar e clampear a sonda de forma tracio- rágico irá se apresentar assim; o sangramento
nada– figura 2.11: interno é muito importante e mais difícil de ser
diagnosticado e você deve estar atento para
a suspeição imediata deste e o rápido trata-
mento, lembre-se: “tempo é sangue”.
Um exemplo bem frequente é a hemorragia
maciça devido à rupturas do anel pélvico.
O controle inicial do sangramento é estabele-
cido pela redução do anel pélvico por rotação
interna de ambas as coxas e envolvimento com
Figura 2.11 A: Exemplo real de controle da hemorragia com balão da sonda bandagens, lençóis ou folhas largas. Esta téc-
de Foley intralesional. B: Esquema ilustrativo do livro “Top Knife: The Art and
Craft of Trauma Surgery” by A. Hirshberg et al. nica simples pode diminuir significativamente

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22 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

a hemorragia durante a fase de transporte e não guarda correlação com a medida de pres-
reanimação inicial. são arterial nesse grupo de doentes. O uso de
Os mecanismos de trauma por ejeção, esma- anticoagulantes orais para patologias como
gamento ou queda de mais de 3,6 metros são fibrilação atrial, doença coronariana e aciden-
bastante sugestivos de fraturas pélvicas. tes isquêmicos transitórios podem aumentar a
perda sanguínea.
Pacientes em choque persistente, de causa
obscura, sem evidência de fraturas devem ser Atenção: a medida e reavaliação da pressão de
investigados: pulso (pressão sistólica – pressão diastólica) é
ponto fundamental de correlação com o débito
• Tórax;
cardíaco em qualquer faixa etária.
• Abdômen;
• Crianças: demonstram poucos sinais de
• Retroperitônio;
perda volêmica, mesmo quando são signifi-
• Bacia; cativas, já que têm reserva fisiológica exu-
• Ossos longos. berante. Então, quando aparece a deterio-
A fonte de sangramento geralmente é identifi- ração hemodinâmica, geralmente é muito
cada no exame físico e de imagem, por exem- rápida e catastrófica;
plo, radiografias de tórax e pelve, ou avalição do • Atletas: Possuem mecanismos de compen-
ultrassom direcionado para o trauma – FAST. sação semelhante aos da criança, normal-
O tratamento pode incluir: descompressão do mente são bradicárdicos. Quando ficam
tórax, compressão da pelve, uso de imobiliza- taquicárdicos é porque já houve perda sig-
dores e intervenções cirúrgicas. nificativa de sangue.
Sobre a reposição no paciente com choque
Perdas sanguíneas em fraturas:
hemodinâmico, o ATLS 10 não menciona
Fratura de fêmur: 1,5 mil mL mais a solução salina hipertônica. Houve
a padronização do uso das soluções crista-
Fratura de tíbia/fíbula: 750 mL loides, seja soro fisiológico(SF 0,9%) e/ou
ringer lactato na reanimação inicial desses
Fratura de úmero: 750 mL
pacientes, priorizando o último, pois altos
Fratura de bacia: 2 litros ou mais!
volumes de SF 0,9% podem levar à acidose
hiperclorêmica, sobretudo em pacientes
Tabela 2.1 com a função renal diminuída.
Armadilhas: a resposta às perdas sanguíneas
Outro ponto importante do ATLS mais
é variável e não ocorre de modo semelhante recente é não mais ser indicada a realização
ou mesmo normal nos pacientes idosos, crian- de grandes volumes de solução cristalóide
ças, usuários de medicamentos, atletas e indi- na reanimação volêmica, é preconizado
víduos portadores de doenças crônicas. bolus 1 litro de solução em adultos ou 20 ml/
• Idosos: mesmo saudáveis, têm capacidade kg em crianças ou pacientes de até 40 Kg,
limitada de elevação da frequência cardíaca aquecidos a 37 – 40ºC para evitar hipoter-
(FC), devido à rigidez miocárdica e retardo ele- mia. Se não houver resposta a essa hidra-
trofisiológico na condução elétrica cardíaca. tação inicial, provavelmente necessitará de
sangue e hemoderivados.
Muitas vezes, o primeiro sinal de choque (a
taquicardia) pode não aparecer precocemente Atualmente, o ATLS preconiza a reanimação
no idoso, sobretudo quando o paciente usa balanceada baseada na hipotensão permis-
betabloqueador. Além disso, o débito cardíaco siva e na abertura precoce do protocolo de

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 23

transfusão maciça para o tratamento do choque hipovolêmico no trauma. Esses assuntos serão
melhores explicados no capitulo de choque.

NOVA CLASSIFICAÇÃO SOBRE CLASSES DE CHOQUE – ATLS 1O

Parâmetro Classe I Classe II Classe III Classe IV

Perda de sangue (%
< 15% 15 a 30% 31 a 40% > 40%
volume total)

Aumentada ou
Normal ou leve-
Frequência cardíaca Normal Aumentada muito aumen-
mente aumentada
tada

Pressão arterial Normal Normal Normal/Diminuída Diminuída

Pressão de pulso Normal ou aumen-


Diminuída Diminuída Diminuída
(mmHg) tada

Normal ou aumen-
Respiração/minuto Normal Normal Aumentada
tada

Diurese Normal Normal Reduzida Muito reduzida

Escala de Glasgow Normal Normal Reduzida Reduzida

Déficit de base
a -2 -2 a -6 -6 a -10 -10
(mEq/L)

Protocolo de
Necessidade de
Observar Possivelmente Sim transfusão
sangue
maciça

Tabela 2.2 Data from: Mutschler A, Nienaber U, Brockamp T, et al. A critical reappraisal of the ATLS classification of hypovolaemic shock: does it really reflect
clinical reality? Resuscitation 2013,84:309–313.

ACESSO VENOSO D – DISABILITY (EXAME


A preferência atual (ATLS 10) é por dois aces- NEUROLÓGICO SUMÁRIO)
sos periféricos calibrosos seja por punção (pre-
ferencialmente) ou dissecção venosa (basílica, TAREFAS DO D
cefálica ou safena interna no maléolo). Deverá
ser feita a punção em no máximo três tentati- • Glasgow;
vas. No insucesso, indica-se a punção intraós- • Pupilas;
sea ou a dissecção cirúrgica. Por exemplo: a veia
• Pesquisa de sinais de TCE grave: sinal da
safena deverá ser dissecada anteriormente ao
batalha, sinal do guaxinin, sinal do duplo
maléolo medial; a veia basílica deverá ser dis-
halo;
secada 2 dedos acima do processo estilóide da
ulna. A velocidade máxima dos fluidos admi- • AVDI.
nistrados é determinada pelo diâmetro A alteração do nível de consciência implica
interno do cateter e é inversamente propor- na necessidade imediata de reavaliação
cional ao seu comprimento. É independente da ventilação, oxigenação e perfusão, lem-
do calibre da veia. brando que hipoglicemia, álcool, narcóticos

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24 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

ou outras drogas também podem alterar o


Abertura ocular
nível de consciência do doente. No entanto se
excluídos os problemas mencionados, toda Orientado 5
alteração do nível de consciência deve ser con-
siderada originária de um trauma ao sistema Confuso 4
nervoso central até que se prove o contrário.
Palavras inapropriadas 3
“ Toda a Avaliação Primária deve ser repe-
tida com frequência para se identificar Sons incompreensíveis 2
qualquer deterioração do estado clínico do
Sem resposta 1
doente”.
Tabela 2.3 Escala de coma de Glasgow = motor + verbal + ocular. Lem-
Aqui, ao invés de exames neurológicos deta- brando de que o ATLS 10 elenca a pressão como estímulo para a avaliação
e não mais a dor e existe a possibilidade da pontuação não testada (NT).
lhados que poderão ser realizados no exame
secundário, o foco será a detecção precoce do
Classificação do Trauma Cranioencefálico
aumento da pressão intracraniana e com-
pressão do III par craniano (nervo oculomotor) Classificação Glasgow
que resulta em midríase. Nessa etapa, existem
três avaliações principais: A escala de coma de Leve 13-15
Glasgow (ECG), a avaliação pupilar e a observa-
Moderada 9-12
ção dos movimentos ativos das extremidades.
Veja as tabelas abaixo para a classificação da Grave ≤8
ECG e da gravidade do trauma cranioencefálico
Tabela 2.4
(TCE). O mais importante não é a ECG iso-
Desde 2018 existe o ECG-P que é a escala de
lada, mas a reavaliação frequente e seriada
coma de Glasgow associada à avaliação da
desta.
pupila. À cada alteração pupilar, reduz-se um
Abertura ocular ponto no total da ECG.

ECG-P: ECG – RESPOSTA PUPILAR:


Espontânea 4
Duas pupilas reativas:0
Estímulo verbal 3
Uma pupila não reativa: 1
Estímulo por pressão 2
Duas pupilas não reativas: 2

Sem resposta 1

Melhor resposta motora


E – EXPOSIÇÃO DO DOENTE E PRO-
Obedece a comandos 6 TEÇÃO CONTRA A HIPOTERMIA
Todo paciente traumatizado deve ser total-
Localiza a pressão 5
mente despido, cortando-se as roupas para
Flexão normal (retirada) 4 facilitar o acesso visual adequado de lesões e
promover exame físico completo. Após exame
Flexão anormal (decorticação) 3 físico, o doente deve ser coberto com cober-
tores aquecidos ou algum dispositivo de
Extensão (descerebração) 2
aquecimento externo para evitar hipoter-
Sem resposta 1 mia na sala do trauma.
Fluidos intravenosos devem ser aquecidos em
Resposta verbal
média a 39ºC; cobertores devem ser utilizados

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 25

e a sala deverá garantir a temperatura corporal prostática com deslocamento cranial da


do doente e não da equipe de atendimento. próstata para diagnóstico de trauma de uretra;
A hipotermia agrava a acidose e a coagulo- • O débito urinário é muito importante, pois é
patia e constitui a chamada tríade mortal, um indicador sensível da volemia e da per-
portanto, é necessário a todo paciente poli- fusão tecidual;
traumatizado a prevenção desta desde o • As sondas gástricas diminuem distensão
atendimento pré-hospitalar. gástrica e risco de aspiração. No caso de
As vítimas de trauma devem ser retiradas da suspeita de fratura de base de crânio, a
prancha longa antes de 2 horas, pois, após esse sonda gástrica deve ser introduzida por
período, começa a ocorrer isquemia dos teci- via oral, para evitar sua acidental pro-
dos sob pressão e isso propicia a formação de gressão ao crânio;
escaras (úlceras de pressão). • FAST (Focused Assessment with Sonography
Acidose for Trauma - ultrassom) e lavado peritoneal
diagnóstico (LPD) podem ser necessários;
A decisão da transferência do doente e os cui-
Triângulo dados definitivos devem ser tomados até o
da
final do exame primário.
Coagulopatia MORTE Hipotermia
Figura 2.12 Atenção!

EXAME SECUNDÁRIO
EXAMES ADJUNTOS AO EXAME É o exame pormenorizado que se faz com a
PRIMÁRIO E À REANIMAÇÃO reavaliação do paciente, sendo importante
• Oxímetro de pulso; sobretudo no diagnóstico de lesões poten-
cialmente ameaçadoras à vida. Na avaliação
• Monitor cardíaco/pressão arterial/frequên-
secundária, o paciente é examinado dos pés
cia respiratória;
à cabeça, incluindo toques retais e vaginais
• Gasometria arterial e laboratório; quando necessários.
• Capnógrafo;
No exame secundário é a hora de se revisar a
• Exames radiológicos: raios X cervical perfil
história do doente. A mnemônica AMPLA é útil:
(C1-T1), devem ser usados racionalmente,
nunca retardando o tratamento de lesões • A – Alergias;
ameaçadoras à vida, porém o raios X de • M – Medicamentos;
tórax e o de pelve (rX diagnóstico) quando • P – Passado médico/passado gestacional;
forem necessários, podem ser realizados na
• L – Líquidos/sólidos ingeridos pela última
sala do trauma podendo identificar lesões
vez;
que podem ameaçar a vida do doente, sem
interromper o processo de reanimação; • A – Ambiente e eventos relacionados ao aci-
dente.
• Segundo o ATLS as radiografias diagnósticas
podem ser obtidas mesmo em pacientes É a hora do exame pormenorizado:
grávidas; • Cabeça: procura por lesões de couro cabe-
• Sondagem nasogástrica e vesical (atentar ludo, tábua óssea (crânio), região mastóide e
para as contraindicações, como na presença base do crânio. Sinais de fratura de base do
de sangue no meato uretral, equimose peri- crânio: Sinal de Battle (Sinal de Batalha);
neal – suspeita de trauma de uretra). A nova Sinal do Guaxinim (Racoon Eyes), otoliquor-
edição do ATLS, não recomenda a palpação ragia/otorragia (saída de líquor/sangue pelo

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26 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

ouvido); Sinal do duplo halo (líquor que se lavado peritoneal diagnóstico (LPD) ou FAST
mistura com sangue e aparece no lençol do e, se estáveis, tomografia computadorizada.
leito do doente) sugerindo otoliquorragia e Fraturas de pelve ou de arcos costais baixos
ou rinoliquorragia (mancha em alvo); podem dificultar o exame abdominal, pois a
• Otoscopia e fundo de olho. Verificar a pre- palpação deste pode gerar dor advinda des-
sença de hemotímpano, e/ou ruptura do sas regiões.;
tímpano, otorragia (lesão do andar médio), • Genitália/períneo: o períneo deve ser exa-
e/ou perda liquórica que fala a favor de TCE minado à procura de contusões, hemato-
e fratura de base de crânio; mas, lacerações e sangramento uretral. O
• Face: traumas maxilofaciais sem obstrução toque retal pode ser realizado com cuidado,
das vias aéreas ou sangramentos importan- lembrando que a palpação prostática por-
tes só são tratados após completa estabili- menorizada não e mais recomendada. Nas
zação dos doentes; mulheres, o toque vaginal é parte funda-
• Pescoço e coluna cervical: Para pacien- mental do exame secundário, desde que
tes com trauma maxilofacial ou de crânio, haja risco de lesão vaginal. Fazer o toque
presume-se que tenha também lesão de vaginal e retal. Nesse último, verifique a
coluna cervical até que se prove o contrário. competência do esfíncter (lesão raquimedu-
Logo, esta deve se mater imobilizada até lar), a presença de sangue na ampola, lace-
sua exclusão. O exame do pescoço inclui a rações e fragmentos ou pontas ósseas (fra-
investigação de enfisema subcutâneo, des- tura de bacia) e presença de crepitação (gás
vio de traqueia, fraturas de laringe, lesão de no retroperitônio - trauma duodenal). Veri-
esôfago (derrame pleural sem associação ficar se existe equimose perineal ou locais
com fratura de arcos costais ou contusão de contusões (escoriações) e outras lesões
pulmonar). A parte vascular também deve (fraturas, luxações, perfurações e cortes);
ser investigada atentando para sopros caro-
• Extremidades/musculoesqueléticas: as
tídeos, hematomas pulsáteis ou em expan-
extremidades devem ser inspecionadas
são, principalmente em traumas fechados
à procura de contusões, deformidades,
onde esse tipo de lesão é menos evidente;
edema, hematomas, ausência de pulsos,
• Tórax: lesões torácicas significativas
sinais de isquemia e síndrome comparti-
podem manifestar-se por dor, dispneia
mental. Fraturas pélvicas podem ser sus-
ou hipóxia. A avaliação inclui a ausculta e
peitadas pela identificação de equimoses
o exame radiológico. Doentes idosos não
sobre as asas do ilíaco, púbis, grandes lábios
toleram lesões torácicas, mesmo relativa-
ou saco escrotal. A dor à palpação do anel
mente pequenas, entrando rapidamente
pélvico é um achado importante no doente
em insuficiência respiratória;
consciente;
• Abdome: o diagnóstico e tratamento das
• Sistema nervoso: a avaliação neurológica
lesões abdominais deve ser rápido e agres-
adequada não inclui somente a apreciação
sivo. Um exame inicial normal do abdome
sensória e motora, mas também a reavalia-
não exclui lesões intra-abdominais. Paciente
ção do nível de consciência (GCS) e do tama-
com contusões abdominais deve ser obser-
vado de perto e com frequentes reavalia- nho e da resposta da pupila do doente. Qual-
ções. Doentes com hipotensão não expli- quer evidência de perda de sensibilidade,
cada, lesões neurológicas, alterações do paralisia ou fraqueza sugere lesão grave da
sensório devido ao uso de álcool e/ou dro- coluna ou do sistema nervoso periférico;
gas e com achados abdominais duvidosos • Por vezes, as lesões medulares não podem
devem ser considerados candidatos a um ser avaliadas pelo fato de o paciente

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 27

encontrar-se comatoso. Assim, a análise do mecanismo de trauma pode ser a única arma dis-
ponível para o médico
Exames adjuntos ao exame secundário
Uma vez que as lesões ameaçadoras ou potencialmente ameaçadoras à vida foram identificadas e
tratadas na avaliação primária, exames mais sofisticados poderão ser feitos para confirmar a sus-
peita diagnóstica existente desde que o doente esteja hemodinamicamente estável.
São adjuntos ao exame secundário:
• Exames contrastados (arteriografia, uretrocistografia, esofagografia);
• Tomografia computadorizada com contraste / Ressonância, ultrassonografia, ecodoppler, eco-
cardiograma;
• Demais estudos radiológicos sem ser aqueles incluídos no exame primário, incluindo os de
extremidades;
• Endoscopias digestivas / fibrobroncoscopia.
Mas, lembre-se, uma vez que exista a necessidade de transferência do paciente, é inadmissível
que ocorra retardo em função de quaisquer exames.
Cuidados definitivos: realizado o tratamento das lesões ameaçadoras à vida no exame primário,
e, em alguns casos, com o resultado de exames mais especializados em mãos, procederemos aos
cuidados definitivos.
Segurança
1º passo Controle de cena Mecanismo de trauma

Controle cervical
2º passo Abordagem primária Consciência
rápida Respiração - sim/não
Circulação • pulso
• color/umidade
• temperatura
• enchimento/umidade
Grandes lesões/hemorragia
Comunicação com médico
regulador

A= Vias aéreas/controle cervical


Abordagem primária B= Respiração-qualidade
3º passo C= Circulação/controle hemorragia
completa
• Pulso
• Enchimento capilar
• Coloração/umidade
D= Nível de consciência/pupila

4º passo Abordagem secundária Cabeça


Pescoço
Tórax
Abdome
MMII
MMSS
Dorso
5º passo Sinais vitais e escala
de coma e trauma

Comunicação com médico regulador


Figura 2.13 Atendimento inicial à vitima de trauma

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28 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

O planejamento prévio para a chegada dos importante de volume. Quando a deterioração


pacientes com trauma é essencial. A transferên- ocorre, é precipitada e catastrófica.
cia entre provedores pré-hospitalares e aqueles
As alterações anatômicas e fisiológicas da gra-
no hospital receptor deve ser um processo suave,
videz podem modificar a resposta do paciente
dirigido pelo líder da equipe de trauma, garan-
à lesão. O reconhecimento precoce da gravi-
tindo que toda a informação importante está
dez por palpação do abdômen para um útero
disponível à toda equipe. Os aspectos críticos da
gravídico e testes laboratoriais (por exemplo,
preparação hospitalar incluem o seguinte:
gonadotropina coriônica humana [hCG]), bem
• Uma área de ressuscitação está disponível como a avaliação fetal precoce, são importan-
para pacientes com trauma; tes para a sobrevivência materna e fetal.
• O bom funcionamento do equipamento das Embora as doenças cardiovasculares e o câncer
vias aéreas (por exemplo, laringoscópios
sejam as principais causas de morte em adultos
e tubos endotraqueais) é organizado, tes-
mais velhos, o trauma também é uma causa cres-
tado e estrategicamente colocado para ser
cente de morte nesta população. A ressuscitação
facilmente acessível;
de idosos requer atenção especial. O processo de
• As soluções de cristalóides intravenosas envelhecimento diminui a reserva fisiológica des-
aquecidas estão imediatamente disponíveis ses pacientes, e as doenças cardíacas, respirató-
para infusão, assim como dispositivos de rias e metabólicas crônicas podem prejudicar sua
monitoramento apropriados; capacidade de responder às lesões, diferente dos
• Organizar um protocolo para convocar pacientes mais jovens. Comorbidades como dia-
assistência médica adicional, bem como um betes, insuficiência cardíaca congestiva, doença
meio para garantir respostas rápidas por arterial coronariana, doença pulmonar restritiva
parte do pessoal de laboratório e radiologia; e obstrutiva, coagulopatia, doença hepática e
• Os acordos de transferência com centros de doença vascular periférica são mais comuns em
trauma devem ser verificados e estabeleci- pacientes senis e podem afetar negativamente os
dos de forma operacional. resultados após a lesão.
Além disso, o uso prolongado de medicamen-
tos pode alterar a resposta fisiológica usual.
POPULAÇÕES ESPECIAIS Apesar desses fatos, a maioria dos idosos víti-
As populações de pacientes que merecem con- mas de trauma se recuperam quando são tra-
sideração especial durante a avaliação inicial são tados adequadamente.
crianças, mulheres grávidas, adultos mais velhos,
Os pacientes obesos representam um desafio
pacientes obesos e atletas. As prioridades para
especial no contexto do trauma, já que sua ana-
o cuidado desses pacientes são as mesmas que
tomia dificulta alguns procedimentos, como a
para todos os pacientes com trauma, mas esses
intubação. Testes de diagnóstico como FAST,
indivíduos podem ter respostas fisiológicas que
LPD e TC também são mais difíceis. Além disso,
não seguem padrões esperados e diferenças
anatômicas que requerem equipamentos espe- muitos pacientes obesos apresentam doença
ciais ou considerações. Pacientes pediátricos têm cardiopulmonar, o que limita sua capacidade
fisiologia e anatomia únicas. de compensar lesões e estresse. A ressuscita-
ção com administração rápida de líquidos pode
As quantidades de sangue, fluidos e medica- exacerbar suas comorbidades subjacentes.
mentos variam com o tamanho da criança.
Além disso, os padrões de lesão e grau e rapi- Devido ao seu excelente condicionamento, os
dez de perda de calor diferem. As crianças atletas podem não manifestar sinais precoce
geralmente possuem uma abundante reserva de choque, como taquicardia e taquipnéia. Eles
fisiológica e muitas vezes apresentam poucos também podem ter baixa pressão arterial e
sinais de hipovolemia, mesmo após uma perda confundir os sinais vitais de alerta.

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3
CAPÍTULO 3

VIA AÉREA E VENTILAÇÃO

Via aérea (VA), juntamente com o controle A agitação do paciente sugere hipóxia; já
cervical, é prioridade absoluta no atendi- sonolência levanta suspeita de hipercapnia.
mento ao politraumatizado. E a permea- Respiração ruidosa, com roncos ou estridor,
leva-nos a pensar em obstrução de faringe.
bilidade da VA não implica necessariamente
Presença de disfonia sugere obstrução de
ventilação adequada. O tórax do paciente
laringe. A tríade rouquidão, enfisema subcutâ-
deve ser exposto completamente para ava-
neo cervical e crepitação de laringe remete à
liar a ventilação pulmonar após o controle da
fratura de laringe.
via aérea. Além disso, devemos identificar a
origem da disfunção respiratória com diag- As manobras de desobstrução da VA depen-
nóstico diferencial do problema: será que a dem da causa, a queda da base da língua con-
dispneia é por obstrução da VA, por problema sequente a um TCE, por exemplo, é a causa
pulmonar ou ainda por má perfusão periférica mais comum de obstrução de VA e a simples
tração do mento e elevação da mandíbula ( jaw-
ou problema neurológico associado? A oferta
-thrust) ou apenas elevação do mento (Chin-lift)
inadequada de sangue oxigenado ao cérebro
podem resolver.
e aos órgãos vitais é fator que mais rapida-
mente leva o doente à morte. Para aspirar secreções e corpos estranhos
deve ser usado aspirador rígido. Sondas flexí-
A VA pode ficar comprometida pela queda
veis devem ser evitadas. Independentemente
de estruturas anatômicas (como a base da
da manobra realizada, o cuidado com a coluna
língua), no paciente inconsciente, pela pre- cervical é obrigatório durante esse processo.
sença de corpo estranho, restos alimentares, O colar cervical deverá estar posicionado
sangue, hematoma cervical, trauma direto de de modo adequado. Ele poderá ser mobili-
laringe, fratura de face, entre outros. Pacien- zado desde que um socorrista fixe a cabeça,
tes com TCE, trauma bucomaxilofacial e ou enquanto o médico examina a região cervical
trauma na região cervical são particularmente e coloca o colar.
propensos a apresentar problemas na VA.
Todo paciente politraumatizado deverá
O diagnóstico de obstrução da VA começa no receber suplementação com oxigênio (10-
primeiro contato com o doente. A verificação 12 litros/minuto) em máscara de alto fluxo
da consciência com as perguntas: “como você (correspondente a uma FiO2 de aproximada-
está?”, “qual é seu nome?”, fornece-nos vários mente 100%).
dados importantes. Doente que fala e está O oxímetro de pulso deverá ser também aco-
orientado mostra que a VA está pérvia e plado. Esse aparelho oferece informações
existe boa oxigenação cerebral, ou seja, sobre a saturação de O2, mas não garante que a
essa simples ação já fornece informação de ventilação esteja adequada. A leitura do oxíme-
via aérea, ventilação e circulação potencial- tro é realizada através da leitura colorimétrica
mente adequadas. do fluxo sanguíneo, a hemoglobina reduzida

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30 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

possui uma coloração diferente da hemoglo- O balão adulto tem 1-2 litros e deve ofertar
bina não reduzida, logo o aparelho diferencia um volume corrente de 600 mL, o que é sufi-
os dois padrões e realiza a mensuração da ciente para a expansão do tórax e preservação
saturação periférica de oxigênio. Sendo assim, da normocarbia. A ventilação deve durar 1
a hipoperfusão dos tecidos periféricos pode segundo e o fluxo conectado é 10-12 L/min. No
levar à leitura inadequada pelo aparelho. caso de ventilação durante reanimação cardio-
Manter a oxigenação e prevenir a hipercarbia pulmonar (RCP), devem ser feitas 30 compres-
são fundamentais no gerenciamento de poli- sões para duas ventilações, o que equivale à
traumatizados, especialmente aqueles que uma ventilação a cada 6-8 segundos. Quando
sofreram traumatismo cranioencefálico. existe uma via aérea definitiva não há mais a
necessidade de sincronizar com as compres-
sões, mantendo-se frequência de compressões
torácicas de 110-120 por minuto. Vale lembrar
AÉREA TEMPORÁRIA
também que a ventilação não invasiva (Balão-
Para obtenção da via aérea temporária, pode- -Válvula-Máscara) no paciente consciente pode
mos utilizar alguns dispositivos, tais como: (a) dar suporte temporário até melhor planeja-
ventilação com sistema balão-válvula-máscara mento da VA definitiva.
(AMBU) acoplado a reservatório de O2 (lem-
bre-se de que o dispositivo balão-válvula-más- Lembre-se de que o dispositivo balão-válvu-
cara quando ligado a uma fonte de O2 e com la-máscara oferece duas ofertas possíveis de
bolsa reservatório fornece uma FIO2 próxima concentração de oxigênio:
a 100%, já sem reservatório fornece uma FIO2 • Quando ligado a uma fonte de oxigênio e
de 21%, pois capta o ar do ambiente), (b) cânula com o reservatório acoplado fornece apro-
orofaríngeo (Guedel); (c) cânula nasofaríngea; ximadamente uma FiO2 de 100%;
(d) máscara laríngea (intubação difícil); (e) tubo
• Sem o reservatório acoplado ele capta o ar
laríngeo (intubação difícil); (f) Combitubo (tubo
ambiente, logo fornece uma concentração
duplo lúmen, intubação difícil); (g) cricotireoi-
de O2 de aproximadamente 21% (concentra-
dostomia por punção, entre outros
ção presente no ar atmosférico).
Existem critérios padronizados para a obtenção
da VA definitiva. A VA temporária não subs-
titui VA definitiva, mas ela é importante até CÂNULAS ORO E
planejamento da VA definitiva a fim de garantir
oxigenação adequada. NASOFARÍNGEAS
Via aérea definitiva é definida pelo ATLS como Somente devem ser introduzidas em pacien-
um tubo colocado na traquéia com o balonete tes inconscientes porque provocam reflexo de
(balão) insuflado abaixo das cordas vocais, vômito. O fato do doente aceitar uma cânula de
conectado a uma fonte de oxigênio, sob venti- Guedel pode ser um sinal de que o mesmo real-
lação assistida e com o tubo fixado. mente necessita de uma via aérea definitiva. O
Guedel deverá ser introduzido e rodado 180º
para a correta inserção, voltando-se a conca-
SISTEMA BALÃO-VÁLVULA- vidade para baixo. Momentaneamente, evita a
-MÁSCARA (AMBU) ACOPLADO queda da língua na orofaringe.

A RESERVATÓRIO DE O2 A cânula nasofaríngea é introduzida pelo orifí-


O AMBU é um sistema de válvula unidirecio- cio nasal em direção a região posterior da oro-
nal que deve ser acoplado ao reservatório de faringe e está formalmente contra indicada
O2 para maximizar a oferta de oxigenação. É para vítimas com suspeita de fratura de
composto por uma máscara transparente que base de crânio e ou trauma de face, pois o
permite visualização caso ocorra regurgitação. tubo pode ir para a região encefálica.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 31

MÁSCARA LARÍNGEA (ML) deve ser garantida por um médico com treina-
mento adequado.
Quando a ventilação com AMBU e a tentativa de
intubação orotraqueal falham devido a uma VA
difícil, a ML é proposta atraente naquele socor-
rista treinado com esse tipo de dispositivo de
via aérea avançada temporária. O mesmo é
colocado sem visualização da glote.

Não é considerado uma via aérea definitiva,


portanto quando o doente chegar ao departa-
mento de emergência, deverá ser substituído Figura 3.2 Tubo laríngeo.

por uma via aérea definitiva assim que possível.

Lembre-se de que a Máscara Laríngea é um


dispositivo supra-glótico e NÃO protege a via
GUIA INTRODUTOR DE
aérea. Por este motivo, deve ser usado com INTUBAÇÃO (ESCHMANN)
cautela nos pacientes que não se encontram É um fio guia que auxilia a intubação. Corres-
em jejum, devido ao alto risco de broncoaspira- ponde ao bom equipamento quando não se
ção de conteúdo gástrico. visualiza as cordas vocais. O fio guia de Eschman
possui angulação na ponta de 3,5 cm em 40º. A
posição traqueal é sugerida pelo atrito entre a
ponta do introdutor e os anéis cartilaginosos
da traqueia em até 90% das vezes. Quando se
sente a rotação do guia é porque o introdutor
cruzou a carina e, portanto, o tubo deve ser tra-
cionado poucos centímetros superiormente.
Imediatamente após a intubação, o Eschmann
é retirado e o tubo endotraqueal é conectado
ao respirador. Dispositivo semelhante a este é
o Bougie, que possui a mesma função e tam-
bém pode ser empregado na via aérea difícil.

Figura 3.1 máscara laríngea.

TUBO LARÍNGEO (TL)


É um dispositivo extraglótico, assim como a ML
e também usado em casos de VA difícil. Intro-
duzido sem visualização da glote, o seu posi-
cionamento não exige hiperextensão cervical.
O TL não é considerado via aérea definitiva,
portanto, assim que houver possibilidade, esta Figura 3.3 Eschmann.

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32 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

COMBITUBE (TUBO DE DUPLO que oclui-se o lado aberto do conector manual-


mente por 1s (inspiração) e libera-o por 4s (con-
LÚMEN)
segue-se alguma expiração). Esse método ofe-
O combitube é usado por muitas equipes no rece ventilação adequada por 30 - 45 minutos.
pré-hospitalar nos EUA quando a VA definitiva Após este período, começa a haver hipercapnia
não é viável. Trata-se de um tubo de duas vias por conta da inadequada exalação de CO2 e
e com dois balões na ponta. Uma via comuni- deve-se proceder à VA definitiva (cricotireoidos-
ca-se com o esôfago e a outra à traqueia. Os tomia cirúrgica, por exemplo). Precisa ser conec-
balões são insuflados no esôfago (distal) e na tado também o oxigênio a 15 L/min.
orofaringe (proximal), logo, é uma intubação
Na suspeita de obstrução de VA por corpo
esofagiana “de propósito” e o ar vai passar por
estranho, o O2 deve ser colocado em doses
orif;icios entre os balontes. Com a ajuda de um
menores (5-7 litros/minutos).
capnógrafo, o socorrista identifica qual via está
na traqueia e imediatamente a ventila. Assim Lembre-se: a cricotireoidostomia cirúrgica não
que possível o paciente tem o combitube subs- pode ser feita em crianças < 12 anos de idade,
tituído por VA definitiva. pois a membrana cricotireodiana é o único ponto
de sustentação alta da traqueia, mas a cricotire-
odostomia por punção é permitida.

Figura 3.4 Combitube.

CRICOTIREOIDOSTOMIA POR
PUNÇÃO
É de fácil e rápida realização. A punção é reali-
zada com jelco calibroso (14-16 no adulto e 16-18
na criança) na membrana cricotireoideana,
usando-se, inicialmente, uma seringa (pressão
Figura 3.5 cricotireoidostomia por punção: jelco 1416 em adultos, sendo
negativa) até entrada na laringe em 45º. Em 16-18 em crianças. É conectada uma seringa e faz-se pressão negativa até
aspiração de ar, indicando-se a entrada da traqueia. É conectado O2 a 15 L/
seguida, deve ser conectado um tubo em T, e min., a não ser que haja obstrução, quando a pressão de O2 deverá ser mais
baixa. Conecta-se à extensão em Y e se faz a oclusão de 1 s (inspiração) para
realizar uma insuflação intermitente de forma 4 s sem oclusão (expiração).

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 33

COMPLICAÇÕES DA • Impossibilidade de manter a via aérea per-


CRICOTIREOIDOSTOMIA POR meável por outros métodos e saturação de
O2 em queda progressiva;
PUNÇÃO
Critérios para a intubação endotraqueal
• Ventilação inadequada – hipóxia e morte; (IOT):
• Aspiração; • PaO2 < 60 mmHg;
• Laceração esofágica; • PaCO2 > 50 mmHg;
• Hematoma; • SaO2 < 88-90% (exceto paciente com doença
• Perfuração posterior da traqueia; pulmonar obstrutiva crônica);
• Enfisema; • FC > 120 e FR > 35;
• Perfuração da tireoide. • PaO2/FiO2 < 300 (lesão pulmonar aguda).
Dica: esses critérios são importantes não só
para a prova de residência médica, mas para
VIA AÉREA DEFINITIVA a vida. Uma das piores situações é não enten-
Definida como um tubo colocado na traqueia der a urgência em realizar IOT que leva à pro-
com o balonete (balão) insuflado abaixo das gressiva fadiga de musculatura respiratória.
cordas vocais, conectado a uma fonte de oxi- Portanto, busque por esses sinais em todos os
gênio, sob ventilação assistida e com o tubo pacientes na urgência, não somente no trauma.
fixado. A gasometria arterial é fundamental para ava-
Existem três tipos de VA definitiva: liar adequadamente a ventilação após obten-
ção de VA definitiva.
• Intubação orotraqueal;
• Intubação nasotraqueal;
• VA cirúrgica (cricotireoidostomia cirúrgica e INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL
traqueostomia). (IOT)
A preferência é a IOT, tanto a endotraqueal
A IOT é a via aérea definitiva usada com maior
como nasotraqueal são efetivas. Após cada
frequência. A compressão da cricóide (mano-
tentativa de intubação deve ser retomada a
bra de Sellik) é útil para melhor visualização
ventilação com AMBU até que a saturação de
das cordas vocais e prevenção de vômitos, pois
O2 esteja adequada. Na impossibilidade de
há a tentativa de oclusão do esôfago e impedi-
intubação em três tentativas, pode-se proce-
mento do retorno do conteúdo gástrico. A pre-
der a VA temporária ou VA cirúrgica.
ferência é a IOT com duas pessoas (“manobra
A decisão de instalar a VA aérea definitiva é base- a 4 mãos”) onde um socorrista irá estabilizar
ada em achados clínicos e fundamenta-se em: a coluna cervical (posicionando-se à direita)
e o outro procederá à IOT. De início, o doente
• GCS < 8;
deve ser pré-oxigenado e ventilado adequada-
• Presença de apneia;
mente. O material de aspiração deve estar em
• Proteção da VA contra a aspiração de san- mãos em caso de vômitos. Da mesma maneira,
gue, vômitos incoercíveis; todos os dispositivos deverão ser checados
• Tratamento da VA comprometida, com lesão e estarem funcionantes sobretudo as pilhas
iminente ou potencial da VA, em queimadu- das luzes de laringoscópios. A via orofarín-
ras inalatórias, fraturas faciais hemorrági- gea no trauma somente pode ser utilizada
cas, hematoma retrofaríngeo ou convulsões para pacientes inconscientes. A prática da
persistentes; IOT com paciente acordado é útil para a

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34 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

realização de obtenção da via aérea defini- verificação de som claro pulmonar bilateral-
tiva em pacientes com critérios de VA difí- mente, bem como o raios X de tórax.
cil, porém em ambiente controlado e com o
Dispositivos de auxílio na IOT são o monitor de
paciente em jejum. CO2 (capnógrafo) e o oxímetro de pulso.
A intubação pode ser realizada sem sedação
O ATLS indica que o uso da capnografia de
em pacientes comatosos, porém tal conduta
onda(medida contínua) é preferível e mais
pode gerar aumento da pressão intracraniana
efetivo que a capnometria colorimétrica
e pode aumentar o grau de dificuldade na IOT. (medida isolada).
Na dificuldade de adequado relaxamento o
etomidato pode ser suficiente para relaxar os O raios X de tórax é importante para inspecio-
músculos da mandíbula e do pescoço. A sequ- nar a presença de líquido ou ar no espaço pleu-
ência rápida de intubação (intubaçao farmaco- ral, atelectasia, expansão de tórax adequada,
logicamente assistida – ATLS 10) é um caminho avaliação de deslocamento do TET e intubação
seletiva. Entretanto, ele não exclui a intubação
possível na realização da obtenção da via aérea
esofágica. A investigação radiológica, à priori,
no trauma, porém deve ser realizada por pro-
só poderá ser realizada diante de estabilidade
fissional experiente e deve estar disponível um
hemodinâmica e a certificação de que o TET
plano B caso haja falha da IOT.
encontra-se locado na via aérea do paciente.
O laringoscópio deve ser usado com a mão
esquerda, entrando na orofaringe com movi-
PREDIZENDO A VA DIFÍCIL
mento de deslocar a língua da direita para
a esquerda em movimento de levantar a tra- Fatores externos: suspeita de lesão de coluna
quéia na valécula da glote até visualização das cervical, artrite cervical avançada, trauma
cordas vocais (laringoscópio curvo) evitando- mandibular e maxilofacial grave, limitação da
-se o movimento de báscula que pode causar abertura da boca e variações anatômicas como
trauma dentário. micrognatia, prognatismo, pescoço curto são
O tubo para ser introduzido no paciente poli- desafios que caracterizam a VA difícil. O ATLS
traz a mnemônica LEMON para lembrete do
traumatizado adulto, é o maior possível para
potencial de dificuldade da VA.
minimizar a resistência na VA.
• Look: observe externamente.
Após, introduz-se o tubo endotraqueal (TET)
sem lesar estruturas. Na criança, o tubo ade- Examine a regra 3-3-2*.
quado é aquele do tamanho do 5º dedo da Três dedos dentro da boca embaixo dos incisi-
mão da criança. O AMBU deve ser conectado vos superiores e inferiores;
e o paciente ventilado até a chegada do ventila-
Três dedos abaixo da mandíbula até o osso
dor apropriado.
hioide;
Após IOT, deve-se proceder à checagem pri-
– Dois dedos acima da protuberância laríngea.
mária (ausculta pulmonar – ápices e bases – e
ausculta epigástrica) e secundária (detector • Mallampati: paciente sentado deve abrir a
de dióxido de carbono). A detecção de níveis boca para avaliar o grau de visibilidade da
muito baixos de CO2 sugere intubação esofá- hipofaringe com o auxílio de uma lanterna;
gica, assim como baixos níveis deste sugere • Obstrução (epiglotites, abscessos e trauma);
bom posicionamento, porém não diferencia se • Neck (mobilidade do pescoço): normal-
a intubação ficou seletiva no brônquio direito mente é avaliado pedindo-se ao doente
(mais verticalizado). Nesse caso, a ausculta pul- para fletir o queixo até o peito e hiperexten-
monar torna-se extremamente importante na der o pescoço olhando ao teto. É claro que o

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 35

paciente politraumatizado com colar cervical não deve fazer isso e é classificado com VA difícil.
*Na regra 3-3-2 há de se considerar se cabe a distância de:
Caso não haja espaço suficiente colocados na regra 3-3-2, então trata-se de VA difícil. Além disso,
o uso de drogas sedativas, anestésicas e bloqueadores neuromusculares (curare) facilitam a
entubação e manutenção da IOT de modo confortável. Observe a figura abaixo demonstrando a
correta IOT somente após a visualização das cordas vocais.

�Figura 3.6 classificação de Mallampati, utilizada para visualizar a hipofaringe.

INTUBAÇÃO NASOTRAQUEAL
(INT)
Antes de saber suas indicações é prudente ter
ciência das contraindicações. São contraindica-
ções da INT:
• Apneia;
• Suspeita de fratura de 1/3 médio da face e
fratura de base de crânio;
• Criança < 12 anos de idade (traqueia curta e
angulada).
Figura 3.7 Intubação orotraqueal: após a visualização da glote e das cor-
das vocais deve ser introduzido o TET sob visão direta.

COMPLICAÇÕES DA IOT
• Intubação esofágica com hipóxia e morte;
• Intubação seletiva (atelectasia);
• Impossibilidade de intubação;
• Indução ao vômito (aspiração, hipóxia,
morte);
• Trauma com hemorragia e aspiração;
• Trauma dos alvéolos dentários (corpo estra-
nho);
• Perfuração do cuff (balão);
Fratura instável com déficit neurológico à mobi- Figura 3.8 Intubação nasotraqueal: ouvir as respirações para acertar a
intubação – a inserção do TET é realizada no momento da inspiração; logo,
lização da VA. não há como intubar com apneia.

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36 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Além das mesmas complicações da IOT, a INT CRICOTIREOIDOSTOMIA


tem risco de lesão cerebral (caso haja fratura da
lâmina crivosa), sinusites crônicas e maior incidên-
CIRÚRGICA
cia de pneumonias em um momento mais tardio. Na impossibilidade de intubação orotraqueal
A INT tem como inconveniência a necessidade de existe uma indicação clara para o uso o plano
um tubo muito pequeno como 6,5 que aumenta alternativo de abordagem definitiva da via
muito a resistência na VA. Entretanto, em uma aérea. Quando a via aérea estiver obstru-
urgência com um paciente com VA difícil, a INT ída por edema de glote, fratura da laringe ou
pode ser alternativa à IOT. No edema de glote, hemorragia orofaríngea grave ou quando o
fratura de laringe ou intenso sangramento oro- tubo endotraqueal não puder se posicionado
faríngeo, a intubação é por vezes difícil, quer por entre as cordas vocais, deve-se realizar um
IOT quer por INT. Assim, a VA definitiva cirúrgica acesso cirúrgico da via aérea. Nesses casos, a
(cricotireoidostomia) está indicada. A traqueos- preferência recai sobre a cricotireoidostomia
tomia não é rotina na emergência e deve ser (exceto em crianças menores de 12 anos de
evitada no atendimento do politraumatizado, idade, pois é contraindicada uma vez que a
com exceção dos casos de fratura de laringe cartilagem é o único suporte circunferencial
e crianças < 12 anos de idade. É uma via mais para a parte superior da traqueia), a não ser
demorada, de difícil execução e leva muitas vezes em casos de fraturas de laringe, nos quais se
a sangramento de difícil controle. deve realizar a traqueostomia de urgência.

Figura 3.9 Cricotireoidostomia cirúrgica: é realizada uma incisão com lâmina de bisturi na membrana cricotireoidea, vira-se o cabo do bisturi a 90º e, se o
doente estiver ventilando, o ar já pode sair. Feita corretamente, é rápida e não há sangramento.

Após antissepsia e anestesia (doente cons- • Estenose laríngea;


ciente), estabiliza-se a traqueia com uma das • Formação de hematoma/hemorragia;
mãos e faz-se uma incisão sobre a membrana
• Laceração da traqueia/esôfago;
cricotireoideana (entre as cartilagens cricóide e
tireóide); ao virar o cabo do bisturi e girando-o • Enfisema subcutâneo/mediastinal;
a 90º no local da incisão, existirá saída de ar • Paralisia das cordas vocais/rouquidão.
através do orifício criado. Depois de se colocar a
cânula de traqueostomia número 5 ou 6, infla-se
o balonete e ventila-se o doente. Na ausência de
OUTROS DISPOSITIVOS
cânula de traqueostomia, pode-se proceder à AUXILIARES DA VIA AÉREA
colocação do próprio tubo endotraqueal.
Complicações da cricotireoidostomia cirúrgica: OXIMETRIA DE PULSO
• Aspiração; É dispositivo que mede a saturação de oxigê-
• Falso trajeto; nio e a frequência cardíaca por meio de senso-
• Estenose/edema glótico; res: diodo emissor de luz e fotodiodo receptor

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 37

de luz. A luz emitida é absorvida em maior ou Detecta a presença de CO2. Sob níveis baixos
menor grau pela hemoglobina oxigenada em de CO2, o monitor mostra coloração roxa; já
nível diferente da hemoglobina não oxige- em níveis altos, a coloração é amarelada, o que
nada. Por este motivo a leitura é prejudicada sugere intubação correta. Deve-se esperar ao
pela baixa perfusão periférica (choque), hipo- menos seis ventilações para ver a coloração final.
tensão, esfigmomanometro acima do local da O monitor de CO2 não permite diagnosticar intu-
medida, hipotermia (< 30ºC), anemia grave (< 5 bação seletiva.
g/dL), carboxiemoglobina, metemoglobinemia,
esmalte e ambiente muito iluminado provocam INTUBAÇÃO DE SEQUÊNCIA
uma leitura inadequada da oximetria de pulso. RÁPIDA (RSI)
A relação entre saturação de oxigênio e curva
de pressão parcial de oxigênio não é linear. Deve ser empregada quando a via aérea defini-
Observe o quadro abaixo: tiva é premissa e o doente está acordado. O ATLS
10 denomina a técnica como Intubação farmaco-
PaO2 SatO2 logicamente assistida. A seguir, encontram-se os
passos detalhados:
90 mmHg 100%
1. Ter um plano em caso de falha que inclua a
60 mmHg 90% possibilidade de realizar uma via aérea cirúr-
gica. Saiba onde o seu equipamento de res-
30 mmHg 60% gate da via aérea está localizado;
2. Certifique-se de que os equipammentos de
27 mmHg 50% aspiração e de ventilação estão disponíveis e
Tabela 3.1 relação entre saturação e pressão parcial de O2. funcionando;
Além disso, existem variáveis que influenciam 3. Prexigenar o paciente com 100% de oxigênio;
na curva de dissociação da hemoglobina. 4. Aplique pressão sobre a cartilagem cricoide
100 pH (manobra de Sellik);
pH 5. Administrar um fármaco de indução (por
80 exemplo, etomidato, 0,3 mg/kg) ou sedativo,
Saturação O2 (%)

de acordo com o protocolo local;


60
6. Administrar 1 a 2 mg/kg de succinilcolina por
40 via intravenosa (a dose normal é de 100 mg);
Após o paciente relaxar:
20
7. Realizar a intubação orotraqueal;
8. Inflar o cuff e confirmar a colocação do tubo
20 40 60 80 100
PaO2 (mmHg) por auscultando o tórax do paciente e deter-
Figura minando a presença de CO2 no ar expirado;
3.10 saturação de O2 x PaO2 – Desvio para a direita (hemácias liberam oxigênio 9. Liberar a pressão cricoide.
aos tecidos): ↓ pH; ↑ temperatura; ↑ PaCO2; ↑ 2,3 DPG (produto da glicólise).
A urgência deve justificar o risco!

A hemoglobina fetal é ávida por oxigênio e, se


presente, pode deslocar a curva da hemoglobina
para a esquerda (hemácias captam o oxigênio).
CONTRAINDICAÇÕES DA
RSI – IOT FARMACOLOGICA-
MENTE ASSISTIDA
MONITOR COLORIMÉTRICO DE Insuficiência renal crônica (risco de hiperpo-
CO2 (CAPNÓGRAFO) tassemia – succinilcolina causa liberação de

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38 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

potássio na corrente sanguínea, podendo levar à arritmias cardíacas ou à parada cardiorrespira-


tória);
• Paralisia crônica;
• Doença neuromuscular.
O tiopental não deve ser usado em hipovolemia. A RSI em crianças deve ser precedida de atro-
pina 0,1-0,5 mg para evitar bradicardia.

Via aérea permeável?


Respiração inadequada? Medidas adicionais
Não
GCS < 8? para via aérea
Sim

< 12 anos de idade? Sim Traqueostomia


Lesão da laringe?
Não

Suspeitar de lesão
da coluna cervical

Lesão maxilofacial Sim Cricotireoidotomia


grave?
Não

Indução por
sequência rápida

Intubação orotraqueal
Sim

Bem-sucedido? Não

Sim

Continuar
Reanimação

Figura 3.10 – Algoritmo para tratamento da via aérea no paciente com trauma. Existe um papel estabelecido da máscara laringea (ML) no tratamento dos
doentes com via aérea difícil. Particularmente, quando a intubação endotraqueal e a ventilação com máscara falharem.

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4
CAPÍTULO 9
TRAUMA CERVICAL

dessa região são de grande poder letal, basi-


INTRODUÇÃO camente por lesão de estruturas vasculares
O pescoço abriga a maior quantidade de ele-
(artéria inominada e vasos subclávios) e tam-
mentos nobres anatômicos em um pequeno
bém pela possibilidade de lesões torácicas
espaço: traquéia, carótidas, jugulares, artéria
associadas. É o segundo local mais comum
vertebral, vasos subclávios, esôfago, tireóide, dos ferimentos (5 a 31%).
paratireóide, medula cervical e parótidas. O
músculo platisma na fáscia superficial do pes- Zona II: vai desde a cartilagem cricóide (C6)
coço é o ponto anatômico que classifica a pro- até o ângulo da mandíbula. Ali localizam-se a
fundidade das lesões do pescoço e diferencia o veia jugular superficial e profunda, artérias
carótidas externa e interna, traquéia, esôfago,
ferimento superficial do penetrante.
medula espinhal e laringe, nervo frênico. Feri-
Do ponto de vista anatômico dividimos o pes- mentos penetrantes nessa região têm menor
coço em zonas (I, II e III) e trígonos (anterior e letalidade e melhor controle cirúrgico. Este é o
posterior), conforme a figura 4.1. local mais comum dos ferimentos (47 a 82%).
Zona I: vai desde a fúrcula esternal, até a car- Zona III: do ângulo da mandíbula até a base do
tilagem cricóide (C6) (incluindo a transição crânio ou lóbulo da orelha. Nessa área locali-
cervicotorácica). Ali localizam-se: artéria ver- zam-se a faringe, artéria vertebral, porção distal
tebral e carótida comum, pulmões, traquéia, da carótida interna e ramos da carótida externa.
tireóide, esôfago, medula espinhal e laringe, É região de alto risco e de difícil acesso cirúrgico,
além de outros vasos torácicos. Os ferimentos principalmente nas lesões de carótida interna.

Zona III
Trígono anterior
Zona II

Trígono posterior Zona I

Figura 4.1 Divisão anatômica do pescoço. A: triângulo anatômicos do pescoço. Os triângulos anatômicos anterior e posterior do pescoço são definidos pelo
músculo esternocleidomastoideo. As estruturas vasculares e aerodigestórias mais importantes no pescoço estão contidas no triângulo anterior. Os ferimen-
tos envolvendo apenas o triângulo posterior têm uma baixa probabilidade de necessitar de intervenção cirúrgica urgente. B: zonas do pescoço. O limite entre
a zona I e a zona II está no nível da cartilagem cricoide. O limite entre a zona II e a zona III está no ângulo da mandíbula. Essas zonas são principalmente úteis
no tratamento das lesões nos triângulos anteriores do pescoço.

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40 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

RACIONAL DO TRAUMA • Enfisema de subcutâneo rapidamente pro-


CERVICAL gressivo;
• Saída de saliva pela lesão.
Nas lesões penetrantes, as lesões vasculares
são as mais comuns (veia jugular pode ser II- Sintomático, mas sem risco de morte ime-
lesada em até 80% das vezes por trauma pene- diata. Esses pacientes são estáveis do ponto
trante), seguindo-se de lesões neurológicas e de vista cardiocirculatório e tem VA pérvia, mas
lesão do trato aerodigestório. possuem dúvida da existência de lesão cervi-
cal. Sinais de lesão vascular podem se manifes-
O trauma cervical pode acontecer após trauma tar como: hematomas, diminuição de pulsos
penetrante ou fechado no pescoço, e o paciente carotídeos e do membro superior, frêmitos,
pode estar estável ou em choque. sopros na região cervical e perda da consci-
Os ferimentos penetrantes do pescoço podem ência. A lesão nervosa pode ficar sugerida
causar lesões vasculares que evoluem com por alterações de sensibilidade e motricidade,
hematomas cervicais expansivos que podem implicando na avaliação de lesão medular e
levar à obstrução da via área. Se a compressão do plexo braquial (perda de força no membro
for extrínseca com obstrução da via área e não superior).
for possível intubação endotraqueal torna-se Vale lembrar também que as lesões de faringe
obrigatória a abordagem cirúrgica da via aérea. e esôfago são traiçoeiras. Apresentam sinto-
Caso a extensão da lesão for maior ainda, torna– matologia escassa (disfagia, hematêmese, enfi-
se obrigatória assegurar a via aérea definitiva. sema subcutâneo, hematoma cervical) e, se
for inadvertidamente liberada a dieta a esses
EXISTEM TRÊS GRUPOS DE PACIENTES: pacientes, ocorre mediastinite e choque sép-
I - Com risco de morte imediato. Esses pacien- tico progressivo.
tes estão em choque, com sangramentos pro-
III - Assintomáticos. Há apenas a presença do
fusos ou com hematoma contido com aumento
ferimento ou de uma tatuagem do trauma mas
progressivo da circunferência do pescoço. A
ausência de sintomas. Aqui podem se enqua-
lesão das carótidas é exsanguinante e o hema-
drar, por exemplo, os pacientes com ferimen-
toma progressivo também pode levar à com-
tos de artéria carótida por trauma fechado, o
pressão da VA. Lesões de laringe podem levar à
que leva a grave lesões neurológicas mesmo
rouquidão, estridor e enfisema subcutâneo
dias depois do trauma. O exame clínico não
(tríade da fratura de laringe). Garantir a per-
é confiável e a experiência do cirurgião será
meabilidade da VA é essencial. Lesões comple-
importante no manejo desses ferimentos. Há
tas medulares altas (particularmente em nível
de se saber os critérios para provável trauma
de C4) levam à denervação frênica com con-
vascular após trauma fechado:
sequente paralisia diafragmática e o paciente
entra em apneia pela ausência da movimenta- • Mecanismo do trauma de grande hiperex-
ção diafragmática. tensão (movimento de chicote em desacele-
rações) ou rotação (mais comum);
Os critérios para indicar a cirurgia imediata são
bem estabelecidos: • Contusão direta do pescoço;
Trauma intraoral; presença de fraturas do terço
• Hemorragia externa profusa;
médio da face e mandíbula; associação muitas
• Instabilidade hemodinâmica, não respon- vezes com fraturas de cervical;
siva à reposição volêmica;
• TCE com lesão axonal difusa; fratura de base
• Hematoma expansivo;
de crânio; fratura de esfenóide ou porção
• Obstrução de vias aéreas; petrosa do osso temporal (muito associada
• Piora dos sinais neurológicos; à lesão carotídea).

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 41

• Tatuagem do cinto de segurança no pes- ZONAS DO PESCOÇO


coço.
Zona I (zona da arteriografia): o paciente com
Esses traumas fechados podem resultar em
ferimento de zona I estável deverá ir à angioto-
dissecção, trombose e formação de pseudo- mografia ou à arteriografia.
aneurisma, fístula carotídea-corpo cavernoso
Acesso cirúrgico: caso esteja instável hemodi-
ou ainda rotura arterial completa (fatal). A
namicamente, uma das melhores abordagens
síndrome de Horner (ptose, miose e anidrose)
aos vasos subclávios é a retirada da clavícula
pode também aparecer em lesão associada à
e contenção direta do sangramento podendo
trauma de carótida interna (ACI).
associar-se com toracotomia anterolateral se
Mais de 90% das lesões vasculares por trauma esquerda (4º ou 5º EIC) ou esternotomia se
fechado acometem a artéria carótida interna direita, pois muitas vezes se faz necessário
na sua porção distal, sendo difícil de ser ava- para o controle proximal da artéria subclávia
liado por Doppler. que tem sua origem intratorácica, podendo ser
direto da aorta (esquerda) ou do tronco bra-
Dentre os exames complementares solicita- quiocefálico (direita).
dos na investigação do trauma cervical, são de
Zona II (zona das endoscopias – EDA e bron-
grande valia a radiografia cervical perfil (C1-
coscopia): pacientes com lesões penetrantes
T1), radiografia de tórax PA, angiotomografia,
na zona II que eram todos de conduta obriga-
a endoscopia digestiva alta, broncoscopia e o
toriamente cirúrgica na II Guerra Mundial, hoje
Eco color Doppler. Atualmente, a angiotomo-
têm abordagem mais seletiva, guiando-se con-
grafia de cortes finos (multislice) vem substi-
forme o resultado dos exames, sobretudo EDA
tuindo a arteriografia no diagnóstico de lesões e broncoscopia nessa região. Entretanto, a con-
vasculares cervicais, pois além de ser menos duta obrigatória na exploração de ferimentos
invasiva e de mais rápida execução, apresenta de Zona II deverá ser empregada na ausência
acurácia semelhante. de equipamento diagnóstico necessário. Além
Para pacientes com trauma cervical e instáveis disso, lesões transfixantes por PAF de zona II
têm alta probabilidade de lesão significativa e
hemodinamicamente a conduta cirúrgica de
a cervicotomia exploradora ainda é indicada de
emergência é necessária através de cervico-
urgência e sem a necessidade de exames com-
tomia com ou sem toracotomia (e mais rara-
plementares.
mente à esternotomia), dependendo da zona
lesada. Já os pacientes estáveis poderão fazer O Doppler de região cervical pode ser exame
os exames necessários para depois realizar a inicial em pacientes estáveis. A arteriogra-
abordagem cirúrgica guiada pelos exames. fia que era o padrão-ouro no diagnóstico de
lesões vasculares vem sendo substituída pro-
Os pacientes com sinais clínicos evidentes gressivamente pela angiotomografia helicoidal,
de lesão vascular ou do trato aerodigestório mas ainda é importante nos casos terapêuticos
(hemorragia externa significativa, hematoma com correção endovascular das lesões (coloca-
grande ou em expansão, saída de ar pelo feri- ção de stent, embolização).
mento com a respiração, fístula com presença
A tomografia também tem papel importante
de saliva na região cervical, crepitação no pes- no diagnóstico de lesões de laringe, traqueia,
coço, alterações da voz, disfagia e odinofagia) esôfago (contraste oral), lesões ósseas e do
requerem exploração cirúrgica do pescoço por sistema nervoso. Em traumas medulares, a
cervicotomia que pode ser oblíqua anterior ou ressonância magnética também é importante
em colar, muito útil principalmente quando o (exceto, se houver projétil metálico, pois aí está
objetivo é explorar bilateralmente o pescoço. contraindicada).

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


42 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

A avaliação do trato aerodigestório pode ser não operatório para dissecções e tromboses
feita no pré-operatório ou no momento da nas citadas condições. Lembrando que em
exploração cirúrgica no intraoperatório. Os pacientes com TCE associado à anticoagula-
ferimentos cervicais que não necessitam de ção pode ser contraindicada. Nunca esqueça
exploração operatória imediata podem pre- de ver o paciente como um todo para decidir
cisar de avaliação aerodigestória com tomo- pela melhor conduta. Em pacientes sintomáti-
grafia computadorizada, fibrobroncoscopia, cos, com lesões graves (transecções, pseudo-
endoscopia alta ou esofagografia para excluir- aneurismas), ou que não podem anticoagular,
-se uma lesão. a técnica endovascular, quando disponóvel, é a
melhor opção.
Acesso cirúrgico: incisão na borda interna do
esternocleidomastoideo desde a zona I até a III
se necessário. E se houver ferimento de zona
I, concomitante à incisão oblíqua, poderá ser TRATAMENTO CIRÚRGICO E
estendida ao tórax para a região supraclavicu- CONSERVADOR
lar ou para o esterno (esternotomia). Vale lem- As prioridades do ATLS (ABCDE) deverão ser
brar também que a incisão mais usada no sempre consideradas. A cirurgia será reali-
trauma é a toracotomia anterolateral e não zada naqueles pacientes com ferimentos
a esternotomia. Reserva-se a esternotomia penetrantes (platisma) que estejam sin-
para ferimentos de subclávia na sua emergên- tomáticos ou que apresentem lesões com
cia junto à primeira costela, bem como lesões risco de vida.
de tronco braquioencefálico e veias jugulares
A preocupação volta-se para cessar o san-
de zona I (geralmente protegidos pela incisura
gramento, restaurar o fluxo arterial e resol-
jugular do esterno).
ver precocemente as lesões faringe, esôfago,
Zona III (zona da arteriografia e de desar- laringe e traqueia.
ticulação mandibular): como é uma área
Ferimentos no trato aerodigestório:
de difícil acesso, se o paciente estiver está-
vel, a arteriografia é boa opção para manejo • Boca: operar/observar;
diagnóstico e terapêutico. Na instabilidade, o • Orofaringe/rinofaringe: observar;
acesso aberto à carótida interna distal exige • Hipofaringe/esôfago: operar, desviar trân-
procedimentos mais complexos como a sec- sito (não deixar salva nem alimento passar
ção do ventre posterior do músculo digástrico por lá) e drenar;
ou a desarticulação da mandíbula e então
• Laringe: reparo + traqueostomia;
consegue-se o controle vascular da artéria
carótida interna junto à base do crânio no • Traqueia: reparo + traqueostomia;
forame carotídeo. • Tireoide: sutura hemostática/ressecção.

Atualmente, alguns tipo de lesões altas da arté- As lesões traqueais devem ser desbridadas e
ria carótida interna em trauma fechado e em fechadas primariamente. Nas lacerações sim-
pacientes estáveis e ou assintomáticos são tra- ples da traquéia, frequentemente recomen-
tadas com tratamento conservador com anti- da-se sutura direta com fio não absorvível.
coagulação ou antiagregação. Isso porque Quando há perda de uma porção maior da tra-
a maior parte das sequelas desses pacientes queia, pode haver a necessidade de uma tra-
queostomia ou de complexos procedimentos
decorre de trombose aguda, propagação de
reconstrutivos.
trombo ou embolização distal, em virtude do
trauma, que facilita a tríade de Virchow (estase Já as lesões da faringe são tratadas com sutura
venosa, lesão da parede vascular e hipercoa- das lacerações da mucosa e redução das fratu-
gulabilidade). Assim, a tendência é tratamento ras cartilaginosas.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 43

Nas lesões do esôfago, se o diagnóstico foi COMPLICAÇÕES DO TRAUMA


feito no período de até 24 horas, o reparo
CERVICAL
primário pode ser praticável, lembrando que
o esôfago não tem adventícia e sua sutura Desconsiderando-se as complicações decor-
deve ser realizada em dois planos com rentes do trauma agudo e procedimentos no
fechamento da camada mucosa e depois atendimento primário, uma das maiores pre-
da muscular separadamente. Em lesões ocupações no pós-trauma é a mediastinite
que pode se desenvolver após lesão desperce-
com mais de 24h, as chances de insucesso
bida de esôfago e ou faringe já que são, mui-
(deiscência de sutura - região já infectada)
tas vezes, de pouca sintomatologia inicial. Tal
são altas, e recomenda-se esofagostomia
complicação é agressiva e com alto índice de
proximal com drenagem efetiva da lesão
mortalidade, devendo ser evitada a todo custo.
e outra via alimentar (jejunostomia ou
gastrostomia). Por isso, nos traumas cervicais, principalmente
penetrantes, a busca ativa das lesões de esô-
Vale lembrar que uma parte dos casos podem
fago e faringe é essencial.
ser observados, como ferimentos de:

• Parede posterior de rinofaringe e orofa- Indicações clínicas à exploração do pescoço

ringe;
Vascular
• Pequenos hematomas de laringe;
• Medula e cérebro concomitantes ao trauma Hematoma expansivo

cervical. Hemorragia externa


A maior preocupação, a curto prazo, são as Pulso carotídeo diminuído
lesões vasculares e neurológicas decorren-
tes, sobretudo, da lesão de artéria carótida Vias aéreas
interna. As dissecções e tromboses por trauma
fechado e assintomáticas ou oligossintomáti- Estridor
cas, geralmente têm tratamento não operató-
Rouquidão
rio com anticoagulação ou antiagregação pla-
quetária se possível. Nas lesões penetrantes Disfonia/alteração da voz
e ou nos pseudoaneurismas, transecções e Hemoptise
tromboses sintomáticas, é priorizado o trata-
Enfisema subcutâneo
mento cirúrgico de urgência, seja endovascu-
lar ou aberto. Trato digestório

Disfagia/odinofagia
TRATAMENTO ENDOVASCULAR Enfisema subcutâneo
No trauma vascular o uso da técnica endo- Sangue na orofaringe
vascular tem sido crescente. O implante de
stents revestidos ou abertos e a embolização Neurológica
de pseudoaneurismas vem ganhando espaço
no tratamento de pacientes estáveis. Tal abor- Deficiência neurológica lateralizada consistente
com a lesão; estado alterado da consciência não
dagem é de grande valia principalmente nas
causado pelo trauma craniano.
lesões de zonas I e III, em que o acesso cirúr-
ˆ
gico padrão é bem difícil. Tabela 4.1

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


44 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

TRAUMA DE LARINGE piriforme e se dirigem horizontalmente pela


parede anterior do seio maxilar, em ambos
Embora rara, ela pode manifestar como obs-
os lados, até a tuberosidade da maxila, com-
trução aguda da via aérea, e pode ser sugerida
prometendo o processo pterigoide;
pela tríade abaixo:
• Fraturas Le Fort II: mais frequentes. Tra-
• Rouquidão (cordas vocais); ços de fratura que comprometem a região
• Enfisema subcutâneo; nasofrontal. Progridem pela apófise fron-
• Fratura palpável. tal da maxila, estendendo-se lateralmente
A obstrução total da via aérea e ou insuficiência através dos ossos lacrimais, assoalho da
respiratória grave justificam uma tentativa de órbita, rebordo orbital inferior e suturas
intubação. A intubação guiada por fibroscópio zigomático-maxilares até a parede lateral
flexível poderá auxiliar nessa situação se puder da maxila, atingindo a fossa pterigomaxilar,
ser realizada como procedimento de emergência. com fratura ou disjunção do processo pteri-
Quando não há sucesso na tentativa de intuba- goide. Invariavelmente, associam-se à fratu-
ção, a traqueostomia de emergência é indicada ras da pirâmide e do septo nasal;
seguida de reparo cirúrgico da lesão. • Fraturas Le Fort III: disjunção craniofa-
cial total (face alongada) através da sutura
A cricotireoidostomia em situações de emer-
nasofrontal, das paredes medial e inferior
gência, embora não seja o procedimento de
das órbitas, desde as suturas zigomático-
escolha, nessa situação pode constituir uma
-frontais e os arcos zigomáticos, até atingir
manobra salvadora.
o processo pterigoide do esfenoide.
Geralmente, o trauma de laringe vem asso-
ciado à outras lesões como esôfago, artéria
carótida, veia jugular bem como extensa lesão
tecidual. A respiração ruidosa indica obstrução
parcial da via aérea que pode subitamente con-
verter-se em obstrução total.
Se houver suspeita de fratura de laringe, seja
pelo mecanismo de trauma ou exame físico
Le Fort tipo I Le Fort tipo II Le Fort tipo III
(achados sutis), a tomografia computadorizada
pode auxiliar na confirmação diagnóstica. Le Fort tipo I Le Fort tipo II Le Fort tipo III

Figura 4.2 Classificação das fraturas maxilares. Padrão horizontal (Le Fort I),

FRATURA DA MAXILA
padrão “V” invertido (Le Fort II) e padrão “W” da disjunção craniofacial (Le Fort

III).
Pacientes com fratura de maxilar no terço Podem ocorrer fraturas sagitais ou parassa-
médio da face frequentemente apresentam gitais, também conhecidas como fraturas de
concomitantemente fraturas do nariz, malar
Lannelongue e, também, fraturas transversas
(arco zigomático), fraturas da base do crânio e
de maxila, chamadas de fraturas de Walther,
lesão encefálica (atenção!).
que dividem a maxila em quatro segmentos.
Destas, as fraturas parassagitais, de Walther e
Le Fort I, quando isoladas, são as que deter-
CLASSIFICAÇÃO
minam menor repercussão clínica do ponto de
As fraturas maxilo-faciais são classificadas em: vista estético na avaliação inicial, por envolve-
• Fraturas Le Fort I: fraturas com traço que rem somente os processos palatinos e alveola-
tangenciam a margem inferior da abertura res, segmentos inferiores da maxila.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 45

QUADRO CLÍNICO A máscara ortopédica facial é dispositivo que


permite a instalação de tração esquelética nos
Os pacientes com fraturas tipo Le Fort I, II
ossos da face, sendo outra opção terapêutica
e III exibirão edema da face e hematomas
para o tratamento dessas fraturas.
periorbitais que podem ocluir as rimas pal-
pebrais em poucas horas. Ocorrem san- A tração determinada por esse aparelho pro-
gramento nasal e sufusão hemorrágica nas move a redução póstero-anterior da maxila. É
regiões genianas e na mucosa oral. Ocorre útil quando da existência da impactação óssea e
ainda, hipoestesia nas áreas de inervação consequente mordida aberta anterior. Quando
dos nervos infra-orbitais (regiões nasogenia- se utiliza a máscara ortopédica facial, a dieta
nas, mucosa gengival e dentes superiores). deve ser líquida e pastosa, devendo orientar o
Há dificuldade para deglutição e má oclusão paciente para que não mastigue durante o tra-
dentária, que é o sinal patognomônico da tamento. O uso da máscara ortopédica facial é
fratura da maxila. Na palpação, pode-se per- indolor, confortável e de baixo custo. Sua apli-
ceber desnível no rebordo orbital inferior e cação é fácil de ser realizada, com a vantagem
na crista maxilomalar. Pode haver crepitação de não ser necessário o uso de imobilização
entre os fragmentos ósseos e percepção de maxilo-mandibular.
enfisema subcutâneo facial.

COMPLICAÇÕES
EXAME RADIOGRÁFICO Complicações precoces:
A melhor combinação para estudo do esque- • Imediatas: a mais frequente é a obstrução
leto do terço médio da face é a obtida a partir das vias aéreas superiores e a hemorragia;
das incidências de Waters e perfil do crânio.
• Mediatas: a mais grave é a fístula liquórica.
Waters permite a visão panorâmica de todos
os ossos do terço médio da face, possibilitando Complicações tardias: as mais graves são a
identificar fraturas no processo frontozigomá- pseudoartrose e a consolidação viciosa. A pseu-
tico, rebordo orbital inferior, crista maxiloma- doartrose é uma complicação rara das fraturas
lar, esqueleto nasal e seio maxilar. A incidência da face, mas a consolidação viciosa é frequente
de perfil demonstra os desvios da maxila no e caracterizada pela má oclusão dentária.
sentido de intrusão e ou de colapso posterior.
Outras complicações tardias também ocorrem:
As incidências em frontonaso e mentonaso
demonstram os traços de fratura que causam diplopia por distopia ocular, oftalmoplegia e
disjunção frontozigomática e nasofrontal, bem déficit na acuidade visual, advindos de lesões
como velamento de seios frontal e etmoidal. A de nervos cranianos. Outro dano neurológico
incidência de Hirtz para arcos zigomáticos pos- observado com certa frequência é a demora
sibilita o estudo destes. no retorno da sensibilidade cutânea no terço
médio da face e na arcada dentária superior,
consequente à neuropraxia traumática dos
TRATAMENTO nervos infra-orbitais.
A imobilização maxilo-mandibular é quase sem- As fraturas da maxila são as mais relevantes
pre necessária. A colocação das barras consti- para as provas. Como reforço, deixamos na
tui a primeira etapa. Esses pacientes devem tabela abaixo um resumo de outros sítios de
ser operados o mais rapidamente possível. fratura na região maxilofacial.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


46 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Fratura Exames de imagem Principais achados clínicos

Radiografias simples em norma de per- Afundamento e presença de degraus ósseos,


fil de crânio e póstero-anterior de face, sangramentos, edema e hematoma, equi-
Frontal
tomografia computadorizada em cortes mose, epistaxe e/ou rinoliquorreia, áreas de
axial, coronal e sagital. crepitação óssea, enfisema.

Edema e equimose em dorso nasal, epistaxe,


Radiografias nas incidências de Waters e rinoescoliose, crepitação e degraus palpáveis
Nariz
perfil para ossos próprios do nariz. nos ossos próprios do nariz, diminuição do
fluxo aéreo nasal.

Edema, hematoma ou equimose perior-


bitários, oclusão palpebral, hiposfagma,
quemose, enolftalmo, proptose de bulbo,
Radiografias nas incidências de Waters hipoftalmo, desnivelamento do nível pupilar,
Zigomático-orbi- e Hirtz para arco zigomático, tomografia restrição de movimentação ocular; perda de
tais computadorizada em cortes axiais, coro- projeção do corpo do zigoma, afundamento
nais e saltitais. ou abaulamento do arco zigomático, limitação
de abertura bucal, epistaxe, diplopia, amau-
rose, enfisemas extra e intraorais, dificuldade
em palpar a crista zigomático-maxilar.

Panorâmica de mandíbula, oblíquas e Edema e equimose extra e intraorais, limita-


postero anterior de mandíbula, e Hirtz rão e desvio da mandíbula durante abertura
para mandíbula, incidência de Towne bucal, alteração da oclusão dental, desnível
Mandíbula
para côndilos mandibulares, tomografia do plano oclusa) mandibular, avulsões dentá-
computadorizada em cortes axial, coro- rias, sangramento, degraus ósseos palpáveis,
nal, sagital e reconstrução 3D. mobilidade, otorragia.

Tabela 4.2

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


5
CAPÍTULO 5
TRAUMA DE TÓRAX

INTRODUÇÃO AVALIAÇÃO INICIAL E


O trauma de tórax representa uma importante ATENDIMENTO
causa de morte em pacientes politraumatiza- A avaliação primária do doente deve seguir
dos. Muitos desses doentes morrem após che- o ABCDE, ou seja, garante-se a via área, em
garem no hospital, o que poderia ser evitado seguida a ventilação, circulação e assim por
através de medidas diagnósticas e terapêuti- diante, os problemas críticos devem ser corri-
cas imediatas. gidos à medida que são identificados.

Cerca de 25% dos casos morrem pelo trauma O atendimento prestado deve ser baseado nas
de tórax sobretudo relacionado ao choque prioridades, com ênfase nas lesões ameaçadoras
hemorrágico (rotura traumática de aorta, lesão à vida a serem reconhecidas no exame primário.
cardíaca); choque cardiogênico (pneumotórax Lesões ameaçadoras à vida devem ser reco-
hipertensivo, hemotórax maciço, tampona- nhecidas no exame primário, tais como:
mento cardíaco) e contusão pulmonar grave
1. Obstrução da via aérea;
com tórax instável ou rotura traqueobrônquica
(hipóxia, acidose e hipercarbia). 2. Pneumotórax hipertensivo;
3. Pneumotórax aberto;
Aproximadamente 80% dos traumas de tórax
4. Contusão pulmonar com tórax instável;
serão resolvidos com medidas de drenagem
torácica em selo d’água, passíveis de serem 5. Hemotórax maciço;
realizadas em hospitais de emergência por 6. Tamponamento cardíaco.
qualquer tipo de médico com conhecimento Lesões potencialmente ameaçadoras à
de trauma. vida devem ser reconhecidas até o final do
exame secundário:1. Pneumotórax simples;
Menos de 10% dos traumas fechados requer
toracotomia e 15-30% dos ferimentos pene- 2. Hemotórax;
trantes irão à cirurgia. 3. Contusão pulmonar;
4. Lesão traqueobrônquica;
Classificação proposta para
os Traumatismo torácico
5. Trauma cardíaco fechado;
6. Rotura da aorta;
Doentes
Morte iminente (10-15%)
7. Lesão diafragmática traumática;
instáveis 8. Ferimento transfixante de mediastino;

Drenagem de tórax é o trata- 9. Ferimento de esôfago.


Doentes estáveis
mento definitivo (70-80%)

Drenagem de tórax não é o tra- VIAS AÉREAS


tamento definitivo (10-15%)
O atendimento deve seguir os critérios de prio-
Tabela 5.1 ridade ABCDE. A orofaringe deve ser examinada

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


48 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

na busca de corpos estranhos, a via aérea aspi- gravidade do choque, ela não é obrigatória
rada e garantida. Os batimentos de asa nasal porque os pacientes podem receber tempo-
e tiragens denunciam o esforço respiratório rariamente sangue O negativo sem prova cru-
na tentativa de compensar possíveis distúrbios zada até que o sangue tipo específico seja dis-
ventilatórios. Ver capítulo de VA para mais deta- ponibilizado.
lhes, lembrando dos critérios para obtenção de
Checar qualidade, frequência e regularidade
VA definitiva.
dos pulsos. Paciente gravemente hipovolê-
mico tem pulsos radiais e pediosos ausentes.
A Pressão Arterial é monitorada pela pressão
RESPIRAÇÃO de pulso (PA sistólica – PA diastólica). Perfusão
A exposição do tórax permite a avaliação da tecidual pode ser avaliada pela cor e tempera-
amplitude dos movimentos torácicos, presença tura da pele e débito urinário.
de movimentos paradoxais (afundamento Observar estase jugular para suspeita de
torácico), simetria da expansibilidade, fraturas lesões de risco imediato de morte (tampo-
do gradil costal, enfisema subcutâneo e tatu-
namento cardíaco e pneumotórax hiperten-
agem do trauma. Todo o paciente politrau-
sivo), o hemotórax maciço não costuma gerar
matizado necessita de oxigênio em máscara
estase jugular, visto que frequentemente estes
com reservatório de O2. O tórax deverá ser
doentes encontram-se hipovolêmicos pela
auscultado em ápices e bases e a oximetria de
grande perda sanguínea, logo, lembre-se de
pulso deve ser monitorada. A cianose é sinal
que pacientes com hipovolemia frequente-
tardio de hipóxia no paciente traumatizado e
mente não têm distensão de jugulares. A
não há de se esperar que ela se manifeste para
hipóxia e acidose aumentam a possibilidade
ser tomada alguma conduta. Da mesma forma,
de morte, bem como espasmo coronariano
a ausência de cianose não indica uma oxigena-
e contusão miocárdica, caso tenha ocorrido
ção tecidual adequada e via aérea permeável.
por desaceleração rápida, ou haja fratura de
A fácies pletórica com cianose facial e cervico- esterno, ou ferimento em zona de Sauer-Mur-
torácica é alerta para possibilidade de pneu- dock ou de Ziedler (regiões de alta suspeição de
motórax hipertensivo e tamponamento cardí- lesão cardíaca). Há de se reavaliar o paciente.
aco como explicados a seguir. Monitor cardíaco deve ser instalado. Na sus-
peita de lesão cardíaca, é obrigatório eletrocar-
diograma e monitoramento por 24-48h .
CIRCULAÇÃO
Paciente adulto deverá receber reposição volê-
mica com SF 0,9% ou Ringer lactato (39ºC) em TIPOS DE TRAUMA DE TÓRAX
veia periférica do braço respeitando-se os con-
ceitos de reanimação balanceada e hipotensão LESÕES SUPERFICIAIS
permissiva. Sangue será retirado para exames
(ver capítulo de choque), em crianças podemos São tratadas do mesmo modo que aquelas em
proceder com expansões de volume através do qualquer outra parte do corpo, o ferimento é
cálculo de 20 mL/ kg, seguindo igualmente os superficial se não atinge a fáscia endotorá-
conceitos de reanimação balanceada; é impor- cica e o gradeado costal. A exploração digital
tante lembrar que o volume infundido inclui o ou instrumental de ferimentos superficiais deve
volume iniciado no pré-hospitalar. O diagnós- ser evitada no tórax, em áreas de trajeto vascu-
tico de choque deverá ser precoce e a tipagem lar e em precórdio, pelo risco de sangramento
sanguínea é importante, mas dependendo da de ferimento tamponado e pneumotórax.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 49

FRATURAS COSTAIS E ESTERNO de tal forma que costuma haver lesões associa-
das graves, frequentemente letais. As vítimas
É a lesão mais comum do traumatismo torá- jovens possuem boa elasticidade da caixa torá-
cico (35-75% dos casos), atingindo preferen- cica, que por sua vez absorve grande parte dos
cialmente do 4-9º arcos costais. As fraturas de traumas sem desenvolver fratura. As fraturas
arcos costais comprometem primariamente a de esterno representam 1 a 4% dos traumatis-
ventilação, uma vez que a dor associada res- mos de tórax.
tringe os movimentos da parede torácica, pode
Os principais mecanismos de fratura do
levar a atelectasia e pneumonia. Além disso,
esterno são: impacto frontal e compressão
fraturas de costelas inferiores podem ocasio-
direta (mais comum); secundário à fratura-lu-
nar lacerações pulmonares (hemopneumotó-
xação da coluna vertebral.
rax), trauma de baço e trauma hepático.
Traumas contra o volante ocasionam desa-
Fraturas dos primeiro e segundo arcos cos-
celeração brusca e o esterno é deslocado
tais, além de fraturas no esterno e clavículas,
posteriormente resultando na fratura e com-
denotam alta energia biomecânica relacionada
pressão das estruturas mediastinais sobre
ao trauma e deve levantar suspeita a respeito
a coluna. O cinto de segurança e o air bag
de trauma intratorácico importante, tais como:
têm papel importante na profilaxia desse
rotura de aorta e contusão miocárdica.
trauma. Além do acidente automobilístico,
As fraturas de costelas podem ser isoladas a queda livre e situações menos frequentes,
ou escalonadas (múltiplas). São escalonadas como massagem cardíaca, podem também
quando três ou mais arcos costais são fratura- determinar tais fraturas. As fraturas patoló-
dos em um mesmo lado. gicas podem ocorrer, porém com frequência
O tórax instável (flácido) ocorre nas fraturas mais reduzida.
escalonadas na presença de fratura de três Em função da ligação entre o esterno e a
arcos costais em dois ou mais pontos. Assim, coluna vertebral através dos arcos costais, ele
a região vizinha às lesões ósseas se deprime, pode ser fraturado em consequência de uma
desabando a cada inspiração, em vez de se
fratura-luxação da coluna.
expandir como o restante da caixa torácica.
Essa é uma situação de ameaça à vida não só O local mais comum de fratura é na transição
pelas fraturas em si, mas pela dor e comprome- para o manúbrio esternal e em função de forte
timento respiratório e pulmonar (lacerações, fixação do esterno à clavícula, ele costuma
contusões, hemopneumotórax) e é conhecida deslocar-se anteriormente, cavalgando o seg-
como respiração paradoxal do tórax instável. mento inferior. Apesar disso, o periósteo da
face posterior do esterno costuma permane-
cer intacto. As fraturas costumam ser simples
e transversas.
O diagnóstico deve ser suspeitado quando
clinicamente existe dor local à compressão
profunda, equimose, hematoma, escoriação
 Figura 5.1 Fraturas de costelas.
óssea. A radiografia de tórax em perfil ou oblí-
qua confirma o diagnóstico.
A fratura do esterno isolada apenas promove
FRATURA DO ESTERNO dor. Quando associado às fraturas de costelas,
É necessário trauma grave, com grande ener- pode fazer parte de tórax instável e contusão
gia cinética para promover fratura do esterno, miocárdica descrita adiante.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


50 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Nos idosos, esse tipo de fratura é mais preo- ser realizada se o paciente for ser submetido
cupante. A incidência de pneumonia e morte é à cirurgia para reparo de uma outra lesão. A
o dobro em relação aos doentes mais jovens, simples sutura das bordas da fratura com fios
ataduras, cintas costais são contraindicadas, de aço é suficiente para estabilizar o esterno.
a analgesia é importante para manter padrão
ventilatório e o alinhamento dos ossos do arca-
bouço torácico fraturados.

TRATAMENTO
O tratamento de fratura de costelas é conser-
vador com analgesia e eventual bloqueio anes-
tésico. Com exceção no pneumotórax aberto
que, por associação com perda de substância,
A
podem ser fixadas concomitantemente à repa-
ração do ferimento. O ATLS deve ser seguido
e o foco inicial segue voltado para a atenção
quanto a necessidade de obtenção de uma via
aérea definitiva.
A fratura de esterno é tratada com analgesia.
Quando não existem outras lesões associa-
das, comprometimento respiratório ou des-
vio importante dos fragmentos, uma fratura
simples de esterno deve ser tratada apenas
com analgésicos, eventualmente comple-
mentados por bloqueio local. A presença de
movimento paradoxal sem comprometimento B
respiratório ou dor importante não requer Figura 5.2 Fratura esternal. A: radiografia em PA não revelou a fratura
esternal que só aparece no raios X tórax perfil. B: radiografia em perfil
maiores cuidados e não é critério para obten- demostrando a fratura em dois fragmentos.

ção de VA definitiva. Estes pacientes devem ser


submetidos à uma analgesia potente e ter um
aporte suplementar de oxigênio ofertado, pre- PNEUMOTÓRAX ABERTO
ferencialmente via máscara de alto fluxo, com O pneumotórax aberto (ferida torácica aspira-
reservatório de oxigênio (capaz de fornecer tiva) é causado por uma solução de continui-
uma FiO2 próxima a 100%). dade na parede torácica de diâmetro superior
A estabilização cirúrgica do esterno está indi- a 2/3 do diâmetro da traqueia. Ocorre equilí-
cada quando há desvio importante dos frag- brio entre as pressões intratorácica e atmosfé-
mentos. Entretanto, tal correção fica para rica, pois o ar passa preferencialmente de fora
segundo plano, uma vez que, na fase inicial, a para dentro da cavidade pleural, uma vez que
esse é o caminho de menor resistência. A ven-
prioridade são as lesões de estruturas vitais.
tilação é prejudicada resultando em hipóxia e
Se há suspeita de que o fragmento desviado
hipercarbia.
internamente possa estar ameaçando algum
órgão interno, a correção pode ser precoce, O tratamento do pneumotórax aberto é com
mas essa situação deve ser considerada uma o curativo de três pontas de imediato e drena-
exceção. A correção imediata pode também gem de tórax a seguir.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 51

O tratamento imediato se faz com um curativo


de três pontas estéril, grande o suficiente para
encobrir todo o ferimento e fixado com fita ade-
siva, criando uma válvula de escape unidirecional,
onde, no momento de expiração (maior pressão
intratorácica), o ar sai e é impedido de entrar no
momento de inspiração (menor pressão intrato-
rácica). Entretanto, um curativo oclusivo à mão
pode ser usado temporariamente até realização
do curativo de 3 pontas. Imediatamente após o
curativo de três pontas, há a necessidade de se Figura 5.4 Demonstração do curativo de três pontas.

realizar drenagem torácica em selo d´água.


PNEUMOTÓRAX HIPERTENSIVO
O tratamento definitivo se dá por drenagem É uma das lesões torácicas mais rapidamente
torácica sob selo d’água, inserindo-se o dreno fatais no trauma. O escape progressivo de ar
longe do ferimento. no espaço pleural em sistema de válvula unidi-
recional provoca o aumento de pressão intrato-
rácica, ocasionando grave distúrbio ventilatório
e circulatório devido ao desvio do mediastino.
Lesões traumáticas da parede torácica com
laceração do pulmão, lesões brônquicas e feri-
mentos penetrantes são causas de pneumotó-
rax hipertensivo. Em pacientes internados em
unidades de terapia intensiva com ventilação
mecânica, o pneumotórax simples e a ruptura
do pulmão por barotrauma são causas comuns
de pneumotórax hipertensivo. O diagnóstico
de pneumotórax hipertensivo é clínico e
o tratamento nunca deve ser retardado à
espera de confirmação radiológica.
Dentre os sintomas, o paciente apresenta
ausência do murmúrio vesicular, turgência
jugular, hipotensão arterial, hipertimpanismo,
diminuição do frêmito toracovocal, desvio da
traqueia para o lado contraleral da lesão, sofri-
mento respiratório muito significativo, além de
demonstrar SaO2 < 90%, tiragem intercostal,
batimentos da asa do nariz e cianose como
manifestação tardia.
A atividade elétrica sem pulso (AESP) reforça
o diagnóstico de pneumotórax hipertensivo.
O achado de AESP no trauma grave deve ter
como diagnósticos diferenciais a hipovolemia,
pneumotórax e o tamponamento cardíaco. O
tratamento inicial do pneumotórax hiperten-
sivo consistia na descompressão imediata
Figura 5.3 A: pneumotórax. B: pneumotórax aberto. C: hemopneumotórax. pela inserção de jelco 14-16 no 2º EIC na linha

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52 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

hemiclavicular do hemitórax afetado. Essa de exame, seja laboratorial ou de imagem. Na


manobra era seguida de drenagem pleural suspeita, o tratamento deve ser realizado.
com dreno tubular em selo d’água 38F inserido
entre o 4º e 5º EIC entre a linha axilar anterior e
média próximo à linha intermamilar.
Atenção: a décima edição do ATLS traz uma
alteração importante na terapêutica do pneu-
motórax hipertensivo. Antigamente, o pre-
conizado era a toracocentese de alívio com
angiocateter 14 Fr ou 16 Fr no segundo espaço
intercostal, na linha hemiclavicular do hemitó-
rax acometido, porém com a mudança da con-
formação anatômica da população, onde cada
vez mais os pacientes apresentam um panículo
adiposo mais expressivo, observou-se que mui- Figura 5.5  Pneumotórax hipertensivo à direita colabando o pulmão
direito (setas) e deslocando do mediastino para a esquerda.
tas das vezes não era possível acessar a cavi-
dade torácica facilmente com a agulha, levando
à perda de tempo e à descompressão ineficaz
do compartimento torácico. Dessa forma, o
Colégio Norte Americano de Cirurgiões, no ATLS
10, passou a recomendar que o pneumotórax
hipertensivo seja abordado através da toraco-
centese de alívio com angiocateter 14 ou 16
no quinto espaço intercostal na linha axilar
médio-anterior (mesmo local da drenagem
torácica) na borda superior da costela inferior
(fugindo do feixe vásculo-nervoso intercostal).
O manual do ATLS ainda coloca como opção a Figura 5.6 Raios X do tórax em AP, demostrando pneumotórax à direita
com deslocamento do mediastino para a esquerda (seta preta). O
“descompressão digital”. A técnica consiste em pulmão fica atelectasiado e retraído medialmente (setas brancas). Note a
ausência da trama vascular na periferia à direita. Lembre-se de que na pre-
realizar a abertura com lâmina fria no 5º espaço sença de um pneumotórax hipertensivo, os critérios clínicos devem deter-
intercostal, na linha axilar médio-anterior, minar a terapêutica imediata, não sendo correta a realização de exames
adicionais.
seguida de acesso à cavidade torácica com uma
pinça Kelly na borda superior da costela inferior
(fugindo dos feixes vásculo-nervosos intercos-
tais) e descompressão da tensão torácica com
o alargamento do conduto formado com o pró-
prio dedo do profissional que encontra-se rea-
lizando a manobra. Essa conduta denomina-se
descompressão digital e pode ser seguida da
drenagem torácica em selo d´água pelo mesmo
orifício, seguindo a técnica habitual.

O diagnóstico de pneumotórax hipertensivo


é clínico e reflete em ar sobre pressão no
Figura 5.7 Toracocentese descompressiva com agulha é o tratamento
espaço pleural. O tratamento não deve ser inicial. A foto mostra a inserção do angiocateter no Segundo espaço inter-
costal, na linha hemiclavicular do hemitórax acometido, usando como refe-
adiado à espera de confirmação diagnóstica rência a borda superior da costela inferior, fugindo-se assim do feixe váscu-
por qualquer tipo lo-nervoso intercostal. Lembre-se de que o ATLS 10 muda essa referência,
adotando o 5º espaço intercostal na linha medio-axilar anterior.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 53

A espessura da parede do tórax influencia na • Divulsionar com uma pinça Kelly até o arco
probabilidade de sucesso da descompres- costal e introduzi-la através da musculatura
são com a agulha. As evidências sugerem que intercostal, na borda superior da costela
um cateter de 5 cm sobre a agulha atingirá inferior até penetrar na pleura parietal do
o espaço pleural> 50% do tempo, enquanto pulmão onde se verifica a saída de ar da
um cateter de 8 cm sobre a agulha atingirá o cavidade pleural. Introduz-se o dedo enlu-
espaço pleural > 90% do tempo. vado para tocar o pulmão e certifica-se de
que realmente se está na cavidade pleu-
Estudos também demonstraram que a colo-
ral e não há presença de alças intestinais,
cação do cateter sobre a agulha no campo na
podendo também, nesse mesmo momento,
parede torácica anterior por paramédicos foi
remover coágulos e aderências;
muito mediana em 44% dos pacientes.
• Introduz-se a o dreno com múltiplos furos
Evidências recentes apoiam a colocação do que deverá estar pinçado com uma piça
cateter grande, sobre a agulha no 5º espaço, estática no comprimento medido no início
ligeiramente anterior à linha média-axilar. No do procedimento. Realiza-se a introdução
entanto, mesmo com um cateter com tamanho do dreno (o ATLS 10 traz medidas de 28-32),
apropriado, a manobra nem sempre será bem o mesmo deve ser introduzido posterior
sucedida. Para esses casos, deve ser realizada e cranialmente. Deverá ser observada a
a descompressão digital, já mencionada acima. existência de coluna móvel do líquido após
A descompressão bem sucedida da agulha con- o dreno ser conectado no sistema de selo
verte o pneumotórax hipertensivo em um pneu- d´água previamente preparado e embaça-
motórax simples. A toracostomia com drenagem mento do dreno.
em selo d´água é obrigatória após a descompres- Lembre-se de que todos os furos do dreno
são da agulha e ou digitrocrasia para ampliar o devem estar alocados no interior da cavidade
orificio da toracostomia realizada. torácica. Se necessário, o dreno pode ser cor-
tado para que esse objetivo seja atingido;
Descrição do procedimento de drenagem torá-
cica (importante para a prova prática): • Fixar o dreno em pontos em “U”, seguida de
uma bailarina e realizar curativo;
• Paciente em decúbito dorsal horizontal
com o membro superior do lado que será Solicitar raios X de tórax.
drenado posicionado em flexão sobre a
cabeça do paciente + antissepsia e coloca- COMPLICAÇÕES DA
ção de campos estéreis, realize a medição DRENAGEM DE TÓRAX
estimada do dreno torácico para o tamanho
do paciente e marque com uma pinça Kelly. • Drenagem do subcutâneo (principalmente
Importante: a medição é realizada esti- em obesos) ao invés da cavidade pleural;
mando-se o orifício de entrada do tubo e o Para evitar, certifique-se de estar na cavidade
ápice pulmonar: torácica introduzindo-se o dedo através do ori-
• Anestesia com xilocaína sem vasoconstritor, fício criado com a pinça kelly por entre a mus-
que deve ser realizada no local da incisão culatura intercostal.
para a drenagem torácica até o periósteo • Lesão de nervo, artéria ou veia intercostal
do arco costal; resultando em hemopneumotórax e nevral-
• Incisão transversa com bisturi frio entre o gia intercostal;
4º e 5º EIC do lado acometido junto à borda Para evitar, realize a toracostomia usando
superior da costela inferior, fugindo assim como parâmetro anatômico a borda supe-
do feixe vásculo nervoso intercostal; rior da costela inferior, visto que o feixe

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54 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

vásculo nervoso passa na porção inferior do parietal, sendo que, tanto o trauma pene-
arco costal. trante quanto o trauma torácico fechado e as
fraturas/luxações da coluna torácica, podem
• Dreno em posição incorreta no tórax;
causar o pneumotórax. A laceração pulmonar
Para evitar, realize a medição do dreno esti- com vazamento de ar é a causa mais comum
mando o ápice pulmonar e o orifício da tora- de pneumotórax.
costomia. Lembre-se de que todos os orifícios
do dreno devem ficar posicionados no interior Normalmente, a cavidade torácica está com-
da cavidade torácica. pletamente preenchida pelo pulmão, man-
tido em íntimo contato com a parede torácica
• Desconexão do selo d’água e obstrução do por uma tensão superficial existente entre as
dreno com pneumotórax persistente; superfícies pleurais e presença de aproximada-
Para evitar, certifique-se de que após a cone- mente 10 mL de líquido pleural. A presença de
xão do sistema em selo d´água houve a saída ar no espaço pleural rompe a força de adesão
de bolhas de ar através do líquido que veda o entre as pleuras visceral e parietal, permitindo
sistema e certifique-se de haver alteração do o colapso do pulmão. Isso resulta em alteração
nível líquido no sistema durante os ciclos ven- na ventilação/perfusão, porque há sangue oxi-
tilatórios. genado, mas não ocorre perfusão com trocas
de O2 por CO2.
• Enfisema subcutâneo do dreno;
Para evitar, certifique-se de que todos os orifí- Na presença de um PTX, o murmúrio vesicu-
cios do dreno encontram-se dentro da cavidade lar está diminuído no lado afetado e a percus-
são demonstra hipertimpanismo. O raios X de
torácica e nenhum no subcutâneo. Realize uma
tórax PA em expiração pode auxiliar no diag-
toracostomia com o tamanho mínimo necessário
nóstico de pequeno pneumotórax.
e suficiente para a passagem do dreno e realize a
correta fixação do mesmo na pele. O diagnóstico é clínico com a presença de dimi-
• Reação anestésica à xilocaína local; nuição de murmúrio respiratório, hiperresso-
Para evitar, certifique-se de que o paciente não nância e atenuação do frêmito toracovocal.
possui alergias conhecidas ao medicamento e, ATLS anteriores ao de 2008 declaravam que
se o nível de consciência do mesmo permitir, todo o PTX deveria ser drenado. Hoje sabe-se
realize uma aspiração com pressão negativa que o tratamento conservador de PTX poderá
antes da introdução do agente anestésico, ser feito considerando-se cada caso e a esco-
certificando-se assim de que a agulha não se lha deve ser feita por um médico qualificado.
encontra dentro de algum vaso e que o agente Na ausência de um, o tórax deve ser drenado.
anestésico não seja lançado, dessa forma, dire- Entretanto, em casos de transferência,
tamente na corrente sanguínea. aérea ou terrestre, deve-se fazer a drena-
gem do PTX conforme descrito anterior-
Ausência de expansão pulmonar, com borbu- mente. Devemos nos atentar também para
lhamento persistente no frasco de selo d’água, àquelas vítimas com necessidade de ventila-
mesmo com um ou dois drenos instalados, remete ção mecânica. Nesses casos, um pneumotórax
à possibilidade de lesão traqueobrônquica. Nesse simples pode se converter prontamente em
caso, deve ser solicitada broncoscopia. um pneumotórax hipertensivo. Esses pacien-
tes, portanto, devem ter o tórax drenado.
Portanto atenção: Os doentes vítimas de PTX
PNEUMOTÓRAX SIMPLES (PTX) traumático não devem ser submetidos à aneste-
O pneumotórax resulta da entrada de ar sia geral ou à ventilação com pressão positiva, até
no espaço virtual entre a pleura visceral e a que tenham seu tórax drenado. Um PTX simples

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 55

pode transformar-se prontamente em PTX hiper- da pressão parcial do oxigênio arterial e pela
tensivo com risco de vida, particularmente estimativa do trabalho respiratório, devido ao
quando seu diagnóstico não é feito desde o início risco de fadiga dos músculos ventilatórios.
após acoplado na prótese ventilatória.
Nem todos os pacientes terão critérios de VA
Dica: não confunda PTX traumático com PTX definitiva e é importante a analgesia e monito-
espontâneo. No PTX espontâneo (não relacio- rização, sobretudo a cautelosa administração
nado com trauma), quando < 20% pode ser da reposição volêmica devido ao risco iminente
observado clinicamente e o com colabamento de edema agudo pulmonar, caso esses pacien-
superior a 20% da área pulmonar deverá ser tes sejam submetidos à hidratação vigorosa.
submetido à drenagem torácica. Geralmente,
O exame radiológico do tórax pode sugerir fra-
esses pacientes têm roturas de bolhas (blebs)
turas múltiplas de costelas, mas a disjunção cos-
no pulmão e necessitam ser avaliados para
tocondral pode passar despercebida. A dispneia
possível decorticação e talcagem pleural para
pode ser logo após o trauma ou pode manifestar-
evitar recidiva do PTX espontâneo. Já a maior
-se tardiamente. A insuficiência respiratória que
parte dos PTX traumáticos é drenado, mas a
se segue vai depender de três principais fato-
decisão final é do médico assistente.
res: o grau de instabilidade da caixa torácica,
a intensidade da dor e a extensão da lesão pul-
TÓRAX INSTÁVEL OU FLÁCIDO monar subjacente (contusão pulmonar).
(RETALHO COSTAL MÓVEL) O nível de insuficiência respiratória quantificada
Ocorre quando um segmento da parede torá- com base em parâmetros clínicos (frequência
cica não tem mais continuidade óssea com o e fadiga respiratória) e gasométricos orienta
resto da caixa torácica. Isso é decorrente de o tipo de tratamento e a superficialidade dos
três ou mais costelas fraturadas em dois ou movimentos respiratórios está intimamente
mais pontos. O achado clínico de movimento relacionada à dor associada e pode gerar movi-
paradoxal (respiração paradoxal) desse seg- mentos ventilatórios inadequados, dificultando
mento afetado, associado à crepitação das a troca gasosa e a higiene brônquica.
fraturas costais ou costocondrais, é indicativo
do seu diagnóstico. É importante entender TRATAMENTO
que o tórax instável comumente é associado
com contusão pulmonar e, nesse caso, o trata- Ao paciente devem ser ofertados cuidados
mento inicial deve conter a presença de aporte gerais, tais como:
suplementar de oxigênio e analgesia potente • Oferta suplementar de oxigênio via más-
associada à drenagem de tórax, se indicado. cara de alto fluxo com reservatório;
Se essas medidas não forem suficientes para
• Reexpansão pulmonar, drenando o tórax
garantir uma ventilação adequada à vítima,
quando há indicação;
deve ser ofertado suporte respiratório através
de via aérea avançada e ventilação mecânica, • Reposição volêmica cautelosa, evitando o
como recomendado nos critérios de indicação edema agudo de pulmão;
para ventilação mecânica no tórax instável. O • Analgesia potente permitindo movimen-
ATLS orienta que o momento apropriado para tos ventilatórios adequados (neste caso
intubação e a ventilação é definido pela ava- pode ser realizado bloqueio intercostal
liação cuidadosa da frequência respiratória, intermitente, anestesia peridural além da

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56 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

administração de analgésicos potentes de


ação central e anti-inflamatórios);
• Oferta de ventilação mecânica se necessário;
• Fisioterapia respiratória.
O momento apropriado de se obter VA defi-
nitiva vai ser definido pela monitorização cui-
dadosa da FR, PaO2 e estimativa do trabalho
respiratório.

Os pacientes com FR > 30 mov/min. e hipóxia Figura 5.8 Tórax flácido ou instável. Observe o padrão de respiração para-
doxal com retração do segmento fraturado a cada inspiração, ao contrário
grave, mantendo PaO2 < 65 mmHg (equivale a a fisiologia normal.

SaO2 < 90% exceto em pacientes DPOC) mesmo


com O2 suplementar 12 L/min. Sinais de fadiga
respiratória com FC > 120 bpm, necessitam de VA
definitiva (IOT + ventilação mecânica).
Atenção redobrada deve ser dada a pacientes
com doenças associadas e lesões traumáticas
em outros segmentos corpóreos, visto que a
insuficiência respiratória grave pode manifes-
tar-se mais precocemente, além do que a hipó-
xia pode resultar em aumento da lesão secun-
dária associada.
Nesse último aspecto, a embolia gordurosa Figura 5.9 Tórax flácido. Observe a perda de continuidade dos arcos cos-
em pacientes com trauma torácico e fraturas tais em pelo menos dois pontos em três ou mais costelas, e a presença de
enfisema subcutâneo.
de ossos longos é um diagnóstico que deve
ser lembrado quando há piora repentina no
padrão ventilatório com alterações do nível de HEMOTÓRAX
consciência e surgimento de petéquias conjun-
O tipo de lesão torácica determinará o volume
tivais e cutâneas na região torácica.
de sangue acumulado no espaço pleural, a
classificação de hemotórax é aplicável para
Indicações de ventilação
volumes de até 1,5 mil ml de sangue; após esse
mecânica no tórax flácido
volume, o hemotórax passa a ser classificado
Fadiga clínica da musculatura ventilatória como hemotórax maciço. Os sintomas apre-
sentados pelo paciente dependem do volume
FR < 8 ou > 35 ipm de sangue depletado. Perdas de 500-1mil mL
no espaço pleural correspondem à 15-20% da
PaO 2 < 60 mmHg com FiO 2 > 50%
volemia (ver Capítulo de Choque).
PaCO 2 > 55 mmHg com FiO 2 > 50%
Hemotórax simples é aquele menor do que
Shunt > 20% 1,5 mil L, já o Hemotórax maciço é maior do
que 1,5 mil mL.
Choque

A laceração pulmonar ou a ruptura de vasos


Lesões associadas e de tratamento cirúrgico
intercostais ou da artéria mamária interna
Tabela 5.2 Critérios para ventilação mecânica. devido tanto à trauma penetrante quanto à

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 57

trauma fechado, são as causas mais comuns • Hemotórax < 1,5 mil mL mas que persiste
do hemotórax simples. Visto que a circula- drenagem > 200 mL/h nas primeiras 2-4
ção pulmonar apresenta baixa pressão, essas horas;
hemorragias normalmente são autolimitadas e • Tamponamento cardíaco;
não necessitam de tratamento cirúrgico.
• Necessidade constante de hemotransfusão;
A ausculta pulmonar revela murmúrio vesi- Ferimentos na área de Ziedler, também cha-
cular diminuído, associado à percussão sub- mada Zimmerman ou Salmer-Murdock (medial-
maciça no hemitórax comprometido e dimi- mente entre as escápulas e entre as linhas
nuição do frêmito toracovocal. O diagnóstico hemiclaviculares e a linha intermamilar) reque-
do hemotórax traumático também deve ser rem atenção especial pelo alto risco de lesão
clínico. Entretanto, eventualmente pequenos cardíaca. O FAST e eventualmente ecocardio-
hemotórax sem sintomas poderão ser visuali- grama transesofágico são indicados para ava-
zados apenas no exame de imagem. liação de derrame pericárdico. Ferimentos
Volume de líquido mínimo para aparecer no raios penetrantes nessa região têm alta incidência
X de tórax para velar e deslocar medialmente o de toracotomia por lesões cardíacas, de gran-
seio costofrênico é 150-300 mL (derrame pleural des vasos, estruturas hilares e pelo potencial
subpneumônico). de tamponamento cardíaco.

Pequenos derrames pleurais só são vistos no Fique atento: o ATLS 10 traz um fluxograma
raios X em decúbito lateral. O derrame pleural de atendimento à parada cardiorrespiratória
> 10 mm no raios X em decúbito lateral exige no trauma que amplia as indicações da tora-
realização de toracocentese para drenagem. cotomia de reanimação, antigamente estava
indicada a toracotomia de reanimação para
Segundo o ATLS 10 a drenagem pleural deve ser
àqueles pacientes vítimas de ferimento perfu-
realizada com um dreno de 28 - 32F (antigamente
rante em área de Ziedler, que evoluíram para
o indicado era 36 ou 40F, atualmente o preconi-
PCR presenciada com atividade elétrica sem
zado passou a ser 28-32F tanto para pneumo,
pulso. Atualmente, após o ATLS 10, todos os
quanto para hemotórax), com o propósito de ali-
pacientes vítimas de trauma torácico seja
viar o espaço pleural, quantificar o volume de san-
ele contuso ou aberto, em PCR, que não
gue perdido e observar o débito de sangramento
pleural nas horas após a colocação do dreno. voltaram à circulação espontânea após as
medidas iniciais e à toracostomia descom-
O sangramento oriundo da periferia do pul- pressiva bilateral, têm indicação de toraco-
mão cessará com a reexpansão pulmonar em tomia anterolateral esquerda de emergên-
aproximadamente 85% dos casos. cia para:
Caso haja sangramento persistente pelo • . Descompressão de tamponamento cardíaco;
dreno torácico com volume > 200 mL por
• 2. Clampeamento da aorta descendente
hora durante as primeiras 2-4 horas, ou a dre-
para controle de sangramentos intra-abdo-
nagem imediata de > 1,5 mil ml ou a necessi-
minais se necessário e direcionamento da
dade de transfusões repetidas de sangue, a
circulação sanguínea para o segmento cor-
abordagem cirúrgica via toracotomia deve
póreo superior, priorizando pulmões, cora-
ser considerada.
ção e cérebro;
São indicações de toracotomia:
• 3. Controle de sangramentos no miocárdico
• Hemotórax maciço agudo com drenagem ou intratorácicos de uma maneira geral e
inicial pelo dreno torácico > 1,5 mil mL de massagem cardíaca interna. Após 30 minu-
sangue; tos de esforços sem retorno da circulação

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58 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

espontânea, o fluxograma determina a antifibrinolítico (estreptoquinase) intrapleural


constatação de óbito. pelo dreno vêm sendo utilizados em alguns
centros em pacientes sem condições cirúrgicas
ou que não têm serviço de videotoracoscopia.
Complicações do hemotórax e empiema ina-
dequadamente drenados incluem fístula bron-
copleural e broncopleurocutâneas. Situações
essas que envolvem tratamento com pleuros-
tomia, ressecção de costela, decorticação e
outros procedimentos de reconstrução.
Embora a radiografia de tórax seja útil como
ferramenta inicial, ela não deve ser usada como
único exame para selecionar pacientes com
indicação de evacuação cirúrgica de hemo-
Figura 5.10 Radiografia de tórax mostrando um volumoso hemotórax à tórax retido. A decisão deve estar apoiada
direita, provavelmente maciço.
também nos achados da tomografia compu-
Durante a reanimação do doente, deve-se con- tadorizada de tórax e dos critérios clínicos já
tabilizar o volume de sangue perdido imedia- supramencionados. O que parece ser imagem
tamente após a drenagem, acrescido do que de hemotórax retido no raios X de tórax pode
continuar drenando. A seguir, para o cálculo revelar-se como condensação pulmonar à TC.
do volume total de fluidos requeridos para
a reposição com SF 0,9% endovenoso, lembre- Videotoracoscopia é procedimento de esco-
-se dos conceitos de reanimação balanceada lha para o hemotórax coagulado no qual ao
e hipotensão permissiva (Veja os Capitulos de raios X não há adequada expansão pulmonar.
Choque e Reanimação volêmica). A coloração
do sangue (arterial ou venoso) não é um bom
indicador para avaliar a necessidade ou não de QUILOTÓRAX
toracotomia.
Lesão do ducto torácico causa derrame linfá-
Há situações em que o hemotórax se torna tico quiloso no espaço pleural sendo facilmente
retido ou coagulado. Ocorre quando a drena- confundido com líquido purulento.
gem de tórax não foi suficiente para a expan-
são pulmonar adequada e há sangue coletado
no espaço pleural. Os coágulos e as coleções
de sangue não atingidas pelo dreno tubular
podem dar origem à infecção (empiema pleu-
ral), síndrome do coágulo (consumo de plaque-
tas e fatores de coagulação pelo hematoma,
gerando coagulopatia) e o consequente encar-
ceramento pulmonar. Daí a importância de se
fazer o raios X de tórax e controle após a dre-
nagem pleural.
Figura 5.11 A: hemotórax de metástase pulmonar de câncer de mama; B:
Diagnosticado o hemotórax retido, o melhor quilotórax de carcinoma brônquico que invadiu e obstruiu o ducto torácico;
C: transudato pleural típico de pacientes com insuficiência cardíaca e edema
procedimento é a videotoracoscopia para generallizado.

limpeza e aspiração da cavidade pleural e Cerca de 50% dos quilotórax são por tumores
decorticação pulmonar. Entretanto, proce- mediastinais, especialmente linfoma. Vale lem-
dimentos clínicos como a administração de brar que a ocorrência do quilotórax, como

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 59

complicação de cirurgia torácica ocorre hospitalar e que, progressivamente, passou


em 20% e é menos frequente de ocorrer no a apresentar dispneia. A contusão pulmonar
trauma (5%). pode ocorrer sem fraturas de arcos costais ou
tórax instável, particularmente em doentes
Em se tratando de trauma: como o trajeto do
jovens com arcos costais ainda não calcifica-
ducto torácico é no mediastino posterior, o
dos por completo. Contudo, é a lesão torácica
quilotórax à direita resulta de trauma torácico
potencialmente letal mais comum em adultos
baixo; por outro lado, o quilotórax à esquerda
portadores de fraturas de arcos costais.
é por trauma torácico alto. O ducto torácico se
localiza na confluência da veia jugular com a Em crianças, é comum a presença de grave contusão
veia subclávia esquerda. pulmonar mesmo na ausência de fraturas de coste-
las (ou fratura em galho verde) devido à elasticidade
O diagnóstico é baseado na toracocentese com
da parede torácica.
triglicérides no líquido pleural > 110 mg/dL.
Na contusão pulmonar, ocorre alteração da
permeabilidade de membrana com inunda-
ção do espaço alveolar por líquido e destrui-
TRATAMENTO
ção temporária dos pneumócitos tipo II (pro-
O tratamento é toracocentese ou drenagem duzem surfactante). Histopatologicamente,
pleural com reexpansão pulmonar. A dieta podem-se encontrar desde áreas de hemor-
prescrita deve ser pobre em gorduras com ragia alveolar e intersticial até lacerações de
acréscimo de triglicérides de cadeia média. parênquima. Fraturas costais múltiplas e,
principalmente, das três primeiras costelas, da
Entretanto, dependendo da decisão do cirurgião
escápula e do esterno, devem remeter à pre-
torácico, o débito elevado por 2 ou 3 semanas
sença de contusão pulmonar.
de um quilotórax, com complicações metabóli-
cas ou nutricionais pode requerer toracotomia O principal fator determinante de hipóxia é o
e ligadura do ducto torácico, sendo que atual- aumento do shunt pulmonar resultante da con-
mente a videotoracoscopia pode ser utilizada tusão do parênquima pulmonar subjacente às
na abordagem desses doentes. fraturas. Em alguns casos, ainda há pneumotó-
rax e/ou hemotórax, fatores que também pre-
Tratamento do quilotórax é com dieta hipo- dispõe o surgimento de hipóxia.
gordurosa, além da prescrição de triglicérides
de cadeia média. Pode ser necessaria a liga- O diagnóstico fundamenta-se nos achados
dura do ducto torácico, por via toracotômica radiológicos de opacificações focais ou difusas
ou videotoracostômica.. homogêneas, que não respeitam a anatomia
segmentar e ou lobar do pulmão.
Muitas vezes, para a confirmação da lesão ductal
e do diagnóstico do quilotórax podem ser utiliza- Em 1/3 dos pacientes o raios X de tórax pode
dos alimentos ricos em gordura que estimulam ser inicialmente normal, visto que o tempo
sua secreção, como o sorvete e o azeite de oliva. médio de aparecimento das imagens radioló-
gicas leva em média 6 horas, podendo ocorrer
até 48 horas após o trauma.

CONTUSÃO PULMONAR Em alguns casos são necessárias pelo menos


6 horas para o aparecimento da contusão
Entre as lesões torácicas potencialmente letais
pulmonar.
de manifestação tardia, essa é a mais frequente.
Normalmente se manifesta algumas horas Merece destaque a melhor definição ofe-
após um trauma fechado. É típica a histó- recida pelos atuais aparelhos de tomogra-
ria da vítima que estava bem na admissão fia com tecnologia helicoidal e com vários

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60 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

cortes (multislice), permitindo avaliação mais


rápida e fidedigna da condição desses doen-
tes. A extensão da contusão, avaliada pela
tomografia de tórax, tem sido vista como alto
fator preditivo da necessidade de ventilação
mecânica, lembrando que a clínica do paciente
ainda é o principal indicador da necessidade de
ventilação mecânica, associado aos valores de
PaO2, saturação periférica de oxigênio, frequ-
ência ventilatória e nível de consciência.
Lembre-se: a tomografia está indicada apenas
para vítimas hemodinamicamente estáveis.
5.12 Raios X de tórax mostrando área de opacificação em lobo médio após-
O tratamento é o mesmo descrito no tórax ins- trauma de trânsito, o que sugere contusão pulmonar à direita.

tável voltando-se para a identificação dos crité-


rios para via aérea definitiva e IOT, bem como
reposição volêmica cautelosa frente ao risco FERIMENTOS
de edema agudo pulmonar, aporte adicional TRAQUEOBRÔNQUICOS
de oxigênio e analgesia potente.
Deve haver suspeita de ferimento traqueo-
Enfermidades associadas, como doença pul- brônquico quando o pulmão não expandir,
monar crônica e insuficiência renal, predis- mesmo após drenagem de PTX e se o dreno
põem à necessidade de intubação precoce e torácico em selo d’água tiver borbulhamento
de ventilação mecânica. Alguns doentes em persistente. A fibrobroncoscopia deverá ser
condições estáveis podem ser tratados sele- realizada o mais breve possível!
tivamente sem intubação endotraqueal ou
ventilação mecânica e apenas máscara de A lesão da traqueia e do brônquio principal é
O2 com reservatório de oxigênio e analgesia, uma lesão incomum e potencialmente fatal,
se necessário. que frequentemente passa despercebida no
exame inicial. No trauma fechado as lesões na
Para um tratamento adequado, são neces-
traqueia ou brônquios ocorrem na maior parte
sários monitoração da oximetria de pulso,
próximo á carina, localizando-se de 2 a 3 cm
determinações gasométricas arteriais, moni-
da mesma, podendo resultar em fístula pleu-
toração eletrocardiográfica e equipamento
ral, a qual pode ser persistente e necessitar de
apropriado para ventilação, se necessário.
cirurgia quando esses doentes chegam vivos
Pacientes que irão ser transferidos e próxi-
no hospital.
mos aos critérios para a intubação deverão
ser submetidos a IOT + ventilação mecânica O índice de mortalidade nessas lesões é elevado,
para maior segurança. visto que as mesmas apresentam alto índice de
lesões graves associadas e também frequente-
O prognóstico da contusão pulmonar está
mente possuem retardo no diagnóstico.
na dependência de lesões associadas. Iso-
ladamente, a mortalidade é de 16%, mas, Ferimentos transfixantes de mediastino médio
quando associada ao tórax instável, ele- ou superior, compressão torácica intensa e
va-se para 42%. A longo prazo, muitos fugaz, desconforto respiratório e enfisema
pacientes com afundamento torácico e con- subcutâneo evidente com hemoptise, no
tusão pulmonar se queixam de dispneia, exame inicial, são situações que nos indu-
baixa tolerância aos exercícios e dor torácica zem a suspeitar de lesões da arvore traqueo-
no hemitórax comprometido. brônquica e a realizar a fibrobroncoscopia.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 61

Ferimentos que se comunicam com o espaço Grupo III – edema e laceração grave da mucosa.
pleural podem resultar em pneumotórax Presença de fraturas com desvio;
hipertensivo. O borbulhamento intenso do
Grupo IV – lesão grave da laringe com instabili-
dreno em selo d’água sem expansão pulmo-
dade anatômica e funcional;
nar é um achado patognomônico do ferimento
traqueobrônquico. Grupo V – disjunção laringotraqueal.

O tratamento pode ser conservador por 3 a 5 A observação cuidadosa da localização da


dias. Entretanto, caso o escape aéreo persista, ferida e do trajeto do projétil (ou outro agente
a toracotomia guiada pelo resultado da bron- traumático), a constatação de enfisema sub-
coscopia será a escolha em pacientes estáveis. cutâneo, ou do mediastino, de dispneia e de
Todavia, pacientes instáveis hemodinamica- hemoptise podem conduzir ao diagnóstico de
mente deverão ser submetidos à toracotomia lesão de traqueia cervical e ou de laringe.
de urgência com broncoscopia intraoperatória A traqueoscopia não se mostrou importante
e ou podendo ser submetidos à “manobra do para o estabelecimento do diagnóstico das
borracheiro” para identificação da lesão, na lesões da região cervical. Eventualmente, o
qual a cavidade torácica é irrigada com SF0,9% diagnóstico da localização exata da ferida pode
aquecido e a lesão é identificada através da ser feito durante a exploração cirúrgica por
presença de borbulhas. “manobra do borracheiro”. Deve-se notar que
A toracotomia para abordagem é anterolateral ou nas feridas altas, pode ser necessário desinsu-
posterolateral, dependendo das lesões acometidas. flar o balonete e recolocar a sonda orotraqueal
um pouco mais alta na traqueia para que o
LARINGE escape de gás pela ferida seja percebido atra-
vés das borbulhas resultantes nessa manobra.
Os traumas de laringe são lesões raras e mani- Em virtude da associação frequente das lesões de
festam-se através da tríade: rouquidão, enfi- laringe e de traquéia cervical com feridas de esô-
sema subcutâneo e crepitação palpável. Se fago e ou faringe, é essencial que esses pacientes
houver indicação, a intubação orotraqueal é sejam submetidos a um esofagograma com con-
realizada; caso não seja possível, deve-se efe- traste hidrossolúvel. Essa associação pode estar
tuar uma traqueostomia de emergência, sendo presente em 26% dos portadores de lesões
esta uma das únicas indicações de traqueosto- da traqueia cervical e laringe. Tal combinação
mia de emergência presentes no ATLS. acarreta maior morbidade e mortalidade, que
Lembre-se: em situações de emergência a via aumentam proporcionalmente ao tempo decor-
aérea cirúrgica indicada é a cricotireoidostomia rido entre o diagnóstico e o tratamento. Torna-se,
cirúrgica, sendo que as duas situações clássicas portanto, imperioso que o diagnóstico de ferida
onde este procedimento é contraindicado, e a de faringe e ou esôfago seja estabelecido pre-
traqueostomia de emergência deve ser reali- cocemente para evitar complicações graves tais
zada, são a fratura de laringe e crianças abaixo como: mediastinite e sepse.
de 12 anos de idade.
Com o objetivo de uniformizar os critérios de TRAQUEIA E BRÔNQUIOS
descrição das lesões e tentar estabelecer nor-
mas de conduta, as lesões da laringe podem Trauma pouco frequente e potencialmente
ser agrupadas em cinco categorias: fatal. No trauma contuso, a lesão geralmente
ocorre próximo à carina e, na maioria das
Grupo I – traumatismo mínimo restrito à endo-
laringe, sem fratura; vezes, na parede membranosa.

Grupo II – edema, hematoma com laceração O doente apresenta hemoptise, enfisema sub-
moderada da mucosa, sem exposição da car- cutâneo e/ou pneumotórax hipertensivo com
tilagem. Podem existir pequenas fraturas da desvio do mediastino. É comum as lesões de
cartilagem, mas sem desvio; traqueia e brônquios passarem despercebidas.

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62 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Pneumotórax com grande fuga aérea pelo saída da subclávia esquerda onde se encon-
dreno torácico sugere lesão traqueobrônquica. tra o ponto fixo do ligamento arterioso (liga-
A fibrobroncoscopia é o exame padrão-ouro mento de Botalo, resquício do ducto arterioso
para o diagnóstico da lesão e deve ser realizada, embrionário).
de preferência, em ambiente cirúrgico, com a via
Local mais comum de rotura traumática da
aérea protegida por intubação traqueal.
aorta nos pacientes sobreviventes é na aorta
A inserção de mais de um dreno de tórax fre- descendente no ligamento arterioso (liga-
quentemente é necessária para superar um mento de Botalo).
grande vazamento e expandir o pulmão. Para
garantir um fornecimento adequado de oxigê- Se a adventícia estiver íntegra, forma-se o hema-
nio, pode ser necessária, em caráter temporá- toma mediastinal contido o que evita que o
rio, a intubação seletiva do brônquio principal paciente sangre até a morte. Essa é a caracterís-
do pulmão oposto. tica encontrada nos sobreviventes de rotura de
aorta. A hipotensão persistente geralmente é
Frequentemente a intubação pode ser difícil, seja
devida a um sangramento não identificado em
pela distorção anatômica decorrente do hema-
outro lugar que não a aorta, visto que os sangra-
toma paratraqueal, pelas lesões orofaríngeas
mentos ativos desse vaso estão relacionados ao
associadas ou pela própria lesão traqueobrôn-
choque irreversível com rápida progressão para o
quica. Nesses casos, está indicada a intervenção
óbito por hipovolemia. Pode ocorrer ruptura livre
cirúrgica imediata. Já em doentes estáveis, o tra-
da aorta dentro do hemitórax esquerdo, porém
tamento cirúrgico das lesões traqueobrônquicas
pode ser postergado até a resolução do processo trata-se de uma situação gravíssima que leva o
inflamatório agudo e do edema local. doente ao óbito em questão de poucos minutos.
Em 1-2% das vezes o paciente pode ter rotura
ACESSO CIRÚRGICO traumática da aorta e não ter qualquer achado
na radiografia de tórax. Nesses casos, a cine-
Para acesso à traqueia intratorácica, brônquio mática do trauma pode levar à suspeita de
direito e brônquio esquerdo proximal, o acesso trauma de aorta e, caso o paciente encontre-se
cirúrgico mais indicado é a toracotomia pos- hemodinamicamente estável, uma angiotomo-
terolateral direita 4º-5º EIC (essa abordagem grafia de tórax deve ser solicitada.
evita o coração e arco da aorta). Já para aces-
sar o brônquio esquerdo e a porção acima de 3 Paciente que está hipotenso e tem sinais
cm da carina deve ser realizada uma toracoto- radiológicos sugestivos de rotura traumática
mia posterolateral esquerda. Lembrando que da aorta não está sangrando da aorta! Senão,
à direita, para o acesso traqueal e esofágico é já teria morrido. Buscar outras causas prová-
necessária a ligadura da veia ázigos. veis para o choque hipovolêmico, como fra-
tura de bacia e trauma abdominal.
FERIMENTO DE GRANDES VASOS Se todos os pacientes com achado radiológico
de alargamento de mediastino (maior que 8
A rotura traumática de aorta é a causa mais
comum de morte súbita após acidente auto- cm) fossem submetidos à aortografia, apenas
mobilístico ou queda de grande altura. A ace- 3% confirmariam a rotura real da aorta. Por
leração e desaceleração rápida fazem com isso que, atualmente, não se justifica a reali-
que haja o cisalhamento nos pontos de fixa- zação rotineira de arteriografia em todos os
ção do coração e da aorta (ligamento arte- pacientes com mediastino alargado, porém a
rioso). É importante entender que 80% dos tomografia com contraste em fase arterial e
pacientes com rotura traumática da aorta venosa é essencial. A presença do mediastino
morrem no local do trauma (transsecção com- alargado (90% das vezes associado) e fraturas
pleta da aorta). O local mais comum dessa nas três primeiras costelas podem se relacio-
rotura é na sua porção descendente após a nar à outras lesões vasculares torácicas.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 63

A TC do tórax multislice contrastada substi- Sinais radiológicos associados à ruptura trau-


tuiu a arteriografia no método diagnóstico mática da aorta
de rotura traumática da aorta por apresentar
Alargamento de mediastino > 8 cm (posição ortos-
próximo a 100% de sensibiliadade e especifi-
tática)
cidade. Entretanto, tal resultado depende da
tecnologia disponível. Lembre-se de que ape- “Borramento” do contorno aórtico
nas pacientes hemodinamicamente estáveis
podem ser submetidos ao exame tomográfico. Obliteração do espaço aórtico-pulmonar

Relação entre as larguras do mediastino e tórax > 0,25


Se a TC contrastada de tórax for negativa para
rotura traumática da aorta e para hematoma Rebaixamento do brônquio fonte esquerdo
de mediastino, nenhum outro exame é neces-
sário. A arteriografia deve ser realizada na posi- Desvio traqueal para direita
tividade de achados tomográficos para rotura
traumática da aorta caso seja considerado o Desvio da sonda naso ou orogástrica para direita
tratamento endovascular com o implante de
Hematoma extrapleural apical (“boné apical”)
endoprótese aórtica (o que atualmente é fac-
tível). Versões anteriores do ATLS indicavam a
Alargamento das linhas para vertebrais
necessidade de realização de arteriografia no
caso de malformações não identificáveis à TC, Alargamento da faixa paratraqueal
mas com o advento da TC multislice essa con-
duta encontra-se proscrita. Fratura do primeiro e segundo arcos costais (trauma
de alta energia)
Sinais e sintomas eventualmente associados à
ruptura traumática da aorta Fratura da escápula (trauma de alta energia)

Hipotensão arterial Fratura de coluna torácica

Pseudocoarctação aórtica (pressão arterial desigual Fratura de esterno


dos membros superiores em relação aos inferiores)
Hemotórax à esquerda
Desigualdade da pressão arterial entre dois mem- Tabela 5.4
bros superiores

Sopro ou frêmito interescapular

Desvio traqueal por hematoma

Estridor por compressão extrínseca de traqueia (lesão


de carótida comum)

Hematomas supraclaviculares

Fratura de esterno e ou coluna torácica palpáveis

Esmagamento torácico

Hemotórax volumoso
Figura 5.13 Aortografia demonstrando a topografia da lesão mais comum na
Tabela 5.3 aorta descendente e formação de pseudoaneurisma.  

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64 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Figura 5.15 Sem alargamento de mediastino, mas tem apagamento do


cajado aórtico (seta).

Figura 5.16 Alargamento do mediastino. Depressão do brônquio esquerdo.


Figura 5.14 Lesão de artéria inominada. Notar desvio discreto da traqueia
para a esquerda acompanhadada SNG em paciente com hematoma junto
aodesfiladeiro torácico (ao contrário de hematoma no istmo aórtico).

TRATAMENTO
Pacientes estáveis devem ser submetidos a
tratamento endovascular com endoprótese
(stent revestido). Além disso, o uso de beta-
bloqueadores (propanolol ou labetalol) para
controle de pressão é realizado na maioria dos
centros, porém após a estabilização inicial do
trauma. Na ausência de serviço endovascular,
a cirurgia permanece como método de esco-
lha. O interessante do tratamento endovascu-
lar é que se evita o risco da isquemia medular
Figura 5.17 Desvio da traqueia para direita: suspeita de rotura traumática
e paraplegia e da isquemia visceral que pode da aorta.

gerar insuficiência renal, hepática e mesen-


térica decorrentes do clampeamento aórtico TRAUMA CARDÍACO
torácico, complicação possível no acesso cirúr-
TAMPONAMENTO CARDÍACO
gico por toracotomia.
AGUDO
A correção cirúrgica da lesão da aorta torácica
Dos traumas cardíacos, 90% resultam de
se faz por toracotomia posterolateral esquerda
trauma penetrante (41% das lesões é ven-
com sutura aórtica primária ou interposição de
trículo direito e 40% ventrículo esquerdo). O
prótese segmentar de dacron.
trauma fechado também pode resultar em

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 65

lesão cardíaca ou dos grandes vasos. O tam- como asma, embolia pulmonar, pneumotórax
ponamento pode desenvolver-se rapidamente hipertensivo e pericardite constritiva também
ou de modo mais lento porque o saco pericár- fundamentam tal achado.
dico é estrutura fibrosa inelástica e menos de
O sinal de Kussmaul (aumento da pressão
200 mL de sangue é suficiente para restringir
venosa na inspiração espontânea) e a ativi-
os movimentos cardíacos (geralmente 50 mL
dade elétrica sem pulso (na ausência de hipo-
mostra sintomas) e apresentar quadro clínico
volemia e de pneumotórax hipertensivo) suge-
de tamponamento cardíaco.
rem tamponamento cardíaco.
Ferimentos penetrantes na área de Ziedler ou
área de Salmer-Murdock sugere trauma cardí- Quando disponível, o exame ultrassonográfico
aco ou de grandes vasos. Da mesma maneira, na sala de emergência FAST (Focused Assessment
fáscies pletórica, engurgitamento de veias cervi- with Sonography for Trauma ATLS®) avalia a pre-
cais e pulso paradoxal sugerem trauma cardíaco. sença de líquido no saco pericárdico com 90%
de acurácia e 5% de falsos-negativos. O tra-
Limites anatômicos da zona de Ziedler:
tamento de escolha para o tamponamento
Linha horizontal que passa pelo ângulo de cardíaco é a rafia da lesão sangrante atra-
Louis do esterno; vés de toracotomia anterolateral esquerda,
• Linha horizontal que passa à altura da extre- a qual é a incisão mais usada no trauma.
midade anterior da décima costela; Atenção: o tratamento de escolha para o tam-
• Linha paraesternal D; ponamento cardíaco é a toracotomia e não a
• Linha axilar anterior E. pericardiocentese sendo esta última, uma
medida de alívio provisória e emergencial.

A pericardiocentese é reservada como um dos


últimos recursos quando a toracotomia não
está disponível, podendo ser tanto diagnós-
tica quanto terapêutica, também podendo ser
guiada por ultrassom. Entretanto, a pericar-
diocentese não é tratamento definitivo para
o tamponamento pericárdico porque esse
paciente deverá ir necessariamente à toracoto-
mia para rafia da lesão cardíaca.

Um procedimento melhor do que a peri-


cardiocentese e menos agressivo do que a
Figura 5.18 zona de Ziedler.
toracotomia anterolateral esquerda pas-
A tríade de Beck (hipotensão, abafamento de sível de ser feito em indivíduos estáveis é
bulhas e turgência jugular) está presente em a janela pericárdica subxifoidea (incisa-se
1/3 dos pacientes. A distensão de veias do pes- a pele abaixo do xifoide chegando-se até
coço pode estar ausente em decorrência de o coração sem abrir pleura ou o peritônio
hipovolemia. abdominal) realizada sob visão direta no
centro cirúrgico. Ao explorar o saco peri-
O pulso paradoxal é definido como a queda de
cárdico por pericardiotomia, obedeça à
mais de 10 mmHg de pressão sistólica durante
seguinte orientação:
inspiração profunda. Entretanto, vale saber
que não é só o tamponamento pericárdico que a) Saída de líquido amarelo citrino garante a
justifica o pulso paradoxal. Outras situações pericardiorrafia por planos;

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66 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

b) Saída < 50 mL sangue em paciente hemo- Se houver alteração no traçado do complexo


dinamicamente estável significa que QRS, puxe a agulha para trás, pois provavel-
houve ferimento mínimo de pericárdio ou mente atingiu o músculo cardíaco. Aspirar
músculo cardíaco, sem lesão de câmaras com a seringa. A remoção de 30 mL de sangue
cardíacas. Irriga-se o saco pericárdico com incoagulável significa que está no saco peri-
SF + drenagem pericárdica com Pezzer ou cárdico e produz significante melhora hemo-
Malecot + observação por 48-72 horas; dinâmica. Logo após a pericardiocentese,
c) saída > 50 mL com sangramento persis- introduz-se cateter por dentro da agulha e o
tente e alterações hemodinâmicas indicam mesmo é mantido posicionado no interior do
a toracotomia anterolateral esquerda. saco pericárdico com torneira de três vias na
extremidade distal até que o paciente possa ir
Há, ainda, relatos do uso de videotoracoscopia
à toracotomia. Talvez haja necessidade de aspi-
e laparoscopia para drenagem de tampona-
rar mais sangue do saco pericárdico antes do
mento cardíaco, mas esses dois últimos tra-
tratamento definitivo.
tamentos não são regra e padrão, apesar de
terem sido já descritos.
Vale lembrar ainda os acessos cirúrgicos dos
traumas vasculares arteriais cervicotorácicos:
• Aorta descendente (traumatizada 60%
das vezes): toracotomia posterolateral
esquerda;
• Arco da aorta (trauma em 10%): esternoto-
mia mediana com circulação extracorpórea;
• Artéria inominada: esternotomia mediana;
• Vasos subclávios à esquerda: toracotomia
anterolateral + incisão supraclavicular (tora-
cotomia em alçapão ou janela); ou somente
a remoção da clavícula e acesso direto;
• Vasos subclávios à direita: esternotomia
mediana ou miniesternotomia + cervicoto-
mia, ou somente a remoção da clavícula e
acesso direto; Figura 5.19 Punção de Marfan.

• Artéria carótida esquerda: esternotomia +


cervicotomia;
CONTUSÃO MIOCÁRDICA
• Artéria pulmonar: esternotomia.
O trauma cardíaco fechado pode resultar
em contusão do músculo cardíaco, rotura de
PERICARDIOCENTESE (PUNÇÃO DE
câmaras cardíacas ou laceração valvular. A
MARFAN) ruptura de câmaras cardíacas tipicamente se
manifesta como tamponamento cardíaco. O
Deve ser feita com paciente em decúbito dor-
FAST facilita o diagnóstico.
sal, antissepsia, colocação de campos e anes-
tesia local e monitorizado (ECG). Introduz-se O espectro de apresentação é amplo, variando
uma agulha longa (de peridural) no espaço desde uma condição benigna assintomática
xifocostal, dirigida para o ombro esquerdo (via até arritmias, infarto e mesmo choque refratá-
de Marfan) em 45º. rio à reposição volêmica.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 67

O trauma cardíaco fechado pode determinar O paciente pode ser assintomático, mas acha-
arritmias cardíacas e o ECG (eletrocardiografia) dos radiológicos podem sugerir o diagnóstico
é utilizado para triagem desses doentes. Os através da elevação da cúpula diafragmática
achados do ECG mais comuns são: extrassís- ou presença de nível hidroaéreo no tórax.
toles ventriculares, alterações do segmento Lembre-se que lesões penetrantes toracoabdo-
S-T, taquicardia sinusal inexplicada, fibri- minais, até que se prove o contrário, apresen-
lação atrial e bloqueios de ramos. Novas tam lesão de diafragma e é obrigatória a busca
arritmias súbitas poderão ocorrer em 24 a ativa por essa lesão.
48 horas, razão pela qual os doentes deve-
O diagnóstico também pode ser melhor elu-
rão ficar monitorados. Após esse período
cidado por angiotomografia de tórax (não é
de tempo, a incidência de arritmias dimi- um bom exame para ver lesões pequenas de
nui consideravelmente. Os pacientes que diafragma) ou esofagograma. Todavia, com
apresentarem um ECG normal à admissão, certeza, o método diagnóstico mais fácil da
dificilmente apresentarão alguma arritmia avaliação da hérnia diafragmática traumá-
posteriormente. tica é através de passagem de SNG e raios X
Para os doentes com instabilidade hemodi- de tórax PA, que demonstrará a SNG enro-
nâmica passageira inexplicada, está indicado lada no tórax, sugerindo o defeito traumá-
tico característico.
a realização de ecocardiografia, ou simples-
mente o FAST (Focused Abdominal Sonography
in Trauma), para afastar um eventual derrame
pericárdico.

Apesar de existirem vários estudos avaliando o


uso de enzimas cardíacas como marcadores do
trauma cardíaco, em especial enzimas cardía-
cas específicas, como a troponina I, não há, até
o momento, evidências que sustentem seu uso
no trauma, não fornecendo nenhuma informa-
ção adicional ao já obtido com o ECG.

DIAFRAGMÁTICA TRAUMÁTICA
O trauma penetrante, na maioria das vezes,
causa pequena perfuração no diafragma que
não leva imediatamente à formação de hér-
nia diafragmática. Já o trauma contuso pro-
Figura 5.20 Hérnia diafragmática traumática esquerda. Observam-se o
duz grandes e radiadas lesões que conduzem fundo do estômago no hemitórax esquerdo pelo raios X de esôfago, estô-
mago e duodeno contrastado (SEGD).
facilmente à herniação. O lado mais comum
da hérnia diafragmática traumática é à
esquerda. No entanto, estudos em cadáve- TRATAMENTO
res demonstraram que, em necrópsias, o lado
direito aparece mais frequentemente, porém, • Fase aguda: videolaparoscopia;
não é diagnosticado em razão da posição do • Fase tardia: toracoscopia.
fígado. Raramente, o trauma diafragmático é É importante entender que alternativamente
descoberto no período imediato pós-trauma. em serviços que não tenham laparoscopia

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68 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

poderá ser feito a laparotomia exploradora e Suspeita-se desse tipo de lesão quando o feri-
a toracotomia, respectivamente. No trauma mento de entrada encontra-se em um hemitó-
agudo, a preferência pela via abdominal é indi- rax e o de saída no hemitórax contralateral.
cada porque não há o problema relacionado
A presença de pneumomediastino (enfisema
com a formação de aderências como existe em
mediastinal) faz suspeitar de lesão esofagiana
trauma diafragmático tardio. E as anuências
ou traqueobrônquica. Por outro lado, quando
ocorrem mesmo sem cirurgia e somente pelo
há hematoma de mediastino, deve-se pensar
trauma.
em lesão de grandes vasos.
Dica: não confunda hérnia diafragmática trau-
Há dois tipos de doentes com ferimento trans-
mática com hérnia paraesofagiana e hérnia
fixante de mediastino: hemodinanicamente
hiatal de deslizamento. As hérnias hiatais
estáveis e instáveis.
têm revestimento de peritônio enquanto as
hérnias traumáticas não. Pacientes instáveis deverão ter os dois hemitó-
rax drenados e encaminhados imediatamente
ao centro cirúrgico para toracotomia.
Já os doentes estáveis hemodinamicamente
também terão seus dois hemitórax drenados
e irão provavelmente à toracotomia, mas terão
tempo de fazer exames que auxiliarão no diag-
nóstico e reparo da lesão: FAST, EDA, bron-
coscopia, angiotomografia helicoidal, esofago-
grama com contraste baritado.
Deve-se considerar uma possível lesão de esô-
A
fago quando:
• 4. Eliminação de restos alimentares pelo
dreno torácico;
A presença de ar no mediastino também
sugere o diagnóstico, frequentemente confir-
mado por estudos contrastados e EDA.

Classificação das lesões esofágicas segundo a


American Association for
the Surgery of Trauma (AAST)

B
Grau da lesão Descrição das lesões
Figura 5.21 Raios X de tórax PA na suspeita de hérnia diafragmática. A:
nível hidroaéreo no tórax à esquerda. Borramento do hemidiafragma à
esquerda. B: observe a imagem da sonda nasogástrica no tórax. Contusão/hematoma ou lacera-
I
ção parcial sem abertura

LESÃO TRANSFIXANTE DE II
Laceração < 50% da circunferên-
cia
MEDIASTINO
O trauma penetrante que atravessa o medias- Laceração ≥ 50% da circunferên-
III
tino pode acarretar lesão de qualquer estru- cia
tura que esteja no tórax: coração, grandes
Perda tecidual ou desvasculariza-
vasos, ducto torácico, árvore traqueobrôn- IV
ção < 2 cm
quica, pulmões, lesão medular e ainda esôfago.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 69

fechado podem ser causadas por golpe de forte


Classificação das lesões esofágicas segundo a
intensidade no abdome superior, levando à
American Association for
expulsão forçada do conteúdo gástrico para
the Surgery of Trauma (AAST)
o esôfago, produzindo lacerações no esôfago
Perda tecidual ou desvasculariza- inferior e quadro semelhante à síndrome de
V
ção ≥ 2 cm Boerhaave com rotura de todas as camadas do
esôfago. A abertura para o espaço pleural causa
Tabela 5.5
empiema e mediastinite. O quadro clínico é igual
O exame primário detectará as prioridades do
atendimento. Caso exista hemopneumotórax ao da ruptura pós-hemética (Boerhaave).
com grande perda sanguínea e anormalidade
hemodinâmica com sinais de tamponamento car-
díaco, a indicação de drenagem pleural imediata TRATAMENTO
e exploração cirúrgica por toracotomia podem
ser necessárias. O cirurgião deve optar por qual
hemitórax vai iniciar a toracotomia, tendo como CONSERVADOR
parâmetro a presença de tamponamento cardí-
O manejo não operatório da perfuração esofá-
aco ou o hemitórax com maior volume de sangue
drenado. O paciente em decúbito dorsal horizon- gica ainda é controverso. Entretanto, já existem
tal é submetido à toracotomia anterolateral no 4º relatos de sucesso, principalmente nas lesões
EIC que pode ser prolongada para o outro lado iatrogênicas e perfurações por corpo estranho.
por meio de bitoracotomia (incisão de Clamshell). Nos traumas penetrantes e contusos, o trata-
mento deve ser cirúrgico, permitindo a corre-
Os doentes estáveis hemodinamicamente (cerca
ção da lesão esofágica e a identificação e corre-
de 50% dos casos), mesmo que não apresentem
sinais clínicos e radiológicos iniciais de lesões de ção das frequentes lesões associadas.
órgãos mediastinais, devem ser avaliados por Para indicar o tratamento não operatório, é
meio de exames auxiliares, para excluir lesões necessário que o paciente esteja estável hemo-
de esôfago, traqueia, brônquios, vasos medias- dinamicamente e não tenha evidência clínica
tinais e coração. O FAST enfocando o pericárdio
de sepse. Além disso, deve ser excluída, por
deve conduzir o início da investigação ainda como
exame de imagem, a presença de abscesso
exame adjunto ao primário.
ou sinais de mediastinite. As perfurações que
A TC helicoidal com contraste deverá ser feita ocorrem em esôfago patológico não devem
para descartar hematoma mediastinal e sinais de ser incluídas na possibilidade de tratamento
rotura traumática da aorta em pacientes estáveis, conservador. O tratamento consiste em obser-
além de avaliar penetração da cavidade torácica.
vação rigorosa do paciente, passagem por via
Ela tem alta sensibilidade e especificidade para a
endoscópica de SNE ou nutrição parenteral
detecção de rotura traumática da aorta.
total e uso de antibioticoterapia. Ocorrendo
A via de acesso cirúrgico, se toracotomia qualquer evidência de piora clínica e progres-
esquerda ou direita ou bitoracotomia, depen- são de processo infeccioso, o tratamento não
derá do diagnóstico das estruturas torácicas operatório deve ser interrompido e a cirurgia
lesadas. A mortalidade global desse tipo de
realizada imediatamente.
ferimento está em torno de 20%. Essa porcenta-
gem duplica se o paciente se encontra instável.
CIRÚRGICO
O segredo do tratamento do trauma de esô-
TRAUMA DE ESÔFAGO fago é o diagnóstico precoce das lesões (< 24
Em 95% das vezes resultam de trauma pene- horas), sugerido por pneumomediastino (sinal
trante. Entretanto, lesões de esôfago por trauma patognomônico da perfuração) e enfisema

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


70 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

subcutâneo, além de avaliar se a perfuração é já existem sinais importantes de infecção ou des-


grande (há extravasamento de contraste por vascularização, deve ser realizada ressecção com
esofagograma). fechamento do esôfago distal e esofagostomia
proximal ou, ainda, esofagostomia no local da
ESÔFAGO CERVICAL lesão, em dupla boca, sendo que a jejunostomia,
nessas duas alternativas, pode ser necessária. A
Quando as condições locais são adequadas e a opção por deixar pele e tecido subcutâneo aber-
lesão tem pouco tempo de evolução e baixa gra- tos pode auxiliar no controle de infecção local e
duação, a sutura simples em dois planos (mucosa impedir a formação de abscessos, que podem
e depois muscular) associada à drenagem da ocasionar fístulas, deiscências ou dissecção para
região, é o tratamento adequado. O debrida- o mediastino, com consequente mediastinite des-
mento do ferimento deve ser lembrado, princi- cendente. Pode-se encontrar, durante o ato ope-
palmente nos ferimentos por projétil de arma de ratório, somente abscesso local com lesão punti-
fogo, assim como a passagem de sonda nasoen- forme ou ausência de perfuração visível. Nesses
teral (SNE) antes do fechamento da lesão, com o casos, apenas a drenagem com passagem de SNE
objetivo de nutrição precoce. Nas lesões em que é a opção adequada.
Lesão de Esôfago Cervical

Pouco tempo de evolução Longo tempo de evolução


Baixa graduação Sinais de infecção ou
Sem infecção local desvascularização

Ressecção local Lesões puntiformes


Esofagostomia no
Debridamento Fechamento distal Abscessos sem
local da lesão
Esofagostomia visualização da lesão

SNE Jejunostomia Jejunostomia Drenagem

Sutura SNE

Drenagem
Lesão de Esôfago Cervical Figura 5.22 conduta nas lesões de esôfago cervical. SNE: sonda nasoenteral.

ESÔFAGO TORÁCICO pois a chance de fístula ou deiscência é grande.


Nos casos em que a lesão é tardia (> 24 horas),
A abordagem cirúrgica deve, preferencialmente, com sinais de mediastinite e as condições locais
ser realizada por toracotomia posterolateral demonstram inflamação, infecção ou desvascu-
direita. Faz-se necessária a entubação seletiva larização e ou, ainda, no paciente com choque
para exposição adequada do esôfago (tubo de séptico, a esofagectomia pode ser opção aplicá-
Carlens). A conduta depende, sobretudo, do vel como forma de evitar complicações graves e
tempo de evolução e, consequentemente, das fatais. Nos casos com infecção grave, a antibio-
condições locais. Nas lesões com pouco tempo ticoterapia deve ser instituída, com fármacos de
de evolução (< 12 horas) e sem sinais infeccio- amplo espectro e com cobertura para anaeró-
sos locais, pode ser realizado reparo primário da
bios, sendo a nutrição precoce fundamental na
lesão, passagem de SNE e drenagem pleural. Nas
prevenção e no combate à infecção.
situações em que já existem sinais inflamatórios
ou secreção purulenta restrita ao local, a lesão A cerclagem distal do esôfago, com o objetivo de
ainda pode ser desbridada, reparada e drenada, impedir o refluxo do conteúdo gástrico, é pro-
mas é necessário desvio do trânsito mediante cedimento teoricamente adequado, mas que
esofagostomia e realização de jejunostomia, não possui, na literatura, comprovação efetiva

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 71

de sua validade. A prática de gastrostomia, para o debridamento seguido de rafia da lesão em


evitar refluxo ou para nutrição, deve ser evi- dois planos, com reforço através de fundoplica-
tada, pois estômago íntegro é necessário para tura (usando o próprio estômago como patch).
posterior reconstrução do trânsito. Uma opção
válida, quando se faz reparo do esôfago, é a A jejunostomia é indicada para nutrir precoce-
colocação de um patch de pleura, pericárdio, mente e servir como opção enteral nos casos de
omento ou musculatura intercostal como fístulas. Nas lesões sem alto grau de contamina-
reforço (importante em qualquer porção do ção e nas quais exista a necessidade de ressec-
esôfago). A conduta diminui significativamente ção de um segmento do esôfago, a anastomose
as fístulas deiscências. Alguns relatos na litera- deve ser realizada com o estômago e não com
tura citam a colocação de um tubo em T no local o próprio esôfago, diminuindo o risco de fístula
da lesão quando não houver possibilidade de ou deiscência. Caso o reparo ou a anastomose
repará-la, orientando trajeto fístuloso.
sejam proibitivos, o esôfago distal deve ser
fechado (Damage Control) e realiza-se, primaria-
ESÔFAGO ABDOMINAL mente, ou após a estabilização clínica, a jejunos-
tomia e esofagostomia cervical. A drenagem da
A maioria das lesões de esôfago abdominal é
detectada no transoperatório, sendo impor- região após sutura ou anastomose é indicada. A
tante inspeção cuidadosa dessa região, que colocação de pach omental sobre o reparo tam-
nem sempre é de fácil acesso. A base do tra- bém pode ser realizada com o intuito de refor-
tamento de lesões esofágicas abdominais é çá-lo e evitar a formação de fístulas.

Lesão de Esôfago Torácico

Tempo de evoluçãointermediário Tempo de evolução > 24h


Tempo de evolução < 12h
(12-24h) Sinais de mediastinite
Sem sinais de infecção local
Infecção restrita ao local Infecção grave e desvacularização
Choque séptico

Debridamento Debridamento Esofagectomia

SNE Reparo Esofagectomia cervical

Reparo Esofagectomia cervical Jejunostomia

Drenagem Jejunostomia
Figura 5.23 Conduta nas lesões de esôfago abdominal.

FERIMENTOS DA ZONA DE podendo ser indicada ainda uma videolaparos-


copia diagnóstica.
TRANSIÇÃO TORACOABDOMINAL
Devem ser investigados para excluir lesão de A melhor indicação da laparoscopia no
diafragma que está associado em 40% das trauma são naqueles ferimentos tangenciais
vezes. Se houver saída de epíplon pelo orifí- toracoabdominais ou em flanco, em pacientes
cio torácico ou presença de peritonite, o diag- estáveis hemodinamicamente, quando existe
nóstico está confirmado e o paciente deverá dúvida da penetração da cavidade peritoneal
ir à laparotomia exploradora. Entretanto, visando evitar laparotomias desnecessárias.
se o paciente estiver estável, com pouca ou Lembre-se que nas vítimas hemodinamica-
nenhuma sintomatologia, o mesmo deverá mente instáveis a laparoscopia e a tomogra-
ser submetido à tomografia computadorizada, fia estão contraindicadas.

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72 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Os ferimentos penetrantes da transição tora- limpeza do espaço pleural, seguida de drena-


coabdominal são aqueles entre a linha inter- gem adequada, diminui os riscos de complica-
mamilar anteriormente (4º EIC) até o final ções pleuropulmonares no pós-operatório.
do rebordo costal e o 7º EIC posteriormente
O uso da videotoracoscopia (VT) é uma alter-
(ângulo da escápula). Os pacientes que se apre-
nativa na suspeita de ferimento diafragmático
sentam com desconforto respiratório após
para os pacientes que já tiveram invasão da
trauma abdominal fechado podem ter vísceras
pleura por ferimento traumático cujo tórax já
herniadas ao espaço pleural esquerdo, provo-
foi drenado. O problema da videotoracoscopia
cando desconforto respiratório importante. A
é que ela não pode visualizar a cavidade abdo-
drenagem pleural esquerda no 5º EIC deverá
minal. Nesse sentido, a laparoscopia no trauma,
ser urgente, com o importante detalhe técnico
antes muito temida por alto índice associado
de explorar o espaço pleural digitalmente antes
de lesões despercebidas, agora mostra-se pro-
de se introduzir o dreno tubular. Ao se suspei-
cedimento efetivo no diagnóstico de lesões
tar de víscera abdominal no espaço pleural, a
traumáticas por ferimento penetrante quando
introdução do dreno deve ser realizada cau-
empregada em protocolo racional, utilizando-
telosamente, de modo a se evitar lesão iatro-
-se de pronta conversão para a laparotomia na
gênica. A passagem de SNG se faz necessária
presença de ferimentos aos “pontos cegos do
para descompressão gástrica e melhora da
abdome” (hematoma retroperitoneal de zona I,
ventilação pulmonar.
II ou III, ferimentos em segmento hepático VI e
Ainda como adjunto ao exame primário, deve- VII, lesão na parte posterior do baço e ferimen-
-se fazer uma radiografia de tórax para confir- tos de cólon) conforme publicado por Kawahara
mação da posição do dreno pleural, sinais de Alster no Journal of Trauma em 2009. Cabe
hérnia diafragmática e avaliação de expansão salientar que esse protocolo, padronizado em
pulmonar. A presença da SNG no mediastino nível mundial, foi proposto por brasileiros do
no raios X de tórax simples confirma a lesão. HCFMUSP. Além disso, a laparoscopia também
já foi descrita para autotransfusão e para cor-
Mesmo com a evolução tecnológica, ainda
reção de lesões cardíacas no tórax. Esse proto-
podem existir dúvidas da penetração da cavi-
colo demonstrou que o diagnóstico de lesões
dade peritoneal. Nesse contexto, surgiu a lapa-
de intestino delgado tem acurácia de 100%, mas
roscopia no trauma que visa avaliar a ocor-
a laparoscopia deverá ser contraindicada para
rência de penetração na cavidade abdominal,
uso no trauma retroperitoneal e no paciente
sendo importante como técnica diagnóstica e
hemodinamicamente instável.
também terapêutica em casos selecionados
(ferimentos parenquimatosos de fígado, baço; • Toracotomia no trauma de tórax
ferimentos de estômago e diafragma). O uso Os traumatismos torácicos são, em sua maio-
da laparoscopia será discutido no capítulo de ria (80% dos casos), tratados por procedimen-
trauma abdominal. tos simples e medidas conservadoras. Todavia,
Na ausência de serviço de laparoscopia, o 2030% dos ferimentos penetrantes tem indica-
paciente deverá ir à laparotomia exploradora ção de toracotomia.
para avaliação de penetração da cavidade
abdominal.
Uma vez realizado o diagnóstico de lesão dia-
TORACOTOMIA DE REANIMAÇÃO
fragmática, devem ser avaliados no intraopera- Uma das novidades da edição 10 do ATLS é a
tório a presença de hemotórax e o grau de con- ampliação das indicações da toracotomia de
taminação por conteúdo extravasado do tubo reanimação no trauma. Se antigamente a indi-
digestivo aspirado ao espaço pleural. A ampla cação clássica eram ferimentos perfurantes

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 73

em zona de Ziedler que evoluíam para ativi- para ida ao centro cirúrgico ou, até mesmo, para
dade elétrica sem pulso presenciada, agora a realização de exames complementares, a não
essa indicação é muito mais ampla. De acordo ser que essas etapas tenham sido realizadas
com a atualização de 2017, todos os traumas, antes da parada cardiorrespiratória.
sejam eles contusos ou perfurantes que evo-
luem para parada cardiorrespiratória devem
ser tratados de acordo com a seguinte ordem TORACOTOMIA DE EMERGÊNCIA
de atendimento:
Os pacientes candidatos a esse tipo de proce-
• Intubação orotraqueal, ventilação com dis- dimento são aqueles hemodinamicamente ins-
positivo bolsa-válvula-máscara com reser- táveis: em choque profundo, sem parada cardí-
vatório, acesso venoso com reposição volê-
aca. Nesses casos, toracotomia de reanimação
mica + drogas segundo o protocolo ACLS
obviamente não se aplica. É necessário trata-
e massagem cardíaca externa. Se houver
mento para coibir a hemorragia intratorácica.
retorno da circulação espontânea segue-se
a rotina habitual de abordagem ao trauma, O diagnóstico do local de sangramento só é
porém caso não haja retorno da circulação obtido durante a cirurgia. Não há tempo para
espontânea; obter o diagnóstico por meio de exames. Pode
• Toracostomia descompressiva bilateral, se ser difícil decidir sobre a via de acesso se a
houver retorno da circulação espontânea fonte de sangramento ainda não foi diagnos-
conclui-se a drenagem torácica bilateral e ticada. É preciso usar uma via que permita
segue-se a rotina habitual de tratamento, rápido acesso aos órgãos suspeitos de causar
porém caso não haja retorno da circulação o sangramento.
espontânea; Nos ferimentos penetrantes, a toracotomia
• Realiza-se a toracotomia anterolateral deve ser direita ou esquerda, conforme o hemi-
esquerda com os seguintes objetivos: tórax comprometido. A decisão fica mais difícil
• Pericardiotomia vertical com liberação de quando o ferimento é transfixante no medias-
tamponamento cardíaco, se houver; tino. Nesses casos, é preferível a toracotomia
anterolateral esquerda, pois esta via permite
• Rafia/hemostasia de lesões do miocárdio se
acesso à maioria dos órgãos responsáveis por
houverem;
hemorragia: coração e grandes vasos. São raras
• Hemostasia de lesões intratorácicas se hou- as situações em que esta via não permite tratar
ver necessidade; a lesão. Se isto acontecer, deve-se ampliar a inci-
• Clampeamento da aorta descendente, rea- são via esternotomia transversal. Assim, pode-
lizando o controle do sangramento abaixo -se alcançar o lado oposto do tórax através de
do diafragma se houver e represando o uma toracotomia bilateral.
fluxo sanguíneo no segmento superior,
priorizando-se, dessa forma, coração, cére-
bro e pulmões; TORACOTOMIA DE URGÊNCIA
• Massagem cardíaca interna. Os candidatos a este tipo de toracotomia são os
Caso não haja retorno da circulação espontânea pacientes hemodinamicamente estáveis. Nesses,
há tempo hábil para realizar exames subsidiários
após 30 minutos o fluxograma determina o óbito
e, portanto, tentar firmar o diagnóstico definindo-
da vítima; caso haja vítima, ela deve ser levada ao
-se assim o melhor acesso e estratégia cirúrgica.
tratamento cirúrgico definitivo imediatamente.
Raios X, endoscopia, arteriografia, TC, videotora-
A toracotomia de reanimação muitas vezes ocorre coscopia são exames que permitem confirmar o
na sala de emergência não havendo tempo hábil diagnóstico, sendo realizados principalmente em

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74 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

função do mecanismo do trauma, não pelos sin- rebaixamento de brônquio esquerdo (rotura
tomas dos pacientes. traumática da aorta). Visualizar se não há pre-
Na toracotomia de urgência, não há dificulda- sença de pneumomediastino em linha tênue
des para escolher a via de acesso, pois a lesão lateralmente à traqueia;
já é conhecida. Além disso, a maior disponibili-
C. Respiração: avaliar parênquima pulmonar:
dade de tempo para o atendimento ao trauma-
observar se a trama vascular vai até a periferia
tizado permite a chegada de um especialista.
(PTX aparece preto no raios X e denota ausên-
cia de trama vascular); avaliar recessos costo-
VIDEOTORACOSCOPIA frênicos se estão velados ou há deslocamento
medial sugerindo presença de hemopneumo-
Para os pacientes portadores de hemotórax, tórax. Avaliar presença de infiltrações e opaci-
pneumotórax ou hemopneumotórax traumá-
dades sugestivas de contusão pulmonar pela
tico, quando a drenagem pleural não for eficaz
história do trauma.
(são poucos os casos) o próximo passo é a vide-
ocirurgia, logo, é tratamento de exceção. • Coração: avalie o mediastino superior em
Em relação ao ferimento da transição toraco- busca de alargamento de mediastino (> 8 cm)
abdominal, uma área de difícil avaliação, parti- ou apagamento do cajado aórtico (sinal mais
cularmente no trauma penetrante e em espe- confiável na rotura traumática da aorta); rever
cial no diagnóstico de lesão diafragmática, a se não há nenhum pneumomediastino. No
videocirurgia é um método excelente, seja por mediastino inferior, considerar alteração na
via toracoscópica ou laparoscópica. silhueta cardíaca (pneumomediastino) e sus-
Quando o ferimento está localizado no tórax e peita de insuficiência cardíaca (índice de área
há derrame pleural, dê preferência à toracos- cardíaca > 0,5).
copia. Caso se constate lesão diafragmática, • Diafragma: avaliar se não existe nível
complemente com videolaparoscopia.
hidroaéreo no tórax, elevação da cúpula
diafragmática ou presença de pneu-
moperitônio (observe lâmina de ar à
PECULIARIDADES DA ANÁLISE esquerda); localização de bolha gástrica.
DA RADIOGRAFIA DE TÓRAX • Esqueleto: analisar possíveis fraturas de cla-
Da mesma maneira como existe a sequência vícula, escápula, costelas e esterno.
ABCDE no atendimento ao politraumatizado, • (fat) subcutâneo: procurar evidência de
existe uma padronização da visualização do enfisema subcutâneo e deslocamento ou
raios X de tórax, a saber: interrupção de planos teciduais.
A. Verificar se o raios X realmente é do paciente; • (guides and tubs) guias e tubos: analisar
B. Via aérea: avaliar traqueia e brônquios: posição de tubo endotraqueal, drenos de
desvio de traqueia para direita (PTX ou rotura tórax, cateteres venosos centrais, sonda
traumática da aorta) ou para a esquerda nasogástrica e outros dispositivos e obje-
(PTX ou lesão de artéria inominada) e ou tos de maneira geral.

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6
CAPÍTULO 6
TRAUMA ABDOMINAL

INTRODUÇÃO Objetos que transfixam a cavidade abdominal


devem ser mantidos e estabilizados durante a
O trauma abdominal é frequentemente encon-
avaliação primária e só devem ser removidos
trado no paciente politraumatizado. O mesmo
após o estabelecimento de um plano de ação,
trata-se de um comprometimento com mor-
muitas vezes já na sala de cirurgia.
talidade global de 7,7% e de alta prioridade na
abordagem tenho em vista a importância vital
dos órgãos e estruturas abdominais.
TRAUMA FECHADO (CONTUSO)
Durante a avaliação primária do trauma abdo-
Ocorre por impacto direto do abdômen
minal fechado deve ser seguida a mesma sequ-
podendo causar compressão ou esmaga-
ência de prioridades previamente estabele-
mento de vísceras abdominais ou da pelve,
cida pelo ATLS. Uma via aérea pérvia deve ser
ocasionando, por vezes, rupturas, hemorra-
garantida; a ventilação deve ser adequada. Na
gias, contaminação por conteúdo intestinal e
avaliação da circulação o médico deve conside-
consequente peritonite.
rar que o abdome é uma importante fonte de
sangramento. O FAST pode ser uma ferramenta Os órgãos frequentemente acometidos são:
útil durante a avaliação primária para avaliar a • Baço: 40-55%;
presença de líquido livre na cavidade abdomi-
• Fígado: 35-45%;
nal. Se o FAST não se encontra disponível, um
lavado peritoneal com a aspiração de 10ml ou • Retroperitônio: 15%;
mais de sangue também indicam a presença de • Intestino delgado: 5-10%.
sangramento intra-abdominal.

Além disso, pacientes com peritonite tem indi-


ÓRGÃOS MAIS LESADOS
cação de laparotomia exploradora, para avaliar
a possibilidade de lesão de víscera oca e ou
POR FAB:
sangramento. Os pacientes com trauma abdo- Os ferimentos por arma branca (FAB) geral-
minal contuso sem peritonite e estáveis hemo- mente envolvem os seguintes órgãos:
dinamicamente, devem ser submetidos a uma
• Fígado: 40%;
tomografia computadorizada com contraste
• Intestino delgado: 30%;
para avaliação intra-abdominal.
• Diafragma: 20%;
O mecanismo de trauma deve ser avaliado e
• Cólon: 15%.
pode guiar à suspeita da lesão intra-abdominal.
No trauma contuso, por exemplo, o órgão mais
acometido é o Baço; já nos ferimentos pene-
trantes por arma branca, as lesões de Fígado
ÓRGÃOS MAIS LESADOS POR FAF:
são mais prevalentes; os ferimentos por arma Os ferimentos por arma de fogo (FAF) podem
de fogo, por sua vez, acometem mais frequen- causar lesões intra-abdominais adicionais
temente o intestino delgado. em decorrência de sua trajetória, efeito da

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76 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

cavitação e da possível fragmentação do proje- capaz de avaliar todas as zonas abdominais,


til, uma combinação de mecanismos penetran- tampouco tratar todas as possíveis lesões intra-
tes e não penetrantes deve ser consideradas. -abdominais. Entretanto, nos pacientes estáveis
Os órgãos comumente acometidos são: hemodinamicamente para os quais existe a
dúvida quanto a violação a cavidade abdominal
• Intestino delgado 50%;
é possível realizar a laparoscopia diagnóstica.
• Cólon 40%;
Àqueles pacientes submetidos a este procedi-
• Fígado 30%; mento e que identifica-se integridade da cavi-
• Lesões vasculares 25%. dade abdominal, podem ser liberados para casa
após a recuperação anestésica.

O Sabiston coloca ainda como opção para o


TRAUMA PENETRANTE
paciente hemodinamicamente estável a possi-
O trauma abdominal é definido como pene- bilidade da exploração asséptica da ferida. Um
trante quando existe violação da fáscia
procedimento estéril pode ser realizado com
abdominal anterior ou posterior. O trauma
o objetivo de explorar cirurgicamente a ferida
fechado é mais comum em países desenvol-
e definir se houve ou não violação da fáscia
vidos, ao passo que as agressões por armas
aponeurótica. A tomografia computadorizada
brancas ou projéteis de arma de fogo são mais
também pode ser útil nesses doentes, porém a
comuns nos países em desenvolvimento e sub-
desenvolvidos. mesma não é um bom parâmetro para avaliar
a presença de lesões em vísceras ocas.
Repare que 90% dos FAF resultam em penetra-
ção da cavidade abdominal com lesões intra-
-abdominais importantes. Em comparação,
ANATOMIA
apenas 30% dos FAB apresentam lesões intra-
peritoneais associadas. Qualquer paciente O estudo da anatomia da cavidade abdominal
deverá ir à exploração cirúrgica da cavidade é importante para presunção das lesões intra-
peritoneal desde que apresente: -abdominais baseadas no local do abdome
• Alterações hemodinâmicas; acometido.

• Ferimentos por projétil de arma de fogo Dentre os limites anatômicos da cavidade


com uma trajetória transperitoneal; abdominal podemos destacar:
• Sinais de irritação peritoneal; • Parede abdominal anterior: entre o
• Sinais de penetração da fáscia. rebordo costal no limite superior, ligamen-
Cerca de 33% dos ferimentos penetrantes tos inguinais e sínfise púbica inferiormente,
não atingem a cavidade abdominal. É nesse e às linhas axilares anteriores nas laterais.
contexto que a laparoscopia no trauma vem Ferimentos localizados dentro destes limi-
para avaliar melhor a possibilidade de pene- tes anatômicos podem envolver a maioria
tração da cavidade peritoneal em pacientes das vísceras ocas da cavidade abdominal;
estáveis com o grande objetivo de evitar • Flancos: zona entre as linhas axilares ante-
laparotomias desnecessárias e a comorbi- rior e posterior (limite superior desde os
dade relacionada a esse procedimento (tema rebordos costais no 6º EIC até limite inferior
discutido a seguir). nas cristas ilíacas). Esta região encontra-se
A laparoscopia nesse paciente pode ser indicado protegida (principalmente contra ferimen-
frente à dúvida quanto à violação da cavidade tos por armas brancas) por uma espessa
abdominal. É sabido que a laparoscopia não é camada muscular;

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 77

• Região dorsal: área entre as linhas axilares ANATOMIA INTERNA DO


posteriores, desde as pontas das escápu- ABDOME
las até as cristas ilíacas. Esta região tam-
Entenda que o abdome possui três comparti-
bém encontra-se parcialmente protegida
mentos:
por camadas musculares. Nela se locali-
zam algumas estruturas retroperitoneais, • Cavidade peritoneal;
tais como, a aorta abdominal, veia cava • Cavidade pélvica;
inferior, rins e parte do duodeno. Lesões
• Cavidade retroperitoneal.
nesta região são de diagnostico mais difí-
É importante saber essa classificação tendo
cil e por vezes tardio, isto porque a região
não possibilita o exame físico adequado e em vista que durante uma expiração profunda,
também porque as lesões neste local não o diafragma pode elevar-se até o 4º EIC e fratu-
costumam cursar com sinais de peritonite ras nas costelas inferiores abaixo da linha do
precocemente; mamilo podem causar lesões de vísceras abdo-
minais.
• Região toracoabdominal ou abdome
intratorácico: vai desde a linha interma- Estruturas que estão no espaço retroperito-
milar até o final do rebordo costal ante- neal:
riormente no 4º EIC, 6º EIC lateralmente no
• Aorta e cava;
flanco e 8º EIC posteriormente. Esta região
• Duodeno;
varia anatomicamente durante o ciclo venti-
latório, sendo que na expiração completa o • Cólon ascendente e descendente ( f a c e s
diafragma se eleva até o nível do 4º EIC e na posteriores);
inspiração desce; lesões nessa localidade • Rins, pâncreas e ureter;
podem atingir tanto estruturas da cavi- • Componentes retroperitoneais da cavidade
dade abdominal, quanto da cavidade torá- pélvica.
cica, sendo que a fase do ciclo ventilatório
É fundamental entender essas peculiarida-
influencia na dinâmica da lesão.
des sobre o retroperitônio porque muitas das
As vísceras intraperitoneais são mais lesadas nos lesões nessa região não mostram sinais de irri-
ferimentos anteriores, já as retroperitoneais nos tação peritoneal, nem peritonite.
traumas posteriores. A necessidade de trata-
mento operatório é maior nos ferimentos ante-
riores e menor nos posteriores. A apresentação
AVALIAÇÃO
clínica é diferente, sendo os sinais de peritonite
mais frequentes nas lesões da parede anterior.
A avaliação diagnóstica depende da região em
HISTÓRIA
análise, sendo os métodos de imagem (TC) mais
O paciente, quando consciente, é quem
sensíveis no diagnóstico das lesões.
melhor presta essa informação. O pessoal
do resgate e a polícia também podem forne-
Os ferimentos de parede anterior necessi-
cer detalhes importantes: a cinemática do
tam de menor energia cinética para ocorrer
trauma, uso de dispositivos de segurança
porque é mais delgada em relação à região
(cinto de segurança de duas ou três pontas,
posterolateral do abdome e o dorso (prote-
airbag), óbitos no local, posição no carro, se
gido pelos músculos paraespinhais) em que
ficou preso nas ferragens, tempo até chegada
os músculos agem como importante barreira
de proteção à traumas. no hospital (delta t) e se houve perda total
do carro. A distância do trauma penetrante

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78 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

também é fator fundamental a saber porque a) Sinais vitais;


FAF com distância > 3 m diminui a probabili- b) Lesões óbvias ao exame físico;
dade de lesões viscerais.
c) Resposta do doente às medidas terapêu-
O paciente hipotenso precisa ser adequada- ticas.
mente avaliado quanto à causa da hipotensão, Tratando-se de trauma penetrante é funda-
se realmente o foco hemorrágico é abdomi- mental saber:
nal. Fraturas podem sangrar muito, sobretudo
• Tipo de arma (FAB, FAF, qual calibre);
as pélvicas (> 2 L) e fraturas de fêmur (1,5 L),
podendo confundir a avaliação. • Distância entre a vítima e o agressor;
• Número de facadas (FABs);
A reavaliação no trauma, através do exame
físico seriado realizado por um mesmo • Intensidade da dor abdominal, sinais como
médico, tem a mesma sensibilidade para irradiação para o ombro (sinal de Kehr na
indicação de laparotomia do que uma TC de rotura esplênica).
duplo ou triplo contraste! Portanto, reavalie
o paciente. CARACTERÍSTICAS DOS
FERIMENTOS POR PROJÉTIL
Nos ferimentos causados por projéteis, além
da distância do disparo (distância menor de 3
m, maior o dano), temos:
Orifício de entrada: é menor do que o de saída;
geralmente tem formato oval, redondo ou, por
vezes, em fenda. Os tiros à distância apresen-
tam apenas zona de contusão e enxugo. Nos
disparos à queima-roupa (curta distância),
além das características peculiares a todas as
distâncias de tiro (contusão e enxugo), ainda
poderá existir uma orla de queimadura e a
Figura 6.1 sinal do cinto de segurança: as marcas na pele evidenciam a clássica área de tatuagem e esfumaçamento;
síndrome do cinto de segurança, comprovadas pela presença de eritema.
Equimoses violáceas e escoriações em faixa também podem prognosticar
lesões internas por explosão ou cisalhamento de vísceras ocas (duodeno e Buraco de mina de Hoffman: encontrado em
ceco), bruscamente comprimidas contra a coluna dorsal. Fraturas de Chance
na coluna, lesões de pâncreas e ureter também vêm sendo descritas e rela- marcas de FAFs encostados nas têmporas ou
cionadas com esse mecanismo de trauma.
na mastoide. Por sua vez, os tiros encostados,
Em vítimas de trauma automobilístico é impor- principalmente quando feitos sobre áreas
tante estimar: teciduais de grande densidade (osso), causam
• A velocidade do veículo; intensa destruição sob a superfície tegumen-
• Tipo de colisão; tar, em razão da rápida e poderosa expansão
dos gases. Projéteis de grande massa e baixa
• Se houve destruição grave do veículo, com
velocidade (calibres 38, 44 e 45) produzem
intrusão de partes do veículo no comparti-
grande área de destruição, porém não muito
mento do passageiro etc.;
profunda, enquanto os FAFs de alta velocidade
• Se houve ejeção (alta energia cinética); (calibre 7.62) causam grande e profunda des-
• Uso de dispositivos de restrição (airbags); truição tecidual, diretamente proporcionais à
• Condições dos outros ocupantes, morte na densidade do tecido atingido;
cena. Orifício de saída: tem maior diâmetro que o
Os integrantes do grupo de resgate devem for- de entrada. O contorno é irregular e as bordas
necer informações sobre: geralmente encontram-se viradas para fora.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 79

Não exibe nenhuma das zonas características AUSCULTA


do orifício de entrada.
Apesar da dificuldade inerente aos ruídos
excessivos da sala de emergência, o abdome
EXAME FÍSICO deve ser auscultado para a avaliação dos ruí-
A verificação abdominal deverá ser feita no dos hidroaéreos (RHA). A presença de sangue
exame secundário após o exame primário ter ou conteúdo intestinal pode levar ao íleo para-
sido realizado (ABCDE) e exames adjuntos ao lítico ou adinâmico, resultando na ausência
exame primário (raios X de tórax AP, coluna dos RHA. Entretanto, a ausência de RHA não é
cervical perfil C1T1, pelve AP) tenham sido soli- diagnóstica de lesões intra-abdominais. O íleo
citados e avaliados conforme o caso. também pode ocorrer em consequência de
traumas extra-abdominais, como fraturas de
INSPEÇÃO costelas, coluna ou pelve.

O paciente deve estar completamente despido.


As faces anterior e posterior do abdome, o tórax
PERCUSSÃO
inferior e o períneo devem ser inspecionados
A percussão do abdome tem por objetivo ava-
em busca de escoriações, contusões, lacerações
liar os sons oriundos da manobra de percus-
e ferimentos penetrantes. O paciente deve ser
são digito digital. Esta manobra também pode
cuidadosamente rolado para permitir o exame
determinar a existência de irritação peritoneal.
completo do dorso, ou seja, tanto o abdome
O abdome é formado em sua maior parte por
anterior como o posterior, incluindo o períneo.
vísceras ocas. Dessa forma, durante o exame
Lembre-se de que as fases de avaliação e reani-
espera-se encontrar como resultado um som
mação iniciais já foram realizadas.
timpânico. A presença de som maciço ao
Atenção: a técnica de rolamento ideal exige exame em áreas onde predominam vísceras
a presença de 4 pessoas, sendo 3 para a exe- ocas pode indicar líquido intra-abdominal, em
cução do movimento e 1 para a avaliação. O um paciente traumatizado este achado pode
primeiro examinador estabiliza a cervical e indicar um hemoperitônio. Já em locais com
comanda a contagem para o movimento, o
vísceras maciças como o fígado, por exemplo,
segundo realiza a rolagem a partir da cintura
espera-se um som de macicez, a presença de
escapular e pélvica e o terceiro realiza a rola-
timpanismo no hipocôndrio direito (Sinal de
gem a partir da cintura pélvica e dos mem-
Jobert) pode indicar um pneumoperitônio (ar
bros inferiores, sendo que os braços dos dois
na loja hepática).
últimos se cruzam, aumentando ainda mais a
estabilidade do movimento.
PALPAÇÃO
A palpação abdominal fornece informações
subjetivas e objetivas. As primeiras consis-
tem na avaliação, pelo próprio paciente, da
localização e intensidade da dor. A dor inicial-
mente é de origem visceral e com localização
imprecisa. Aumento voluntário da tensão da
parede abdominal resulta do medo de sentir
dor e pode não corresponder à lesões visce-
Figura 6.2 Técnica de rolamento de vítimas em decúbito dorsal. rais significativas.

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80 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Por outro lado, um aumento involuntário da o mesmo não trata-se de um bom exame para
tensão da musculatura é um sinal fidedigno excluir a lesão uretral.
de irritação peritoneal, sendo que essa alte-
De qualquer forma, o toque retal continua
ração pode, por vezes, ser visualizada apenas
como um exame indicado na avaliação secun-
durante a manobra de palpação profunda
dária para casos selecionados, porém não com
seguida de descompressão brusca (DB).
função de definir a segurança da sondagem
Através da palpação podemos encontrar sinais vesical como antigamente. No paciente com
de irritação peritoneal por hemoperitônio e fratura de bacia, equimose perineal, uretrorra-
secreções do trato gastrintestinal na cavidade, gia, ou outros sinais clínicos de lesão uretral,
bem como estabelecer diagnóstico de útero
uma uretrocistografia retrógrada deve ser rea-
gravídico, estimar a idade do feto e identificar
lizada antes do cateterismo vesical. Essa con-
a presença de alterações anatômicas tais como
duta também é válida para aqueles pacientes
massas, por exemplo.
cujo toque retal é alterado.

TOQUE RETAL Ou seja, o toque retal não é um bom exame para


O toque retal é um item importante da avaliação a decisão da passagem da sonda vesical, porém
secundária do abdome e pode ser realizado antes ele contraindica o procedimento caso alterado.
da introdução de uma sonda vesical de demora.
Os objetivos básicos do toque retal nos traumas AVALIAÇÃO DE FERIMENTOS PENETRANTES
penetrantes são: detecção da presença de san- Atenção para este assunto, pois se trata de
gue na luz intestinal (indicativa de perfuração uma sutil alteração no texto trazido pelo
intestinal) e avaliação do tônus do esfíncter anal, ATLS 10. Cerca de 55-60% dos ferimentos
para estimar a integridade da medula espinhal. por arma branca no abdome apresentarão
Após um trauma abdominal fechado, a parede sinais inequívocos de indicação de lapa-
do reto também deve ser examinada na tentativa rotomia exploradora de emergência, tais
de palpar fragmentos ósseos (fratura de bacia) e como peritonite, hipotensão, evisceração
para avaliar a posição da próstata. A próstata ele- de epíplon ou de alças intestinais. Porém,
vada e flutuante sugere a possibilidade de rotura
nos demais pacientes vítimas de ferimento
da uretra posterior. A presença de crepitação ao
por arma branca, cujo peritônio anterior foi
toque revela pneumo-retroperitônio, sugerindo
violado, cerca de 50% necessitariam de uma
rotura de estruturas retroperitoneais como duo-
laparotomia e emergência.
deno ou parede posterior de cólon ascendente
ou descendente. A alteração no texto dá-se no contexto de
identificar a violação da aponeurose ante-
A partir de 2008 o ATLS coloca o toque retal
rior. Até o ATLS 9 o exame físico era trazido
como um advento semiológico não obrigatório
como um importante aliado na identificação
na avaliação secundária, indicando o exame
como um importante aliado no exame físico, da violação da cavidade abdominal, porém o
porém para casos indicados. Além disso, a texto do ATLS 10 não coloca mais o exame
indicação de uma sondagem vesical segura, físico como um determinante desta lesão,
que era baseada na ausência do deslocamento ele traz como opções menos invasivas no
cranial da próstata durante o toque retal, a seguimento desses pacientes o exame físico
partir desse marco passou a basear-se na seriado por um período de 24 horas (com ou
ausência de hematoma perineal, uretrorragia sem exames complementares), lavado peri-
ou outros sinais clínicos de lesão uretral e não toneal diagnóstico, a tomografia computa-
mais no toque retal, visto que, segundo o ATLS, dorizada e a laparoscopia diagnóstica, sendo

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 81

esta ultima realizada com o objetivo de veri-


ficar a violação da aponeurose.
Em ferimentos tangenciais toracoabdominais
A mesma atualização traz o FAST como uma e em flanco, sejam FABs ou FAFs, em pacien-
possibilidade para estes casos, porém apenas tes hemodinamicamente estáveis, na dúvida
na positividade do exame, visto que um FAST da penetração da cavidade peritoneal uma
negativo não exclui lesões viscerais que não laparoscopia pode ser realizada.
resultem em grande quantidade de líquido
livre no abdome, como lesões de segmentos
intestinais, por exemplo. Historicamente, a laparoscopia no trauma
Lembrando que esses arsenais terapêuticos tinha um alto índice de lesões despercebidas
devem ser utilizados em vítimas hemodinami- intestinais com cerca de 80% dos ferimen-
camente estáveis e que em vítimas de ferimento tos sendo corretamente diagnosticados.
por arma branca no abdome que tenham instabi- Entretanto, por haver essa discrepância na
lidade hemodinâmica têm indicação de laparoto- literatura, em recente publicação no Journal
mia exploradora de emergência. of Trauma 2009, Kawahara Alster demons-
traram que quando um protocolo racional,
O ferimento penetrante é aquele que ultra- fidedigno e reprodutível de laparoscopia no
passou a aponeurose anterior do abdome. A trauma é empregado, as lesões intestinais
laparoscopia diagnóstica é um bom exame são diagnosticadas em 100% das vezes em
para identificar a violação da cavidade abdo- pacientes selecionados.
minal em vítimas de FAB com estabilidade
hemodinâmica. Atualmente, a laparoscopia é procedimento
efetivo no diagnóstico de penetração da cavi-

É importante ressaltar a divergência de lite- dade peritoneal e lesões traumáticas por feri-
raturas, visto que a vigésima edição do Sabis- mento penetrante. Há de se entender que
ton Textbook of Surgery, ainda traz a avalia- várias lesões intestinais passavam desperce-
ção da ferida como uma importante aliada bidas porque antigamente não se fazia o cor-
na avaliação dos ferimentos por arma branca rer de alças por laparoscopia que foi o grande
(isto frente à baixa energia envolvida nessas objetivo da padronização dos procedimen-
lesões). Segundo a vigésima edição do Sabis- tos laparoscópicos desse trabalho também
ton, os pacientes vítimas de arma branca, citado no ATLS.
sem sinais de peritonite, evisceração ou
choque devem ter a ferida explorada, frente O trabalho demonstrou que na ocorrência de
à confirmação de integridade da cavidade traumas penetrantes existem “pontos cegos
abdominal o paciente pode receber alta para no abdome” para a laparoscopia que se asso-
a residência. Os demais pacientes, segundo ciam ao alto índice de lesões despercebidas. A
o fluxograma, deverão ser submetidos à evidência de ferimentos penetrantes nos pon-
uma avaliação clínica e laboratorial seriadas tos cegos do abdome é indicação de conversão
e poderão ou não ser submetidos à exames para laparotomia exploradora.
tomográficos, lavado peritoneal diagnóstico,
laparotomia exploradora ou até mesmo à Eis os pontos cegos: (hematoma retroperito-
laparoscopia diagnóstica, sendo esta última neal de zona I, II ou III, ferimentos em segmento
com o principal objetivo de descartar a inva- hepático VI e VII, lesão na parte posterior do
são da cavidade abdominal. baço e ferimentos de cólon).

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82 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

A B
FAB Toracoabdominal ou em flanco
Penetração da cavidade peritonial?
FAF ou FAB ABDOMINAL
(Paciente Estável)

Considere
Estável Instável
Toracoabdominal Tangencial Abdominal
(central)
FAST + Cristaloides TORACOTOMIA
Laparotomia
LPD Laparoscopia

- Laparoscopia Pontos Cegos:


-Hematoma retroperitonial
(I, II e III); NÃO Penetração SIM
Alta -
-Parede post. do baço; Peritonial
-Segmento VI e VII do
SIM PONTOS CEGOS:
Lesão fígado.
Parenquimatosa -Lesão do cólon -Hematoma retroperitonial
Lesão (I, II, III);
Estômago
Parenquimatosa -Parede post. do baço;
Diafragma Alta Estômago -Segmento VI e VII do
Diafragma fígado.
- Lesão de cólon
"Bowel running" INSUCESSO "Bowel runnig"
+ LAPAROTOMIA +
Laparoscopia Insucesso
Laparoscopia
Terapêutica Terapêutica

Figura 6.3 Algoritmo de indicação de laparoscopia no trauma. Adaptado de Kawahara & Alster et al. Standard
Examination system for laparoscopy in penetrating abdominal trauma. J Trauma 2009; 67(3):589-595.

AVALIAÇÃO DA ESTABILIDADE identificada no exame físico. Toque retal pode


PÉLVICA revelar hematoma pélvico com a próstata
deslocada superiormente, embora em alguns
A compressão normal das espinhas ilíacas casos um hematoma tenso lembre a próstata
antero-superiores ou cristas ilíacas pode reve- no exame físico. Não se observa desloca-
lar deslocamento anormal dos ossos ou ainda mento superior da próstata se os ligamentos
despertar dor. Se a pelve permanecer estável,
puboprostáticos e o diafragma urogenital per-
procede-se à tração das espinhas ilíacas ante-
manecem íntegros.
riores. Em vítimas de traumatismo de tronco,
tais achados sugerem fratura pélvica. Esse No caso das lesões de uretra anterior, em geral
exame não deve ser repetido porque tal mano- existe uma história de queda ou de instrumen-
bra pode piorar a hemorragia. tação uretral. Pacientes se queixam de dor
perineal e frequentemente apresentam hema-
TOQUE VAGINAL toma perineal em “asa de borboleta”. Com
extravasamento de urina, também pode ocor-
Lacerações da vagina podem ser oriundas de
traumas penetrantes ou a fragmentos ósseos rer edema súbito do períneo. O hematoma
de fraturas pélvicas, o exame vaginal só deverá pode estar restrito à haste do pênis quando
ser realizado quando suspeita de lesão como, a fáscia de Buck está íntegra. Quando ela se
por exemplo, laceração perineal complexa, fra- rompe, o hematoma é contido pela fáscia de
tura pélvica ou ferida transpélvica por projétil Colles, estendendo-se ao escroto, períneo e
de arma de fogo. até à parede abdominal.

EXAME DO PÊNIS E REGIÃO EXAME DA REGIÃO GLÚTEA


ESCROTAL
A região glútea é o espaço que compreende
A presença de sangue no meato uretral deve as cristas ilíacas até as pregas glúteas. Os feri-
levantar a suspeita de laceração da uretra, bem mentos penetrantes nessa região são acom-
como hematomas ou equimoses no períneo. panhados de lesões intra-abdominais signifi-
Sangue no meato uretral (uretrorragia) é o cativas em 50% dos casos, incluindo trauma
sinal mais importante de lesão na uretra. de reto abaixo da reflexão peritoneal e vasos
Em geral, fratura pélvica também pode ser ilíacos e seus ramos.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 83

SONDAGENS (marrom). Nesses casos de rabdomiólise, o


débito urinário deve ser mantido em 100 mL/h
A inserção de sondas gástricas e urinárias é como discutido no capítulo de queimaduras.
realizada como exame adjunto ao exame pri-
Cuidado: antes da introdução da SVD, examine
mário durante a fase de reanimação.
o reto e os genitais, elevação da próstata ao
toque retal e a presença de sangue no meato
SONDAGEM NASOGÁSTRICA (SNG)
uretral ou de hematomas escrotais ou perineais
Tem finalidade diagnóstica e terapêutica. O obje- contraindicam o procedimento. Frente à esses
tivo principal é o esvaziamento do conteúdo gás- sinais, é indicada uma uretrocistografia retró-
trico, reduzindo a pressão e volume do estômago grada que confirme a integridade da uretra.
e a possibilidade de broncoaspiração. A presença
de sangue nas secreções aspiradas, excluída uma Uma vez existindo a contraindicação da SVD,
fonte nasofaringeana de hemorragia, sugere é importante a realização da uretrocistogra-
lesão alta do trato gastrintestinal (TGI). fia para diagnóstico de lesões de uretra ou
bexiga extraperitoneal e intraperitoneal.
Cuidado: na presença de fraturas de face ou
sinais de fratura de crânio (sinal do guaxinim,
Confirmada a lesão da uretra, é fundamental que
sinal da batalha, sinal do duplo halo), a sonda
se faça uma cistostomia, sendo mais seguro a
gástrica deve ser introduzida via oral para pre-
inserção guiada por ultrassom ou por via laparo-
venir a introdução acidental no interior do crâ-
tomica. Contraindicações do cateterismo vesical:
nio, por meio de fratura da placa crivosa.
• Impossibilidade de urinar espontanea-
mente;
CATETERISMO VESICAL (SONDAGEM
• Fratura instável do anel pélvico;
VESICAL DE DEMORA – SVD)
• Sangue no meato uretral;
A sondagem vesical de demora deve ser reali- • Próstata deslocada cranialmente;
zada naqueles pacientes que não apresentam
• Hematoma escrotal/equimose perineal.
suspeita de lesão uretral. A mesma apresen-
tam-se como um ótimo parâmetro para avaliar a
perfusão tecidual e atualmente é o padrão-ouro COLETA DE SANGUE E URINA
para avaliar a resposta à reanimação inicial.
Doentes hemodinamicamente estáveis = tipa-
As funções principais são: descompressão da gem + provas cruzadas;
bexiga e avaliação do índice da perfusão teci-
Doentes hemodinamicamente instáveis = sangue
dual e débito urinário. A hematúria é um sinal
O negativo (choque grau III e IV) que está dispo-
importante de possível trauma renal, porém
nível de imediato, sangue tipo específico para os
não serve como referência para indicar ou con-
pacientes com resposta volêmica transitória.
traindicar a abordagem cirúrgica. A coloração
da urina é importante, sobretudo em queima- O ATLS recomenda que sejam solicitados leu-
duras e trauma com grande destruição mus- cograma, eletrólitos, principalmente potássio,
cular porque existe a possibilidade do desen- glicemia, amilasee e β-hCG em mulheres em
volvimento de rabdomiólise (mioglobinúria). idade fértil. Uma gasometria arterial também
Nessas condições, há o acúmulo de mioglo- pode ser útil no momento da entrada, inclusive
bina nos túbulos renais e insuficiência renal; a seus parâmetros encontram-se na atual classi-
urina assume um aspecto de coloração âmbar ficação das classes funcionais do choque.

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84 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

RADIOLOGIA ESTUDOS RADIOLÓGICOS


CONTRASTADOS
TRAUMA CONTUSO
URETROCISTOGRAFIA
No trauma abdominal fechado, nos doen-
RETRÓGRADA (UCR)
tes hemodinamicamente estáveis, o raios X de
abdome (supino e ortostase com proteção da Deve ser realizada na suspeita de lesão uretral.
coluna) pode ser útil para detectar pneumope- Realiza-se a injeção de 15-20 mL de contraste
ritônio ou ar extraluminal entre alças (Sinal de não diluído em baixa pressão, com cateter 8
Riedler), ou, ainda, ar no retroperitônio (pneu- French, com a extremidade mantida presa ao
morretroperitônio). meato insuflado com um balão 1,5-2 mL ou
O apagamento da imagem do psoas também com clip apropriado para este estudo. O con-
pode sugerir lesão retroperitoneal. Caso haja a traste vai sendo injetado desde a uretra até a
impossibilidade de realizar o raios X em ortos- bexiga. Se possível acompanhamento por flu-
tase (dor ou suspeita de fratura de coluna), oroscopia.
pode-se fazer raios X em decúbito lateral A UCR Pode demonstrar extravasamento de
esquerdo. contraste na uretra e ainda na bexiga intra e
Atualmente a tomografia computadorizada é extraperitoneal. Para pesquisa de lesão vesi-
o exame padrão-ouro para a avaliação radio- cal, 300 mL de contraste são infundidos na
lógica do doente politraumatizado hemodina- bexiga e realiza-se o raios X em incidência ante-
micamente estável, sendo que a laparoscopia roposterior e oblíqua com estudo pós-miccio-
diagnóstica vem ocupando lugar de grande nal necessário para excluir lesão vesical.
importância na avaliação dessas vítimas. As respostas que esperamos deste exame são:
• Existe ou não lesão de uretra;
TRAUMA PENETRANTE • Esta lesão é parcial ou total;
O doente que estiver instável não necessita de • Esta lesão é de uretra anterior ou posterior;
qualquer raios X, mas sim de tratamento cirúr- • Existe ou não lesão vesical; Esta lesão é
gico. Já no paciente estável, considerar como intra ou extra peritoneal.
portador potencial de lesão de tórax aqueles
com trauma penetrante supraumbilical. O raios UROGRAFIA EXCRETORA
X de tórax em ortostase é útil para excluir hemo/ A urografia excretora, foi substituída nos gran-
pneumotórax, bem como detectar pneumope- des centros pela tomografia computadorizada,
ritônio. Já o raios X de abdome AP em decúbito porém ainda serve como opção dentro do arse-
dorsal pode detectar ar retroperitoneal e deter- nal terapêutico do paciente politraumatizado.
minar o trajeto do projétil com o uso de clipes Uma alta dose de contraste intravenosa é
metálicos no orifício de entrada e saída. infundida de forma rápida.
Lembre-se de que a primeira escolha radioló- Dois minutos após a injeção do contraste, deve-
gica para avaliar o abdome de vítimas de trauma -se visualizar os cálices renais. Caso os cálices
hemodinamicamente estáveis é a tomografia renais não sejam evidenciados ao exame, algu-
computadorizada, o raios X de abdome segue mas hipóteses devem ser aventadas:
como um advento útil, principalmente em locais
• Agenesia renal unilateral;
com menos recursos. Lembre-se que, quando
indicada, a transferência não deve ser poster- • Trombose/avulsão artéria renal;
gada para a realização de exames. • Lesão grave do parênquima renal.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 85

LAVADO PERITONEAL Indicações e contraindicações para LPD


DIAGNÓSTICO (LPD)
Contraindicações relativas
Certamente o LPD tornou-se um dos méto-
dos mais difundidos no diagnóstico do trauma Laparotomia exploradora prévia

abdominal por duas décadas. Entretanto, com


Gravidez
o advento da ultrassonografia, as técnicas de
abordagem ultrassonográfica para vítimas de Cirrose hepática
trauma, tais como o FAST, por exemplo, acaba-
Coagulopatia
ram substituindo esse exame na sala de emer-
gência em muitas situações. Obesidade

Tanto pacientes estáveis como instáveis Tabela 6.1 Lavado peritoneal diagnóstico (LPD).
hemodinamicamente podem ser submeti-
Parâmetros que positivam o LPD no trauma
dos a um LPD na dúvida de lesão abdominal,
abdominal fechado
sobretudo naqueles com alteração do nível
de consciência por TCE ou drogas e trauma Aspiração de mais de 10 mL de sangue
raquimedular (TRM), com perda de sensibili-
dade abdominal. Líquido da lavagem com uma das seguintes carac-
terísticas:
As contraindicações relativas referentes à rea-
100 mil hemácias/mm³
lização da LPD são: presença de cirurgias abdo-
500 leucócitos/mm³
minais prévias, gestação avançada, obesidade
mórbida, cirrose avançada e coagulopatia. A Presença de bile, bactérias (Gram), secreções TGI
ou urina
única contraindicação absoluta para a reali-
zação da LPD é a indicação de laparotomia já Dosagem de amilase > 175 UI/dL

estabelecida. Tabela 6.2 Critérios de positividade para o LPD.

Vítimas de trauma abdominal, hemodinamica-


mente instável, com LPD positivo, têm indica-
TÉCNICA CIRÚRGICA
ção de laparotomia exploradora.
LPD infraumbilical: Após antissepsia e anes-
Indicações e contraindicações para LPD tesia, realiza-se incisão de pele e subcutâneo

Indicações
mediana infraumbilical de 3 a 4 cm, incisa-se
a aponeurose, realiza-se sutura em bolsa com
Exame físico duvidoso fio inabsorvível no peritônio, abre-se o peritô-
nio e posiciona-se cateter de diálise peritoneal
Choque a esclarecer
em direção ao fundo de saco de Douglas.
Alteração sensorial (TCE, drogas, intoxicações)
A próxima etapa é a aspiração com seringa de
Anestesia geral para cirurgias extra-abdominais 20 mL. Se houver saída de 5-10 mL de sangue
(por exemplo, neurocirurgias) ou conteúdo do TGI, considera-se a LPD como
positiva. Caso contrário, infundem-se 1 mil
TRM com lesão de medula
mL de soro fisiológico na cavidade peritoneal
Contraindicação absoluta do adulto e 10 mL/kg de peso na criança. Ao
final, aspira-se por sifonagem o líquido, deven-
Indicação clara de laparotomia exploradora
do-se recolher de volta ao menos 20% do total

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


86 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

infundido. Considere a Tabela 6.2 para os crité- eventual sangramento que ocorra nesse inter-
rios de positividade do LPD. valo ou um trauma muito precoce pode ser
identificado com segurança.
Na análise laboratorial, considera-se positivo o
exame que apresente 105 (100 mil) eritrócitos Cuidado: O FAST identifica líquido livre na
ou 500 leucócitos por mm3, presença de fibras cavidade abdominal. Muitas questões tra-
vegetais, bactérias, amilase acima de 175 U/dL, zem como armadilhas, em suas alternativas,
secreções do TGI ou urina. Com LPD positiva, indi- a possibilidade de identificação de sangue na
ca-se a laparotomia ou laparoscopia exploradora cavidade abdominal. Essa afirmação é falsa! O
dependendo se tiver critérios para a cirurgia mini- exame é capaz de identificar líquido mas não
mamente invasiva (trauma penetrante toracoab- diferenciar o sangue de outros líquidos, um
dominal ou flanco em pacientes estáveis com paciente ascítico, por exemplo, pode apresen-
dúvida da penetração da cavidade peritoneal). tar FAST positivo, mesmo sem sangramento
abdominal.
Atenção: O LPD, para evitar iatrogenias e com-
plicações, deve ser realizado após descom- Hoje em dia, algumas literaturas incluem
pressão gástrica e vesical, com SNG e CVD. o FAST no ABCDE do trauma, como ABCDE
F(FAST). Vale lembrar também que atualmente
LPD também pode ser feito pela técnica
existe uma nova complementação desse pro-
fechada (técnica de Seldinger) com punção
tocolo que é o FAST-Estendido (eFAST) que
percutânea, mas o ATLS preconiza a técnica
inclui a janela pulmonar bilateral no exame e
aberta por ser mais segura.
é capaz de identificar rapidamente sinais de
LPD supraumbilical: na presença de fratura pneumotórax e líquido no espaço pleural .
pélvica ou gravidez, a abordagem é supraum-
bilical aberta, para não entrar em hematoma
pélvico, ocasionando hemorragias ou lesionar
o útero e ou o feto.

ULTRASSONOGRAFIA NO
TRAUMA (FOCUSED ASSESSMENT
SONOGRAPHY FOR TRAUMA –
FAST)

O FAST é exame focado para o doente trau-


matizado e está direcionado especificamente Figura 6.4 FAST: o ultrassom é utilizado para detectar a presença de
líquido.
para a identificação de líquido livre e não para
o estudo detalhado dos órgãos abdominais. A Vantagens e desvantagens do FAST
execução do FAST pode ficar prejudicada em
Vantagens
doentes obesos (gordura diminui a acurácia),
bem como a presença de ar, seja no subcutâ- Não invasiva
neo, na parede toracoabdominal e nas alças
intestinais. O FAST deve estudar o pericárdio, Não requer radiação

os espaços hepatorrenal (Morrison) e esple-


Útil no departamento de emergência ou na sala de
norrenal e o fundo de saco posterior. ressuscitação

É possível repetir o FAST de controle 30 minu- Pode ser repetido


tos após o primeiro e de forma seriada. Assim,

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 87

utilização deste contraste. Na suspeita de per-


Vantagens e desvantagens do FAST
furação de visceral oca, o contraste iodado é
Utilizado durante a avaliação inicial preferível.
Desvantagens:
Baixo custo
• Necessidade de transporte (40-60 minutos)
Desvantagens para que o doente seja conduzido para o
aparelho;
Examinador dependente
• Há necessidade de administração de con-
Obesidade traste endovenoso;

Interposição de gás
• O custo é elevado;
• Tem acurácia deficiente para trauma de dia-
Baixa sensibilidade de líquido livre < 500 mL fragma, pâncreas (< 8 horas), bexiga e intes-
tino delgado.
Falsos-negativos: líquido retroperitoneal e lesão de
víscera oca A presença de líquido intra-abdominal na
ausência de trauma hepático ou esplênico iden-
Tabela 6.3 Risco-benefício do FAST.
tificado na TC levanta alta possibilidade para
lesão intestinal. Porém, não podemos esque-
cer que esse líquido peritoneal também pode
ser oriundo de lesão vascular, mesentérica ou
de lesão vesical, isso porque a TC não identifica
claramente ou diferencia essas lesões. Nessa
situação, em se tratando de trauma abdominal,
hemodinamicamente estável, com líquido livre
na TC e sem evidência de trauma de víscera oca,
o paciente poderá ser submetido a uma lapa-
roscopia diagnóstica.

Indicações e contraindicações para tomografia


Figura 6.5 Lavado peritoneal diagnóstico (LPD) é um procedimento inva- computadorizada do abdome
sivo, de execução rápida e tem uma sensibilidade de 98% para detectar san-
gue intraperitoneal com acurácia maior que 95%.
Indicações
Tomografia computadorizada (TC)
A TC é o exame que possui maior especificidade Trauma contuso ou penetrante com exame físico duvidoso
para diagnóstico das lesões abdominais e retro-
Estabilidade hemodinâmica
peritoneais de órgãos específicos com acurácia
superior a 95%. Entretanto, somente pode ser
Contraindicações
feita em pacientes estáveis sendo contraindi-
cada na instabilidade hemodinâmica; Indicação óbvia de laparotomia exploradora
O contraste via oral no estômago deve ser
Instabilidade hemodinâmica
administrado pelo menos 30 minutos antes
do exame; Deve ser ressaltado que o paciente
Agitação
politraumatizado deve permanecer em jejum,
pois é potencial candidato a tratamento cirúr-
Alergia ao contraste e insuficiência renal (contraindica-
gico, desta forma o uso de contraste oral deve
ção relativa para o uso de contraste)
ser realizado apenas em pacientes estáveis e
cujo risco benefício do método justifiquem a Tabela 6.4 Características da TC de abdome.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


88 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

LAPAROSCOPIA NO TRAUMA Apesar de promissora, a indicação clássica


da laparoscopia diagnóstica segue para víti-
Atualmente a laparoscopia no trauma vem
mas hemodinamicamente estáveis, vítimas de
ganhando um espaço importante, tanto no
ferimentos penetrantes, nas quais se deseja
contexto diagnóstico quanto pela possibili- definir se houve ou não acometimento do peri-
dade de tratamento de alguns tipos de lesão. tônio, ou seja, se houve ou não invasão da cavi-
As suas maiores indicações estão localizadas dade abdominal.
nos ferimentos penetrantes do abdome e da
As contraindicações ao uso da videolaparosco-
região toracoabdominal (lesão diafragmá- pia no trauma abdominal são:
tica). O maior beneficio descrito na literatura
• Instabilidade hemodinâmica;
clássica é confirmar ou descartar a invasão
• Gestação;
da cavidade abdominal, entretanto, existem
diversos relatos expondo cada vez mais situ- • Trauma cranioencefálico com ECG < 13;

ações aonde a laparoscopia tem sido utili- • Ferimentos penetrantes com orifício de
zada no contexto do trauma, tanto para diag- entrada em dorso;
nóstico, quanto para tratamento, no trauma • Existência de laparotomias prévias extensas;
penetrante e também no contuso. • Crianças com idade < 12 anos.

Trauma Fechado versus Penetrante: indicações da Laparotomia no Trauma

Nível II de evidência. Utilidade como método de “screening”, diagnóstico e terapêutico;


Trauma Penetrante Ferimento tangencial em trauma toracoabdominal com dúvidas de penetração*;
Lesão da víscera parenquimatosa ou diafragma*; Trauma gástrico.

Nível III de evidência. Não tem indicação aceita de modo geral. Entretanto, pode ser
usada, em centros de pesquisa, como “screening”, sendo realizada laparotomia a
Trauma Fechado seguir para determinação do índice de lesões despercebidas; tratamento conser-
vador do trauma hepático com coleção abdominal que precisa ser drenada; trauma
de bexiga.

*Pacientes hemodinamicamente estáveis, Glasgow > 12, pressão sistólica > 90 mmHg; reposição volêmica < 3
L na 1ª hora de atendimento.
'
Tabela 6.5

INDICAÇÕES DE LAPAROTOMIA • FAF que atravessa o abdome e compromete


a cavidade; peritoneal ou estruturas retro-
EXPLORADORA
peritoneais;
Esse procedimento deverá ser prontamente
• Evisceração;
indicado para as seguintes situações:
• Hemorragia do estômago, reto ou TGU após
• Trauma abdominal fechado com hipoten-
ferimento penetrante;
são + FAST positivo ou evidências clínicas de
sangramento intra-abdominal; • Peritonite;

• Trauma abdominal fechado ou penetrante • Pneumoperitônio ou pneumorretroperitônio;


com LPD positivo; • TC do abdome: lesão do TGI, de bexiga intra-
• Ferimento penetrante de abdome com peritoneal, de pedículo renal e parenquima-
hipotensão; tosa grave em pacientes.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 89

FERIMENTOS POR ARMA uma laparoscopia diagnóstica ou outros méto-


dos diagnósticos antes de serem submetidas à
BRANCA (FAB)
laparotomia exploradora.
Dos pacientes que sofreram FAB, 60% chegam
A vigésima edição do Sabiston ainda traz a
ao PS eviscerados (exteriorização de epíplon ou
exploração asséptica e sob anestesia local da
vísceras), hipotensos e com sinais de irritação
ferida como uma opção para a determinação
peritoneal. Na evisceração, não se deve recon-
da invasão ou não da cavidade abdominal;
duzir o conteúdo novamente para o interior da
aquelas cuja integridade da cavidade abdo-
cavidade abdominal, pois tais estruturas, pelo
minal é confirmada durante o exame devem
contato com o meio externo, já estão contami-
ter a ferida suturada e podem receber alta
nadas. O importante é a proteção com com-
se não apresentarem outra razão para a per-
pressas úmidas com SF 0,9% e a preparação do
manência hospitalar. O ATLS 10 não traz mais
paciente para a laparotomia exploradora.
essa conduta no trauma penetrante da cavi-
Órgãos Frequência dade abdominal.
Se o ferimento for pequeno, ou mesmo nos
Fígado 40%
casos de ferimento puntiforme, a melhor con-
Intestino delgado 30% duta é a sua ampliação sob anestesia local e
afastadores tipo Farabeuff. Em caso positivo,
Diafragma 20% está indicada a laparotomia exploradora para
saber se há ou não lesão de estruturas intra-
Cólon 15%
-abdominais.
Tabela 6.6 órgãos mais frequentemente lesados por FAB
Ferimentos por FAB < 6 horas sem penetração
Há pacientes que chegam ao hospital ainda da cavidade peritoneal devem ser suturados e
com a arma branca introduzida. A prioridade o paciente deverá receber a antitetânica caso
é evitar a retirada da faca (ou outro objeto desconheça o calendário vacinal. No caso de
de empalamento) na sala de admissão e ferimento profundo (> 1 cm) e contaminado
estabilizar o objeto até planejamento defi- com terra ou outros materiais, o paciente
nitivo. Estes pacientes, após as medidas ini- deverá receber adicionalmente imunoglobu-
ciais (e se as condições clínicas permitirem), lina. FAB > 6 horas não são suturados e a ferida
deverão ser encaminhados para estudo deverá cicatrizar por segunda intenção, pois já
radiológico com o intuito de saber o tama- é considerada infectada.
nho, o trajeto e a posição da ponta da arma.
Toda a ferida traumática é contaminada. O feri-
A partir de então, o paciente deve ser enca-
mento acima de 6 horas é infectado e por isso
minhado ao centro cirúrgico. O que determi-
não deve ser suturado.
nará a indicação de cirurgia (laparoscopia ou
laparotomia exploradora) é a penetração da O raios X do abdome poderá mostrar pneu-
arma branca através da aponeurose anterior moperitônio (rotura de víscera oca na cavi-
(parede anterolateral) ou da musculatura dade peritoneal) e pneumorretroperitônio
lombar (parede posterior). (rotura de víscera oca no retroperitônio como
duodeno, cólon ascendente e descendente),
As vítimas de ferimento por arma branca em
região abdominal com instabilidade hemodi- além de borramento do músculo psoas devido
nâmica apresentam indicação de laparotomia à presença de sangue no retroperitônio. O
exploradora de emergência. Aquelas que se líquido livre na cavidade peritoneal aparece
apresentam hemodinamicamente estáveis, como borramento da pequena bacia pela pre-
cuja a invasão da cavidade abdominal pela sença de sangue ou líquidos digestivos, extra-
arma é duvidosa poderão ser submetidas a vasados nesse local.

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90 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Procedimento para avaliar penetração na cavi-


dade peritoneal

• Exploração digital (anestesia local);


• Raios X simples do abdome;
• Fistulografia;
• FAST/ LPD;
• TC;
• Laparoscopia (para ferimento penetrante
Figura 6.6 Ferimento por arma de fogo. Note orla de queimadura esfuma-
tangencial toracoabdominal ou flanco em çamento e tatuagem (externo) e junto ao centro a orla de escoriação, enxugo
e equimótica. Característico do orifício de saída FAF à curta distância.
doentes estáveis, não acometendo dorso).

FERIMENTOS POR ARMA DE TRAUMA ABDOMINAL


FOGO (FAF) FECHADO
Pode acontecer por compressão, esmagamen-
O ferimento por arma de fogo apresenta uma to-cisalhamento, ou, ainda, por lesões de desa-
energia mais significativa do que os ferimen- celeração. O impacto direto pode causar rotura
tos por arma branca. Dessa forma, em caso de de vísceras intra-abdominais com hemorragia
dúvida da penetração da cavidade peritoneal, e peritonite. Dentro da modalidade do esma-
é melhor realizar uma laparoscopia ou laparo- gamento, há o cisalhamento pelo uso inade-
tomia branca (sem lesões intra-abdominais) a quado de dispositivos de segurança e restrição
ficar na dúvida e deixar passar lesões que, se (cinto de segurança, airbag etc.). Nas lesões
operadas tardiamente, podem levar a quadros de desaceleração, ocorre deslocamento desi-
gual das partes mais ou menos fixas do corpo.
abdominais graves.
Isso decorre, por exemplo, em lacerações do
Importante lembrar: fígado e baço (órgãos móveis) e seus locais
Até que se prove o contrário, toda lesão abdo- de inserção (ligamentos de suporte), que são
estruturas fixas. Pela lei de Laplace (quanto
minal aberta deve ser considerada penetrante
maior o raio de um tubo, maior a tensão de
e avaliada.
suas paredes) o ceco é um dos órgãos mais
Lesões na parte inferior do tórax, períneo ou propensos à explosão durante um trauma
nádegas podem ter atingido o abdome, depen- fechado, bem como duodeno em pontos
dendo do tamanho da arma branca ou da tra- fixos (ligamento de Treitz).
jetória da arma de fogo. O exame clínico seriado em paciente politrau-
matizado (sem comprometimento neuroló-
Órgãos Frequência gico) tem acurácia semelhante à da TC de tri-
plo contraste.
Intestino delgado 50%
Nos casos em que o paciente está incons-
ciente ou com o grau de consciência diminuído
Cólon 40%
(associação com TCE, pacientes alcoolizados
ou drogados), naqueles portadores de TRM
Fígado 30%
ou nos com hipovolemia inexplicada, é neces-
sária a realização de exames especializados
Vasos 25%
(FAST, TC, laparoscopia) porque o exame físico
Tabela 6.7 Lesões mais frequentes por FAF (ATLS, 2008). ficará comprometido.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 91

O FAST é rápido e útil para identificar presença constantemente monitorados preferencial-


de líquido intra-abdominal com paciente está- mente em UTI. O exame físico deve ser seriado,
vel ou instável. Apesar de o ultrassom poder pois o trauma é uma doença dinâmica e mui-
identificar também lesões em órgãos, o foco do tas vezes há grandes variações em um espaço
FAST é para identificação de líquido e indicação curto de tempo. Devem ser coletados tipagem
precoce de laparotomia exploradora. sanguínea, BHCG (se mulher em idade fértil),
hemograma, amilase e gasometria arterial na
Unindo-se os dados da história (quando possí-
admissão. Nas primeiras 24 horas, esses exa-
vel) ao exame físico apurado, além da obser-
mes devem ser repetidos a cada 6 horas. No
vação clínica rigorosa e procedimentos comple-
segundo dia, a cada 12 horas. Nos dias seguin-
mentares, consegue-se, na maioria dos casos,
tes, uma vez ao dia é suficiente para a maioria
indicar ou não a laparotomia exploradora nos
dos doentes. As informações devem ser anota-
casos de trauma abdominal fechado.
das rigorosamente em prontuário.
Órgãos Frequência Se houver instabilidade hemodinâmica, sinais de
irritação peritoneal ou necessidade constante de
Baço 40-55%
hemotransfusão, a laparotomia é indicada.
Fígado 35-45%
Condições básicas para o tratamento não
Hematoma retroperitoneal 15% operatório de lesões em órgãos sólidos

Intestino Delgado 5-10% Dependente do paciente:

Rim 10% Estabilidade hemodinâmica (PAsist ≥ 90 mmHg)

Estômago 4% Ausência de sinais de peritonite generalizada

Pâncreas 3% Dependente das condições locais:

Diafragma 3% Unidade de Terapia Intensiva ou Semi-intensiva

Duodeno 0,2% Equipe Cirúrgica com experiência disponível 24 h

Tabela 6.8 Lesões mais frequentes no trauma abdominal fechado.


Centro Cirúrgico disponível 24 h

Serviço de TC 24 h
TRATAMENTO NÃO
Banco de Sangue 24 h
OPERATÓRIO
O tratamento não operatório das lesões em Laboratório 24 h

órgãos sólidos, em pacientes vítimas de trauma Tabela 6.9


abdominal fechado, particularmente fígado,
baço e rim, tornou-se padrão nos grandes cen-
tros médicos. Nos EUA os serviços de referên- DIAFRAGMA
cia também realizam, em situações seleciona-
As lesões de diafragma podem ocorrer em qual-
das, o tratamento não operatório das lesões
quer porção e de qualquer lado e representam
pancreáticas. Essas medidas obviamente evi-
cerca de 3% de todas as lesões abdominais e
tam todas as consequências e complicações de
0,8% das admissões por trauma. Contudo, esses
uma laparotomia exploradora.
números podem variar entre instituições. Cerca
Doentes selecionados a partir de avaliação de 90% dos traumas de diafragma são resultan-
clínica e por imagem (Tomografia), devem ser tes de acidentes de trânsito.

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92 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

O trauma diafragmático é mais comum à esquerda separados de fio inabsorvível em U ou com pro-
em 54-87% das vezes, onde ocorre uma ruptura lene 0 ou 1 em lesões < 5 cm. Lesões maiores
de 5–10 cm de extensão que envolve a porção exigem tela (Marlex, Dacron ou Prolene). Alguns
posterolateral do hemidiafragma esquerdo. A cirurgiões preconizam a realização de outra
lesão diafragmática direita só se torna frequente sutura contínua sobre as bordas que restaram
quando forem considerados estudos de necrop- da sutura em U. Caso haja lesão pleural, pode-se
sia, chegando, inclusive, a se equiparar estatis- drenar a cavidade pleural com dreno de tórax
ticamente com as lesões do lado esquerdo. Isto tubular multiperfurado (28-32 F) sob selo d’água
ocorre, pois normalmente os traumas que levam do lado do ferimento. A lesão diafragmática tam-
à ruptura do diafragma à direita envolvem maior bém pode ser tratada por laparotomia ou toraco-
energia e frequentemente levam a vítima a óbito tomia. Existe 55% de associação de rotura trau-
antes que a lesão seja identificada e registrada. mática do diafragma e fratura de bacia (pela alta
A cavidade peritoneal está sujeita à lei de Boyle. energia). Em 93% a rotura do diafragma direito
Quando ocorrer um trauma por compressão do
está associada a trauma hepático.
abdome, haverá diminuição do tamanho da cavi-
dade peritoneal, aumentando a pressão intra- As complicações agudas mais comuns da
-abdominal, e o ponto mais fraco é o diafragma lesão diafragmática traumática são: deiscên-
à esquerda, já que à direita o fígado absorve o cia de sutura, paralisia do hemidiafragma,
impacto e protege do trauma. decorrente de lesão traumática ou iatrogênica
do nervo frênico, insuficiência respiratória,
As lesões bilaterais ocorrem em aproxima-
empiema ou abscesso subfrênico. Complica-
damente 2% dos casos. Em geral, as lesões
ções mais tardias são: a hérnia estrangulada e
por ferimentos penetrantes são pequenas e
perfurada de vísceras abdominais e a obstru-
raramente provocam herniação logo após a
ção intestinal recorrente.
ocorrência. Na maioria das vezes são encontra-
das durante a laparotomia exploradora, tora-
Trauma do diafragma
coscopia ou laparoscopia.
Já as lesões resultantes de trauma fechado Grau Descrição da lesão

são maiores, variando de 5 a 10 cm. Como dito


I Contusão
anteriormente, ocorrem mais frequentemente
na região posterolateral do lado esquerdo e II Laceração ≤ 2 cm
produzem herniação mais facilmente do que
os ferimentos penetrantes. A herniação pode III Laceração 2-10 cm

ser identificada na radiografia de tórax.


Laceração > 10 cm com perda tecidual ≤ 25
IV
Os achados da radiografia são: elevação ou cm2
borramento do hemidiafragma, apagamento
do contorno do diafragma, sombra gasosa e V Laceração com perda tecidual > 25 cm2

nível hidroaéreo no tórax e SNG na projeção


*American Association for the Surgery of Trauma –
torácica e hemotórax. Há de se lembrar da
Organ Injury Scale (AAST-OIS).
cinemática do trauma porque 50% dos raios
X de tórax podem ser normais ou limitados a Tabela 6.10 Classificação para trauma do diafragma.

pequenos hemopneumotórax.
O tratamento da lesão diafragmática pode ser TRAUMA DE ESTÔMAGO E
feito por laparoscopia (hérnia diafragmática
aguda) ou toracoscopia (hérnia diafragmática tar-
INTESTINO DELGADO
dia > 6 meses) com retorno das estruturas her- As contusões abdominais geralmente
niadas ao abdome e sutura da lesão com pontos são resultantes de desaceleração brusca,

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 93

raramente resultam em lesões gástri- segurança). Lesões por rotura de estômago


cas (4%) e a maioria é na face anterior na e de intestino delgado estão frequentemente
pequena curvatura. O estômago é normal- associadas à outras lesões, como a fratura
mente protegido pelo gradeado costal e o de Chance.
trauma ocasiona explusão do seu conteúdo A fratura de Chance são fraturas transver-
tanto para o esôfago como para o duodeno, sais que passam horizontalmente através do
sempre que a pressão intragástrica aumenta processo espinhoso, lâmina, processo trans-
subitamente. Mesmo assim, o estômago é mais verso, pedículos e porção posterior do corpo
suscetível à rotura quando cheio de alimentos. vertebral.
A rotura de víscera oca resulta em pneumo- Esse tipo de lesão foi descrito para o segmento
peritônio (víscera intra-abdominal, exem- lombar do esqueleto axial e frequentemente
plo, estômago) ou pneumo-retroperitônio é acompanhado pela síndrome do “cinto de
(víscera retroperitoneal, exemplo duodeno, segurança”, caracterizada por trauma abdomi-
cólon ascendente e descendente). nal fechado.
Convém lembrar a síndrome do “cinto de segu-
rança” que caracteristicamente apresentana
marca do cinto e lesões viscerais (intra-abdo-
minais ou retroperitoneais) do intestino del-
gado, fraturas de Chance na coluna lombar e
fortuitamente lesões do estômago e do cólon.

60% dos pacientes com fratura de Chance


têm lesões intestinais associadas ao trauma.

A localização da lesão depende, provavel-


mente, do somatório de diferentes fatores, tais
como: a natureza e a biomecânica do trauma, o
estado de repleção da víscera no momento do
Figura 6.7 Fratura de Chance: note a linha horizontal de fratura com o acu-
impacto e a eventual concomitância de alguma nhamento da vértebra lombar característico.
doença gástrica presente ou passada. O diagnóstico das lesões de estômago e de
O ferimento penetrante é a principal causa de intestino delgado nem sempre é fácil. Nos
lesão do estômago e do intestino delgado em ferimentos penetrantes centrais de abdome,
80% das vezes. indica-se rotineiramente a laparotomia explo-
radora e essas lesões são encontradas durante
Nas vítimas de ferimentos penetrantes a exploração. Porém, existem alguns sinais que
de abdome, o intestino delgado é o órgão podem ou não estar presentes.
mais lesado. O trauma fechado produz lesão
por ruptura. No intestino delgado, as lesões Sinais clássicos de lesão de estômago são:
ocorrem quando é criado um segmento exteriorização de sangue pela sonda gástrica,
de intestino que fica em alça fechada, com pneumoperitônio na radiografia simples de
aumento súbito de pressão. A utilização errô- abdome e sinais de irritação peritoneal.
nea do cinto de segurança (cinto abdominal Os sinais de lesão de intestino delgado são mais
acima das espinhas ilíacas) pode provocar sutis, destacando-se a irritação peritoneal. Em
lesões tanto de intestino delgado quanto de doentes que apresentam alteração do nível de
mesentério e vasos ilíacos. Nesses doentes é consciência por lesão cerebral ou intoxicação e
frequente a presença de equimose ou hema- alteração de sensibilidade abdominal por lesão
toma na parede abdominal (sinal do cinto de de medula, o exame físico fica prejudicado.

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94 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

O FAST só visa identificar líquido sem avaliar inicia-se o tratamento das lesões de estômago
se é sangue ou secreção do TGI. O LPD, com e de intestino. Para inspeção adequada, a inci-
exame laboratorial do lavado, apresenta boa são deve ser ampliada e o estômago mobili-
sensibilidade para identificação dessas lesões. zado de maneira que permita avaliação ade-
A TC com duplo e triplo contraste pode não quada, principalmente da região posterior
identificar a lesão de intestino delgado mas onde há maior índice de lesão despercebida.
a presença de líquido intra-abdominal sem As lesões gástricas devem ser suturadas em
evidência de trauma de baço, ou trauma de dois planos. Geralmente, a sutura contínua
fígado, levanta alta suspeita. seromuscular é feita com fio absorvível 3-0, e
a sutura serosserosa com pontos separados e
Pequenos pneumoperitônios podem ser iden-
fio inabsorvível 3-0 ou 4-0. Aquelas que envol-
tificados à TC e abdome.
vem o piloro devem ser tratadas realizando-se
O achado mais frequente da TC sugestivo de sutura e piloroplastia. As lesões do corpo gás-
lesão intestinal é a presença de líquido livre trico devem ser cuidadas com sutura primária.
na cavidade peritoneal, sem lesão de víscera Caso a lesão envolva a transição gastroesofá-
parenquimatosa associada. gica após a sutura do ferimento, deve-se fazer
esofagogastrofundoplicatura, cobrindo a lesão
O líquido livre pode ser oriundo de lesão
hemorrágica do mesentério, lesão de bexiga e, ou somente Patch de Thal (fundo do estômago).
finalmente, lesão de intestino delgado. Sinais Caso a lesão seja extensa nessa localização,
tomográficos indiretos de lesão de intes- pode haver lesão do nervo vago. Nessa even-
tino delgado são o espessamento de parede tualidade, deve-se acrescentar a piloroplastia.
intestinal e de mesentério. É fundamental
Para as lesões extensas do estômago, reco-
lembrar que diagnóstico e tratamento tar-
dios da lesão intestinal estão associados ao menda-se a ressecção com reconstrução a
aumento de morbidade e mortalidade. Após Billroth I ou II, conforme seja possível. Deve-se
o diagnóstico definido de lesão gastrintesti- ter cuidado especial com os doentes que apre-
nal ou indicação de laparotomia é realizada a sentam associação de lesão gástrica e de dia-
sondagem gástrica e vesical e administração fragma. A contaminação da cavidade pleural,
de antibioticoterapia profilática com 2 g de principalmente na vigência de choque hemor-
cefalosporina de segunda geração na indução rágico, está associada à complicações pleuro-
anestésica (ver também ferimentos de cólon). pulmonares infecciosas. A cavidade pleural
Nos ferimentos com menos de 12 horas de deve ser cuidadosamente lavada através da
evolução, a duração da antibioticoterapia limi- lesão diafragmática.
ta-se ao ato cirúrgico nos ferimentos de maior
Tratamento das lesões do intestino delgado:
tempo de evolução e a mesma é mantida por
24 horas. Prioridades de tratamento de lesões • Menores de 50% e borda antimesentérica:
intra-abdominais: rafia simples;

• Hemostasia; • Maiores de 50% ou aquelas que acomen-


tam borda mesentérica: ressecção e anas-
• Controle de “vazamentos” de conteúdo gas-
tomose primária com um ou dois planos.
trintestinal;
O mesentério deverá ser fechado para não
• Desbridar ou ressecar o tecido inviável e
ocorrer pontos de facilitação de hérnia interna.
rafiar a lesão ou anastomosar os segmen-
tos saudáveis. Se a lesão provocou isquemia de grande exten-
O tratamento de perfurações gástricas e de são de intestino, pode-se fazer ressecção e
intestino delgado é cirúrgico. Após a abertura fechamento das bocas proximal e distal, para
da cavidade abdominal, a hemostasia é priori- revisão programada em 24 horas, quando se
dade. Terminado o controle do sangramento, realizará a reconstrução definitiva.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 95

Nas lesões múltiplas próximas uma da outra, Classificação da lesão de intestino delgado
prefere-se a ressecção de todas as lesões e
anastomose primária. Tipo de
Grau Descrição da lesão AIS-90**
lesão
Em doentes com lesões extensas, graves, na
vigência de instabilidade hemodinâmica e ou Contusão ou
sinais de encaminhamento para a tríade mor- I* Hematoma hematoma sem 2
tal (coagulopatia, acidose e hipotermia), rea-
desvascularização
lizam-se ressecção e fechamento das bocas
proximal e distal, deixando-se a reconstrução Laceração de espes-
do trânsito para o momento em que o doente sura parcial sem
se encontrar equilibrado (Cirurgia de Controle perfuração
II* Laceração 3
de Danos). Tanto em doentes portadores de
lesão gástrica como naqueles portadores de Laceração < 50% da
lesão intestinal, a cavidade peritoneal deve ser circunferência
cuidadosa e meticulosamente lavada para reti-
rar todo conteúdo do tubo digestivo que tenha Laceração > 50% sem
III Laceração 3
eventualmente ali caído. transecção

Caso não seja possível oferecer dieta via oral, Transecção de seg-
deve-se administrar nutrição enteral ou paren- IV Laceração mento intestinal com 4
teral (por exemplo, lesões de duodeno). perda de substância

Classificação da lesão de estômago Laceração


Desvascularização de
V 4
segmento intestinal
Vascular
Grau Descrição da lesão AIS-90

*Aumente um grau para lesões múltiplas até a grau III.


I Contusão ou hematoma 2 **AIS: Abbreviated Injury Scale.

Espessura parcial 2 Tabela 6.12 Classificação para trauma de intestino delgado.

As complicações das lesões de estômago e de


Laceração da JGE ou piloro < 2
intestino delgado são raras. As mais comuns
cm; Lesão 1/3 proximal do estô-
II 3 são o sangramento, a formação de abscesso
mago < 5 cm; Lesão do 1/3 distal
intraperitoneal e a fístula. Um grave problema
do estômago < 10 cm
que acompanha as ressecções de delgado é a
Laceração > 2 cm na JGE ou síndrome do intestino curto (ressecções exten-
piloro; lesão em 1/3 proximal do sas e o paciente fica com menos de 100 cm de
III 3
estômago > 5 cm; lesão 2/3 dis- intestino delgado). Caso o cólon esteja íntegro,
tais do estômago > 10 cm são necessários 50 a 60 cm de delgado para
que seja possível nutrição via oral.
IV Perda tecidual ou desvasculariza-
4
ção < 2/3 do estômago

TRAUMA DUODENAL
Perda tecidual ou desvasculariza-
V 4 A primeira parte do duodeno situa-se ao nível
ção > 2/3 do estômago
da primeira vértebra lombar (L1) e é intraperi-
*Aumente um grau para lesões múltiplas até a grau toneal. A segunda porção do duodeno acom-
III. **AIS: Abbreviated Injury Scale. JGE: junção gas- panha L2 e L3 e é retroperitoneal contendo
troesofageana. abertura da papila maior (colédoco e ducto de
Tabela 6.11 Classificação para trauma de estômago. Wirsung) e menor (ducto de Santorini). Esse

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96 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

segmento pode ser mobilizado pela manobra (mortalidade tardia > 48 h pós-trauma). Aproxi-
de Kocher. A terceira porção da víscera cruza a madamente 90% dos traumas duodenopan-
coluna lombar ao nível de L3 e passa na frente creáticos têm lesões associadas.
da veia cava inferior, ureter, coluna lombar e
Os ferimentos penetrantes são a causa da
aorta. Em cima da terceira porção do duodeno
lesão do duodeno na maioria dos casos. O
passa a artéria mesentérica superior consti-
trauma contuso também pode provocar lesões
tuindo a pinça aortomesentérica. A quarta por-
do duodeno e de estruturas vizinhas e, nesse
ção acaba no Treitz.
caso, o mecanismo mais comum de produção
Assim, com exceção dos dois primeiros centí- da lesão do duodenal é a compressão direta do
metros em que o duodeno é intraperitoneal, abdome, devendo-se atentar para tatuagens
ele situa-se na maior parte em posição retro- do trauma em região epigástrica e traumas
peritoneal e é protegido medialmente pela diretos nessa área com guidom de bicicleta,
coluna vertebral e a posterior pela musculatura muito comum em crianças, ou de moto.
paravertebral. Exceção faz a quarta porção do
duodeno que cruza a coluna e volta à cavidade A lesão isolada do duodeno pode provocar pou-
abdominal continuando-se com o jejuno. cos sintomas na fase inicial. Essa lesão pode
sangrar para o intraluminal com exteriorização
A localização retroperitoneal de 2/3 da anato-
pela cavidade gástrica e consequentemente
mia do duodeno confere ao órgão relativa pro-
pela SNG. Quando o sangramento for extralu-
teção no trauma contuso, sendo que a maior
minal, pode ocorrer edema de alça ou hema-
quantidade de lesões ocorre nas lesões pene-
toma periduodenal. O raios X de abdome ou a
trantes (4% das lesões penetrantes da cavidade
TC também podem mostrar ar no retroperitô-
abdominal apresentam lesão duodenal x 0,1%
nio. Os dois achados relatados podem levantar
dos traumas contusos), sendo que as lesões
a suspeita de lesão de duodeno. O diagnóstico
por arma de fogo são aquelas que apresentam
de certeza pode ser feito por meio de raios X
maior chance de culminar com acometimento
simples ou com contraste via oral, arteriografia
do duodeno. As lesões desse órgão apre-
do TGI ou TC com contraste oral e endovenoso.
sentam alta taxa de mortalidade associada,
podendo chegar a 24,5%. O contraste oral deve ser bem visível em todas
Em virtude dessa localização, o duodeno situ- as porções do duodeno e pode ocorrer extra-
a-se em proximidade ou em contato com o vasamento de contraste na lesão. É importante
fígado, o pedículo hepático, o pâncreas, o rim lembrar que existem exames falso-negativos.
direito, a veia cava inferior, os vasos mesentéri- A LPD não é útil na lesão de duodeno isolada
cos, a aorta e o rim esquerdo. porque não avalia o retroperitônio. Entretanto,
o LPD pode ser útil em alguns casos, pelo alto
Destaca-se, em decorrência da topografia duo-
índice de lesões associadas que podem fazer
denal acima mencionada, a associação de feri-
com que a LPD seja positiva.
mentos duodenais com lesões pancreáticas, já
que ambos dividem a mesma vascularização. A LPD também apresenta taxa significativa
Isso é importante porque há mortalidade de de falso-negativos por lesões pouco impor-
20-30% relacionada e 60% de morbidade rela- tantes já que é exame altamente sensível,
cionada, principalmente à gravidade do trauma mas pouco específico. Na laparotomia por
do duodeno, com ocorrência de hemorragia trauma contuso, a presença de sangue, ar
exsanguinante (mortalidade precoce), cho- ou bile na região duodenal exige explora-
que séptico e disfunção de múltiplos órgãos ção minuciosa do duodeno. Na laparotomia

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 97

por ferimento penetrante, deve-se fazer exame sistematizado de todo o tubo digestivo à pro-
cura de lesão.

O segredo para o tratamento das lesões duodenais está na exposição adequada desse seg-
mento de intestino, que é conseguida com dissecção cuidadosa e ampla, utilizando mano-
bras como a de Cattell-Braasch (descolamento do peritônio junto ao cólon direito, liberando
a goteira parietocólica direita) e de Kocher (descolamento e exposição do duodeno). A lesão
duodenal isolada e pequena pode ser tratada com sutura simples, sendo que deve ser
realizada uma ampla dissecção na manobra de Kocher, permitindo uma sutura sem ten-
são. Recomenda-se a sutura em dois planos com pontos separados com fio inabsorvível.

As lesões duodenais simples compreendem 80% dos casos. Nas lesões mais extensas é pos-
sível também fazer a sutura duodenal e, a seguir, suturar a serosa de outra alça intestinal sobre
a lesão suturada do duodeno e, sempre que possível, deve-se alocar uma porção de mesentério
saldável ou omento protegendo a sutura da lesão em forma de pacth. Outra opção seria a diverti-
culização do duodeno, na qual se realiza gastrectomia parcial com reconstrução a Bilrotth II para
lesões maiores, ou a realização de ressecção com anastomose primária para casos selecionados,
os quais envolva uma porção maior do órgão, porém envolvem a região da ampola.

A literatura descreve inúmeros procedimentos utilizados para proteger o local da sutura


duodenal (exclusão pilórica, duodenoduodenoanastomose, duodenojejunostomia e gastro-
duodenopancreatectomia - GDP). Cabe mencionar a cerclagem pilórica associada à gastro-
enteroanastomose, pela técnica de Vaughan/Jordan. Esse procedimento deriva temporaria-
mente o trânsito intestinal do duodeno. Outras técnicas recomendam a colocação de SNG e
jejunostomia com posicionamento de sonda em direção ao duodeno, para descomprimir e
drenar obrigatoriamente a secreção do duodeno.

A lesão duodenal associada à cabeça do pâncreas, colédoco e papila, pode requerer procedimen-
tos maiores, como a gastroduodenopancreatectomia (GDP) e a pancreaticojejunoanastomose
mais anastomose bileodigestiva; não são procedimentos de escolha no trauma em um primeiro
momento. O mais comum é controlar o sangramento, a contaminação, deixar vários drenos e,
após estabilização clínica na UTI, com diminuição de interleucinas, nova reintervenção e GDP ou
pancreaticojejunoanastomose (Cirurgia de Controle de Danos).

HEMATOMA DUODENAL
Uma lesão particular do duodeno que deve ser comentada é o hematoma duodenal. Embora
possa ocorrer em adultos, ele é mais frequente em crianças e resulta da compressão
súbita sobre o epigástrio. A instalação do quadro ocorre em menos de 48 horas após o
trauma. O doente queixa-se de dificuldade para comer e de vômitos associados à dor no
epigástrio. O raios X de esôfago, estômago e duodeno contrastado mostra parada de con-
traste no duodeno.
Atualmente a TC com contraste oral também revela parada de contraste no duodeno. Em 20%
desses casos, pode ocorrer lesão associada do pâncreas. O tratamento do hematoma duodenal
sem lesões associadas não é cirúrgico, voltando-se para colocação de SNG e aplica-se nutrição
parenteral total. Habitualmente o hematoma é reabsorvido entre 5 e 7 dias. Caso isso não
ocorra, pode-se esperar até 15 dias para indicar cirurgia com objetivo de esvaziar o hematoma
cirurgicamente.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


98 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

50% dos hematomas duodenais em crianças


relacionam-se a abuso.

Classificação das lesões duodenais

(American Association for the Surgery of Trauma – AAST)

Grau da
Tipo de lesão Descrição
lesão

Hematoma Acometendo segmento único


I*
Laceração Parcial, sem perfuração

Hematoma Acometendo mais de um segmento


II*

Laceração Rotura < de 50% da circunferência

Rotura de 50-75% de D2

III Laceração
Rotura 50-100% de D1, D3 ou D4

IV Laceração Rotura > 75% de D2, envolvendo a ampola ou o colédoco distal

Laceração Rotura extensa do complexo duodenopancreático


V
Lesão vascular Desvascularização do duodeno

Tabela 6.13 Classificação para lesões duodenais.

A B

Figura 6.8 Trauma duodenal. A: note estreitamento da primeira e terceira porções do duodeno no raios X contrastado de esôfago, estômago e duodeno. B:
TC de abdome com duplo contraste demonstrando espessamento duodenal da terceira porção.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 99

Lesão abdominal/intestinal

Controle de sangramento
e contaminação

Lesão gástrica Lesão intestinal

Piloro → piloroplastia Manobra de Catell


Corpo → reparo primário
Extensa → ressecção Lesão mesentérica Lesão intestinal

Junção GE Sem isquemia intestinal → reparo Pequena → reparo


Isquemia → ressecção e anastomose Próximas → comunicação e reparo
Pequena Grande Extensa → ressecção e second look Múltiplas → ressecção e
anastomose
Reparo Anastomose Múltiplas com instabilidade
primário e piloroplastia hemodinâmica e coagulopatia
→ damage control

Figura 6.9 Conduta no trauma duodenal. Para o reparo simples das lesões graus I e II o período de 6 horas é divisor de conduta. Nas primeiras 6 horas,
reparo primário simples; decorridas 6 horas, o risco de deiscência de sutura aumenta, portanto descompressão duodenal é a conduta.

TRAUMA PANCREÁTICO
Devido à localização próxima ao duodeno, lesões envolvendo os dois órgãos são frequentemente
encontradas nos pacientes que apresentam lesões penetrantes no abdome, o pâncreas está pre-
sente em cerca de 6,6% das vezes, uma lesão relativamente pouco incidente, porém associada à
uma alta mortalidade, podendo chegar de 23 a 30,2%.

O diagnóstico da lesão pancreática no trauma abdominal contuso é dificultado pela inespecifici-


dade das manifestações clínicas da lesão, mas também pela escassa relação das manifestações
clínicas, radiológicas e laboratoriais com a gravidade da lesão. Cerca de 60% das lesões pancreá-
ticas são contusões, hematomas e lacerações capsulares (grau I), e cerca de 20% são lacerações
do parênquima sem ruptura maior de ducto ou perda de tecido (grau II). O diagnóstico tardio das
lesões pancreáticas podem estar relacionados com a alta mortalidade das lesões. A morbidade
e a mortalidade da lesão pancreática é alta em pacientes operados tardiamente após período
inicial de observação. São geralmente associadas à dificuldade diagnóstica pré-operatória ou
à presença de lesões do ducto não detectadas na primeira operação. A realização da TC espiral
(multislice) e da colangiorressonância muito contribuem para o diagnóstico de contusão pancre-
ática e principalmente para identificar lesão do ducto pancreático principal que é o critério para
indicar cirurgia.

A posição retroperitoneal do pâncreas, a inatividade continuada das enzimas pancreáticas após


lesão isolada e a reduzida secreção do fluido pancreático após lesão do parênquima poderiam
explicar a ausência de manifestações de lesões ocorridas sobretudo nas primeiras 6-8 horas. Os
pacientes estáveis, com trauma abdominal contuso por compressão anteroposterior com alto
dispêndio de energia, apresentando abrasão na parede abdominal superior, e que à radiografia

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


100 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

simples apresentam fraturas concomitantes de O resultado da TC depende do tempo entre


vértebras torácicas inferiores, devem ser avalia- o momento do trauma e do exame, por isso
dos com alto índice de suspeita de lesão pan- este deve ser repetido em caso de dúvida,
creática. Nesses casos, exames radiológicos são posto que lesões graves do pâncreas podem
necessários além de determinações sequen- ser assintomáticas.
ciais de amilasemia.
A avaliação do trauma pancreático em pacien- A sensibilidade e a especificidade da TC no
tes instáveis como em qualquer outro órgão diagnóstico do trauma pancreático podem
abdominal não requer nenhum exame porque chegar a 80%, na dependência da experiên-
a prioridade é que o paciente vá à laparotomia. cia do examinador, qualidade do aparelho e
Já naqueles estáveis, pode envolver TC com tempo entre o trauma e o exame.
duplo contraste, CPRE, colangiorressonância
ou ainda laparotomia. Imagens da TC tem sensibilidade e especi-
ficidade de 80% para detecção de trauma
O reconhecimento da lesão ductal é o princi-
pancreático e incluem: a visualização direta
pal determinante isolado do prognóstico no
da lesão do parênquima do pâncreas, hema-
trauma pancreático.
toma intrapancreático, líquido no omento
Frequentemente, pacientes com lesões pan- menor, líquido separando a veia esplênica
creáticas despercebidas inicialmente manifes- do corpo pancreático, espessamento da fás-
tam crises abdominais em poucos dias após cia renal anterior e líquido retroperitoneal.
o trauma. Mesmo na ausência de achados clí- Esses achados são muito sutis e às vezes pas-
nicos, laboratoriais, e de exames por imagem sam despercebidos e inicialmente 40% das
indicativos de exploração cirúrgica, lesões gra- TC nas primeiras 6 h do trauma de pâncreas
ves como a transecção total do pâncreas ou do podem ser normais.
ducto pancreático podem demorar semanas e Pacientes estáveis com alterações na TC, per-
meses para produzir sintomas. sistência de dor abdominal e hiperamilasemia
O valor diagnóstico de elevação da amilasemia deverão ir necessariamente à CPRE nas primei-
no trauma pancreático requer atenção a vários ras 12-24 horas para delimitação da anatomia
aspectos. A distinção da fração (isoamilase) pan- pancreática e avaliação de rotura ductal.
creática, da amilase salivar, não aumenta a acurá- Lesões pancreáticas que acometem o ducto
cia da amilase como marcador de lesão pancreá- de Wirsung requerem laparotomia explora-
tica. Além disso, a hiperamilasemia na presença dora. A cirurgia é voltada para drenagem do
de TCE não é marcador de trauma pancreático (o pâncreas e ressecção distal da glândula se
mecanismo da regulação da amilase é via SNC). necessário.
Dosagens após 3 horas do trauma aumentam
a sensibilidade e o valor preditivo positivo da
Lesões pancreáticas que acometem o ducto
amilasemia.
de Wirsung requerem laparotomia explora-
dora e não tratamento conservador.

Valores normais precoces de amilasemia não


afastam a presença de traumas pancreáti- A indicação principal da CPRE seria para escla-
cos graves. No período pós-traumático até recer a suspeita de possível lesão de ducto
8 horas, a TC com duplo contraste pode não pancreático, quer em pacientes em tratamento
identificar trauma pancreático. conservador de lesão pancreática, quer em
pacientes no intra ou pós-operatório.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 101

Figura 6.10 Trauma pancreático com rotura da cauda do pâncreas no 10º PO.
A 1ª TC havia mostrado pâncreas normal porque foi feita em tempo menor
de 6 horas pós-trauma. Os níveis de amilase começaram a subir no 9º PO.
Esse paciente fez colangiorressonância que não mostrou lesão de Wirsung e
o paciente não foi operado.

Classificação das lesões pancreáticas (American


Association for the Surgery of Trauma – AAST)

Tipo de
Grau* Descrição**
lesão

Contusão menor sem


Hematoma
lesão ductal
I
Laceração superficial
Laceração
sem lesão ductal

Figura 6.11 Colangiografia intraoperatória. Note a punção feita na vesícula


Contusão maior sem biliar e o contraste sendo injetado. Ferimento demonstrando lesão com
Hematoma comprometimento de ducto de Wirsung proximal (grau III) com extravasa-
lesão ductal mento de contraste.
II
Laceração maior sem
Laceração
lesão ductal
TRATAMENTO DAS LESÕES
Transecção distal ou lesão PANCREÁTICAS
III Laceração do parênquima com lesão
O tratamento do trauma pancreático volta-se para
ductal (Wirsung)
manter o fluxo pancreaticoentérico e bileoentérico,
Proximal à veia mesenté- drenagem de lesões duodenopancreáticas e final-
rica superior ou lesão de mente redirecionar secreções do TGI para minimizar
IV Laceração estímulo pancreático se necessário. Dessa forma,
parênquima envolvendo
a ampola de Vater definem-se as seguintes condutas:

Rotura da cabeça pan- A localização da lesão em relação à posição


V Laceração dos vasos mesentéricos determina o manejo
creática
mais apropriado. As lesões à esquerda dos
*Aumente um grau para lesões múltiplas até a grau vasos mesentéricos, sem comprometi-
III. **Baseando-se em estudos radiológicos, de mento ductal, podem ser manejadas com
autópsia ou achados de laparotomia debridamento e sutura simples. As lesões
Tabela 6.14

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


102 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

à direita dos vasos distais, que compro- peripancreático que resultam de debrida-
metem o ducto pancreático devem ser mento inadequado (20%), pancreatite (10-
tratadas com pancreatectomia distal, 20%), pseudocistos, hemorragia requerendo
preservando-se, sempre que possível, o transfusões (10%) e insuficiência exócrina e
baço. Alguns autores consideram factível a endócrina.
preservação esplênica se esta não aumentar
A maior parte das fístulas pancreáticas é de
o tempo operatório em mais de 30 minutos
pequeno débito (< 200 mL) e 90% resolve em
ou não exigir a transfusão de mais de uma
duas semanas com tratamento conserva-
unidade de sangue. A ressecção esplênica
dor com nutrição parenteral ou enteral (SNE
pode tornar-se imperiosa para facilitar tecni-
jejunal) pobre em gordura. Fístulas de alto
camente a ressecção do pâncreas em pacien-
débito (> 500 mL) são raras e exigem cirur-
tes instáveis.
gia. Os abcessos são resolvidos através de
As lesões pancreáticas proximais aos vasos drenagem percutânea que também ajuda a
mesentéricos possuem alto potencial para diferenciar se é um abscesso ou um pseudo-
evoluirem com fístulas pancreáticas. O cisto. A pancreatite pós-operatória é tratada
debridamento e a drenagem ampla dessas conservadoramente, com SNG, hidratação e
lesões são o manejo mais apropriado, acom- jejum via oral além de suporte nutricional.
panhados de controle da hemorragia e das
A pancreatite necro-hemorrágica ocorre em
lesões associadas. As fístulas pancreáticas
2% dos pacientes que têm pancreatite. A mor-
pós-trauma evoluem favoravelmente, desde
talidade dessa complicação alcança 80%. Em
que bem drenadas e com suporte nutricional
relação aos pseudocistos tudo vai depender da
adequado. A drenagem das lesões pancre-
integridade do Wirsung. Sem rotura do ducto
áticas é recomendação universal, devendo
pancreático, somente a drenagem externa
ser ampla e realizada com drenos que permi-
percutânea pode resolver o quadro. Entre-
tam a irrigação e aspiração de debris e secre-
tanto, não há de se fazer drenagem externa
ções, em geral por meio de sistemas fecha-
dos. Drenagens abertas com drenos tipo em casos de pseudocisto que se comunicam
Penrose devem ser evitadas. As lesões pan- com o Wirsung porque resultarão em fístula
creáticas mais graves, com envolvimento crônica. Nesses casos de pseudocisto e com-
da papila de Vater e do duodeno são mais prometimento do ducto pancreático podem
bem tratadas com controle de danos ser feitos os seguintes tratamentos:
(“laparotomia abreviada”), drenagem e • Ressecção distal da glândula (tratamento
reconstrução postergada, à semelhança preferido do pseudocisto de cauda);
das lesões duodenais de mesmo grau.
• Cistojejunostomia em Y de Roux;
A duodenopancreatectomia (DPT) está indi-
• Gastrocistostomia (pseudocistos que abau-
cada somente quando as outras alternativas
lam o estômago);
forem impraticáveis e, ainda assim, idealmente,
em segundo tempo, com o paciente estabili- • Stent transpapilar endoscópico do ducto
zado. A DPT na abordagem inicial restringe-se pancreático.
aos casos de pacientes que foram “pancreatec-
É preciso 20% do tecido pancreático para
tomizados” pelo próprio trauma.
função pancreática normal, ou seja, pode-
Complicações do trauma pancreático: fís- -se ressecar 80% da glândula distal aos
tula (20-30%), abscesso subfascial ou vasos mesentéricos.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 103

Classificação do trauma hepático

Grau Tipo de lesão Descrição AIS

Hematoma Subcapsular, não expansivo < 10% 2


I
Laceração Lesão capsular, não sangrante, < 1 cm de profundidade no parênquima. 2

Subcapsular, não expansível 10-50%; intraparenquimatoso não expansível


Hematoma 2
com < 10 cm de diâmetro.
II

Laceração Lesão capsular 1-3 cm de profundidade e com < 10 cm de extensão. 2

Subcapsular > 50% ou hematoma expansivo subcapsular roto com sangra-


Hematoma 3
mento ativo; Intraparenquimatoso > 10 cm ou expansivo.
III

Laceração > 3 cm de profundidade parenquimatosa. 3

Hematoma Hematoma intraparenquimatoso roto com sangramento ativo. 4

IV
Rotura parenquimatosa 25-75% de um lobo ou de 1-3 segmentos de Couinaud
Vascular 4
dentro de um único lobo.

Rotura parenquimatosa > 75% de um lobo ou de > 3 segmentos de Couinaud


Laceração 5
dentro de um lobo
V
Lesões venosas justa-hepáticas (veia cava inferior retro-hepática e veias
Vascular 5
hepáticas maiores)

VI Vascular Avulsão Hepática 6

*Aumente uma graduação para lesões múltiplas até a graduação III.

Tabela 6.15 Classificação do trauma hepático.

TRAUMA HEPÁTICO
O fígado é o segundo órgão mais atingido no trauma fechado (baço é o primeiro), mas o trauma
hepático representa 5% das admissões hospitalares. Aproximadamente 85% de todos os pacien-
tes com trauma hepático fechado estabilizam após a ressuscitação inicial. Os graus I, II e III corres-
pondem a 75% das lesões hepáticas. A mortalidade global do trauma hepático é 10%.

Figura 6.13 Tomografia computadorizada demonstrando Figura 6.14 TC abdominal demonstrando laceração
hematoma hepático do segmento VIII. hepática grau IV do segmento VII.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


104 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Há de se lembrar que a maior parte da vascu- reanimação inicial, devem ser levados para
larização do fígado vem pela veia porta (80%). laparotomia de imediato;
Entretanto, aqueles 25-30% que vêm pela artéria • Transfusão < 4 unidades de concentrado de
hepática representam a maior parte do sangue hemácias transfundidas nas primeiras 24
oxigenado (50%). horas: se houver necessidade de mais uni-
dades é sinal de que o sangramento ainda
persiste e o paciente necessitará de transfu-
são de sangue, arteriografia ou laparotomia
exploradora;
• Ausência de sinais de irritação peritoneal
difusa: dor localizada em quadrante supe-
rior direito não exclui o tratamento não
operatório, pois a lesão hepática por si
Figura 6.15 TC abdominal demonstrando o blush característico do trauma
hepático arterial em segmentos VII e VIII em laceração hepática grau IV. A
só pode causar tal alteração. Entretanto,
arteriografia nesses doentes é diagnóstica e terapêutica. qualquer suspeita de lesões intestinais
contraindicaria o tratamento conservador
TRATAMENTO NÃO OPERATÓRIO e declararia necessidade de laparotomia
DAS LESÕES HEPÁTICAS de urgência;
• Graduação da lesão: a TC com contraste é
O êxito da conduta não operatória das lesões fundamental para que a lesão seja gradu-
hepáticas está na dependência da seleção e ada. Há relatos de lesões até grau V terem
estratificação criteriosa dos pacientes e avalia- sido tratadas conservadoramente. Entre-
ção da capacidade institucional. tanto, quanto maior a graduação da lesão,
menor a probabilidade de não necessitar
Critérios fundamentais para a conduta não
cirurgia e maior a chance de sangramento e
operatória:
instabilidade precoce ou tardia.
• Pacientes hemodinamicamente estáveis; O tratamento das lesões hepáticas de acordo
• Disponibilidade de monitorização em UTI; com o grau das lesões pode ser assim resumido:
• Tomógrafo amplamente disponível; • Graus I e II: apenas hemostasia com cautério;
• Banco de sangue;
• Grau III: suturas com categute cromado 2.0
• Presença de centro cirúrgico; ou vicryl 2.0 com agulha atraumática longa;
• Presença de equipe de cirurgia com experi- • Grau IV: Damage control. Pode-se suturar ou
ência em trauma. realizar desbridamento do fígado. As hepatec-
A instituição que oferece condições para trata- tomias regradas são evitadas no trauma;
mento não cirúrgico de tais lesões deve contar • Grau V: Damage control. Pringle. Shunt
com estrutura que possa proporcionar assis- atriocaval. Transplante;
tência intensiva e imediata ao paciente trauma-
• Lembrando que em ferimentos hepáticos
tizado, em todas as circunstâncias e possíveis
com paciente estável e sinais de blush (extra-
complicações.
vasamento de contraste arterial) na TC, pode
Os pacientes candidatos ao tratamento não ser indicado o tratamento endovascular com
operatório são os que preenchem os seguintes técnicas como a embolização dos vasos lesa-
critérios: dos ou de pesuedoaneurismas.
• Estabilidade hemodinâmica: este é um crité- Devem-se evitar suturas em massa e gros-
rio básico e fundamental que deve ser obe- seiras, englobando muito tecido hepá-
decido sempre. Pacientes instáveis, após tico, pois essa técnica provoca necrose nas

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 105

bordas da lesão ou pode apenas prender da artéria hepática. Se o sangramento per-


o sangramento em um grande hematoma, sistir, deve-se suspeitar de lesão de veia
aumentando o risco de formação de abs- cava retro-hepática, justa-hepática ou de
cesso hepático e peri-hepático. O ideal é ramos das veias hepáticas cujo fluxo vem de
identificar o vaso sangrante ou canalículo cima do fígado.
biliar lesado dentro da ferida hepática e rea-
lizar rafia localizada destes.
Trauma hepático grave deve ser resolvido
rapidamente. As cirurgias de Damage Con-
trol também conhecidas como laparotomias
abreviadas melhoraram muito a sobrevida
do trauma abdominal exsanguinante sem
resposta às manobras de controle da hemor-
ragia. Podem ser colocadas compressas no
fígado (packing hepático), reconstruindo sua
anatomia e tamponando áreas sangrantes
do parênquima hepático. Após estabilização
em CTI (24-72h depois), o paciente é reabor-
dado cirurgicamente e ocorre a revisão do
sangramento, sendo retiradas as compres-
sas. Caso ainda haja sangramento signifi-
Figura 6.16 Demonstração da manobra de Pringle com clampeamento da
cativo, podem ser recolocadas novas com- veia porta, artéria hepática e colédoco.

pressas e o procedimento é repetido. Neste


ínterim, o paciente fica na UTI e é estabili-
zado (controle da coagulopatia, hipotermia
e acidose) e eletivamente operado para os
reparos definitivos.
A manobra utilizada para abordagem do
trauma hepático grave é a manobra de Prin-
gle, que consiste na oclusão do pedículo
hepático através do forame de Winslow,
com a colocação de uma pinça vascular em
direção à margem do ligamento hepatoduo- Figura 6.17 Ferimento transfixante do fígado, demonstrando a colocação
intra-hepático do balão de Sengstaken-Blakemore, o mesmo usado no esô-
denal. Uma vez feita a manobra de Pringle, fago para cessar hemorragia digestiva alta por varizes de esôfago. Quando
o balão é insuflado automaticamente, ocorre hemostasia no fígado nesses
podem-se avaliar grosseiramente quais são ferimentos transfixantes. Esse balão poderá ser retirado no pós-operatório
os prováveis vasos lesados. quando desinsuflarmos e o paciente permanecer estável.

O controle da cava inferior acima das renais


O Pringle pode ser mantido até 60 minutos
e na altura do hiato diafragmático, bem
com segurança. Entretanto, clampeamento de
como das veias hepáticas, pode ser neces-
20 minutos com descanso por 5 minutos vem
sário em casos de lesão da cava retro-hepá-
sendo descrito e sugerido como apresentando
tica. Para isso, faz-se extensa mobilização do
menor lesão por isquemia e reperfusão.
fígado, que é liberado de seus ligamentos,
Caso o sangramento cesse com a manobra ou realiza-se à digitoclasia do parênquima,
de Pringle (clampeamento da veia porta, para acesso à veia cava retro-hepática. Os
artéria hepática própria e colédoco), supõe- shunts atriocavais, com cânulas de intubação
-se que a lesão é de ramos da veia porta ou orotraqueal ou sondas, antigamente muito

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106 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

utilizados, resultam em alto índice de morta- esquerdo, hepatocolédoco, colédoco e papila)


lidade e estão sendo usados cada vez menos. são abordadas da seguinte forma:
São situações dramáticas, pois o controle
• Vesícula biliar e ducto cístico: colecistec-
vascular da veia cava inferior ao nível do
tomia;
hiato diafragmático leva à redução do débito
cardíaco que ficaria garantido apenas pelo • Ductos hepáticos: sutura quando possível
território de veia cava superior. Nesta situa- + dreno em T de Kehr;
ção, pode ser necessário o clampeamento da • Ducto hepático comum e colédoco: lesão
aorta descendente para garantir perfusão de parcial: dreno de Kehr; lesão total: anasto-
carótidas e coronárias deixando a perfusão mose biliodigestiva (hepaticojejunostomia
mesentérica prejudicada. em Y-de-Roux);
• Dica: não adianta tentar fazer coledococo-
lédoco anastomose porque resulta em alta
incidência de estenose. A hepaticojejunoa-
nastomose é superior.
Lesões vasculares do pedículo hepático:
• Veia porta: não pode ser ligada. Mortali-
dade > 90% se ligada. Há de se fazer rafia
ou enxerto;
• Artéria hepática: pode ser ligada em casos
de trauma grave.

Figura 6.18 Compressão manual de ferimentos hepáticos.

TRAUMA ESPLÊNICO
B
O baço é o órgão mais lesado nos traumas
fechados.
A
Funções do baço:
Defesa: exerce função primordial como pri-
meira linha de defesa do organismo; é respon-
sável pela opsonização inicial contra antígenos
circulantes (processo que facilita a fagocitose),
além de remover aqueles mal opsonizados.
Isso se deve à anatomia da microcircula-
Figura 6.19 Shunt atriocaval. Faz-se toracotomia anterolateral esquerda ção esplênica. Os antígenos fagocitados por
e clampeia-se o átrio direito para incisão com bisturi para passar um tubo
endotraqueal por dentro do coração até a veia cava inferior. Em seguida, macrófagos do sistema reticuloendotelial dos
infla-se o balão acima das renais. O tubo endotraqueal estará preenchido
por SF 0,9%. Será feita sutura em bolsa do átrio direito. Pelo tubo endotra-
sinusoides da polpa vermelha são carregados
queal poderá ser administrado cristaloide e sangue e desse modo consegue-
-se o controle de todo o sangramento hepático.
para os centros germinativos, onde se dá a
produção de IgM, uma imunoglobulina de fase
aguda que surge 4-5 dias após o contato com
DAS VIAS BILIARES o antígeno. A IgM é capaz de opsonizar e de
ativar o sistema complemento, tanto pela via
O local mais comum de lesão no trauma ao
clássica quanto pela via alternativa. Enquanto
pedículo hepático é no ducto hepático comum.
isso, após 2-3 dias, já se pode titular IgG espe-
As lesões das vias biliares extra-hepáticas cífica, de meia-vida mais longa, também pro-
(vesícula biliar, cístico, ductos biliares direito e duzida no baço.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 107

Produção de tuftsina: tetrapeptídeo deri- cirurgia, o que justifica a vacinação con-


vado da IgG que possui função imunoesti- tra esses germes em pacientes submeti-
mulante através do aumento da citotoxici- dos à esplenectomia total.
dade de neutrófilos e células NK; estimula Vacinação: nas cirurgias eletivas, deve ser
a quimiotaxia de neutrófilos e monócitos feita no pré-operatório (duas semanas antes);
e potencializa a fagocitose estimulada por nas de urgência deve ser realizada a antibio-
anticorpos. Produção de properdina: é uma ticoterapia profilática na indução anestésica
proteína sintetizada no baço, de grande rele- e vacinação no pós-operatório imediato (na
vância na ativação da via alternativa do sis- mesma internação).
tema complemento. Esta função pode ser
ainda mais importante na ausência de anti-
corpos específicos. Toda essa função opso-
nizante e de ativação do sistema comple-
mento assume importância maior na defesa
contra germes encapsulados, naturalmente
mais resistentes à fagocitose, notadamente
os Streptococus pneumoniae, Haemophilus
influenzae e Neisseria meningitidis. Estes
germes podem provocar sepse fulminante
em pacientes esplenectomizados devido
à ausência de tuftsina e properdina. Essa
sepse pode ocorrer mesmo anos após a
Figura 6.20 TC de abdome, demonstrando laceração esplênica com hematoma.

Escala da AAST* para Lesão Traumática do Baço (Revisão de 1994)

Grau da lesão* Lesão Descrição da lesão

Hematoma Subcapsular, não expandido, < 10% da área de superfície


I
Laceração Capsular, não sangrando, < 1 cm de profundidade

Subcapsular, não expandido, 10-50% da área de superfície; intraparenquima-


Hematoma toso, não expandido, <
5 cm de diâmetro
II

Capsular, sangramento ativo, 1-3 cm de profundidade não envolvendo


Laceração
vasos trabeculares

Subcapsular, > 50% da área de superfície; subcapsular roto com sangramento


Hematoma
ativo; intraparenquimatoso ≥ 5 cm de diâmetro ou em expansão
III

Laceração > 3 cm de profundidade ou envolvendo vasos trabeculares

Hematoma Intraparenquimatoso roto com sangramento ativo

IV
Envolvendo segmento ou vaso hilar que desvascularize > 25% do parên-
Laceração
quima esplênico

Laceração Fragmentação completa do baço


V
Vascular Lesão hilar com avulsão ou completa desvascularização do baço

*Avançar um grau para lesões múltiplas até grau III.

Tabela 6.16 Trauma de baço.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


108 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Cerca de 60% dos traumas esplênicos irão ACOMPANHAMENTO:


resultar em cirurgia de urgência. A dor no
ombro esquerdo após trauma levanta suspeita Assim que o paciente com lesão esplênica
para a rotura esplênica (sinal de Kehr). Dos exa- for candidato ao tratamento não operatório,
mes, a presença de blush na TC de abdome fala devem ser adotadas as seguintes condutas:
em favor de sangramento ativo no baço com
• Observação contínua entre 2-3 dias (sob
extravasamento de contraste. Esses são os
monitorização intensiva contínua);
pacientes que caracteristicamente poderão ir,
• Jejum por 48 horas;
preferencialmente, à arteriografia ou à laparo-
• Avaliação clínica seriada durante as primei-
tomia exploradora.
ras 24 hs;
• Dosagem de hematócrito e hemoglobina a
cada 6 horas nas primeiras 24 horas;
TRATAMENTO NÃO
• Repouso absoluto no leito nos 3 primeiros
OPERATÓRIO DAS LESÕES dias;
ESPLÊNICAS • É recomendável tempo de hospitalização
O tratamento inicial segue as mesmas nor- de, no mínimo, 5 dias, e, após esse período,
a alta dependerá do grau de lesão esplênica
mas descritas no trauma hepático, ou seja, o
e das condições do paciente. É importante
paciente deve ser reanimado segundo as nor-
verificar a estrutura de apoio domiciliar,
mas preconizadas pelo ATLS®. Após avaliação
assim como o grau de compreensão deste
inicial e reanimação, o paciente pode ser candi- e de seus responsáveis;
dato ao tratamento não operatório desde que
• A TC de controle antes da alta é desnecessá-
a instituição preencha os critérios:
ria, caso a evolução seja favorável;
• Monitorização em UTI; • Recomenda-se evitar esforços físicos e
• Equipe de cirurgia com experiência em esportes de contato por, no mínimo, 2-6
trauma; meses.

• Centro cirúrgico disponível; Na evidência de queda brusca do hematócrito,


instabilização hemodinâmica, aumento da dor
• Banco de sangue;
abdominal com irritação peritoneal ou taqui-
• Tomógrafo. cardia persistente com palidez de mucosas,
A conduta não operatória como forma de tra- indica-se laparotomia exploradora.
tamento só deve ser realizada caso o paciente
Mais de 70% dos pacientes estáveis estão sendo
preencha os seguintes pré-requisitos:
submetidos a tratamento não cirúrgico.
• Estabilidade hemodinâmica (PAS > 90);
• Ausência de sinais e sintomas de irritação
peritoneal franca; TRAUMA DE CÓLON
• Ausência de coagulopatia ou doenças sistê-
Da mesma forma que as demais vísceras ocas,
micas graves;
as lesões de cólon ocorrem mais comumente
• Lesão graduada por TC de abdome; após o trauma penetrante, sendo mais raras
• Transfusão < 4 unidades de concentrado de no trauma contuso, a porcentagem de lesões
hemácias; penetrantes que cursam com acometimento
do cólon gira em torno de 36 a 40% e a mor-
• Sem múltiplas lesões associadas.
talidade que envolve o seu acometimento iso-
A taxa de sucesso do tratamento conservador lado é inferior quando comparada com a mor-
para trauma de baço é 80% para adultos e 95% talidade envolvida no acometimento de outras
em crianças. vísceras abdominais. O toque retal com sangue

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 109

é sugestivo de lesão intestinal. No trauma contuso, quando não existe indicação absoluta de lapa-
rotomia, a TC com triplo contraste pode identificar lesão de cólon.
A antibioticoprofilaxia tem hoje sua indicação bem definida e a literatura aponta uma preferên-
cia pela monoprofilaxia com cefalosporinas de segunda geração por, no máximo, 24 horas de
uso.
Em pacientes com traumatismo cranioencefálico ou raquimedular, e mesmo em casos de trauma
abdominal em tratamento não operatório, é necessária avaliação clínica seriada, visando a iden-
tificação precoce de anormalidades na evolução do paciente.
Acrescente-se ao arsenal diagnóstico desses pacientes, quando a indicação cirúrgica não é evi-
dente, a ultrassonografia e a tomografia computadorizada com contraste.
As técnicas cirúrgicas utilizadas para o tratamento das lesões de cólon intraperitoneal são seme-
lhantes ao intestino delgado:
• Menores de 50% da circunferência do órgão e borda antimesentérica = rafia simples;
• Maiores de 50% ou aquelas que acomentam borda mesentérica = ressecção e anastomose
terminal (Hartmann), anastomose em alça (Mikulicz) ou anastomose primária com um ou dois
planos.
O mesentério deverá ser fechado para não ocorrer pontos de facilitação de hérnia interna. Além
disso, poderá ser feita anastomose de cólon mais colostomia proximal protetora com exterioriza-
ção no local da lesão após a ressecção ou ampliação da lesão. A sutura primária ou ressecção do
cólon com anastomose primária colocólica ou ileocólica são as alternativas mais frequentemente
utilizadas.

Trauma de cólon da AAST

Grau* Lesão Descrição da lesão

Hematoma Contusão ou hematoma sem desvascularização


I
Laceração De espessura parcial, sem perfuração

II Laceração Laceração < 50% da circunferência

III Laceração Laceração > 50% da circunferência sem transecção

IV Laceração Transecção do cólon

V Laceração Transecção do cólon com perda segmentar de tecido

Tabela 6.17 Classificação para trauma de cólon.


*Avançar um grau para lesões múltiplas até grau III.

TRATAMENTO
A avaliação inicial, na sala de emergência, assume papel fundamental no prognóstico e deve ser
realizada seguindo os preceitos do programa Advanced Trauma Life Support (ATLS).
Critérios para realização da colostomia ao invés da anastomose primária:
• Mais de 6 horas de trauma;
• Contaminação maciça da cavidade;

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


110 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

• Desnutrição; devem ser feitas sempre em condições ide-


• Infecção ou fator comprometedor da cica- ais: irrigação sanguínea adequada, ausência
trização; de tensão e utilização de boa técnica cirúrgica
em um ou dois planos. As ressecções distais à
• Predisposição de fístula;
artéria cólica média e as ressecções no cólon
• Isquemia.
esquerdo provocam maior trauma para o
Lembre-se de que o paciente hemodinamica- doente e as reconstruções não são tão simples.
mente instável, que apresenta critérios para Quando o doente não apresenta as melhores
cirurgia de controle de danos deve ser subme- condições, quando foi submetido à transfusão
tido à laparotomia abreviada que consiste no maciça e quando apresenta doenças prévias
controle das hemorragias e da infecção, dessa importantes, dá-se preferência à realização de
forma, a alça lesada é ressecada e as bocas dis- colostomia.
tal e proximal são fechadas, por meio de clam-
Os mesmos cuidados técnicos na anastomose
pes intestinais, ligadura, grampeamento ou
devem ser adotados na confecção da colosto-
por sutura simples. A cavidade é intensamente
mia: irrigação sanguínea adequada, ausência
lavada com SF 0,9% aquecido e a anastomose de tensão e utilização de boa técnica cirúrgica.
ou confecção da ostomia será realizada em um A maturação da colostomia deve ser feita após
segundo momento, após o controle dos distúr- o fechamento da laparotomia. O coto distal
bios da coagulação, anemia e distúrbios acido- do cólon ressecado pode ser fechado e dei-
básicos. Na cirurgia de controle de danos, não xado dentro da cavidade peritoneal (cirurgia
se deve realizar o tratamento com anastomose de Hartmann) e ainda ser exteriorizado junto
primária ou ostomias, pois tanto a politransfu- com o coto proximal na colostomia (cirurgia
são quanto o edema de alças são fatores deter- de Mikulicz ou em cano de espingarda) ou no
minantes de aumento de deiscência, além de ângulo inferior da laparotomia.
aumentar significativamente o tempo operató-
rio e o paciente chegar à exaustão fisiológica
por isso. TRAUMA DE RETO
A cirurgia de Mikulicz (colostomia em alça) é As lesões traumáticas do reto são por ferimen-
mais segura, menos trabalhosa e facilita para tos penetrantes, por projétil de arma de fogo
posterior reconstrução do trânsito intestinal, (80%), trauma fechado (10%) e o restante por
manipulação anal. As lesões retais diferem
pois não precisa fazer laparotomia, é só aumen-
do trauma de cólon, uma vez que pelo menos
tar a incisão por onde sai a colostomia em alça.
metade do reto é retroperitoneal.
Uma vez reconstruído o trânsito é só retornar
a alça para o interior da cavidade abdominal. A perfuração do reto extraperitoneal não causa
peritonite, mas poderá causar retroperitonite
Para a realização de sutura primária ou res- e fascite necrotizante perineal. Nas lesões de
secção segmentar com anastomose primária, reto intraperitoneal, o quadro de peritonite é
deve-se considerar extensão da lesão, pre- precoce, não oferecendo maior dificuldade da
sença de isquemia e comprometimento do indicação cirúrgica. Todos os pacientes com
mesentério. Caso haja dúvida sobre a viabi- suspeita de lesão retal devem ser submetidos
lidade do segmento lesado, deve-se dar pre- ao toque retal; a presença de sangue deve ser
ferência à ressecção. investigado para uma possível lesão colorretal,
no entanto, vale lembrar que o toque retal pode
Nas lesões proximais à artéria cólica média que não detectar sangue e isto não exclui a presença
necessitam de ressecção, pode-se fazer com de lesão (30% dos casos). Este procedimento
segurança a anastomose ileotransversa. Esse simples, deve ser realizado em todos os pacien-
tipo de anastomose apresenta boa evolução tes vítimas de projétil de arma de fogo que esti-
em doentes traumatizados. As anastomoses ver localizado em topografia pélvica inferior.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 111

Classificação anatômica das lesões do reto


Do ponto de vista terapêutico é importante a classificação anatômica das lesões retais.
• Reto intraperitoneal: parte superior e média do reto;
• Reto extraperitoneal: 2/3 do órgão;
• Subperitoneal: acima do assoalho pélvico;
• Perineal: abaixo do assoalho pélvico;
• Região pré-sacral.

Classificação da lesão de reto da associação americana da cirurgia do trauma (AAST)

Grau Lesão Descrição da lesão

I Hematoma Contusão ou hematoma, sem desvascularização

Laceração Laceração de espessura parcial

II Laceração Laceração < 50% da circunferência

III Laceração Laceração > 50% da circunferência

IV Laceração Laceração de espessura total com extensão para o períneo

V Vascular Segmento desvascularizado

*Avançar um grau para lesões múltiplas até grau III.

Tabela 6.18 Trauma de reto.

TRATAMENTO
Intraperitoneal: as mesmas condutas preconizadas para os demais segmentos colônicos. Extra-
peritoneal: desbridamento + sutura + drenagem pré-sacra + colostomia de proteção obrigatória.
Nesses casos, a colostomia deve ser realizada para desviar o trânsito para que as fezes não pas-
sem pela lesão e contamine a ferida e ou atrapalhe a cicatrização.

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112 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Figura 6.21 Note que à esquerda há necessidade de se fazer colostomia a


hartman e desbridamento e rafia da bexiga. A figura da direita demonstra
As opções da colostomia incluem: colostomia
claramente a demarcação entre lesão de reto intra e extraperitoneal bem
como o dreno pré-sacral colocado e a colostomia que, nessas lesões de retro
em alça (Mickulicz), colostomia proximal e fís-
extraperitoneal, são obrigatórias. tula mucosa, e finalmente colostomia proximal
O uso de antibiótico nas lesões de reto é defi- e sepultamento do coto retal (Hartmann).
nido conforme o tempo de evolução do trauma.
A vantagem da colostomia em alça é a rapidez
Pacientes com evolução inferior a 6 horas são
na sua construção e facilidade do seu fecha-
tratados com antibioticoprofilaxia. Nas lesões
mento.
com mais de 6 horas de evolução, indica-se
antibioticoterapia com cobertura para Gram- A necessidade de drenagem das lesões de reto
-negativos e anaeróbios. extraperitoneal está bem estabelecida. A dre-
O ferimento de reto intraperitoneal deve ser nagem pode ser feita por via transperitoneal
tratado de maneira semelhante aos ferimentos ou por via pré-sacral. Dá-se preferência à via
de cólon, isto é, o ferimento deve ser desbri- pré-sacral nos ferimentos de reto de parede
dado e suturado. posterior e lateral e, nos de parede anterior,
preferimos a drenagem por via abdominal. A
Nos ferimentos de reto extraperitoneal, sem- drenagem pré-sacral é realizada com dreno de
pre que possível, devemos colocar em posição Penrose, colocado através de uma incisão arci-
ginecológica modificada permitindo acesso
forme entre o ânus e o cóccix, sendo o dreno
abdominal e retal simultâneo, caso necessá-
colocado no espaço pré-sacral por dissecção
rio, para identificar e tratar a lesão retal. A
romba através da fáscia de Waldeyer.
sutura pode ser por via abdominal ou tran-
sanal. Porém, algumas vezes, a identificação No que diz respeito ao fechamento da colos-
da lesão é muito difícil e a dissecção do reto tomia, a maior parte dos cirurgiões reesta-
extraperitoneal poderá ser muito deletéria belece o trânsito em 3 meses. Entretanto,
pelo risco de lesão neurológica, vascular ou alguns optam por fechá-la na mesma inter-
urológica. Nestas circunstâncias, a melhor nação ao redor do 10º pós-operatório. Nesse
abordagem é tratar o paciente como se ele período, a cicatrização já ocorreu em 70% dos
tivesse a lesão, mesmo que falte a evidência ferimentos retais e em 92% dos ferimentos
definitiva de sua existência. Devemos ter em colônicos. Se o ferimento distal estiver cicatri-
mente que a colostomia tem por objetivo zado e o paciente estiver estável, sem quadro
proporcionar um desvio temporário do infeccioso, a colostomia poderá ser fechada
trânsito fecal, propiciando condições para na mesma internação, principalmente se for
a cicatrização da lesão e evitando compli- em alça que fica mais fácil ainda, pois o pro-
cações relacionadas ao extravasamento de cedimento pode ser feito com anestesia local
fezes para os tecidos adjacentes. e sedação.

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7
CAPÍTULO 7
TRAUMA GENITURINÁRIO

TRAUMATISMO RENAL pélvico, correm em 4% das fraturas de bacia e


estão associadas à lesões vesicais em 10% dos
Os rins são órgãos que se localizam no retro-
casos.
peritônio, sendo assim protegidos posterior-
mente pela musculatura paravertebral, medial- Pacientes com lesão renal devem ser exami-
mente pela coluna vertebral, lateralmente nados, avaliados hemodinamicamente e de
pelos arcos costais e anteriormente pelas vísce- forma adequada, com o objetivo de preser-
ras abdominais e pela parede abdominal. Além var ao máximo o parênquima renal e evitar a
disso, possuem mobilidade natural durante os realização de nefrectomias desnecessárias. A
movimentos respiratórios e também são pro- quantidade de hematúria e o tipo do trauma
tegidos pela fáscia de Gerota. não são parâmetros para a indicação com-
pulsória de laparotomia. Lesões de artéria
O trauma renal ocorre em 5 a 10% dos
e veia renais estão associados à traumas com
traumas abdominais, constituindo 3%
forte desaceleração podendo cursar com avul-
das admissões hospitalares, sendo que
são do pedículo renal, lesões parciais ou até
os traumas renais mais graves são por
mesmo trombose arterial ou venosa por rup-
trauma fechado com acometimento do rim,
tura da íntima. Elas tendem a ser menos sinto-
seguido da bexiga, uretra e ureter, repecti-
máticas e podem passar desapercebidas, por-
vamente. Cerca de 80% dos traumas renais
tanto é importante investigar o mecanismo de
são por trauma contuso. Antigamente, era alto
trauma a fim de levantar suspeita e seguir com
o índice de nefrectomias pelo atendimento de
a investigação diagnóstica. Pacientes portado-
pacientes politraumatizados por cirurgiões
res de patologias renais preexistentes, como
pouco experientes com o trauma renal. Hoje
rins em ferradura, hidronefrose ou tumores,
as taxas de nefrectomias não chegam a 30%
são mais suscetíveis a apresentar lesões renais
quando há lesão penetrante ou trauma con-
secundárias ao trauma, mesmo em traumas de
tuso, mas são bem maiores quando há lesão
baixa intensidade.
do pedículo vascular.
A indicação de laparotomia exploradora no
Os traumas de ureter e bexiga são mais raros,
trauma renal está relacionada com instabili-
as lesões de bexiga que requerem alguma abor-
dade hemodinâmica.
dagem cirúrgica representam menos de 2%
das lesões abdominais e, em geral, encontram- A tomografia computadorizada é contraindi-
-se associadas à traumas de alta energia e com cada para pacientes instáveis hemodinami-
outras lesões severas concomitantes. Lesões de camente e refratários à reposição volêmica
ureter por violência externa ocorrem em menos adequada (estes candidatos à laparotomia de
de 4% dos traumas penetrantes e menos de 1% emergência). Na fase arterial do exame são
dos contusos. Lesões de uretra, por sua vez, avaliados os vasos hilares e a contrastação
são quase sempre associadas à fratura do anel homogênea do parênquima renal, com atenção

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


114 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

para a presença de sinais de sangramentos (blush arterial) ou hematomas em expansão. Na fase


tardia (excretora) deve ser avaliada a eliminação do contraste pela via excretora, com atenção
para a presença de extravasamentos ou obstruções na passagem do contraste.

Trauma renal – Associação Americana da Cirurgia do Trauma (AAST)

Grau Lesão Descrição da lesão

I Hematoma Subcapsular, não expansivo sem laceração parenquimatosa.

Laceração Laceração de espessura parcial

II Laceração < 1 cm de profundidade do córtex sem extravasamento de urina.

Laceração > 1 cm de profundidade do córtex sem extravasamento de urina ou


III Laceração
rotura do sistema coletor.

Laceração parenquimatosa se extendendo pelo córtex, medula e sistema


IV Laceração coletor.
Extravasamento de urina.

Vascular Lesão de artéria ou veia renal com hematoma contido.

V Laceração Esmagamento e esfacelamento do rim

Vascular Avulsão do hilo renal com desvascularização do rim.

*Avançar um grau para lesões múltiplas até grau III.

Grau I Grau II Grau III

Grau IV Grau V

Figura 7.1 Classificação do trauma renal de acordo com a tabela da AAST.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 115

DIAGNÓSTICO TC abdominal com contraste em três fases


(arterial, venosa e excretora) é o exame de
É importante lembrar que 70% dos traumas
escolha para avaliação da suspeita de trauma
são grau I e 20% grau II.
renal com acurácia de 98%.
O diagnóstico de lesões renais deve ser
feito com uma boa anamnese, investigan- A TC avalia a extensão e gravidade das lesões
do-se queixas do paciente e mecanismos do renais e do sistema coletor, hematomas retro-
peritoneais, lesões de outros órgãos e possí-
trauma. Exame físico deve identificar lesões
vel trombose de veia renal. É o melhor exame
no flanco, ferimento na pele, hematomas e
para esse tipo de situação (Figuras 7.3 a 7.4).
presença de hematúria macroscópica e san-
Indica-se TC com contraste endovenoso para
gue no meato uretral. Os exames laborato-
pacientes estáveis na admissão ou que tenham
riais (queda do hematócrito e hemoglo Anti-
apresentado estabilidade hemodinâmica e
gamente a urografia excretora com injeção ventilatória após as medidas de reanimação
de contraste IV também chamada de pielo- inicial, que apresentem hematúria macroscó-
grafia intra venosa era a melhor escolha, pica, crianças ou pacientes com rebaixamento
entretanto, como 20% das urografias excre- do nível de consciência. Na impossibilidade de
toras podem dar falsos-negativos além de só realizar TC, frente à suspeita de trauma renal,
informar sobre as vias urinárias, a TC abdo- poderiam ser realizados Urografia excretora e
minal passou a ser o exame de escolha para ultrassonografia.
avaliação do trauma renal em pacientes está-
veis. Vale lembrar que a urografia excretora
avalia a morfologia e função renal, além de
delimitar o sistema coletor e pode ser usada
no intraoperatório para avaliação da função
do rim contralateral (2 mL/Kg de contraste
com o filme batido 10 - 15 minutos depois
da injeção do contraste). Ambos os exames
encontram-se contraindicados na vítima ins-
tável hemodinamicamente.

Figura 7.3 TC com contraste no traumatismo renal. A: TC com contraste,


corte axial (fase excretora) demonstrando lesão grau 4 no polo inferior do
rim direito. B: TC com contraste, corte coronal (fase excretora), no mesmo
paciente anterior. C: TC com contraste, corte coronal (fase nefrograma),
explosão do polo inferior do rim esquerdo e grande hematoma perirrenal. D:
TC com contraste, corte axial, demonstrando a fragmentação do polo infe-
rior do rim esquerdo, no mesmo paciente anterior de C.

Figura 7.5 Trauma renal complicado após FAB em paciente com hematú-


ria macroscópica. TC de abdome, demostrando laceração profunda no rim
direito e hematoma perirrenal moderado. O paciente estava em tratamento
conservador quando fez hipotensão (mas respondeu a cristaloides), hema-
túria macroscópica e precisou 4 UI de concentrado de hemácias. B: foi levado
à arteriografia que demonstra duas áreas de fístula aerocalicinal manejada
com sucesso por embolização seletiva. C: arteriografia tardia demonstrou
área de infarto em forma de cunha devido à embolização. Esse teria sido um
paciente que se não tivesse sido submetido à arteriografia teria ido à laparo-
tomia e provavelmente nefrectomia total.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


116 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

TRATAMENTO
As lesões renais podem ser tratadas de forma con-
servadora ou por meio de exploração cirúrgica. A
maioria das lesões renais é tratada de forma
conservadora em 80-98% dos adultos e 95%
das crianças com trauma renal fechado; não
têm indicação de cirurgia, ao contrário daqueles
Figura 7.4 Trauma renal. A: TC de abdome, sugerindo oclusão de artéria
renal após acidente de trânsito com motorista com cinto de segurança. O com ferimentos penetrantes (consegue-se fazer
rim esquerdo não está perfundido e demonstra mínima intensificação com
contraste dos vasos capsulares. Esse achado é patognomônico de oclusão
manejo conservador em 50% dos FAB e 25% dos
da artéria renal e não seria necessária a arteriografia (B), confirmando a FAF, desde que sem lesão intra peritoneal asso-
oclusão arterial já evidenciada na TC de abdome.
ciada). A indicação de tratamento cirúrgico no
A tomografia computadorizada é contraindicada
trauma renal encontra-se relacionada à insta-
para pacientes instáveis hemodinamicamente e
bilidade hemodinâmica e não à classificação
refratários à reposição volêmica adequada (estes da injúria ou mecanismo do trauma.
candidatos à laparotomia de emergência). Na fase
arterial do exame são avaliados os vasos hilares RIM (Organ injury scale)
e a contrastação homogênea do parênquima
renal, com atenção para a presença de sinais de Grau Tipo Descrição

sangramentos (blush arterial) ou hematomas em


Hematúria macro/micro com
expansão. Na fase tardia (excretora) deve ser ava- Contusão
exames urológicos normais
liada a eliminação do contraste pela via excretora, I
com atenção para a presença de extravasamen- Subcapsular. Não expan-
Hematoma
tos ou obstruções na passagem do contraste. sivo, sem laceração

Nos casos em que se suspeita de fístula arte-


Confinado no retroperitô-
riovenosa ou se deseja realizar embolização Hematoma
nio renal. Não expansivo
terapêutica a arteriografia é de grande valia
para diagnóstico e tratamento. II
< 1 cm de profundidade
Laceração parenquimatosa, sem
extravasamento urinário

> 1 cm de profundidade
parenquimatosa. Sem rup-
III Laceração
tura de sistema coletor ou
A extravasamento urinário

Extensão para córtex,


Laceração
medula e sistema coletor

IV
C Lesão de artéria ou veia
Vascular renal com hemorragia
tamponada (contida)

B
Laceração Rim completamente destruído
Figura 7.5 Trauma renal complicado após FAB em paciente com hema-
túria macroscópica. TC de abdome, demostrando laceração profunda no
V
Avulsão de hilo renal. Des-
rim direito e hematoma perirrenal moderado. O paciente estava em trata- Vascular
mento conservador quando fez hipotensão (mas respondeu a cristaloides), vacularização do rim
hematúria macroscópica e precisou 4 UI de concentrado de hemácias. B:
foi levado à arteriografia que demonstra duas áreas de fístula aerocalici-
nal manejada com sucesso por embolização seletiva. C: arteriografia tardia Observação: avançar um grau para lesões bilaterais
demonstrou área de infarto em forma de cunha devido à embolização. Esse
teria sido um paciente que se não tivesse sido submetido à arteriografia até o grau III.
teria ido à laparotomia e provavelmente nefrectomia total.
Tabela 7.2Cirurgia imediata - indicações:
A ausência de hematúria não exclui lesão renal.
• Instabilidade hemodinâmica;

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 117

• Queda progressiva do hematócrito necessi-


Indicações para a cirurgia no trauma renal
tando de várias transfusões (> 4 UI);
• Hematoma pulsátil ou em expansão; Indicação Descrição

• Avulsão do pedículo renal.


Hematoma expansível e pulsátil retro-
A presença de tecido não viável, trombose Absoluta peritoneal não contido, que sugere
arterial, extravasamento de contraste e esta- lesão do pedículo renal

diamento incompleto devem ser avaliados com Grande laceração da pelve renal ou
Relativa
cuidado pois possuem indicações cirúrgicas avulsão da junção ureteropiélica
relativas. A maior parte das lesões traumáticas
Lesões pancreáticas e intestinais
é leve, sendo que em apenas 5% dos casos apa- Relativa
associadas
recem lesões significativas (> grau II). Pacientes
com lesões > grau IV são praticamente cirúrgi- Persistência da perda urinária mesmo
Relativa após a colocação do cateter duplo J e
cos, mas inicia-se sempre o tratamento conser-
drenagem das coleções perirrenais
vador e avalia-se a evolução.
Segmento renal desvitalizado com
O tratamento clínico conservador consiste em Relativa
extravasamento de urina
repouso, manutenção da volemia, correção do
hematócrito com transfusões e monitoração Completa trombose da artéria renal
Relativa de ambos os rins ou quando há ape-
clínica e radiológica. Não se deve esquecer que
nas um rim
um paciente submetido a tratamento conser-
vador pode se tornar cirúrgico em qualquer Relativa
Lesão vascular quando o tratamento
hemodinâmico falhar
momento de sua evolução. A monitorização
desse paciente deve ser intensa e realizada sob Relativa Hipertensão renovascular
ambiente de terapia intensiva.
Tabela 7.3 Indicações absolutas e relativas de cirurgia no trauma renal.
O tratamento cirúrgico é realizado por meio de
laparotomia por incisão mediana xifopubiana,
isolamento e controle dos vasos renais (artéria e
veia) antes da abertura da fáscia de Gerota e da
exploração da lesão. O cólon é mobilizado antero A B

superiormente, a fáscia de Gerota é então aberta


e o rim é exposto. A cavidade abdominal é inspe-
cionada cuidadosamente, com o intuito de identi-
ficar e reparar outras lesões associadas.

Na cirurgia, inicialmente procura se proceder C

à nefrorrafia, nefrectomia parcial e, em último


caso, a nefrectomia total, sempre procurando
avaliar a função do rim contralateral.
Figura 7.6 Controle do pedículo renal (principalmente o direito). A: expo-
sição transperitoneal. Após evisceração das vísceras abdominais para a
direita, faz-se excisão no peritônio posterior sobre a aorta medialmente
Indicações para a cirurgia no trauma renal aos vasos mesentéricos inferiores, podendo extender-se até o duodeno. B:
a veia renal esquerda. Posteriormente à veia renal esquerda, está a artéria
renal direita que é melhor controlada por acesso medial. Tem-se que tomar
Indicação Descrição cuidado porque, às vezes, da aorta até o rim a artéria renal bifurca-se. Nesse
caso, a visualização de uma artéria renal caudal à veia renal esquerda signi-
ficaria que há alta probabilidade de haver outra artéria renal superiormente
Persistência de sangramento de ori-
Absoluta (as duas terão um diâmetro bem menor do que o esperado). O controle vas-
gem renal com risco de morte cular do pedículo renal demonstrou diminuir a incidência de nefrectomias
de 50% para 18%. C: incisão retroperitoneal lateral ao cólon, expondo o rim.

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118 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

INDICAÇÕES DE NEFRECTOMIA e trombose vascular. As tardias são: atrofia


renal, hipertensão renovascular (33%), litíase,
A nefrectomia é indicada nas extensas lacera- hidronefrose e insuficiência renal (trauma em
ções renais com desvitalização de grande parte rim único ou bilateral).
do parênquima ou avulsão do pedículo, principal-
mente no indivíduo que possui o outro rim fun-
cionante e está instável hemodinamicamente. TRAUMATISMO RENAL EM
Não se deve correr o risco de tentativas pro- PEDIATRIA
longadas de reconstrução renal, procurando-
O rim da criança é mais vulnerável do que o do
-se evitar a tríade mortal (hipotermia, acidose,
adulto já que as crianças têm rins proporcio-
coagulopatia).
nalmente maiores, menos gordura perirrenal e
maior incidência de anormalidades renais que
facilitam o trauma.
As causas de trauma renal fechado mais
comuns na faixa etária pediátrica são: quedas,
acidentes recreativos e com veículos motoriza-
dos. Felizmente, apenas 3% dos traumas abdo-
minais fechados na infância acometem o rim.
Alguns fatores associados são predisponentes
a esse tipo de lesão, tais como: rim em ferra-
dura ou policístico, pielonefrite crônica, hidro-
nefrose por estenose de junção ureteropiélica,
entre outros.
Figura 7.7 Anatomia renal. Note a veia cava inferior (VCI) com trajeto retro-
-hepática que é onde encontra-se a maior mortalidade relacionada com esse
tipo de trauma. Repare a aorta ramificando-se em artérias renais e a posição A classificação do trauma renal é a mesma
que fica atrás da veia renal que vem diretamente da VCI. Note os dois urete-
res passando por cima das artérias ilíacas comuns. Essas questões anatômi- usada no adulto.
cas são frequentes nas provas de residência médica.

Alternativamente, a cirurgia de damage control A hematúria e mecanismo do trauma tam-


com colocação de compressas para controle de bém não se correlacionam com a gravidade da
sangramento, encaminhamento do paciente à lesão renal.
UTI para correção de distúrbios hidroeletrolí- Os pacientes pediátricos têm alta liberação
ticos e anormalidades metabólicas seguido de de catecolaminas e, portanto, o choque não é
reparo reconstrutivo renal tardio é boa opção. bom preditor do grau de lesão renal.
Entretanto, quando o reparo reconstrutivo não A TC é o melhor exame para o diagnóstico de
for viável tecnicamente e a vida do paciente lesões renais e de outros órgãos. O exame
está ameaçada por sangramento grave incon- de urina e a ultrassonografia de vias uriná-
trolável, indica-se a nefrectomia. rias são ideais para seguimento e seleção de
casos duvidosos. Lembre-se de que a tomo-
COMPLICAÇÕES grafia computadorizada é contraindicada para
pacientes hemodinamicamente instáveis.
A classificação das complicações do tratamento
O tratamento conservador é inicialmente reali-
das lesões renais pode ser dividida em precoce
zado. As contusões simples e lacerações super-
(de 4-6 semanas após o trauma) e tardia (após
ficiais representam 85% dos traumas em crian-
6 semanas).
ças. Até mesmo pacientes pediátricos com
As complicações precoces são: hemorragia, dor, lesões grau IV podem ser tratados de maneira
fístulas urinárias, urninoma, infecção, sepse conservadora em 60% dos casos. Quando o

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 119

tratamento cirúrgico é indicado, realiza-se ANATOMIA URETERAL


reparo renal, nefrectomia parcial, nefrectomia
Os ureteres estão no retroperitônio e apoiados
total ou, em casos estritos, autotransplante
sobre os músculos psoas, lateralmente às veias
renal podem ser necessários.
gonadais, e vão descendo do rim até passar por
cima das artérias ilíacas comuns.

TRAUMA DO URETER Vascularização: é segmentar. Os ureteres são


fartamente vascularizados por meio de ramos
As lesões ureterais representam menos de 4% oriundos das artérias renais, gonadais, lomba-
dos ferimentos penetrantes e menos de 1% dos res, aorta e ilíacas. Isso é bom porque permite
traumas fechados. a realização de anastomoses terminoterminais
A hematúria é um sinal importante no trauma sempre que possível, desde que essa anasto-
ureteral mas pode estar ausente em 45% das mose possa ser realizada sem tensão.
vezes. Lesões de ureter podem ser assinto- Quando amplamente dissecados, esta irrigação
máticas. fica prejudicada aumentado a chance de fístu-
O alto índice de suspeição é importante e o las e deiscência anastomóticas na reconstrução
diagnóstico é feito através de TC contrastada deste ureter lesado. Assim, deve-se ter o cui-
(o ideal) ou urografia excretora. Há de se ter dado de observar a vascularização do coto ure-
cuidado de analisar uma fase tardia excre- teral quando houver dissecção extensa dessa
estrutura, de modo a evitar estenose cicatricial
tora de contraste mesmo na TC multislice para
e fístula anastomótica. É preferível ressecar um
melhor identificação na falha da opacificação
pequeno segmento que possa eventualmente
distal do ureter.
ter sua irrigação comprometida, mesmo que
As lesões viscerais associadas são comuns aco- isso implique em um procedimento mais com-
metendo principalmente intestino delgado, plexo para a reconstrução do trato urinário, a
cólon e rim; a mortalidade pode chegar a 33% correr risco de estenose ou fístula. Lesões de
nesses casos, a lesão por trauma fechado é ureter inferior são tratadas preferencialmente
incomum, porém mais frequente na popula- com reimplante. A reconstrução ureteral se faz
ção pediátrica com anormalidade congênita do por meio de sutura com fio absorvível.
trato urinário como hidronefrose secundária
à estenose da junção ureteropiélica. A avul-
são dessa junção pode ocorrer após trauma
contuso com hiperextensão da coluna e em
artéria renal
traumas associados à desaceleração. Em geral,
esses pacientes não apresentam hematúria e o
diagnóstico é extremamente difícil. A etiologia artéria gonadal
mais comum do trauma de ureter é classi-
aorta
camente iatrogênica no intraoperatório de
cirurgias pélvicas ou endourológicas.
artéria ilíaca comum
Quando não diagnosticadas, ou quando iden-
tificadas tardiamente, essas lesões podem artéria ilíaca comum
artéria vesical superior
determinar a perda da função renal em decor- artéria uterina
rência do extravasamento de urina com conse- artéria retal média
artéria vaginal
quente formação de abscesso, fibrose periure- artéria vesical inferior
Figura 7.8 Ureter. Anatomia retroperitoneal. Note a vascularização seg-
teral e estenose cicatricial. Coleções urinárias mentar diretamente de ramos secundários da aorta e ramos da aorta.
infectadas podem ser a causa de sepse e até Em seu trajeto, os ureteres possuem três pon-
consequente óbito. tos de estreitamento anatômico: na junção

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


120 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

com a pelve renal, no cruzamento com os O quadro clínico pode se apresentar com peri-
vasos ilíacos e na junção com a bexiga. Esses tonite caso extravasamento de urina na cavi-
locais devem ser observados com cuidado dade abdominal, formação de tumoração local,
durante a manipulação endoscópica para evi- dor, febre e infecção secundária.
tar perfurações. Aproximadamente 50 a 70% das lesões ure-
Grande parte da extensão ureteral está frouxa- terais agudas não são diagnosticadas de ime-
mente aderida ao retroperitônio, possibilitando diato e, quando não tratadas, podem deter-
avulsões durante tentativas intempestivas de minar sequelas graves como hidronefrose e
tração para retirada endoscópica de cálculos ou perda da função renal.
ao forçar a passagem de endoscópios. Nas situações em que exista suspeita de lesão
Por possuírem íntima relação com as artérias ute- intraoperatória, o ureter deve ser minuciosa-
rinas, podem ser lesados durante a ligadura des- mente examinado e a injeção intravenosa de
azul de metileno poderá auxiliar no diagnós-
ses vasos para a realização de histerectomia.
tico. Lesões mínimas podem ser tratadas com a
O ureter é reconhecido no intraoperatório introdução de cateter ureteral duplo J. Conside-
porque o seu pinçamento com pinça anatô- rar o risco benefício do azul de metileno, pois
mica demonstra peristalse significativa. pode causar meta hemoglobinemia quando
utilizado por via intravenosa.
Quando a suspeita diagnóstica é tardia, a
DIAGNÓSTICO realização de pielografia ascendente é o pro-
cedimento mais adequado, pois permite a
As lesões ureterais podem ser iatrogênicas
identificação precisa do local da lesão e, even-
(80%) ou decorrentes de traumatismos abdo-
tualmente, seu tratamento, mesmo que tem-
minais externos (20%) e, mais raramente,
porário, por meio de cateter duplo J. Alternati-
sequelas de tratamentos radioterápicos. vamente, na impossibilidade de cateterização
As lesões iatrogênicas são decorrentes de inci- ureteral e na presença de hidronefrose, devem
sões e transecções inadvertidas, ligaduras, ser realizadas pielografia percutânea e nefros-
queimaduras por eletrocautério, isquemias do tomia com o objetivo de preservar a função
coto ureteral por dissecções extensas, avul- renal e derivar o trato urinário, criando con-
sões e perfurações por manipulação endoscó- dições locais mais satisfatórias para o trata-
pica. As lesões por FAF ou FAB incidem em até mento definitivo a ser realizado posterior-
10% dos casos, quando não identificadas no mente, em prazo não inferior a 90 dias.
ato intraoperatório, as lesões ureterais devem A TC com reconstrução sagital da via excre-
sempre ser suspeitadas nas evidências de fís- tora mostra-se a mais adequada para avaliar
tulas urinárias, abscessos retroperitoneais e conjuntamente lesões viscerais e ureterais nos
hidronefrose pós-operatória. traumatismos abdominais externos.

Trauma de ureter - Escala AAST

Grau da lesão ureteral * Tipo de lesão ureteral Descrição da lesão

I Hematoma Contusão ou hematoma sem desvascularização

II Laceração < 50% transecção do ureter

III Laceração > 50% transecção do ureter

IV Laceração Transecção completa sem desvascularização

V Laceração Avulsão do hilo renal com desvascularização

Tabela 7.4 Escala de Moore para trauma de ureter pela escala da AAST: Associação Americana para a Cirurgia do Trauma. *Avançar um grau na classificação
quando a lesão for bilateral até o grau 3.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 121

Avaliação da integridade da junção ureteropél-


vica: diagnóstico realizado por TC contrastada
visualizando sistema coletor renal e ureter pro-
ximal com material de contraste excretado.
Em pacientes instáveis onde a TC não pode ser
feita a alternativa é realizar a urografia excre-
tora “em tomada única” com injeção do con-
traste 2 mL/Kg e raios X 10-15 minutos após.

Figura 7.9 Urografia excretora: extravasamento de contraste no ureter


direito (seta) demonstrando lesão do ureter direito.

TRATAMENTO
Pequenas perfurações provocadas por proce-
dimentos endoscópicos podem ser tratadas
apenas com a colocação de cateter duplo J.

Ureter proximal: ureterouretoroanastomose


primária (e o duplo J é colocado para facilitar
a sutura). Caso haja perda extensa do ureter
pode-se fazer autotransplante de rim e ainda
interposição de alça intestinal. Nefrostomia
raramente é necessária.

As lesões percebidas no decorrer de procedimen-


tos cirúrgicos, assim como as avulsões decorren-
tes de procedimentos endoscópicos, devem ser
tratadas de imediato com colocação de duplo J.

Lesões que comprometem pequenas extensões


do ureter são abordadas por meio de ressecção
do segmento comprometido e anastomose termi-
noterminal. Para tanto, é necessário que a sutura
seja feita sem tensão, com fio absorvível (Vicryl
3-0, 4-0 ou 5-0, categute cromado), tomando-se o
cuidado de ampliar os cotos da anastomose por
uma pequena incisão longitudinal (anastomose
em bizel). Uma alternativa ao duplo J é o J simples
que é exteriorizado pela bexiga.

Ureter médio proximal: prefere-se anasto-


mose terminoterminal mas, quando não é
possível, há de se fazer transureterouretero
anastomose. Esse procedimento é bom por-
que permite anastomose em local longe de
processos patológicos. Alternativamente,
Figura 7.10 TC de abdome e pelve, na fase excretora, mostrando lesão ure- pode-se fazer ainda interposição de segmento
teral proximal e extravasamento de contraste para hilo renal e tecido celular
subcutâneo. ileal (pielo/ureteroileocisto anastomose) Este

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


122 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

segmento pode ser tubulizado para adequa-


Princípios da cirurgia reparadora uretal
ção de calibre. Uma vez interposta alça, esta
deve ir desde a lesão ureteral até a bexiga. • Preservação da adventícia e gordura periurete-
ral
Segmento médio distal: reimplante uretero-
vesical associado à fixação bexiga-psoica (pre- • Desbridamento até bordas com irritação pre-
ferido para diminuir a tensão na anastomose servada
com ponto de vicryl 2.0, unindo-se a bexiga ao • Espatulação dos cotos terminais
psoas). Aqui há de se ter o cuidado de não lesar
• Colocação de stent ureteral transanastomótico
o nervo genitofemoral (que está na superfície
do psoas) ou o nervo femoral. Alternativa- • Sutura hemética e sem tensão (fios absorvíveis)

mente, pode ser feito de flap para a confecção • Dreno externo próximo à sutura (sem sucção)
de um tubo de bexiga (técnica de Boari).
• Proteção da sutura com peritônio ou omento

Formas de tratamento do traumatismo ureteral 7.11 Topografia das lesões uretrais e opções terapêuticas.

Cateterização com duplo J e/ou nefrostomia per-


cutânea TRAUMATISMO VESICAL
A bexiga é um órgão cuja localização é dentro
Ureteroureterostomia (anastomose terminoterminal)
do anel pélvico, parte intraperitoneal e parte
Transureteroureterostomia (anastomose termino- extraperitoneal, ficando protegida de ferimen-
lateral) tos penetrantes e traumas fechados. Dessa
forma, a incidência do trauma de bexiga é de
Reimplante ureteral sem mobilização vesical
1,6% de todos os traumas abdominais fecha-
Bexiga psoica (Psoas-Hitch) dos, entretanto, se associados à traumas pél-
vico graves a incidência cresce para 80-95%
Retalho de Boari
dos casos. Quando fratura de bacia, a bexiga
Substituição ureteral (ureter ileal) e uretra são os principais órgãos acometidos,
sendo 0,5% a incidência de trauma vesical
Autotransplante renal
entre todos os traumas fechados admitidos na
Tabela 7.5 Tratamento do trauma de ureter. sala de emergência.
Na maioria dos casos em que se constata lesão
vesical, o trauma é fechado em aproximada-
mente 80% dos casos e, em geral, é consequ-
ência de acidentes automobilísticos.
Terço proximal
Anastomoser primária do ureter
As lesões iatrogênicas de bexiga não são inco-
Transureteroureterostomia muns. Algumas análises demonstram, por
Terço médio exemplo, incidência de 0,02 a 8,3% nas cirurgias
Anastomoser primária
do ureter laparoscópicas, sendo a histerectomia vaginal
Transureteroureterostomia
Terço inferior
a que apresenta mais chance de ocorrência
Reimplante ureteral dessas lesões. Procedimentos como histerec-
Bexiga psóica
Retalho de bexiga à Boari tomias abdominais, exérese de massas pélvi-
cas, cesáreas, ressecções intestinais e corre-
ção de incontinência urinária são clinicamente
Figura 7.11 Topografia das lesões uretrais e opções terapêuticas.Figura importantes como causa de lesão vesical.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 123

O quadro clínico da lesão vesical é composto oferecem estresse ao anel ósseo pélvico, favo-
por dor suprapúbica, incapacidade de urinar, recendo fraturas. Fraturas que comprometem
coágulos intravesicais, baixo volume urinário, a estabilidade da bacia são consideradas de
grandes traumas perineais, liquido livre intra- maior potencial para trauma de bexiga e ure-
peritoneal, distensão abdominal, íleo paralitico tra. A fratura de bacia é a lesão que mais se
associa ao trauma de bexiga. Obviamente,
e aumento das escorias urinarias (ureia e crea-
contusões abdominais, sobretudo em hipo-
tinina sérica).
gástrio, no momento em que a bexiga está
O diagnóstico é feito pela cistografia retrograda repleta, favorecem rupturas vesicais, sem
com acurácia de 85-100%, porém a investigação haver necessariamente fratura de bacia.
se inicia com radiografia simples do abdômen Na prática clínica, longe de ser regra, obser-
para avaliar fratura pélvica. Posteriormente, va-se que fraturas que geram instabilidade
via sondagem vesical, é injetada solução salina vertical do anel ósseo pélvico (isto é, impacto
0,9% no interior da bexiga previamente esva- frontal, esmagamento anteroposterior) são
ziada e o contrataste deve ser instilado por gra- mais propensas a provocarem ruptura intra-
vidade a uma altura de 75 cm da pelve óssea peritoneal. Fraturas com instabilidade rota-
(em adultos utilizar 400ml, em crianças 60ml tória (tipo livro aberto) podem causar lesões
+ 30ml/idade até no máximo 400 ml) e reali- extraperitoneais. Com mais energia no
zado radiografia com grande enchimento e pós impacto, lesões combinadas possuem maior
probabilidade de ocorrência.
esvaziamento, lembrando que 13% das vezes a
lesão aparece no período de esvaziamento. A Traumas penetrantes, como aqueles provoca-
cistotomografia é uma alternativa em serviços dos por arma branca ou projétil de arma de
que possuem esse exame. fogo, podem comprometer a bexiga. Armas
de fogo com projéteis de grande energia
podem lesar a bexiga sem mesmo haver con-
tato do projétil com o órgão. Nesses casos,
CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES DE a lesão ocorre por cavitação: a transmissão
BEXIGA energética confere diferenças de pressão em
diferentes locais da pelve, provocando rup-
As lesões vesicais geralmente acompanham lesões
tura vesical.
de uretra. Elas podem ser observadas como:
• Contusões de bexiga: são resultados de
força sobre a área da parede detrusora,
sem haver ruptura do órgão; QUADRO CLÍNICO
• Ruptura intraperitoneal: lesão de todas as cama- A lesão de bexiga, de causa iatrogênica, tem
das da parede da bexiga com extravasamento sua constatação no momento da lesão na
de urina e sangue para a cavidade peritoneal; maioria dos casos. Quando isso não ocorre,
• Ruptura extraperitoneal: ruptura vesical a lesão pode ser suspeitada pelos sintomas
com extravasamento de sangue e urina apresentados pelo paciente. Por exemplo,
ao espaço retroperitoneal, de Retzius, sem lesões decorrentes de ressecções transure-
haver urina dentro do peritônio; troscópicas de bexiga podem provocar ruptu-
ras vesicais cujo extravasamento de urina no
• Lesão combinada: lesões intra e extraperi-
espaço retroperitoneal provoca dor lombar e
toneais concomitantes.
até torácica dorsal importante. Essas lesões
extraperitoneais podem evoluir com infecção
ou fístula para outros órgãos pélvicos ou para
MECANISMO DE LESÃO a pele. Lesões com extravasamento intraperi-
Traumas como esmagamento, atropela- toneal podem gerar desconforto e dor abdomi-
mento e golpe contuso são mecanismos que nal, além de sinais de irritação peritoneal.

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124 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

mortalidade. Com o intuito de realizar o diagnós-


tico de trauma vesical é importante a suspeita
clínica pelo médico assistente já no momento
do atendimento inicial, no setor de emergência.
Além dos exames de avaliação hemodinâmica,
urina tipo 1, creatinina e ureia que são impor-
tantes para a completa avaliação.

Primeiramente, a realização dos exames espe-


cíficos de imagem deve pressupor que os
pacientes estejam estabilizados do ponto de
Figura 7.12 A-D: tomografia computadorizada de abdome e pelve mos-
vista hemodinâmico. Dentre os exames de ima-
trando lesão de bexiga com extravasamento intraperitoneal.
gem, a cistografia e a tomografia computadori-
No paciente vítima de trauma pélvico fechado, a zada são os exames mais realizados na prática
presença de fratura de bacia deve levantar a hipó- clínica. A cistografia apresenta sensibilidade
tese de comprometimento vesical, sobretudo na próxima a 100%. Por outro lado, a tomogra-
presença de hematúria franca. A presença desse fia não possui grande acuidade em predizer
sinal deve induzir a hipótese de outros traumatis- trauma de bexiga, a não ser que se utilize con-
mos genitourinários; além disso, a fratura pélvica traste instilado pela sondagem vesical.
associada transpõe o paciente ao risco em torno O exame físico, atentando-se aos sinais clí-
de 40% de haver lesão vesical. Nesses casos, não nicos do paciente, deve alertar o médico
se deve esquecer a possibilidade de trauma de assistente a solicitar exames de imagem
uretra e os cuidados com esse paciente devem
com o intuito de confirmar ou afastar o
ser tomados como tal.
diagnóstico de trauma vesical. A cistografia
Nesse cenário, os pacientes podem apresen- merece ser realizada na presença de sinais
tar ao exame físico: dor e aumento da tensão e sintomas que são altamente sugestivos de
abdominal suprapúbicas, retenção urinária trauma vesical (dor suprapúbica, distensão
ou dificuldade miccional, coágulos em urina, abdominal, diminuição de ruídos hidroaé-
edema e hematoma perineal, distensão abdo- reos, incapacidade de esvaziamento vesical,
minal e ruídos hidroaéreos diminuídos. Pacien- coágulos na urina, hematoma perineal ou
tes com rebaixamento de nível de consciência edema, líquido livre na cavidade peritoneal
necessitam de cuidados adicionais com base à tomografia ou ultrassonografia, presença
em exames complementares. de obstrução miccional prévia, cirurgia vesi-
A análise da urina pode revelar micro-hematú- cal prévia, elevação dos níveis de creatinina
ria, achado que se traduz em lesão vesical com e ureia por reabsorção peritoneal). Nessas
um risco menor (cerca de 1%). Deve-se lembrar condições, a indicação é relativa, visto que a
da contusão vesical como sendo também res- chance de ruptura vesical, embora existente,
ponsável por essa apresentação. é menor quando comparada aos quadros
com hematúria e fratura de bacia.
EXAMES COMPLEMENTARES
Cistografia após trauma
O tempo necessário para se constatar a rup-
tura vesical em média é de 3,2 horas após Indicação absoluta:

a admissão. Nos casos em que esse tempo


Hematúria franca e fratura pélvica
ultrapassa 24 horas, observa-se elevação da

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 125

quando o paciente com instabilidade hemo-


Cistografia após trauma
dinâmica e claro comprometimento abdomi-
Indicação relativa: nal é levado às pressas ao centro cirúrgico ou
quando é verificada lesão em outros órgãos
Hematúria franca sem fratura pélvica abdominais e pélvicos que necessitem de tra-
tamento cirúrgico.
Micro-hematúria com fratura pélvica
A lesão intraperitoneal normalmente é tra-
Micro-hematúria isolada tada com cirurgia aberta, seja pela indicação de
Tabela 7.7
laparotomia exploradora por outras lesões, seja,
nos casos iatrogênicos, pelo reconhecimento
imediato. Traumas penetrantes podem necessi-
tar de prévio desbridamento e posterior sutura
em dois planos com fios absorvíveis. A presença
de lesões mais complexas pode envolver amplia-
ção vesical, utilizando-se ou não retalhos.

As lesões extraperitoneais em geral são


conduzidas com simples sondagem vesical
de demora por 14 dias, com o intuito de se
derivar a urina favorecendo a cicatrização
da lesão, associado à antibioticoterapia.
Com isso, em torno de 85% das lesões esta-
rão cicatrizadas no momento da retirada da
sonda vesical. O tempo de internação geral-
mente não apresenta diferenças em relação
à gravidade da lesão vesical. Apenas a gra-
Figura 7.13 Cistografia mostrando pequeno extravasamento de contraste vidade do trauma e suas lesões associadas
no domo de bexiga, lesão encontrada no intraoperatório bloqueada pelo
cólon sigmóide. determinam o tempo de internação. Casos
em que há fratura de bacia, por exemplo,
apresentam mais tempo de internação.
TRATAMENTO Com a evolução, os pacientes podem apresen-
O tratamento deve ser instituído assim que o tar disúria, retenção urinária crônica e aguda
diagnóstico é confirmado e as condições clíni- decorrente de tamponamento por coágulos.
cas do paciente permitam. Muitas vezes, a lesão Em longo prazo, podem ocorrer estreitamento
vesical é observada apenas no intraoperatório, uretral e impotência.

Trauma de bexiga - Escala AAST

Grau da lesão * Tipo de lesão Descrição da lesão

I Hematoma Contusão ou hematoma intramural

Laceração Espessura parcial

II Laceração Rotura de bexiga extraperitoneal < 2 cm

Rotura de bexiga extraperitoneal > 2 cm. Rotura de bexiga


III Laceração
intraperitoneal < 2 cm

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126 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Trauma de bexiga - Escala AAST

Grau da lesão * Tipo de lesão Descrição da lesão

IV Laceração Rotura da parede da bexiga intraperitoneal > 2 cm

Rotura de bexiga intraperitoneal extendendo-se até o colo da

V Laceração bexiga ou orifício do ureter

(trígono)

Tabela 7.8 Escala de Moore para trauma de bexiga pela escala da AAST: Associação Americana para a Cirurgia do Trauma. *Avançar um grau na classificação
quando a lesão for bilateral até o grau 3.

Suspeita de traumatismo
fechado de bexiga

Uretrocistografia
Lesão Lesão
retrógrada ou
intraperitoneal extraperitoneal
tomografia de abdome

Sondagem
Exploração Contusão
vesical por 10
cirúrgica
a 14 dias

Sutura da
bexiga sondagem
por 10 a 14 dias
Figura 7.14 Algoritmo de tratamento do trauma de bexiga.

TRAUMATISMO URETRAL
As lesões traumáticas de uretra são pouco frequentes. Tradicionalmente, são divididas em lesões de
uretra anterior e posterior, uma vez que o manuseio inicial varia de acordo com o grau e a localização
destas. As rupturas de uretra posterior costumam estar associadas à lesões de múltiplos órgãos
e mortalidade considerável, ao passo que as lesões de uretra anterior em geral ocorrem de
forma isolada.

ETIOLOGIA
A maioria das lesões de uretra posterior é decorrente de trauma contuso associado à fratura
pélvica. A ruptura uretral ocorre em aproximadamente 10% dessas fraturas que, em geral, são
secundárias a acidentes automobilísticos (68 a 78%), quedas e lesões pélvicas por esmagamento
(6 a 25%).

As fraturas pélvicas têm maior incidência nas primeiras três décadas de vida, acometendo duas
vezes mais homens do que mulheres. As mulheres são menos acometidas em razão de menor
comprimento e maior mobilidade uretral em relação ao arco púbico. Os subtipos de fraturas pél-
vicas mais comumente associadas à ruptura de uretra posterior incluem a fratura em livro aberto,

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 127

também chamada de fratura em borboleta, em em livro aberto, pelo qual um fragmento da


que os quatro ramos púbicos estão fraturados, sínfise púbica é deslocado posteriormente,
e a fratura de Malgaigne, que envolve ruptura levando à ruptura. O último mecanismo con-
pelo ramo isquiopúbico anteriormente, bem siste na diátese da sínfise púbica, por meio
como através do sacro ou da junção sacroilíaca da qual a uretra membranosa é estirada até
posteriormente. Se a fratura em livro aberto sua ruptura.
estiver associada com disjunção sacroilíaca, a
lesão uretral é mais prevalente.

As lesões de uretra anterior também têm como


CLASSIFICAÇÃO
principal causa os traumas contusos, incluindo Colapinto e McCallum descreveram, em 1977, o
acidentes automobilísticos, quedas a cavaleiro mais aceito sistema de classificação de trauma
e chutes no períneo. A uretra bulbar é o seg- de uretra posterior, que recentemente foi
mento mais acometido (85%). modificado por Goldman para incluir todos os
tipos de lesão contusa. Essa classificação utili-
As lesões penetrantes são raras, em geral za-se de achados radiográficos para enumerar
decorrentes de perfurações por arma de fogo, os tipos de lesão:
envolvendo normalmente a uretra anterior em
seus segmentos bulbar e peniano igualmente. Tipo 1: ruptura do ligamento puboprostático e
hematoma periprostático adjacente, estirando a
Ocorre envolvimento da bexiga em 10 a 20%
uretra membranosa sem ruptura
dos casos de ruptura uretral, sendo extraperi-
toneal em 56 a 78% das vezes e intraperitoneal Tipo 2: ruptura completa ou parcial da uretra mem-
em 17 a 39%. Lesões de colo vesical concomi- branosa acima do diafragma urogenital ou da mem-

tantes costumam ter consequências graves na brana perineal. Na uretrografia, o contraste é visto
extravasando-se acima da membrana perineal
continência. Lesões uretrais em mulheres na
maioria das vezes estão associadas à lacera-
Tipo 3: ruptura completa ou parcial da uretra mem-
ções vaginais (75%) e retais (33%).
branosa, com ruptura do diafragma urogenital. O con-
traste extravasa para dentro da pelve e do períneo

MECANISMO DE LESÃO
Tipo 4: lesão do colo vesical com extensão para den-
Na uretra anterior, a força de impacto no períneo tro da uretra
esmaga a uretra bulbar contra o ramo púbico,
ocasionando contusão ou laceração da uretra. Já Tipo 5: ruptura vesical extraperitoneal com lesão na
o mecanismo de lesão da uretra posterior con- base da bexiga e extravasamento periuretral, simu-
siste em uma força de cisalhamento, que avul- lando uma lesão tipo 4
siona o ápice da próstata da uretra membranosa,
com rotura do ligamento pubo prostático, alto Tipo 6: lesão de uretra anterior
risco de lesão do esfíncter estriado, podendo,
Tabela 7.9
assim, comprometer a continência.
O tipo 3 constitui o tipo mais frequente, ocor-
Pokorny postulou três mecanismos por meio rendo em 66 a 85% das lesões de uretra poste-
dos quais esse cisalhamento pode ocorrer. rior. Os tipos 1 e 2 são incomuns, representando
O primeiro envolve o deslocamento supe- aproximadamente 10 e 15%, respectivamente.
rior de uma hemipelve (por exemplo, fratura As lesões tipo 4 são raras.
de Malgaigne) com laceração para dentro da O sistema de classificação utilizado com mais
uretra. O segundo inclui lesões por fratura frequência para lesões de uretra anterior foi

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128 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

descrito por McAninch e Armenakas, também APRESENTAÇÃO CLÍNICA


com base em achados radiográficos:
A presença de fratura pélvica, sangue no meato
Contusão: achados clínicos sugestivos de lesão ure- uretral e incapacidade de urinar (ou distensão
tral, mas com uretrografia normal vesical) consistem na tríade diagnostica de rup-
tura uretral. A capacidade de urinar, no entanto,
Ruptura incompleta: a uretrografia demonstra
não afasta a possibilidade de lesão parcial da
extravasamento, porém a continuidade uretral é
uretra. A presença de sangue no meato é
parcialmente mantida
mais um importante sinal de trauma uretral,
Ruptura completa: a uretrografia demonstra sendo observado em até 93% dos pacientes,
extravasamento com ausência do enchimento da com uma sensibilidade de 98% para lesão pos-
uretra proximal ou bexiga. A continuidade uretral é terior e 75% para lesão anterior da uretra.
interrompida
Em geral, o volume de sangue expelido pelo
Tabela 7.10 meato não se correlaciona com a gravidade
A classificação da AAST modificada leva em do quadro. Outros sinais sugestivos de trauma
consideração a extensão do trauma e a loca- uretral incluem hematúria maciça, equimose
lização anatômica avaliadas na uretrografia
ou hematoma escrotal, peniano ou perineal, e
retrógrada.
dificuldade de cateterização vesical. O exame
Classificação da AAST modificada retal digital pode revelar uma próstata elevada
ou deslocada em 34% dos casos, porém trata-
Grau Tipo Descrição
-se de um achado incerto na fase aguda, uma
Alongamento da uretra vez que o hematoma pélvico associado à fratura
I Alongamento sem extravasamento de de bacia pode prejudicar a palpação prostática
contraste adequada, em particular em pacientes jovens.

Sangue no meato. Sem A lesão uretral feminina é suspeitada na


II Contusão extravasamento de con- presença de fratura pélvica associada com
traste sangramento vaginal ou laceração, uretror-
ragia, hematúria, edema labial ou incapaci-
Extravasamento de con-
dade de urinar.
Ruptura parcial traste no local da lesão.
III de uretra ante- Presença de contraste DIAGNÓSTICO
rior/posterior na uretra proximal/
A uretrografia retrógrada é o exame de escolha
bexiga
no diagnóstico de lesões uretrais em razão de
Extravasamento de con- sua simplicidade e acurácia, e possibilidade de
Ruptura total traste no local da lesão. ser realizada rapidamente na sala de trauma.
IV de uretra ante- Ausência de contraste A tomografia computadorizada (TC) é ideal
rior/posterior na uretra proximal/ para visualizar lesões no trato urinário supe-
bexiga rior e na bexiga, ao passo que a ressonância
nuclear magnética (RNM) é útil na avaliação
Ruptura total
Lesão de colo vesical ou da pelve pós-trauma antes de intervenções
V de uretra pos-
vaginal associada reconstrutoras, não tendo papel no diagnós-
terior
tico inicial dessas lesões, inclusive devido à
Tabela 7.11 demora e complexidade de sua realização.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 129

Figura 7.15 A: radiografia de pelve mostrando fratura dos ramos iliopúbico e isquiopúbico esquerdos e da asa sacral direita, em associação à diastase da
sínfise púbica. B: uretrocistografia, na fase retrógrada, mostrando opacificação até o nível da uretra bulbar. C e D: uretrocistografia, na fase retrógrada, mos-
trando indefinição de uretra membranosa e prostática com extravasamento de contraste. E: uretrocistografia de controle evolutivo após 3 meses, na fase
miccional, mostrando ainda extravasamento do contraste.

TRATAMENTO DA LESÃO DA URETRA


Normalmente não é reparada no trauma agudo, mas sim tardiamente 3 meses depois. Entre-
tanto, com a evolução do serviço de endourologia, algumas lesões vêm sendo realinhadas na
urgência, mas em pacientes selecionados.

ROTURA DE URETRA ANTERIOR


Faz-se a uretrocistografia e procede-se o reparo na fase aguda ou a cistostomia. Se o ferimento
for incompleto < 2 cm o cateterismo pode ser tentado por urologista, mas na menor resistência o
mesmo deverá ser colocado sob endouroscopia (uretroscopia) direta.
Confirmada a rotura total de uretra anterior, o reparo na fase aguda pode ser realizado, uma vez
que não há comprometimento esfincteriano. Caso seja realizada cistostomia, deverá permanecer por

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.


130 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

3 meses (ou até o desaparecimento do hema- A disfunção sexual (impotência) e a incontinên-


toma). Após esse período, que é quando desa- cia urinária dependem da lesão e poderiam ser
parece o edema e hematoma perineal daí faz-se agravadas por uma tentativa de reanastomose
anastomose uretral terminoterminal. primária na fase aguda. A principal vantagem
do tratamento com realinhamento endos-
cópico é evitar algumas uretroplastias tar-
ROTURA DE URETRA POSTERIOR dias e nestes casos facilitar a técnica, pois o
hiato entre os cotos saudáveis comprometi-
É possível tentar fazer o realinhamento endos- dos por estenose seria menor.
cópico precoce naqueles pacientes estáveis
Alternativamente pode-se fazer o tratamento
quando houver disponibilidade de material
convencional com cistostomia por 3 meses (ou
endoscópico. O realinhamento primário por até o desaparecimento do hematoma) e daí repe-
laparotomia também é factível, mas implica tir o uretrocistograma e avaliar se o hematoma
em chance de hemorragia. Este realinhamento Suspeita de regrediu e a anatomia ficou melhor identi-
pélvico
traumatismo
precoce evitaria estenose de difícil tratamento. uretral
ficada para, finalmente, fazer a uretroplastia.

Uretrografia retrógrada e urografia excretora

Lesão de uretra anterior Lesão da uretra posterior

Parcial Total Simples Complexa

Tentativa de sondagem Abordagem


ou Cistostomia Cistostomia cirúrgica imediata
cistostomia ou cistostomia
Figura 7.16 Conduta imediata no traumatismo uretral.

TRAUMA PENIANO E TESTICULAR TRAUMA PENIANO


Geralmente o trauma é fechado relacionado a ato sexual violento, ferimentos penetrantes e
mordidas de animais, resultado da ruptura da túnica albugínea ou ambos os corpos caverno-
sos secundária ao trauma de pênis com ereção. O tratamento é cirúrgico com reparo direto da
túnica albugínea. Em se tratando de ferimento penetrante, a conduta é exploração e reparo.
O quadro clinico se apresenta com dor aguda no pênis, perda súbita da ereção associada à edema
e hematoma volumoso; apresenta lesão associada com uretra em 10-15% dos casos,.
A cistouretrografia é importante porque pode haver lesão de corpo cavernoso e rotura de uretra
concomitante, o ultrassom pode auxiliar demonstrando descontinuidade da túnica albugínea em
casos duvidosos.
Amputações traumáticas do pênis precisam não só de manejo microcirúrgico, mas tratamento
psiquiátrico porque os pacientes podem apresentar distúrbios psiquiátricos relacionados após
essa lesão.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 131

TRAUMA TESTICULAR suspeita de lesão testicular, existe a indicação


de ultrassonografia com Doppler que deve
Os traumas testiculares podem ser oriundos
evidenciar a presença ou não da rotura testi-
de traumas abertos ou fechados. Os traumas
fechados podem produzir ruptura do testículo cular, do hematoma e de alterações vascula-
por lesões esportivas, agressões, acidentes res. A maioria das lesões fechadas possuem
automobilístico etc. conduta conservadora, exceto nos casos nos

Porém, rupturas testiculares não são comuns, quais existe solução de continuidade das túni-
o que se dá, em parte, à sua mobilidade e resis- cas que compõem a bolsa escrotal ou nos
tência da túnica albugínea, sendo que o mais casos onde existe suspeita de comprometi-
comum é a existência de hematomas testicula- mento vascular. Já nos traumas penetrantes,
res autolimitados após o trauma. o objetivo é evacuar o hematoma, desbridar o
O exame físico e o quadro clínico são de difícil tecido inviável e controlar a infecção, a fim de
interpretação. Durante a avaliação, frente à reparar e preservar o testículo.

Ferimentos pelviperineais complexos exigem a realização de colostomia proxi-


mal e cistostomia para desviar o transito intestinal e urinário diminuindo a mor-
bimortalidade.

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8
CAPÍTULO 8
TRAUMA PÉLVICO

INTRODUÇÃO
Os acidentes automobilísticos são responsáveis pela maioria das fraturas da pelve, exceto para
as pessoas acima dos 60 anos de idade, onde as quedas levam à maioria das fraturas pélvicas.
As fraturas do anel pélvico estão presentes em aproximadamente 25% dos pacientes traumatiza-
dos. Os tipos principais de fraturas pélvicas são:
• Compressão anteroposterior;
• laterolateral;
• Cisalhamento vertical;
• Padrões complexos (combinados);
O anel pélvico é composto de três ossos: osso ilíaco direito, osso ilíaco esquerdo e o sacro que
são estabilizados por ligamentos fortes. O osso ilíaco é formado pelo íleo, o pube e o ísquio que
se fundem no acetábulo.

Ligamento Ligamento
sacroilíaco iliolombar
anterior

Ligamento
sacroilíaco
posterior

Ligamento
sacroespinhoso

A B Ligamento sacroespinhoso

Figura 8.1 A e B: imagens mostrando aspectos anterior e posterior da pelve, com suas estruturas ligamentares.

Esses tipos de trauma têm associação com alta morbimortalidade sobretudo devido às lesões
associadas. Daí a importância de se reconhecer o padrão de lesão à pelve porque há relação com
o mecanismo de trauma e o tratamento apropriado. O segredo é verificar se houve deslocamento
da hemipelve, facilmente visualizado no raios X de pelve, porque é isso que irá indicar a cinemá-
tica do trauma:

Compressão lateral é o mecanismo mais comum. Pode ocorrer rotação interna da hemipelve
afetada com deslocamento da hemipelve que geralmente leva à lesão de uretra associada,
podendo haver disjunção sacroilíaca associada ou não. Geralmente, essas fraturas não destroem
os ligamentos pélvicos e não “abrem” a pelve, logo, não necessitam de estabilização. Fraturas
horizontais nos ramos púbicos são características desse tipo de mecanismo e podem estar asso-
ciadas à lesão de uretra; geralmente não relacionam-se com sangramentos significativos (exceto
àquelas que lesam espinha esquiática maior e que podem lesar artéria glútea, mas é muito raro).

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 133

Compressão anteroposterior (fratura em livro A gravidade da lesão é proporcional à vio-


aberto) é o segundo mecanismo mais comum, lência do trauma. Assim sendo, a pelve pode
causada por colisões de motocicletas, atropela- sofrer lesão mínima e estável até roturas
mentos, esmagamento direto da pelve ou queda extremamente graves capazes de determi-
de alturas superiores a 3 m. As características nar óbito por hemorragia (fraturas pélvicas
clássicas são o alargamento da sínfise púbica sangram > 2 litros); cerca de 30% dos poli-
(> 2,5 cm) e diástase de articulação sacroilíaca traumatizados com lesão do anel pélvico
(disjunção sacoilíaca facilmente visualizadas irão a óbito.
no raios X de pelve AP). Quanto maior a ener-
As fraturas do anel pélvico verdadeiras (instá-
gia cinética do trauma maior a rotação externa
-veis - sínfise púbica, sacroilíaca e sacro) pre-
da pelve (a TC é melhor para avaliar a rotação
cisam ser diferenciadas das fraturas que não
externa geralmente direita e posterior da pelve
afetam a estabilidade (estáveis porque não
em pacientes estáveis). São fraturas verticais
rompem ligamentos anteriores e posteriores da
do quadril, podendo, ou não, ter disjunção
bacia, exemplo: fratura acetabular). Além disso,
sacroilíaca. Fraturas em livro aberto ocasionam
há de se olhar L5 para avaliar se há fratura de
o pior tipo de sangramento (> 2 litros), visto que
processo transverso que indica um fator de
favorecem a lesão de ramos arteriais e da rede
instabilidade da pelve porque o ligamento ileo-
venosa pélvica e aumentam o volume pélvico,
lombar se insere neste local, bem como a espi-
aumentando também a complacência pélvica
nha ilíaca posterosuperior (o forte ligamento
para hemorragias.
sacroilíaco posterior se insere nesse local).
Cisalhamento vertical: há deslocamento
As lesões estáveis têm um bom prognóstico e rara-
da hemipelve afetada em direção cranial que
mente levam à alterações funcionais, enquanto as
ocasiona disjunção sacroilíaca. É uma fratura
fraturas instáveis (fraturas posteriores) apresen-
orientada verticalmente e caracteristicamente
tam maior incidência de mortalidade, consolidação
de um lado só. Sangram menos que as de livro
viciosa, não consolidação e dor crônica.
aberto visto que não cursam com aumento sig-
nificativo do volume pélvico, porém possuem As fraturas instáveis aumentam o volume pél-
capacidade de apresentar importante sangra- vico, aumentando o volume de sangue que este
mento associado. compartimento aceita, reduzindo assim as chan-
ces de que o sangramento seja limitado e aumen-
As lesões antero-posteriores (livro aberto)
tando o potencial hemorrágico da lesão. Por este
sangram mais por lesão de ramos arteriais
motivo, uma das condutas emergenciais das fra-
e sobretudo o plexo venoso. Nas fraturas
turas em livro aberto é a instalação de uma con-
verticais ou laterais o sangramento, quando
tenção com lençol estabilizando a pelve e redu-
ocorre, é por lesão direta de tronco arterial e
zindo o diâmetro do anel pélvico. Essa conduta
ou venoso (artéria e veia ilíacas e seus ramos
reduz o volume da cavidade pélvica, limitando o
principais) e também está associada à lesão
sangramento para este compartimento
de órgãos pélvicos.

A avaliação do hematoma pélvico e a classifica-


ção de Tile serão um dos critérios para deter- CLASSIFICAÇÃO
minar a necessidade de arteriografia. Várias classificações das lesões do anel pélvico
são apresentadas na literatura, mas a classifi-
cação proposta por Tile e Pennal (Tabela 8.1),
Valores normais: sínfise púbica < 1 cm; jun- é a mais utilizada e relaciona-se à cinemática
ção sacroilíaca < 0,4 cm. de rotação após o trauma, orientando para o
tratamento.

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134 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

Fraturas da Pelve - Classificação de Tile e Pennal

Tipo A - Estável (vertical e rotação)

Al - Fraturas que não comprometem o anel: lesões por avulsão

A2 - Fratura com desvio mínimo

A3 - Fratura transversa do sacro e do cóccix

Tipo B - Instabilidade rotacional / Estabilidade vertical (open-book fractures)

B1 - Instabilidade em rotação externa: lesão em livro-aberto

B2 - Instabilidade em rotação interna: lesão por compressão lateral

B3 - Lesão posterior bilateral

Tipo C - Instabilidade rotacional e vertical

C1 - Lesão posterior unilateral

C2 - Lesão posterior bilateral - um lado com instabilidade rotacional e outro vertical

C3 - Lesão posterior bilateral (ambos os lados com instabilidade vertical)

Tabela 8.1 Classificação de Tile para fraturas de bacia

Compressão lateral (fechada) Compressão anteroposterior Cisalhamento vertical


frequência de 60% a 70% (livro aberto) frequência de 15% a 20% frequência de 5% a 15%

Fratura fechada Fratura em livro aberto Fratura cisalhamento vertical


Figura 8.2 Mecanismo de trauma para as fraturas de bacia.

Suspeitar de fratura pélvica em doente chocado, sem resposta à reposição volêmica, que não
tem sinal de fratura ao exame físico.

O alargamento de sínfise púbica sugere fratura instável do anel pélvico. A fratura pélvica é
importante marcador da magnitude da lesão retroperitoneal.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 135

Tipo A Tipo B Tipo C

Figura 8.3 Classificação das fraturas do anel pélvico de acordo com Tile.

A classificação de Young e Burgess, que se baseia no mecanismo de trauma e no tipo de vetor


força aplicado na pelve, procura estabelecer uma sequência de prioridades diagnósticas e tera-
pêuticas. Esses autores definiram a compressão anteroposterior, a compressão lateral e o
cisalhamento vertical como mecanismos de trauma pélvico.

Fraturas da pelve – Classificação de Young e Burgess

Compressão anteroposterior (AP)

I- Alargamento da sínfise púbica < 2,5 cm sem lesão pélvica posterior significativa.

II- Alargamento da sínfise púbica > 2,5 cm sem lesão pélvica posterior significativa.

III- Rotura completa da sínfise púbica e ligamentos posteriores com deslocamento da hemipelve.

Compressão lateral (CL)

I- Compressão posterior da articulação sacroilíaca sem rotura ligamentar. Fratura oblíqua do pube.

II- Rotura do ligamento sacroilíaco posterior: rotação interna da hemipelve em direção anterior à sacroilíaca
com lesão de esmagamento do sacro. Fratura oblíqua do pube.

III- Compressão anteroposterior para a hemipelve contralateral.

Cisalhamento vertical

Tabela 8.2

As lesões por compressão anteroposterior (APC), causadas por forças exercidas no sentido
anteroposterior da bacia, tendem a abrir a pelve com ruptura da sínfise púbica e das arti-
culações sacroilíacas, promovendo a rotação das asas ilíacas para fora. A pelve tende a se
abrir anteriormente como se fosse um livro (open-book). Essas fraturas podem ser subdivididas
em 3 tipos, APC I, II e III.
Ao tipo APC-I, corresponde à uma lesão estável do anel pélvico, com diástase isolada da sín-
fise pubiana ou com fratura dos ramos do púbis. Corresponde a um afastamento da sínfise
< 2,5 cm e o anel posterior permanece intacto.

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136 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

As do tipo APC-II são rotacionárias, instá-


Fraturas em livro aberto necessitam de repo-
veis, associadas com a ruptura da sínfise ou sição sanguínea em média de 11 U de con-
menos comumente, fraturas de seus ramos, centrado de hemácias. Fique atento para a
ou ruptura dos ramos púbicos e dos liga- necessidade de abertura de protocolo de
mentos sacrotuberosos, sacroespinhosos e transfusão maciça na proporção de 1:1:1 nes-
sacroilíacos. Esses traumatismos são asso- ses pacientes.
ciados com o grande afastamento da sínfise No exame físico deve-se procurar, à inspe-
pubiana, > 2,5 cm, e alargamento de 1 ou das ção, por discrepância dos MMII, deformidades
2 sínfises sacroilíacas. rotacionais, deformidade pélvica e por lesões
abertas. Sinais de hemorragia e áreas de con-
As lesões tipo APC-III são as que apresentam
tusão de partes moles na região pélvica podem
lesão completa das articulações sacroilíacas,
sugerir a existência de fratura da pelve (secun-
as quais se tornam instáveis no plano vertical
dária principalmente à lesão dos plexos veno-
e rotacional. sos pélvicos e mais raramente, lesão da artéria
O cisalhamento vertical (VS) decorre de agres- pélvica). A existência de sangramento anal ou
vaginal pode ser decorrente de uma fratura
são anterior e posterior ao anel pélvico e da
com perfuração da vagina ou do reto, o que
ruptura dos ligamentos sacroespinhosos e
constitui a fratura exposta oculta.
sacrotuberosos causando grande instabilidade
pélvica. As forças verticais de cisalhamento A avaliação neurológica dos membros infe-
riores é importante, pois a raiz L5 pode estar
tendem a deslocar uma das hemipelves em
comprometida, principalmente nas lesões ins-
sentido cranial, com a resultante lesão da arti-
táveis da pelve.
culação sacroilíaca correspondentes. Todas
as lesões pélvicas enquadradas nesta cate- A estabilidade rotacional pode ser determi-
nada pela manobra de compressão da região
goria têm destruição completa da articulação
anterossuperior dos ilíacos, tanto em rotação
sacroilíaca e são consideradas instáveis.
externa quanto interna. Essa manobra deverá
ser feita apenas uma vez sob pena de agravar
a hemorragia.
ASPECTOS CLÍNICOS
A manobra de pistonagem (puxar-empurrar o
É importante entender que fraturas posterio- membro inferior) deve evidenciar a presença
res da pelve podem requerer arteriografia de de instabilidade vertical da pelve.
imediato em 10% das vezes. As fraturas pélvicas, principalmente as ins-
Mas o usual na maior parte dos traumas de táveis, devem ser inicialmente tratadas com
fixação externa para a estabilização da pelve
bacia é priorizar:
e o controle da hemorragia. A recomenda-
• Fixação da pelve; ção atual pelo ATLS é que havendo possibili-
• O FAST pode auxiliar na investigação de dade de arteriografia com embolização, nos
casos de fratura de bacia que não respondem
pacientes instáveis;
hemodinamicamente à reposição volêmica,
• Conter o sangramento que pode ser com esta pode ser feita antes da fixação da fratura
damage control (packing pélvico extraperito- (Tile B e C).
neal); É importante antecipar a necessidade de san-
• Arteriografia. gue nesses pacientes. O déficit de base menor

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 137

que -6 é fator de pior prognóstico e mais sen- TC DA PELVE


sível do que o lactato. É importante entender
que o sangramento arterial é responsável pelo A TC (sempre com contraste, no trauma) da
choque em fraturas da pelve em 15% das vezes pelve desempenha um papel fundamental
que é causado por fragmentos e deslocamen- na avaliação da lesão que ocorre na porção
tos ósseos. Entretanto, na maior parte dos posterior da pelve. Permite um diagnóstico
preciso do comprometimento dos ligamen-
casos o sangramento pélvico é venoso. Daí a
tos posteriores da articulação sacroilíaca,
necessidade de entender que a arteriografia
das fraturas do sacro e da região posterior
será efetiva em casos selecionados.
do osso ilíaco.
Pacientes com fratura pélvica e em choque têm
Pacientes com fratura em livro aberto e cisa-
mortalidade de 30-50%. Lembre-se de que o
lhamento vertical que estejam estáveis deve-
ATLS traz a indicação de abertura de protocolo
rão fazer TC de pelve. A TC fornece dados sobre
de transfusão maciça para pacientes com cho- o tipo de instabilidade da lesão (vertical e rota-
que classe funcional IV, na proporção de 1:1:1. cional e classifica o Tile. A realização da TC é
imperativa para o correto planejamento do tra-
tamento definitivo das fraturas do anel pélvico.
O sangramento, na maior parte dos casos na
fratura de bacia é venoso! Todos os recursos diagnósticos (clínicos e de
imagem) têm como objetivo avaliar a estabili-
dade do anel pélvico.

EXAMES COMPLEMENTARES A TC de abdome é o exame que diminui as pre-


ocupações (exemplo: se há líquido intra-abdo-
minal mas lesão de fígado provavelmente é do
RAIOS X DE PELVE AP
trauma de fígado e tem menos chances de ser
Para a adequada avaliação das lesões do anel rotura intestinal). É muito importante determi-
pélvico é fundamental a realização das radio- nar quem realmente irá à laparotomia porque
grafias da pelve nas três incidências descritas há morbidade e complicações ocorrendo em
40% dos pacientes que irão à laparotomias não
por Pennal, ou seja:
terapêuticas.
Anteroposterior (AP);
A presença de instabilidade hemodinâmica con-
Inlet: raios centrados sobre a pelve com inclina- traindica formalmente os exames tomográficos.
ção cranial caudal de 45°;

Tangencial ou outlet: raios centrados sobre a


pelve com inclinação caudal cranial de 45°.
ATENÇÃO!
• A TC com extravasamento persistente de con-
FAST traste (blush) tem sensibilidade variável (60-
84%), especificidade entre 85-98% e valor pre-
FAST (Focused Assessment with Sonography for ditivo positivo de 93% para o diagnóstico de
Trauma) é um método de avaliação ultrasso- lesões arteriais com hemorragia ativa;
nográfico, que pode ser considerado ainda • A compressão da bexiga por hematoma
durante o exame primário que tem como um pélvico também pode ser considerada
de seus objetivos, identificar liquido livre na como marcador de hemorragia arterial
cavidade abdominal, incluindo a janela pélvica na TC, com indicação de arteriografia e
(análise dos espaços perivesicais). embolização;

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138 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

• A determinação do volume dos hematomas próprio coágulo aspirado do paciente para ser-
retroperitoniais pélvicos de causa traumá- vir de agente embolizante. Estas embolizações
tica sugere que volumes > 500 mL têm 45% podem agir até mesmo no plexo venoso, pois
de probabilidade de estarem relacionados passam das arteríolas para os capilares e des-
com hemorragias causadas por lesões arte- tes para a rede venosa.
riais, permitindo indicação de arteriografia
pélvica seguida de embolização. Pacientes com maior probabilidade de san-
gramento arterial:
ARTERIOGRAFIA • Compressão anteroposterior II e III e com-
pressão laterolateral II e III;
O paciente com fratura de bacia e instabilidade • Cisalhamento vertical;
hemodinâmica deve ser submetido inicial-
• Hematoma pélvico grande à TC;
mente ao FAST. Se forem positivos no paciente
instável, ele deverá ir à laparotomia. Se esses • Pseudoaneurisma pélvico à TC;
exames forem negativos, os pacientes devem • Instabilidade hemodinâmica com FAST e
ir à arteriografia e embolização mesmo que LPD negativos;
instáveis hemodinamicamente. • Mais de 4 U de concentrados de hemácias
Pacientes com hematomas retroperitone- em menos de 24 horas.
ais podem se beneficiar da arteriografia se Na maior parte dos sangramentos que se resol-
houver um componente arterial associado vem com arteriografia, os vasos que mais san-
porque, nesse caso, o procedimento é diag- gram são ramos anteriores da artéria ilíaca
nóstico e terapêutico em 11% das fraturas interna (como a obturatória) e dos ramos
pélvicas. Vinte por cento das fraturas em posteriores, a artéria glútea superior .
livro aberto e cisalhamento vertical reque-
rem embolização, enquanto que só 2% das
secundárias requer compressão lateral TRATAMENTO
desse procedimento.
Politraumatizado com
Caso o sangramento possa ser identificado lesão da pelve

pela arteriografia, a embolização é capaz de Hemodinamicamente Hemodinamicamente


estável instável
tratar o sangramento em 90% das vezes. Daí
a importância de se determinar precocemente Pesquisa para
sangramento no tórax
quais os pacientes que se beneficiarão da arte- Negativa e abdome Positiva

riografia (idealmente < 5 horas). A embolização Radiografia da pelve Tratamento da lesão no


com Gelfoam é preferível. com fratura instável tórax ou abdome para
estabilizar paciente
Radiografia da pelve
Há casos em que o paciente está exanguinando
Reposição de Ressuscitação do
e a embolização às cegas das artérias hipográs- volume paciente
ticas pode funcionar, assim como a sua liga- Estabilização da pelve
Fixador externo
dura, se durante uma laparotomia. Lembrando Clamp pélvico
que a ligadura das duas hipogástricas (artérias Tração

ilíacas internas) apresentam risco significativo Hemodinamicamente Hemodinamicamente


estável instável
de necrose glútea e de pelve, no entanto, a liga-
dura unilateral é segura. Angiografiade emergên-
cia com embolização ou
exploração cirúrgica da
Outra medida salvadora é a embolização a lesão vascular
céu aberto com coágulos do próprio paciente. Manutenção do fixador
Durante a laparotomia, na ausência de par- externo
Programação de fixação
tículas embolizantes como o gelfoam, há a interna definitiva

possibilidade de injetar pelas hipogástricas o Figura 8.4 Algoritmo do tratamento das fraturas da pelve.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 139

Figura 8.5 Fratura de bacia exposta e em livro aberto com ferimento complexo pelviperineal grave, com destruição e avulsão da genitália e sangramento
expressivo. Em um primeiro momento, até a fixação cirúrgica da bacia, a aplicação de talafix pelo dorso + faixas ou mesmo lençóis é útil na tentativa de
fechar a pelve em livro aberto. Levá-lo para laparotomia para realizar colostomia protetora é primordial para desviar o trânsito intestinal e evitar síndrome
de Fournier nesses pacientes.

Figura 8.6 Fixação externa da pelve com lençol no PS.

Figura 8.7 London splint é esta faixa preta aplicada em fraturas de bacia no resgate pré-hospitalar.

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140 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

mecânica do anel pélvico e da contrapressão


externa. Os pacientes com estas lesões podem
ser inicialmente avaliados e tratados em insta-
lações que não possuem os recursos necessá-
rios para gerenciar definitivamente a hemorra-
gia associada.
Nesses casos, os membros da equipe de
trauma podem usar técnicas simples para
estabilizar a pelve antes da transferência do
paciente. Uma vez que as lesões pélvicas asso-
ciadas à hemorragia principal giram exter-
Figura 8.8 Vítima utilizando a calça antichoque (PASG). namente o hemipelve, a rotação interna dos
membros inferiores pode auxiliar no controle
PASG: a calça antichoque conhecida nos
da hemorragia ao reduzir o volume pélvico.
EUA como PASG (pneumatic antishock garg-
Ao aplicar um suporte diretamente à pelve do
ment) não é disponível amplamente no Bra-
paciente é possivel reduzir o volume e o poten-
sil: ela realiza o controle da hemorragia por
cial hemorrágico pélvico.
pressão direta em membros inferiores e
pelve (aumenta a pressão em paciente Nos casos de lesões por cisalhamento vertical,
com PA < 50-60 mmHg), melhorando a per- a tração longitudinal aplicada através da pele
fusão para órgãos nobres como cérebro, ou do esqueleto e a manobra também podem
coração e rim. O PASG faz uma compres- ajudar a proporcionar estabilidade.
são efetiva até na estabilização de fratu-
O tratamento de traumatismo contundente e
ras pélvicas mas, para a retirada desse
penetrante no abdômen e pelve inclui:
dispositivo, deve-se hidratar muito bem
o paciente porque ao desinsuflar rapi- • Delineando o mecanismo de lesão;
damente, este poderá entrar em choque • Reestablecendo funções vitais e otimizando
refratário. a oxigenação e a perfusão de tecidos;
Contraindicações da calça antichoque: ges- • Reconhecimento rápido de fontes de
tante e rotura traumática do diafragma. hemorragia com esforços de controle de
hemorragia;
Modo de aplicação da calça antichoque:
• Avaliação inicial meticulosa, repetida em
inflá-la após posicioná-la sob a vítima até a
intervalos regulares;
pressão sistólica atingir 80 mmHg. Ao desinsu-
flar tem que ser 5 mmHg a cada 10 minutos e, • Estabilização pélvica;
se o paciente apresentar hipotensão, há de se • Laparotomia;
insuflar de novo e hidratar mais com cristaloi- Embolização angiográfica e empacotamento
des. Considerar a necessidade de abertura de préperitoneal.
protocolo de transfusão maciça.
A décima edição do ATLS inclui o “packing”
(empacotamento) como opção de tratamento HEMATOMA RETROPERITONEAL
para rápida contenção da hemorragia.
Os vasos do retroperitônio são fontes de san-
O gerenciamento inicial do choque hipovolê- gramento grave e que cursam com alta morta-
mico associado à uma grande disrupção pél- lidade sobretudo nas fraturas de compressão
vica requer controle rápido da hemorragia e AP. As lesões tamponadas e restritas ao retro-
ressuscitação hidrica. O controle da hemor- peritônio resultam em grandes hematomas.
ragia é conseguido através da estabilização Quando há ruptura para o peritônio livre, a

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 141

morte ocorre em minutos. Nesses doentes, Hematomas da zona II: localizam-se nas
quanto mais precoce a hemostasia, melhor goteiras parietocólicas e loja renal bilateral.
será o prognóstico. Hematomas da zona III: pélvicos. Abaixo da
As três maiores fontes de sangramento são: linha horizontal que passa nas cristas ilíacas.
focos de fraturas ósseas, lesões arteriais e
lesões venosas. Admite-se que o sangramento
oriundo dos focos de fratura e das lesões veno-
sas sejam auto-limitante devido ao aumento
na pressão no espaço retroperitoneal pélvico.
Atualmente, aceita-se que em 86% dos casos a
hemorragia associada com as fraturas pélvicas
seja constituída de sangue venoso proveniente
dos focos de fratura e que em 10% dos casos o
sangramento seja de origem arterial. A lesão em
grandes veias é mais rara e ocorre em menos de
1% dos pacientes.

Alguns autores entendem que a lesão das veias


ilíacas é a principal causa de choque hemorrá-
gico em alguns pacientes com fraturas pélvicas
instáveis após trauma fechado.

Embora menos frequentes, as lesões arteriais


são as que mais costumam causar instabili-
dade hemodinâmica.

As artérias pudenda interna, glútea superior,


sacral lateral e hemorroidária média foram consi-
deradas como as maiores fontes de sangramento
nas fraturas pélvicas. As lesões nos vasos ilíacos
comuns ou nos externos foram relacionadas com Figura 8.9 zonas de hematomas do retroperitônio.

fraturas graves nos ossos ilíacos ou com luxação


da articulação sacroilíaca. Lesões nas artérias
obturatórias e pudendas internas podem ser cau- CONDUTAS CIRÚRGICAS
sadas por fraturas nos ramos púbicos. Hematoma de zona I: explora-se sempre (feri-
mentos penetrantes e fechados). Alta probabi-
Achados arteriográficos mais recentes permi-
lidade de lesões em grandes vasos.
tem supor que as artérias pélvicas mais vul-
neráveis aos traumas fechados são: iliolom- Hematoma de zona II: explora-se quando o
hematoma está em expansão ou com sangra-
bar (3%), glútea inferior (6%), obturatriz (16%),
mento ativo (suspeita de lesão vascular) .
sacral lateral (23%), glútea superior (25%) e
pudenda interna (27%). Hematomas pélvicos (zona III) fechados: não
devem ser explorados se trauma fechado, exceto
se hematoma em expansão ou sangramento
CLASSIFICAÇÃO ativo, podendo nesses casos utilizar a técnica
endovascular como aliada. Porém, se em trauma
Hematomas da zona I: são os de localização penetrante, sempre deve ser explorado!
central (retromesentéricos). Esta região con- Quando o hematoma estiver em expansão,
tém os grandes vasos do retroperitônio. talvez a melhor conduta seja a colocação de

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142 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

compressas para damage control, estabilizando o doente na UTI e procedendo à arteriografia


para embolização dos vasos ilíacos.
Os hematomas causados por agentes penetrantes (FAFs/FABs), mesmo os pélvicos e os das zonas
I e II, devem ser explorados após controle vascular proximal e distal.
Geralmente os trajetos da aorta e da cava são abordados, respectivamente, pelas manobras de
Mattox e a de Kocher estendido (super Kocher) ou Catell.
Na manobra de Catell, incisa-se a goteira parietocólica direita, em seguimento à tradicional
manobra de Kocher.

Figura 8.10 Na manobra de Catell, incisa-se a goteira parietocólica direita para acessar os rins e vasos do retroperitônio.Essa é a mesma manobra que faze-
mos para acessar o apêndice retroperitoneal. Nessa imagem, foi feito também manobra de Kocher de liberação do peritônio da segunda porção do duodeno
que se pode palpar pâncreas e colédoco distal.

Tronco
Celíaco
a. Mesentérica
Superior
a. Renal
Esquerda

Manobra de Mattox

Figura 8.11  Manobra de Mattox consiste na abertura da goteira parietocólica esquerda; há exposição da aorta; pode-se fazer Mattox deslocando-se o rim
e baço apenas pela incisão de reflexos peritoneais.

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CIRURGIA 1 -POLITRAUMA I. 143

Figura 8.12 a manobra de Kocher, a segunda porção do duodeno é liberada de sua reflexão deperitônio e o duodeno volta a ter a mobilidade que possuía
embriologicamente.

Figura 8.13

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144 CIRURGIA 1 - POLITRAUMA I.

FIGURA 8.14 Estudo NEXUS e o Protocolo Canadense para avaliação clínica da coluna cervical e decisão sobre a necessidade de avaliação radiológica da
mesma para retirada do colar. Adaptado do ATLS 10 pág 9

Figura 8.15

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