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Ângelo Flávio1
Artista de múltiplos talentos, ator, diretor, dra- Nascido na Cidade de Franca, interior de São
maturgo, artista plástico e ensaísta, Abdias Nasci- Paulo, no dia 14 de março de 1914, Abdias Nasci-
mento (1914-2011) foi senador, secretário de es- mento, filho do sapateiro senhor José Ferreira do
tado, Professor Emérito da Universidade de NY Nascimento e da cozinheira dona Georgina Fer-
e Doutor Honoris Causa pelas Universidades de reira do Nascimento (D. Josina), veio ao mundo
Brasília, Rio de Janeiro e Federal da Bahia. Dedicou em uma época tumultuada, como ele mesmo dizia:
toda a sua existência à luta anti-racista no mundo. “Havia ainda o rescaldo das lutas abolicionistas, e a grande
Homem de postura cívica e cidadã na participação massa de africanos escravizados não tinha tido tempo de
da vida político-cultural do que temos hoje como tomar pé de suas próprias vidas”2.
Brasil. A cultura brasileira e, especificamente a Aos 16 anos, em 1930, mente a idade e alista-se
afro-brasileira no contínuo processo de afirmação no exército para sair da cidade de Franca rumo à
da sua identidade frente à cultura globalizada deve Capital de São Paulo. Na Revolução de 1932, passa
a este homem honrarias incontestes pelo poder de a frequentar as reuniões da frente negra, “foi nesse
ter questionado o imperativo das representações principio de militância orgânica que pude começar a sentir
simbólicas da nação brasileira canonizado no ideá- e a entender o orgulho coletivo, porque o orgulho individual,
rio do colonizador macho-branco-europeu.
2
SEMOG, Elé. Abdias Nascimento: o griô e as muralhas. p.
Ator e bacharel em direção teatral.
1
190 30.
Repertório, Salvador, nº 17, p.190-194, 2011.2
que também é necessário, eu já tinha”3 lembrava-se. Na prática, o conceito intrinsecamente político da afirmação e do
mesma década lutou contra a ditadura no seio do resgate da cultura-africana brasileira, com a atuação política
Estado Novo, organizou o Congresso Afro-campi- ostensiva”5, relata Elisa Larkin, sua esposa.
neiro e viajou para o Peru, com o grupo de poetas O TEN não se restringia somente ao palco, mas
e artistas a Santa Rosa Hermandad. Por esta oca- se propunha a “trabalhar pela valorização do negro no
sião, ficou chocado, ao ver o ator Hugo D’Evieri Brasil através da educação, da cultura e da arte”, como
pintado de negro na peça O Imperador Jones de Eu- definia Abdias, promovendo, assim, mecanismos
gene O’Neill e, diante disso, retorna ao Brasil, com de interferências político-sociais, que partiam des-
o propósito de criação de um Teatro Negro. de o ‘Curso de Alfabetização e Iniciação Cultural’
Fundou o Teatro Experimental do Negro às ações como o Concurso da Rainha das Mulatas
(TEN) em 1944, juntamente com Lea Garcia, Ruth e Bonecas de Pixe nas décadas de 40 e 50, a Con-
de Souza, Aguinaldo de Oliveira, Claudiano Filho, venção Nacional do Negro (1945) na qual lança
Mercedes Batista, Solano Trindade, Arlinda Sera- o seu Manifesto à Nação Brasileira propondo a cri-
fim, Haroldo Costa entre outros, mas antes havia minalização do preconceito racial no país para ser
fundado o Teatro do Sentenciado na Carandiru, encaminhado para a Constituinte de 1946, a Con-
penitenciária de São Paulo, “lá nós construíamos o Pal- ferencia Nacional do Negro (1949), o I Congresso
co, fazíamos o Vestuário. Éramos só homens e fazíamos as do Negro Brasileiro (1950), Competição Plástica
vestimentas de mulheres, tinha até uma Carmem Miranda Cristo Negro (1955), a Semana do Negro (1955) e
que também fazia um Lampião4”, recordando as pe- a Edição da Revista Quilombo, em 1961, entre ou-
ças teatrais durante a ocasião em que fora preso tras atividades. “O TEN nunca foi só um grupo de
por infração disciplinar no exército: “Foi uma reação Teatro, era uma verdadeira frente de luta”6, revela.
extraordinária a receptividade, a reação dos presos, todos A partir do Golpe de 1964, a censura impediu
ali sentadinhos assistindo ao teatro...”, conclui. Levou a continuidade das atividades do TEN e, com a re-
quase três anos preso, até que o Supremo Tribunal pressão política, as estratégias de ação da entidade
Federal, tardiamente, soltou-o por não encontrar ficaram restritas. Em 1968, com a intensa repres-
provas, e por entender que Abdias não poderia são instituída pelo AI-5, foi obrigado a deixar o
permanecer em uma penitenciária uma vez que país acusado de fazer ligação entre o movimento
fora julgado por um tribunal militar. negro e os grupos de esquerda.
“Bom, o concreto nosso é a estréia. Queremos estrear O exílio dá inicio a outra fase na vida de Abdias,
no Teatro Municipal”, dizia Abdias, juntamente com agora, em uma luta internacional organizada e Pan-
uma comissão, ao presidente Getúlio Vargas em africanista. Suas contribuições sempre propuseram
1945. Havia para o grupo uma espécie de simbo- uma discussão sobre os modelos sócio-racial- ibe-
lismo adentrar num espaço onde os negros não ro-latino. Recebido nos EUA, pelo Sr Bobby Sale,
entravam nem como artistas e nem como platéia, presidente dos Panteras Negras, Abdias também
apenas como faxineiros. “E ele, para a minha surpre- manteve contato direto com o poeta Amiri Baraka
sa, não só apoiou a ideia, como mandou que se reservasse a e Stokely Carmichael, criador conceitual do Black
data que eu escolhesse para a estréia do Teatro Negro”. As- Power. Para ele, a militância pró-causa negra eram
sim, no dia 8 de maio de 1945 - momento em que as mesmas, a diferença se dava pela liberdade de
o mundo vivia a tensão da segunda guerra mundial expressão conquistada nos Estados Unidos para
com as forças nazistas – o TEN estreava o seu pri- lutar sem “a mordaça da democracia racial de esquerda ou
meiro espetáculo no Teatro Municipal, do Rio de de direita no Brasil”.
Janeiro. A experiência desenvolvida com o TEN, aqui
“O Teatro Experimental do Negro foi o primeiro ele- no Brasil, rendeu-lhe o convite como professor
mento do movimento afro-brasileiro a ligar, na teoria e na
5
NASCIMNETO, Elisa Larkin. Pan-africanismo na Améri-
3
Idem. p. 78. ca do sul. Rio de Janeiro: Editora Vozes/Ipeafro.
4
Ibidem. p.116. 6
SEMOG, Elé. Abdias Nascimneto: o griô e as muralhas. p. 128
191
Repertório, Salvador, nº 17, p.190-194, 2011.2
09. Museu da Associação Nacional de Artistas 19. El Taller Boricua e Caribbean Cultural Cen-
Afro-Americanos, Boston, 1971. ter, Nova York, 1980.
10. Studio Museum in Harlem, Nova York, 20. Galeria Sérgio Milliet, Fundação Nacional
1973. das Artes - FUNARTE, Ministério da Cul-
11. Langston Hughes Center, Buffalo, NY, tura, Rio de Janeiro, Brasil, 1982.
1973. 21. Palácio da Cultura (Prédio Gustavo Capane-
12. Fine Arts Museum, Syracuse, NY, 1974. ma), Ministério da Cultura, Rio de Janeiro,
13. Galeria da Universidade Howard, Washing- Brasil, 1988.
ton DC, 1975. 22. Salão Negro, Congresso Nacional, Brasília,
14. Inner City Cultural Center, Los Angeles, DF, 1997.
1975. 23. Galeria Debret, Paris, 1998.
15. Ile-Ife Museum of Afro-American Culture, 24. Arquivo Nacional (antiga Casa da Moeda),
Philadelphia, 1975. Rio de Janeiro, 2004-2005.
16. Galeria do Banco Nacional, São Paulo, Bra- 25. Galeria Athos Bulcão, anexo ao Teatro Na-
sil, 1975. cional, Brasília, DF, 2006.
17. Galeria Morada, Rio de Janeiro, Brasil, 26. Caixa Cultural Salvador / II Conferência
1975. Mundial dos Intelectuais Africanos e da Di-
18. Museu de Artes e Antiguidades Africanas áspora, 2006.
e Afro-Americanas, Center for Positive 27. IV Bienal da União Nacional dos Estudan-
Thought,Buffalo, NY, 1977. tes (UNE), Rio de Janeiro, 2007
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