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Entrelaçando - Revista Eletrônica de Culturas e Educação

Caderno Temático VI: Educação Especial e Inclusão


Nº. 8 p. 162-164, Ano IV (Junho/2013) ISSN 2179.8443

BARRETO, Madson; BARRETO, Raquel. Escrita de Sinais


sem mistérios. Belo Horizonte: Ed. do autor, 2012. Vol. 1

Isaac Figueredo de Freitas1

A escrita é uma das tecnologias de registro que revolucionou a humanidade nas


esferas: histórica, econômica, jurídica, política, social, filosófica e cultural, para citar
apenas algumas. O fascínio dos povos primitivos por uma forma de expressão que
atravessasse as fronteiras geográficas, culturais e temporais, esteve presente em muitas
civilizações, não sendo possível definir, ao certo, quem teve, pela primeira vez, essa
brilhante ideia de documentar a fala, o pensamento e o sentimento do ser humano.
Os pictogramas, ideogramas, rebus, hieróglifos e o sistema cuneiforme
mesopotâmico, foram alguns dos predecessores da escrita alfabética, utilizada na
contemporaneidade, que consiste na representação dos fonemas através de grafemas.
Essa escrita alfabética que, por séculos, mostrou-se prática e produtiva no registro de
uma grande diversidade de Línguas Orais, revela-se, contudo, ineficiente para o registro
das Línguas de Sinais.
Por isso, outros sistemas de escrita específicos para as Línguas sinalizadas vêm
sendo desenvolvidos, experimentados e divulgados, tornando a Escrita de Sinais objeto
de pesquisa e temática de diversas produções bibliográficas.
Barreto & Barreto, autores da obra aqui resenhada, são casados, sendo ele
fundador e coordenador do Grupo de Estudo da Escrita de Sinais (GEES) do Curso de
Letras em Língua Brasileira de Sinais (Libras) do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) e ela coparticipante do mesmo grupo.
Madson Barreto é formado em Tecnologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais e
Bacharel em Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Raquel
Barreto é Instrutora de Libras, formada pela Confederação Brasileira dos Surdos e
proficiente no uso e ensino da Libras, aprovada e certificada pelo MEC/UFSC no
Exame Nacional de Proficiência em Libras (PROLIBRAS) do ano de 2008.
1
Bacharel em Letras Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina

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Os autores empenham-se em esclarecer, ao público leitor, as regras, a
funcionalidade e praticidade de um sistema de escrita, pouco conhecido, que contempla
as características singulares das Línguas de Sinais – o SignWriting.
Dividido em dezesseis capítulos, o livro “Escrita de Sinais sem mistérios”, inicia-
se com uma dedicatória bilíngue, escrita com o sistema alfabético convencional e com
sistema SignWriting. A obra é prefaciada pela Professora Dr.ª Marianne Rossi Stumpf,
pesquisadora pioneira do sistema SignWriting no Brasil, e prossegue com os
agradecimentos dos autores, grafados, assim como a dedicatória, em dois sistemas de
escrita.
Os capítulos iniciais revelam aos leitores, de maneira sucinta, o caminho
percorrido pelo povo Surdo na busca de um sistema de escrita adequado à sintaxe
espacial das Línguas de modalidade espaço-visual. Cita, brevemente, diversos tipos de
sistemas de escrita de Línguas de Sinais desenvolvidos por pesquisadores, dentre os
quais, recebe destaque o sistema SignWriting, desenvolvido na Dinamarca em 1974 pela
bailarina surda, norte-americana, Valerie Sutton.
Do terceiro capítulo em diante, os autores da publicação se debruçam sob a tarefa
de explicar esse complexo sistema de escrita. O SignWriting, composto de cerca de 900
símbolos, dá conta de registrar, de forma precisa, os cinco parâmetros fonológicos das
Línguas de Sinais: configuração de mão, orientação da mão, locação, movimento e
expressões não manuais. Esse sistema de registro, referido na obra como Escrita de
Sinais, utiliza-se de unidades simbólicas gráficas que representam as unidades
fonológicas que compõem o sinal, semelhante ao sistema alfabético tradicional em que,
as letras são representações gráficas de fonemas que sequenciadas estrategicamente
formam palavras.
O livro bastante ilustrado e com linguagem didática cumpre o que se propõe na
capa. Explora com exemplos práticos como utilizar um sistema de escrita universal para
registrar especificamente a Língua Brasileira de Sinais.
Embora utilize a mesma metodologia de outros manuais que se propuseram a
explicar as regras do sistema SignWriting, a iniciativa dos autores ganha autenticidade
ao colocar uma estória escrita diretamente com esse sistema, contada por partes ao final
de cada capítulo do compêndio e sem a tradução para o português escrito. O enredo da
estória diverte os leitores, ao mesmo tempo em que, exercita a leitura e comprova a
versatilidade e originalidade da Escrita de Sinais.

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Não há atividades no livro para a prática de exercícios de escrita com o uso do
SignWritng. Apresenta-se como ponto negativo da obra, portanto, a falta de estímulo
direto aos leitores a arriscarem seus primeiros rabiscos usando esse fascinante
instrumento de comunicação e produção textual. Esse desfalque metodológico, contudo,
não ofusca o valor informativo e científico relevante contido na publicação.
A escrita, para os povos civilizados, é símbolo de autonomia e emancipação
política, e no caso das pessoas Surdas não é diferente. Os Surdos ganham independência
e representatividade a partir do reconhecimento das suas especificidades linguísticas,
identitárias e culturais. As lutas da comunidade Surda brasileira, e do povo Surdo, em
escala global, pelo reconhecimento do estatuto linguístico das Línguas de Sinais,
resultaram na conquista do direito de usarem a Língua Sinalizada como meio de
comunicação natural.
No Brasil, com o reconhecimento legal da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS,
como Língua oficial dos Surdos brasileiros, por meio da lei nº 10.436 de 2002, as portas
se abriram para pesquisas científicas e investimentos acadêmicos, robustecendo ainda
mais o valor desse sofisticado sistema linguístico. Desde então, as políticas públicas de
acessibilidade e inclusão social para Surdos ganharam mais espaço e visibilidade.
O paradigma de que os Surdos precisavam aprender a “falar” do modo
convencional, foi rompido com lutas intensas e movimentos políticos Surdos. Contudo,
o modelo de alfabetização para Surdos hoje, ainda privilegia apenas o ensino da escrita
tradicional da Língua Portuguesa, sendo este um fator complicador no letramento e na
formação de escritores Surdos autocríticos e com pleno domínio do sistema de escrita
emprestado das Línguas Orais.
Surge, portanto, o sistema SignWriting como recurso simbólico complexo,
carregado de artefatos singulares das Línguas de Sinais, acenando para uma futura
inversão na prática pedagógica de alfabetização das pessoas Surdas. O sistema permite
fazer um registro exato dos sinais, dos movimentos e até da prosódia do emissor, não
necessitando que o escritor conheça a escrita alfabética tradicional.
É nesse cenário de conquista recente dos direitos linguísticos dos Surdos
brasileiros, de luta pela preservação cultural e fortalecimento político dessa comunidade
linguística, a obra “Escrita de Sinais sem mistérios” convoca pessoas Surdas,
tradutores, intérpretes e professores de LIBRAS, linguistas, pesquisadores e demais
curiosos conhecedores da Língua de Sinais Brasileira a entenderem o engenhoso
sistema de Escrita de Línguas de Sinais – SignWriting.

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