Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Carolina Ficheira i
Giovana Moraes ii
Resumo:
Este artigo se dedica a estudar a trajetória pessoal e profissional da atriz Ruth de Souza,
com 97 anos de vida, 73 anos de profissão e ganhadora de um Kikito,na categoria
melhor atriz, no ano de 2004 com o filme As Filhas do Vento, de Joel Zito Araujo. Para
tanto, entrevistamos a atriz no dia 30 de agosto de 2017, utilizando-se de um roteiro de
perguntas semi-estruturadas, baseado em pesquisa bibliográfica.
Abstract: This article studies the personal and professional life of Ruth de Souza. She is
97 years old, 73 years professional life and winner of actress cathegory in Kikito in
2004 with the film As Filhas do Vento, from Joel Zito Araujo. To this, we interviewed
the actress in august 30 th, 2017, using a script, based on bibliography reserch.
Introdução
Com 42 novelas feitas, 36 filmes, 19 peças de teatro, Ruth de Souza é
considerada uma das primeiras atrizes negras a abrir espaço nos palcos, na televisão e
no cinema. Com o apoio da entrevista e da pesquisa bibliográfica e virtual, iniciamos
nosso artigo contextualizando a formação de Ruth que contribuiu decisivamente na
reflexão sobre o lugar da mulher e negra nos espaços artísticos deste país.
Ruth de Souza inicia sua formação cênica no Teatro Experimental do Negro
(TEN). Ainda adolescente, por volta de 1945, passa a integrar a companhia, liderada por
Abdias Nascimento. Segue abaixo uma foto de ambos em um espetáculo.
Todos os Filhos de Deus Têm Asas: Ruth de Souza e Abdias Nascimento | Acervo Ipeafro
Ele, por sua vez, foi ator, diretor, dramaturgo e militante contra a discriminação
racial através da arte e a valorização da cultura negra. Também dirigiu o jornal
Quilombo, responsável por divulgar ações do movimento negro. Desta forma, promoveu
encontros que estimulassem reflexões sobre as temáticas que envolvem a questão negra.
São elas: Conferência Nacional do Negro, em 1949 e o 1º Congresso do Negro Brasileiro, em
1950. Com a entrada da Ditadura, o diretor se vê obrigado a exilar-se por conta da
perseguição política, dedicando-se a educação e posteriormente à política, em seu
retorno ao país. Ele foi importante profissional para a conscientização do negro diante
do seu protagonismo diante das artes. É no TEN que ele inicia a formação de diversos
artistas, como por exemplo, nossa entrevistada.
O TEN inicia suas atividades em espaços cedidos pela União Nacional dos
Estudantes, localizado no Flamengo, no turno da noite, já que não era usado naquele
momento. Ao iniciar seu trabalho de formação nas artes cênicas percebe a formação
escolar e cultural deficitária dos interessados, tendo em vista a dificuldade para
memorizar e interpretar textos das peças de teatro. Desta forma, inicia seu trabalho de
alfabetização e formação do elenco. Sem perceber na literatura brasileira algum
repertório que representasse seu trabalho formativo, busca na norte-americana seu
desafio para o espetáculo de estréia, momento singular que marcaria a memória de Ruth
por ocupar o espaço mais privilegiado das artes, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Eu sinto que o fato de não ter autores negros, por exemplo “As Filhas do
Vento”. Você viu “As Filhas do Vento”? O Joel Zito quem fez, ele quis
mostrar que qualquer raça tem família, tem problemas, tanto uma família
negra quanto uma branca. Gostei muito de ter feito o filme, ter ganhado
aquele Kikito ... ta lá em cima na estante. (CARDOSO, 30/08/2017).
Como vimos na fala de Ruth, a ação está presente na estrutura e nos tipos dos
papeis encenados, na quantidade de diálogos e na qualidade da narrativa. Mesmo que
buscasse papeis que evidenciasse a questão negra, a diferenciação sempre esteve
presente. O reconhecimento que ela carrega, enquanto categoria mulher e negra,
promove uma representação política de uma classe artística através de uma
legitimação por sua incursão primária pelas artes.
Para Butler (2003, p. 18), na teoria feminista existe uma identidade definida,
entendida como "categoria de mulheres" que constitui seus objetivos por meio de um
discurso e reconhecimento enquanto sujeito, que se apresenta como representação
política de uma classe artística. A autora vai além e afirma que "as qualificações do ser
sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser expandida". Em sendo
Ruth de Souza representante feminina da categoria com reconhecimento nacional e
internacional, notamos que ela se mostra como possível representação que possa ser
entendida como expandida. Nesse aspecto, a representação expandida poderia se dar
devido à ser uma das primeiras mulheres negras reconhecida a representar raça e
gênero (como titulado pelo GEEMA, em 2017) por ser vinculada a uma instituição de
relevância para o país, por representar o gênero construído, ou a “construção política
enquanto sujeito que procede vínculo a certos objetivos de legitimação e de exclusão”
(BUTLER,2003, p. 19), ou ainda por ser liderança midiática que contribui para o
processo de reflexão sobre o gênero e a etnia no campo audiovisual, uma espécie de
"reivindicação do seu reconhecimento como cidadã perante ao Estado" (RAGO, 2016)
brasileiro que aos 97 anos de vida carrega 72 anos de profissão, tendo 42 novelas feitas,
36 filmes e 19 peças teatrais realizados a serviço da arte. Veja o que aconteceu com
Ruth de Souza na novela A Cabana do Pai Tomás, produzida e exibida pela Rede
Globo, entre 1969 e 1970.
Deu tanto problema...Porque o Sérgio, fez judeu, queria fazer o negro. Sérgio
Cardoso é a pessoa mais sem preconceito que eu conheci, então ele queria
fazer um negro também. Pai Tomás. Ele pintou a cara e foi um escândalo,
vieram perguntar porque que eu aceitava. Eu disse: “primeiro porque eu
preciso trabalhar e segundo porque eu acho que não vai afetar coisa alguma.”
E ali muitos atores negros e atrizes começaram a fazer pequenos papéis. O
Sérgio um dia chegou pra mim e disse “olha, Ruth, tão reclamando que seu
nome tá na frente.” E eu falei assim: “Como?” aí ele: “Eu vou falar com o
diretor: “Não ponha meu nome em lugar nenhum, o público vai ver meu
trabalho.” Mas aí meu trabalho foi sumindo, foi sumindo…E depois fora da
Vera Cruz, eu fiz “Ravina!,“A Morte comanda o Cangaço”, fiz “Osso, Amor
e Papagaio”, enfim fiz outras coisas. No cinema fiz logo o “Assalto ao Trem
Pagador”, então eu cheguei pro Roberto e falei: “Roberto, eu vou fazer papel
de amante? Eu não tenho cara de amante” aí ele falou: “Não, Ruth, eu não
posso mudar agora porque já contratei a Luiza Maranhão” aí passou, quando
eu recebi a escrita com todas as minhas cenas, era a mesma quantidade cena,
ela fazia a esposa com os filhinhos e eu fazia a amante com uma filha. Depois
no final das contas, o Roberto disse “ele tinha duas mulheres, você não tinha
cara de amante mesmo”. E na TV, eu fiz primeiro “Passo os Ventos” de
Janete Clair, aí eu fui pra São Paulo. Depois fiz várias da novela, da Janete
Clair, ela me deu papel de pianista, de professora, aí minha classe foi
subindo.
Considerações finais
Concluímos nossas análises afirmando que a atriz foi capaz de gerar diversas
ressignificações em sua geração, bem como para as demais, foi capaz de construir
espaços de subjetividade através de sua arte, num movimento social e político para as
futuras gerações. Em suma, foi propulsora e representante de diversas vozes de
brasileiras no país, contribuindo para o movimento de autonomia, enquanto
representante do gênero, como indivíduo e como profissional da arte.
Ruth, com 97 anos de idade, é uma mulher a frente do seu tempo. Contribuiu
decisivamente com o Teatro Experimental do Negro. Reinventou-se na arte, traduzindo
nos palcos, na televisão, no cinema e na vida as questões étnicas e de gênero. Desta
forma, está longe do mundo patriarcal, mostrando-se como voz emancipadora na busca
por profundas mudanças estruturais em todos os setores do audiovisual.
Bibliografia:
GRUPODEESTUDOSMULTIDISCIPLINARESDAAÇÃOAF
I R M A T I V A, Boletim gemaa, n.2, p.5, 2017
RAGO, Margareth. In: Marcos Antonio Monte Rocha (org.). Feminismos Plurais.
Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2016, pp.9-25.
SOUZA, Ruth de. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
São Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa349507/ruth-de-souza>. Acesso em: 26 de
Out. 2018. Verbete da Enciclopédia.
FUNARTE.http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-
brasil/biografia-de-ruth-de-souza/ Acesso em 14 de junho de 2018.
i
Carolina Ficheira possui graduação em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense (2006),
mestrado em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da UFRJ (2010). Atualmente é
doutoranda do programa em Ciência da Literatura da UFRJ. É professora pela ESPM –Rio e pela
Universidade Veiga de Almeida na Pós-Graduação em Roteiro para Cinema, TV, WEB e
Multiplataformas e Responsabilidade Social e Gestão Estratégica de Projetos Sociais. E-mail de contato:
carolinaficheira@gmail.com.
ii
Giovana Moraes (nome artístico de Giovana Oliveira Santos Manfredi) Formada em jornalismo pela
USP tem pós-graduação em jornalismo literário e sociologia. É mestranda em Bens Culturais e Projetos
Sociais do CPDOC da FGV. Funcionária da TV Globo desde 2003, passou pela função de pesquisadora
até ser promovida, em 2011, a autora. Também coordena a Pós-Graduação em Roteiro para Cinema, TV e
Multiplataformas da Universidade Veiga de Almeida. E-mail de contato: giovanasmoraes@gmail.com
iii
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/vereadora-do-psol-marielle-franco-e-morta-a-tiros-no-
centro-do-rio.ghtml. Acesso em 26 de outubro de 2018.