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caminhando

Prólogo

Mágico – O que poderia ser? Eu ficava me perguntando. O


que poderia ser? Se de alguma forma, por algum motivo e
e m a l g u m l u g a r . D e a l g u m a f or m a . A l g u m m o t i v o . A l g u m
lugar? Seria se não fosse. Não fazia. E eu não entendia o
porquê. Era justamente isso que tanto me irritava. Eu
tentava de todas as formas e nada. Nada. Era sempre isso.
Nada. Uma vez el. Você sabe, não sabe?

Músico – Sei.

M á g i c o – E t o d a v e z er a a m e s m a c o i s a . I g u a l . S e m p r e
igual. A mesma. Era a mesma, não era?

Músico – Era.

M á g i c o – S e m p r e a m e s m a . S e m pr e i g u a l . P u t a q u e p ar i u .

Músico – Sempre.

Mágico – É, deve ser só isso.

Músico – Eu já te contei a história do epitáfio do John


Donne?

Mágico – John Donne?

Músico – Um poeta do século XVII.

Mágico – Não.

M ú s i c o – A m u l h e r d e l e m or r e e e l e e s c r e v e n a t u m b a d e l a :
“Enquanto você repousa, eu descanso.”

(somewhere over the raibow)

Mágico – Toc. Toc. Toc. Batem na porta. Quem está lá?


Ela. Entra em casa, se instala, acaba, mas até lá não sai
m a i s , d a l i n i n g u é m t i r a . Q u e m e s t á l i vr e ? H e i n ? C o m o é q u e
a gente se livra? Se houvesse receita e protocolos não
e s t a r í a m o s a q u i . N ó s a q u i . E n t e n d e m ? N ã o t e m i m p or t â n c i a .
H á o s q u e s ã o p a g o s s ó p or e s t a r n e l a . H á o s q u e p a s s a m
p o r e l a p e n s a n d o e m c o m o f a z e r . V o c ê a í ! Q u e gr u p o
escolheu para freqüentar nela? Não escolheu? Cuidado hein.
Ela. Ela entra. Começa. Acaba, mas até lá não sai mais.

(música-vinheta)

Bloco 1

Alice x – Eu estou me sentindo muito estranha essa semana.

Alice y – Estranha como?

Alice x – Não sei. Ansiosa talvez.

Alice y – Isso provavelmente deve ser Marte em oposição a


Lua. Transição astral sabe?

Pollyanna – Transito.

Alice y – Também pode falar transição.

Pollyanna – Não pode não.

Alice y – Pode sim. Bom. Marte em oposição a Lua está


acontecendo bem nesse momento e esse tipo de relação é
uma coisa só. Só vendo. Qual é o seu signo?

Alice x – Câncer.

Alice y – Ih. Somatiza ainda p or cima causa isso.


Complicado. Muito Complicado.

Alice x – E o que eu faço?

Alice y – Meditar é ótimo para isso. Alivia.

Pollyanna – Ansiedade?
Alice y – Exatamente.

Pollyanna – Eu fico mais ansiosa quando eu medito.

Alice x – Sério?

Pollyanna – Eu sempre fico com a sensação de alguma coisa


precisa acontecer e aí nada acontece. E eu me irrito.

Alice x – Não sabia disso.

Alice y – Pois fique sabendo.

Alice x – A Lua em oposição a Marte.

Alice y – Marte em oposição a Lua. Do que você está rindo?

Pollyanna – Foi só um pensamento. Desculpa.

Alice x – Qual?

Pollyanna – Nada.

Alice x – Fala.

P o l l y a n n a – S a b e q u a n d o v o c ê s a i pr a f o r a d e v o c ê m e s m a e
consegue visualizar toda a cena na qual você está inserida?

Alice x – Sei.

Pollyanna – Então, isso acabou de acontecer comigo.

Alice y – E por isso você riu?

Pollyanna – Não.

Alice x – Não?

Pollyanna – Não. Eu ri porque eu acho que a Lua não tem


nada a ver com isso não.

Alice y – Com o que?


Pollyanna – Com a ansiedade.
Alice y – Como não?

Alice x – Por que não?

Pollyanna – Não acho. Só isso.

A l i c e x – V o c ê a c h a q u e o pr o b l e m a é d e M a r t e ?

Pollyanna – Também não.

Alice x – Também não?

Pollyanna – Isso tem cara de ser café.

Alice y – Café?

Pollyanna – É. Café.

Alice x – Café causa ansiedade?

Pollyanna – Você nem acredita o quanto.

Alice x – Sério?

Pollyanna – Pois é. Eu estava lendo e.

Alice y – Onde?

P o l l y a n n a – A h . N ã o m e l e m br o .

Alice y – Importante saber.

Pollyanna – Por que?

Alice y – Fontes são tudo.

Pollyanna – Então.

Alice x – O que?

Pollyanna – Como eu ia falando.


Alice x – Ah sim.
Pollyanna – Continuando.

Alice y – Você não sabe de onde são essas informações que


você está prestes a dizer?

Pollyanna – Não.

Alice y – E dirá?

Pollyanna – Direi...

Alice y – O que você está prestes a dizer.

Pollyanna – Sim.

Alice y – Ok.

Pollyanna – Bom.

Alice x – O que?

Pollyanna – O café.

Alice x – Ah claro.

Alice y – Eu acho que antes de você expor o que você está


prestes a expor, sobre a respeito do que você vai expor a
r e s p e i t o d o c a f é . S e j a a n t e s d e q u a l q u e r c o i s a i m p or t a n t e
você dizer que nada disso terá qualquer tipo de relevância.
Já que você não sabe suas fontes. Ou seja, nada disso terá
sentido.

Pollyanna – ...

Alice y – ...

(pausa)

Pollyanna – Ok.

(pausa)
Alice y – Ok?
(pausa)

Pollyanna – Ok.

(silêncio)

A l i c e x – P o r q u e a p e r c e p ç ã o , a i nt u i ç ã o e a l ó g i c a s ã o a s
t r ê s a r m a s u t i l i z a d a s p e l o h o m e m p ar a a u m e n t a r o s e u
domínio sobre a natureza.

(pausa)

Pollyanna – Ok.

Alice y – Entendeu?

Pollyanna – Entendi.

Alice y – Entendeu mesmo?

Pollyanna – Entendi mesmo.

Alice y – É necessário que exista um mínimo de sinceridade


entre nós para que isso funcione. Entende?

Pollyanna – Entendo.

(silêncio)

Alice x – Então...

Pollyanna – O que?

Alice x – Café.

Pollyanna – Tem?

Alice x – O que?

Pollyanna – Café.

Alice x – Não.
Pollyanna – Ai.

Alice x – Que foi?

P o l l y a n n a – D e u - m e u m a v o n t a d e d e t o m ar c a f é .

Alice x – “Deu-me”?

P o l l y a n n a – É c o m o d i z a f or m a c u l t a . D e u- m e u m a v o nt a d e
de tomar café.

Alice x – Ah. Você quer que eu faça um café para você?

Pollyanna – Não precisa.

Alice x – Fica pronto num minutinho.

Pollyanna – Não precisa.

Alice x – Tem certeza?

Pollyanna – Não precisa.

Alice x – Imagina.

Pollyanna – Vai dar trabalho.

Alice x – Eu faço em um instante, mesmo.

Pollyanna – Não precisa.

(silêncio)

Alice x – Mas continue.

Pollyanna – Continuar?

Alice x – Parecia ser tão interessante.

Pollyanna – É?

Alice x – Você falava sobre.


Pollyanna – O que?

Alice x – Ansiedade.

Pollyanna – É um problema.

Alice y – E tudo por causa da Lua.

Alice x – Lua?

Alice y – Lua em quadratura e oposição com Marte.

Alice x – Hã?

A l i c e y – Há um conflito interno, gerando um nervosismo, uma grande


irritação e tensão. Temperamento autoritário, ressentimento e imprudência.
Obstinação, ciúmes, mau gênio, violência, potencialidade para o ódio e
inimizades, lutando com unhas e dentes, temperamento rebelde e grande
desejo de independência ou liberdade, tendência a ser instigador ou vítima
de sublevação, neurastenia. Em temas masculinos, pode indicar
possibilidade de mau casamento e separação. Em temas femininos, dá
tendências a exteriorizar atitudes masculinizadas, a também possibilidade
de problemas de saúde.

Pollyanna – Ah. O café.

(pausa)

Alice y – Cada vez está tudo mais estranhíssimo, não é?


Vocês não têm essa sensação?

Pollyanna – Não. Não tenho não.

Alice y – Ah eu tenho.

Alice x – Loucura, né?

Alice y – Loucura.

A l i c e x – A g o r a u m a c o i s a q u e m e s u r pr e e n d e u f o i .
Alice y – Cada vez está tudo mais estranhíssimo, não é?
Vocês não têm essa sensação?

Pollyanna – Não. Não tenho não.

Alice y – Ah eu tenho.

Alice x – Loucura, né?

Alice y – Loucura.

Pollyanna – E de alguma forma o que nós podemos


imaginar, além disso, é o fato de que tudo não passa de uma
grande saia justa.

Alice x – Era exatamente o que eu estava pensando.

Pollyanna – Saia justa.

Alice y – Saia justa.

Alice x – Saia justa.

Pollyanna – E de alguma forma o que nós podemos


imaginar, além disso, é o fato de que tudo não passa de uma
grande.

(pausa)

Alice y – Era exatamente o que eu estava pensando.

Bloco 2

Mágico – Oi.

Dorothy – Oi.

(pausa)

Mágico – Desculpe-me a inconveniência, mas é porque eu já


estou te observando há algum tempo e eu não pude deixar
de perceber uma certa aflição direcionada no seu semblante
superior. Por acaso você está se sentindo um pouco
perdida?

D o r o t h y – N ã o . M a s o b r i g a d o p e l a pr e o c u p a ç ã o .

Mágico – Não por isso.

(silêncio)

Dorothy – Na verdade.

Mágico – Você precisa de alguma coisa?

Dorothy – Não sei.

M á g i c o – I s s o é u m g r a n d e pr o b l e m a .

Dorothy – Qual?

Mágico – Não saber. Olha. Quando acontece alguma coisa


c o m i g o e e u n ã o s e i . A i . N ã o s e i o q u e é . N ã o s e i o p or q u ê .
Não sei como. Eu te confesso. Eu entro em desespero
absoluto.

Dorothy – É?

Mágico – Com você não?

Dorothy – Não sei.

(pausa)

Mágico – Porque você parece bem calma para alguém que


não sabe.

Dorothy – É.

Mágico – Tranqüila.

Dorothy – É.

(silêncio)
Dorothy – Bom eu vou indo.

Mágico – Para onde?

Dorothy – Não sei.

Mágico – Você está bem?

Dorothy – Sim. Eu acho que sim.

Mágico – Ai.

Dorothy – O que?

M á g i c o – O u t r o g r a n d e pr o b l e m a .

Dorothy – Qual?

Mágico – Achar.

Dorothy – Você acha?

Mágico – Não, eu não. No momento eu não acho nada. Eu


apenas não sei.

Dorothy – Desculpa, mas eu te conheço?

Mágico – Não.

Dorothy – E o que você está fazendo aqui exatamente?

Mágico – É justamente isso que eu venho me perguntando.


O que eu estou fazendo aqui exatamente?

Dorothy – E você já encontrou alguma resposta?

Mágico – Não. Ainda não. Você dança?

Dorothy – Sapateio.

Mágico – Você dançaria comigo?


Dorothy – Ai é porque eu estou meio atrasada e.

Mágico – Ok.

Dorothy – Senão eu juro que.

M á g i c o – E u e n t e n d o . M e s m o . N ã o p r e c i s a s e pr e o c u p a r .

Dorothy – Mas eu acho que uma dança não vai me atrasar


tanto assim.

Bloco 3

Pollyanna – Ih. Olha. Ela. Está dançando. Olha ela


dançando.

Alice y – Hã?

Alice x – Oi?

Alice y – Ih.

Bloco 4

Dorothy – Quem é ele?

Mágico – O músico?

Dorothy – Ele é bonito.

Mágico – Você acha?

Dorothy – Eu tenho um gosto bem peculiar.

Mágico – Entendi.

Dorothy – E elas ali quem são e por que elas não param de
olhar pra mim?

Mágico – Você não sabe quem elas são?

Dorothy – Não.
Mágico – Estranho.

Dorothy – Eu deveria saber?

Mágico – Não deveria?

D o r o t h y – E u c o n f e s s o q u e v o c ê m e d e i x a um p o u c o
confusa.

M á g i c o – Q u a n d o v o c ê d i z c o n f u s a . V o c ê q u e r di z e r
confusa ou você quer dizer outra coisa que não seja
confusa? Por exemplo. Irritada?

Dorothy – ...

M á g i c o – O k . O k . O k . V o c ê v e n c e u . M e n i n a s . 1- 2 - 3 .

(música- antidepressivo)

Tudo começou a muito tempo atrás


Quando fui apenas um acidente dos meus pais
Resolvi crescer e fui crescendo
Fingi querendo acreditar
E quando me dei conta
Era tanta tanta conta
Tanta que até perdi a conta

(virada)

Tentaram me convencer a vida é muito boa


Eu todo todo acreditei e fui todo afim
Mas logo logo percebi a vida é uma canoa
Você cai dentro dela e não pra onde ir

Sem remos pra remar


A corrente te arrasta, arrasa

Não olhe para os lados


E tome muito cuidado

Eu tomo antidepressivo sim e daí


E se você está aqui não está ali

E rema rema rema rema remador


Com braços pernas cabeça de amador
Faz de conta a vida é só de faz de conta
Não leve a sério
É só lama lama quanta lama

Lamba a lama

Eu tomo antidepressivo sim e daí


E se você está aqui não está ali
Eu fico com os meus,
Faço o favor fique com os seus
Eu tomo antidepressivo Graças a Deus

Pra começar
Esqueça que começou
Quando acabar
Lembre-se não se acabou

Bloco 5

Dorothy – Chega! Chega! O que é isso?

Alice y – Ih. Ela ficou irritada.

Dorothy – Eu só fiz uma pergunta.

Alice x – Não foi respondido?

Dorothy – Não. Não foi respondido.

Alice y – Ela está irritada.

P o l l y a n n a – V o c ê e s t á i r r i t a d a ? P or q u e v o c ê e s t á i r r i t a d a ?

Dorothy – Não te interessa.

Mágico – Alice espera!


Dorothy – Do que você me chamou?

Mágico – Eu quero dizer. Não é Alice, é?

Dorothy – Não.

Bruxa – Espera!

Dorothy – O que foi?

Bruxa – Não faz isso.

Dorothy – Não faz isso?

Bruxa – Para.

Dorothy – Estou indo.

Bruxa – Eu mandei você ficar.

Dorothy – Cala a boca.

Bruxa – O que? É isso mesmo que eu ouvi? Você está me


mandando calar a boca? Você está me mandando calar a
boca?

Alice x – Calma. Fica calma. Senta aqui. O que foi que


aconteceu?

Dorothy – Ai que ódio dela. Que ódio.

Alice x – Você quer um copo de água?

Dorothy – Quero.

Alice x – Olha tem um exercício que é ótimo. Primeiro você


i n s p i r a . D e p o i s c o n t a a t é c i n c o . A í c o m e ç a a e x p i r ar e m
oito tempos. Coloca uma das palmas da mão na testa e a
outra no ventre e a língua deve ficar encostada no céu da
boca. Aí repete a seqüência, alternando as mãos, é claro.
Você vai ver, relaxa que é uma maravilha.

Dorothy – Filha da puta.


Alice x – Vamos?

D o r o t h y – E u q u e r o q u e e l a m or r a .

Alice x – Primeiro inspira.

Dorothy – Filha da puta.

Alice x – Você não está fazendo o exercício.

Dorothy – Não. Não estou.

Alice x – Se você não fizer a raiva não passa.

Dorothy – Ai que ódio dela.

Alice x – Vamos começar só inspirando e expirando então.

Dorothy – O pior é que não falei.

Alice x – Inspira.

Dorothy – Ficou tudo entalado aqui.

Alice x – Expira.

D o r o t h y – M a s e u a i n d a v o u f a l ar .

Alice x – Agora conta até cinco.

Dorothy – Ah se eu não vou falar.

A l i c e x – O l h a p r a m i m e t e n t a f a z er i g u a l .

Dorothy – Ela não perde por esperar.

Alice x – Eu tenho certeza que você vai se sentir bem


melhor.

Dorothy – Filha da puta.


Alice x – Se você fala não tem como a língua ficar no céu
da boca.

Dorothy – Filha da puta.

Alice x – Se ficar calada aí eu consegue. Olha só. Ta vendo.

Dorothy – Por que eu não falei nada?

Alice x – Vamos tentar só as mãos então.

Dorothy – Filha da puta.

Alice x – Palma direita na testa.

Dorothy – Mas ela vai ver.

Alice x – Palma esquerda no ventre.

Dorothy – Eu vou voltar lá.

Alice x – Agora troca.

Dorothy – Ela vai ouvir.

Alice x – Não faz isso.

Dorothy – Não faz isso?

Alice x – Tenta se acalmar.

Dorothy – Você não viu o que ela fez?

Alice x – Não.

(música)

Dorothy – Oi.

Músico – Oi.

Dorothy – O dia está bonito, não está?


Músico – Dia?

Dorothy – É.

M ú s i c o – N o s s a . E u j u r a v a q u e er a n o i t e .

Dorothy – É?

Músico – É.

Dorothy – Talvez seja dia. Talvez seja noite.

Músico – Quem pode saber?

Dorothy – É.

Músico – Não é?

Dorothy – É. Sempre um mistério. Tchau.

Músico – Tchau. O estranho é que eu só pensava nela.

Dorothy – Você falou alguma coisa?

Músico – Não. O estranho é que eu só pensava nela. Parece


que todos os vetores da minha vida se encaminhavam em
direção à.

Dorothy – Agora você falou alguma coisa, não falou?

Músico – Não.

D o r o t h y – D e s c u l p a . E u t i v e a i m pr e s s ã o d e v o c ê t er d i t o
algo. Desculpa.

Músico – Sem problema. À que?

Dorothy – Oi?

Músico – Nada.

Dorothy – Desculpa.
Músico – Eu fechava um círculo de atividades que girava
em torno de perseguir. Persegui-la. Despendia todo meu
tempo a matutar medidas e encontros despretensiosos com
ela. Passei a comprar meu cigarro e o pão em outro bairro.
Tudo isso devido a uma única noite. Talvez eu tenha
d e i t a d o c o m m u l h e r e s m a i s b e l a s , t a l v e z o s e x o f o s s e at é
melhor com outras, mas essa não me saía da cabeça. Eu
acreditava que pelo menos ocupava meu tempo em procurá-
la. Vivia uma simples rotina, acordava tarde, sofria de
insônia, alimentava-me mal, fumava excessivamente, bebia
esporadicamente e, principalmente, trocava confidências
com mulheres. Mulheres. Tinha gosto pelo universo
feminino, pelo valor dos pequenos olhares, pela
necessidade de um amor eterno, pelas cogitações de
casamento, pelo zelo da casa. Eu parecia um antropólogo.
Está certo? Antropólogo? Enfim. Após àquela noite, minha
insônia aumentou. Passei a traçar planos fantásticos em
torno dela. Eu lembrava. Compulsivamente aquele corpo,
aqueles traços, aquelas curvas, aquele encontro. Porque
por mais carnal que tenha sido, me trazia de volta certa
i n o c ê n c i a p e r d i d a . P o r q u e e u e s t o u f al a n d o i s s o ?

Dorothy – Muito bonito.

Músico – Obrigado.

Dorothy – Ah. E você toca muito bem.

Músico – Obrigado.

Mágico – Como vão as coisas?

Dorothy – Cada vez mais estranhíssimas.

Mágico – Entendo. É. De fato eu também tenho percebido


algo parecido. Espera só um minutinho.

Bruxa – Onde você estava?

Dorothy – Não sei.

Bruxa – Não sabe?


Dorothy – Aqui. Talvez.

Bruxa – Para de brincadeira.

D o r o t h y – E m a l g u m l u g ar a l é m d o ar c o - i r i s .

Bruxa – Tentei ligar pra você.

Dorothy – Na Indonésia.

Bruxa – Tentei ligar pra você.

Dorothy – Fora de área.

Bruxa – Fora de área?

Dorothy – Sem sinal.

Bruxa – Entendo.

Dorothy – Entende mesmo?

Bruxa – Acho que sim.

Dorothy – Achar não é o suficiente. Eu preciso de alguém


que tenha certeza. Certeza absoluta. Onde não exista rastro
de duvidas. Não exista duvidas. Apenas aquilo. Cem por
c e n t o . É d i s s o q u e e u p r e c i s o . C e m p or c e n t o . É i s s o q u e e u
q u e r o . V o c ê t e m i s s o ? N ã o . E n t ã o o br i g a d o . E u p r e c i s o s a i r .

Bruxa – Espera!

Dorothy – O que foi?

Bruxa – Não faz isso.

Dorothy – Não faz isso?

Bruxa – Para.

Dorothy – Estou indo.

Bruxa – Eu mandei você ficar.


Dorothy – Cala a boca.

Bruxa – O que? É isso mesmo que eu ouvi? Você está me


mandando calar a boca? Você está me mandando calar a
boca?

Bloco 6

Alice y – Ih.

Pollyanna – Que foi?

Alice y – Você não soube?

Pollyanna – Não. O que foi?

A l i c e y – V o c ê n ã o t i n h a q u e i r f a l ar c o m e l a ?

Pollyanna – Não era sua vez?

Alice y – Não. Era sua.

P o l l y a n n a – M e r d a e l a v a i q u e r e r m e m a t ar .

Alice y – Então corre.

Pollyanna – Desculpa. Desculpa. Desculpa. Desculpa por


favor.

Dorothy – Sempre a mesma coisa.

Pollyanna – Desculpa.

Dorothy – Não adianta. É sempre a mesma coisa.

Pollyanna – É que eu pensei.

Dorothy – Você pensou?

Pollyanna – Me perdoa.
Dorothy – Ta bom.

Pollyanna – Desculpa, mesmo.

Dorothy – Ta bom.

Pollyanna – Estou perdoada?

Dorothy – Está.

Pollyanna – êêêê. Me conta. O que aconteceu?

Dorothy – O mesmo de sempre.

Pollyanna – E como foi dessa vez?

Dorothy – Igual às outras.

Pollyanna – Entendo.

Dorothy – Entende mesmo?

Pollyanna – Não. Foi só uma forma que achei de continuar


a conversa.

Dorothy – Entendo.

(pausa)

Pollyanna – Eu vou então.

Dorothy – Fica mais um pouco.

Pollyanna – Por que?

Dorothy – Eu estou me sentindo muito sozinha.

Pollyanna – Ok.

(silêncio)

Pollyanna – Espera. Você não...


Dorothy – O que?

Pollyanna – Como que você fez...

Dorothy – Desculpa?

Pollyanna – Caralho. Caralho. Eu não estou acreditando.

Músico – O que?

Pollyanna – Desculpa? Desculpa?

Dorothy – Não foi minha intenção. Aconteceu e.

Pollyanna – Cala a boca.

Músico – Deixa eu falar com você.

Pollyanna – Não chega perto de mim.

M a r i a 3 – E u q u e r o f a l a r c o m e l a!

Alice – Oi?

Maria – Beijou ou não beijou?

Alice – Beijei?

Maria 3 – Beijou ou não beijou?

Alice – Beijei?

Maria 3 – Eu não estou acreditando.

Alice – Qual é o problema?

Maria 3 – Alguém me segura. Me segura senão eu arrebento


a cara dessa garota.

Músico – Deixa eu falar com você.


Maria 3 – E você cala a boca que a conversa ainda não
chegou no Villa-Lobos.

Músico – Não fala assim.

Maria 3 – Não chega perto de mim.

Músico – Presta atenção.

Maria 3 – Não me encosta.

Músico – Me escuta caralho.

Maria 3 – Tira a mão de cima de mim. Do que você está


rindo?

Alice – Desculpa, mas é porque eu achei engraçado.

M a r i a 3 – O q u e v o c ê e s t á a c h a n d o e n gr a ç a d o ?

Alice – Sabe quando você sai pra fora de você mesma e


consegue visualizar toda a cena na qual você está inserida?

Maria 1 – Schopenhauer.

Maria 3 – O que?

Maria 1 – Nada.

(silêncio)

Maria 3 – Alguém me segura?

Músico – Eu posso?

Maria 3 – Você não.

M a r i a 2 – G e n t e a l g u é m t i r a e s s a m u l h er d a q u i , s e n ã o e l a
vai bater na menina.

Maria 3 – Você não se mete.

Maria 2 – Desculpa.
Músico – Vamos conversar.

M a r i a 3 – O q u e v o c ê a i n d a t e m pr a c o n v e r s a r c o m i g o ?

Músico – Vem comigo.

Maria 3 – Me solta.

Músico – Vem comigo. Aconteceu. Mas.

Pollyanna – Mas o que? Mas você ainda me ama? Você não


quis? Foi mais forte que você? Todo mundo erra? Me
p e r d o a ? V a m o s t e n t a r d e n o v o ? V o c ê f o i um b u r r o , m a s e u
sou tudo na sua vida... É isso? Não é isso?

Músico – ...

Pollyanna – Não é isso?

Músico – ...

Pollyanna – Caralho.

Dorothy – Desculpa.

Pollyanna – Cala a boca.

Músico – Calma. Vamos conversar com calma.

P o l l y a n n a – C a l m a ? N ã o m e e n c o s t a . E u pr e c i s o s a i r d a q u i .

Músico – Espera.

Pollyanna – Não me segura.

Bloco 6

Alice y – Situação delicada, não é?

Dorothy – É.
Alice y – E agora?

Dorothy – Agora o que?

Alice y – Agora.

Dorothy – O quê que tem?

Alice y – Você não vai fazer nada?

Dorothy – Fazer o que?

Alice y – Alguma coisa?

Dorothy – Não há nada a fazer.

Alice y – Entendo.

Dorothy – Então me explica.

Alice y – Como assim?

Dorothy – Você disse: entendo. Não disse?

Alice y – Disse.

Dorothy – Então, por favor, me explica.

(silêncio)

Mágico – Ei. Faz favor.

Dorothy – Pois não.

Mágico – Eu tenho aqui algumas perguntas que eu tenho


que te fazer. Você me permite?

Dorothy – Claro.

M á g i c o – V a m o s l á . É . P r i m e i r a p er g u n t a . “ I g u a l s ó q u e
diferente?”
Dorothy – Isso não pode ser.

Mágico – Resposta errada.

Dorothy – Por que?

Mágico – Por que o que?

D o r o t h y – P o r q u e a r e s p o s t a e s t á er r a d a ?

Mágico – Esse tipo de pergunta só as autoridades superiores


p o d e m r e s p o n d e r . S e g u n d a p er g u n t a : “ Q u e m d i z i a : O
homem tem dúvida. ?”

Dorothy – Os filósofos.

Mágico – Hum. Quase. Quase.

Dorothy – Quase o que?

Mágico – Como assim?

D o r o t h y – O u e s t á e r r a d a o u e s t á c er t a . E l a n ã o p o d e s e r
quase.

Mágico – Claro que não.

Dorothy – Então por que você disse quase.

M á g i c o – B o m . C o n t i n u a n d o . T er c e i r a p e r g u n t a S a b e a q u e l a

Bloco 7

Alice – blábláblá blábláblá blábláblá. Tudo pode ser um


grande problema. Problemas daqui. Problemas de lá.
P r o b l e m a s . Q u a n t o s p r o b l e m a s . M u i t o s pr o b l e m a s . V á r i o s
t i p o s d e p r o b l e m a s . D i f e r e n t e s pr o b l e m a s . P r o b l e m a s .
Problemas. Problemas. Problemas. Problemas. Eu fico
exausta de tantos problemas. E você? Também? Tenho
quase certeza que sim. Mas e se eu disser que sim. E quem
s a b e , t a l v e z a j a m s o l u ç õ e s p a r a t a n t o s pr o b l e m a s . P ar a
pensarmos sobre isso estamos direto de. Com a. Vamos lá?

P o l l y a n n a – B o m , e u t r o u x e a q u i h oj e u m a f r a s e d o
Pasolini, que de alguma forma fez muito sentido e eu acho
que tem de alguma forma cria um bom assunto. Eu li essa
frase e me parece algo que exige uma necessidade de
falarmos sobre.

A l i c e – H ã ? O h o m e m q u e r s u b j u g a r . U m a m u l h er n ã o q u er
ser subjugada.

Alice – Oi?

Alice – Qual é a frase?

Pollyanna – “Não te crie ilusões: a paixão nunca obtém


perdão. Eu também não te perdôo, eu que vivo somente de
paixão.” (Píer Paolo Pasolini, La regione Del mio tempo, 1961)

Alice – Muito interessante.

Pollyanna – Não é?

Alice – Interessantíssimo.

Pollyanna – Eu também achei.

Alice – Filme?

Pollyanna – Que?

Alice – A frase?

Pollyanna – Hã?

Alice – Filme.

Pollyanna – Não.

Alice – Então.
Pollyanna – Teatro.

Alice – Pasolini?

Pollyanna – Sim.

Alice – Bacana.

Pollyanna – Não é incrível?

Alice – Incrível.

Pollyanna – De alguma forma me remete ao problema que


acontece no Senado.

Alice – Foi a mesma sensação que eu tive.

Pollyanna – É um problema.

Alice – É.

Alice – Não é?

Pollyanna – Problemaço.

Alice – Falta.

Alice – Oi?

Alice – Vergonha.

Alice – É.

Alice – Na cara.

Alice – Falta.

Alice – Ô.

Alice – Se não é?

Alice – É.
Alice – E se não for?

Alice – Só pode ser.

Alice – É.

Alice – Só pode ser.

Alice – Há de ser.

Alice – Será.

Alice – Mas já não é?

Alice – Também.

Alice – Ai que susto. Pensei.

Alice – Não pense.

Alice – Mas.

Alice – Às vezes é melhor não pensar.

(pausa)

Pollyanna – Nada a fazer.

(silêncio)

Bloco 4

Discussão sobre gênero masculino e feminino, e por que


não existe um terceiro sexo...

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