Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Revisão
RESUMO
Introdução
São discutidos os aspectos clínicos, endocrinológicos, ra-
diológicos e cirúrgicos de dois pacientes: um portador de
cisto de bolsa de Rathke e outro de cisto aracnóide, ambos As lesões císticas não tumorais intraselares são relativamente
em localização intraselar, de uma série de 123 pacientes por- raras e constituem os craniofaringeomas, cistos da bolsa de Ra-
tadores de lesão intra e supraselar abordados por via trans thke e cistos de aracnóide.
esfenoidal. Lesões císticas puras são raras e as dificuldades
diagnósticas pré-operatórias assim como os aspectos neuro- Apesar dos avanços da neuroimagem, as dificuldades de diag-
cirúrgicos relativos a estas patologias são destacados. É feita nóstico diferencial com os adenomas hipofisários com dege-
uma revisão da literatura. neração cística ainda persistem e algumas vezes o diagnóstico
é feito no trans-operatório ou somente com exame anátomo-
Palavras-chave : Cisto de Rathke, Cisto aracnóide intraselar,
patológico.
Cisto intraselar, abordagem transesfenoidal.
Baskin e Wilson2 classificaram os cistos dessa região, segun-
ABSTRACT do observações intraoperatórias e análise histológica da parede
do cisto, em quatro tipos: 1. pequenos cistos contendo líquido
Intraselar non neoplasic cystic lesions are very rare . The au- claro e localizados entre o lobo anterior e posterior da hipófise
thors present two patients, one with Rathke cleft cystic lesion (cistos da “pars intermedia”); 2. cistos que tinham comunica-
and other with arachnoidal cyst obtained among 123 patients
ção com o espaço subaracnóideo e a sua parede era formada
consecutively operated on by transesphenoidal approach .
Radiological , endocrinological and surgical approaches somente por tecido fibroso (cistos aracnóideos); 3. cistos de
were discussed and the literature was reviewed. bolsa de Rathke, que continham fluido amarelado, cristais e
fino material mucóide, com parede de epitélio cubóide, colu-
Keywords: non neoplasic intraselar cystic lesions, Rathke nar ou pseudocolunar estratificado; 4. cistos mistos, em que se
cleft cystic lesion, intraselar arachnoidal cyst, transesphenoi-
incluem a cisticercose e os epidermódes.
dal approach.
O presente trabalho tem por finalidade discutir duas lesões cís-
ticas pouco freqüentes: o cisto da Bolsa de Rathke e o cisto de
aracnóide, aspectos do diagnóstico pré-operatório sob aspecto
hormonal e radiológico e cirúrgicos, de uma série de 123 pa-
cientes operados por via trans esfenoidal associada com endos-
copia e microcirurgia.
1- Disciplina de Neurocirurgia - Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba - MG
2- Disciplina de Otorrinolaringologia - Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba - MG
3- Disciplina de Endocrinologia - Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba - MG
Araújo LP, Hueb MM, Dezena R, Resende EAMR, Delfino V, Ferreira BP, Lara BHJ, Borges MF, Fonseca ECR - Lesões císticas não tumorais J Bras Neurocirurg 21 (1): 43-48, 2010
intraselares: cisto de Rathke e de aracnóide. Relato de dois casos e revisão da literatura.
44
Revisão
Araújo LP, Hueb MM, Dezena R, Resende EAMR, Delfino V, Ferreira BP, Lara BHJ, Borges MF, Fonseca ECR - Lesões císticas não tumorais J Bras Neurocirurg 21 (1): 43-48, 2010
intraselares: cisto de Rathke e de aracnóide. Relato de dois casos e revisão da literatura.
45
Revisão
Araújo LP, Hueb MM, Dezena R, Resende EAMR, Delfino V, Ferreira BP, Lara BHJ, Borges MF, Fonseca ECR - Lesões císticas não tumorais J Bras Neurocirurg 21 (1): 43-48, 2010
intraselares: cisto de Rathke e de aracnóide. Relato de dois casos e revisão da literatura.
46
Revisão
hiperintensas em T1 frequentemente estão associadas com pre- mostram uma lesão com conteúdo semelhante ao liquido cefalo-
sença de material mucoso no interior do cisto25,27,35 ou prote- raquiano; geralmente não existe reforço da parede do cisto pelo
ínas34. Por outro lado, alta densidade em T1 e T2 pode estar contraste30.Contudo seu conteúdo pode apresentar sinal hiperin-
relacionada com processos hemorrágicos envolvendo a lesão27. tenso em T1 em relação ao liquido cefaloraquiano, o que dificul-
A diversidade da composição cística pode explicar a grande ta o diagnóstico diferencial com os macroadenomas císticos13,34.
variedade da intensidade do sinal vista no exame de RM o que
Com relação ao tratamento, a literatura mostra que os cistos
provavelmente explica as imagens do caso em discussão.
devem ser operados quando produzem sintomas visuais e en-
As indicações para o tratamento cirúrgico dos cistos da bol- docrinológicos, ou quando se tem dúvida quanto a etiologia.
sa de Rathke são as mesmas que a dos adenomas não-funcio-
Quanto a via de acesso, a maioria dos autores relata a transes-
nantes, ou seja, compressão de estruturas nervosas, quiasma
fenoidal, destacando a grande incidência de fístulas pós-ope-
óptico, ou endocrinológicas, eixo hipotalâmico-hipofisário na
ratórias, a necessidade de se preencher o seio esfenoidal com
maioria dos casos pela via transesfenoidal32.
gordura e o uso de cola biológica. Caso exista extensão supra
A indicação do tratamento cirúrgico neste paciente foi a difi- selar, a via intracraniana deve ser utilizada6.
culdade de se estabelecer um diagnóstico, uma vez que os exa-
A análise da literatura mostra que a morbidade cirúrgica para
mes hormonais e o campo visual estavam normais. O tipo de
os cistos de aracnóide é maior que a dos adenomas pituitários
abordagem cirúrgica vai depender da sua localização em rela-
quando operados por via trans-esfenoidal. São descritas com-
ção à glândula hipofisiária, sendo a via transesfenoidal contra-
plicações graves como meningite, fistulas liquóricas que ne-
indicada quando o cisto, ao se localizar na haste hipofisiária
cessitaram reoperação e piora visual pós operatória6.
deslocar a glândula hipofisiária inferiormente sobre o assoalho
da sela túrcica. Pode haver recorrência do cisto após a remoção
cirúrgica3,15,16,21.
Cisto aracnóide intraselar Os cistos da pars intermédia são formados por material coloi-
dal produzidos por células foliculares ou pseudofoliculares lo-
calizadas na zona intermédia e a pars distalis, conseqüência
Cisto aracnóide em localização intraselar é raro. Uma revisão
de provável insuficiência vascular; geralmente são pequenos,
da literatura utilizando-se o medline revelou que apenas 42 casos
essencialmente intraselares, tem parede fibrosa e conteúdo li-
cirúrgicos foram relatados desde 19802,4,9,10,12,19,30,32. O quadro cli-
quido claro24.
nico é semelhante aos adenomas hipofisários não funcionantes
ou podem ser mesmo assintomáticos. Sua etiologia é incerta. Cistos epidermóides e dermóides podem eventualmente se lo-
calizar na região selar e supraselar, contudo são bastante raros
Acredita-se que se originem através de uma herniação da arac-
nesta localização e mostram nos exames de imagem sua conti-
nóide para dentro da fossa pituitária por incompetência do dia-
nuidade com a extensão supra e paraselar13,26,34.
fragma selar e que esta comunicação com o espaço aracnoide
acaba se fechando, funcionando como um sistema valvar uni- A cisticercose pode excepcionalmente produzir cistos em lo-
direcional. Outros possíveis mecanismos de formação seriam calização intraselar, contudo geralmente os exames de imagem
uma origem verdadeiramente intraselar por células mesoteliais mostram o comprometimento da doença em outras áreas no
abaixo do diafragma ou mesmo duplicação da aracnóide her- parênquima, sistema ventricular ou espaço subaracnóideo18.
niada para dentro da fossa pituitária19.
Outras lesões não neoplásicas da região selar e paraselar po-
Geralmente os cistos não se comunicam com o espaço suba- dem produzir cistos tais como abscesso pituitário5 aneurismas
racnóideo, contudo podem aumentar de tamanho ao longo do cerebrais gigantes ou mesmo angioma do seio cavernoso. Por
tempo e tardiamente podem vir a comprimir o quiasma e provo- esta razão, quando houver dúvida é importante se realizar uma
car panhipopituitarismo por compressão da haste e da hipófise. angiografia cerebral14, conforme fizemos neste caso. O cisto
Muitos são assintomáticos ou provocam cefaléia. Diferentemen- ósseo aneurismático do esfenóide geralmente é multilobulado
te dos outros cistos aracnoideos, que geralmente são congênitos e geralmente tem um alto conteúdo protéico, o que torna seu
e estão associados a cisternas subaracnóideas normais, as lepto- diagnóstico radiológico mais evidente14.
meninges são consideradas ausentes dentro da sela turca19.
A sela vazia também deve ser considerada como diagnóstico di-
Quanto ao diagnóstico por imagem, tanto a TC quanto a RM ferencial nestes casos. É provocada pela invaginação do espaço
Araújo LP, Hueb MM, Dezena R, Resende EAMR, Delfino V, Ferreira BP, Lara BHJ, Borges MF, Fonseca ECR - Lesões císticas não tumorais J Bras Neurocirurg 21 (1): 43-48, 2010
intraselares: cisto de Rathke e de aracnóide. Relato de dois casos e revisão da literatura.
47
Revisão
subaracnoide para dentro da sela, deslocando póstero-inferior- 7. Gallardo E,Schacter D , Cáceres E . The empty sella : results
mente a hipófise. Pode ser primária ou secundária a tratamento of treatment in 76 successive cases and high frequency of en-
docrine and neurological disturbances . Clin Endocrinol (Oxf)
de tumores hipofisários operados, à apoplexia hipofisária ou
1992; 37:529-33.
conseqüentes a tratamento radioterápico da região selar. A sela
vazia de causa primária está associada a um diafragma selar 8. Graziani N, Dufour H, Figarella-Branger D. Do the suprasellar
neuroenteric cyst, the Rathke`s cleft cyst and the colloid cyst con-
incompetente, cistos benignos intraselares, hipertensão intra- stitute a same entity. Acta Neurochir (Wien) 1995; 133:174-80.
craniana, hidrocefalia, mal formação de Arnold-Chiari, pseu-
dotumor cerebral7. Na maioria dos casos, não produz sintomas, 9. Hardy J, Vezina J. Transphenoidal neurosurgery of intracranial
neoplasm. Adv Neurol 1976; 15:261-74.
contudo pode causar distúrbios visuais, amenorréia ou galac-
torréia. O diagnóstico radiológico é feito pela RM que mostra 10. Harter LP, Silverberg GD, Brant-Zawadzki M. Intrasellar arach-
aumento do volume da sela turca e sinal hipointenso em T1 e noid cyst: Case report. Neurosurgery 1980; 7:387–390.
hiperintenso em T2 semelhante ao liquidocefaloraquiano, as- 11. Hasegawa M, Yamashima T, Yamashita J, Kuroda E. Symptomatic
sim como a presença do infundíbulo em localização intraselar, intrasellar arachnoid cyst: Case report. Surg Neurol. 1991; 35:355–9.
o que fecha o diagnóstico11. 12. Hoffman J, Barrow DL. Radiological evaluation of pituitary
lesions. In Barrow DL, Selman WR, eds. Neuroendocrinology,
Baltimore: Williams&Wilkins, 1992: p.237-57.
13. Hornig GW, Zervas NT. Slit defect of the diaphragma sellae
with valve effect: Observation of a “slit valve”. Neurosurgery
Conclusão 1992; 30:265–7.
14. Hua F, Asato R, Miki Y, Okumura R, Hashimoto N, KikuchiH, et
Lesões císticas não neoplásicas intraselares são raras e podem al. Diferentiation of suprasellar non-neoplasticcysts from cystic
neoplasms by Gd-DTPA MRI. J Comput Assist Tomogr. 1991;
ser classificadas segundo sua origem anatômica e seu aspecto 16(5):744-9.
histológico.
15. Iqbal J, Kanaan I, Al Homsi M. Non-neoplastic cystic lesions
O quadro clinico pode ser semelhante aos adenomas hipofisá- of the sellar region presentation, diagnosis and management
rios e o diagnóstico diferencial pré-operatório nem sempre é of eight cases and review of the literature. 1: Acta Neurochir
possível. A tomografia computadorizada e a ressonância mag- (Wien). 1999; 141(4):389-97.
nética são os exames de imagem que definem a lesão. A abor- 16. Iraci G, Giordano R, Gerosa M, Rigobello L, Di Stefano E. Ocu-
dagem transesfenoidal endoscópica associada à microcirurgia lar involvement in recurrent cyst of Rathke’s cleft: Case report.
é o acesso mais utilizado. Ann Ophthamol 1979; 11:94-8.
17. Marcincin R, Gennarelli T. Recurrence of simptomatic pitu-
itary cysts following transsphenoidal drainage. Surg Neurol
1982; 18: 448-51.
18. Matsushima T, Fukui M, Fujii K. Epithelial cells in symptom-
Referências atic Rathke’s cleft cysts. A light and electron-microscopic study.
Surg Neurol 1988; 30:197-203.
1. Agnetti V, Carreras M, Rocca A. Epithelial cysts related to the 19. McCormick GF, Zee CS, Heiden J. Cystercercosis cerebri. Re-
Rathke’s cleft. J Neurosurg Sci 1974; 18:65-9. view of 127 cases. Arch Neurol 1982; 39:534-59.
2. Baskin DS, Wilson CB. Transsphenoidal treatment of non-neo- 20. Meyer FB, Carpenter SM, Laws ER Jr: Intrasellar arachnoid
plastic intrasellarcysts. A report of 38 cases. J Neurosurg 1984; cysts. Surg Neurol 1987; 28:105–10.
60:8–13. 21. Meyer J, Quint D, McKeever P, Boland M, Ross D. Giant
3. Diengdoh J, Scott T. Electron-microscopical study of a Rathke’s Rathke’s cleft cyst. AJNR 1994; 15:533-6.
cleft cyst. Acta Neuropathol 1983; 60:14-8. 22. Mukherjee J, Islam N, Kaltsas G. Clinical, radiological and
4. Dietemann JL, Guessoum M, Schultz A, Zöllner G, Sanoussi pathological features of patients with Rathke’s cleft cysts: tumor
S, Maitrot D, et al. Intrasellar arachnoid cysts: CT-scan and that may recur. J Clin Endocrinol Metabol 1997; 82:2357-62.
MRI aspects. About 2 cases [in French]. J Neuroradiol 1997; 23. Murakami M, Okumura H, Kakita K: Recurrent intrasellar
24:168–73. arachnoid cyst. Neurol Med Chir 2003; 43:312–5.
5. Domingue JN, Wilson CB. Pituitary abscesses: report of seven 24. Naiken V, Tellem M, Meranze D. Pituitary cyst of Rathke’s cleft
cases and review of literature. J Neurosurg 1977; 46:601. origin with hypopituitarism. J Neurosurg 1961; 18:703-8.
6. Dubuisson AS, Stevenaert A, Martin DH, Flandroy PP.Fisher E, De- 25. Naylor M, Scheithauer B, Forbes G, Tomlinson F, Young W.
Girolami U, et al. Reversible visual deficit following debulking of a Rathke’s cleft cyst: CT, MR, and pathology of 23 cases. J Com-
Rathke’s cleft cyst: a tethered chiasm. J Neurosurg 1994; 81:459-62. put Assist Tomogr 1996; 20:171-8.
Araújo LP, Hueb MM, Dezena R, Resende EAMR, Delfino V, Ferreira BP, Lara BHJ, Borges MF, Fonseca ECR - Lesões císticas não tumorais J Bras Neurocirurg 21 (1): 43-48, 2010
intraselares: cisto de Rathke e de aracnóide. Relato de dois casos e revisão da literatura.
48
Revisão
Corresponding author
Leopoldo Prézia Araújo
Rua Mozart Furtado Nunes, 303
Uberaba MG CEP-38060400
lprezia@mednet.com.br
Araújo LP, Hueb MM, Dezena R, Resende EAMR, Delfino V, Ferreira BP, Lara BHJ, Borges MF, Fonseca ECR - Lesões císticas não tumorais J Bras Neurocirurg 21 (1): 43-48, 2010
intraselares: cisto de Rathke e de aracnóide. Relato de dois casos e revisão da literatura.