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SUB-TEMA 1: DOCUMENTAÇÃO, CONSERVAÇÃO E

RESTAURAÇÃO

SALVAR DAS RUÍNAS?


A inserção da arquitetura contemporânea em áreas arqueológicas

COSTA, TATIANA C.

1. Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


E-mail: taticosta_arq@hotmail.com

RESUMO
Este trabalho é dirigido à investigação das intervenções arquitetônicas que tem o objetivo de proteger
áreas arqueológicas através de coberturas ou abrigos, permitindo sua apresentação e fruição. São
intervenções diretas em locais onde os vestígios constituem, na sua maioria, restos de fundações de
antigos edifícios encontrados em escavações. Ao contrário das ruínas arquitetônicas onde ainda
subsiste alguma espacialidade e cujas possibilidades de intervenção variam da reintegração à
reconstrução, os fragmentos edilícios que permanecem dispersos no sítio têm sido nos últimos anos
objetos de projetos arquitetônicos direcionados à preservação do seu status quo incluindo muitas
vezes a adição de elementos contemporâneos capazes de promover a sua conservação (como
coberturas e abrigos) e dotar o sítio de acessibilidade e estruturas necessárias à sua sobrevivência
na dinâmica atual. Nosso objetivo é investigar o impacto causado pela inserção da arquitetura
contemporânea na legibilidade do patrimônio arqueológico e na paisagem, analisando exemplos na
Europa e Brasil com base nos critérios projetuais estabelecidos pelo restauro crítico conservativo, tais
como: distinguibilidade, reversibilidade, intervenção mínima, atualidade expressiva, dentre outros.
Palavras-chave: proteção e apresentação in situ; áreas arqueológicas; restauro crítico conservativo.

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Introdução

Este trabalho é dirigido à investigação das intervenções arquitetônicas que tem o objetivo de
proteger áreas arqueológicas através de coberturas ou abrigos, permitindo sua
apresentação e fruição. São intervenções diretas em locais onde os vestígios constituem, na
sua maioria, restos de fundações de antigos edifícios encontrados em escavações. Ao
contrário das ruínas arquitetônicas onde ainda subsiste alguma espacialidade e cujas
possibilidades de intervenção variam da reintegração à reconstrução, os fragmentos
edilícios que permanecem dispersos no sítio têm sido nos últimos anos objetos de projetos
arquitetônicos direcionados à preservação do seu status quo. Muitas vezes são incluídos
elementos contemporâneos capazes de promover a sua conservação (como coberturas e
abrigos) e dotar o sítio de acessibilidade e estruturas necessárias à sua sobrevivência na
dinâmica atual.

É um tema que envolve, portanto, estudos multidisciplinares, em especial as relações entre


projeto de arquitetura, arqueologia e preservação do patrimônio cultural. A interface entre
estas disciplinas tem sido amplamente discutida em toda a Europa, onde percebemos a
busca por uma afirmação do tema da proteção de áreas arqueológicas no campo da
disciplina “projeto arquitetônico”, por um lado (SEGARRA LAGUNES, 2017; LINAZASORO,
2017, CELLINI, 2007) e no campo da “restauração arquitetônica”, por outro (CARBONARA,
2016; DI MUZIO, 2010; PALMERIO E DI MUZIO, 2007, VARAGNOLI, 2003).

Nosso objetivo é demonstrar o resultado de intervenções de proteção e apresentação de


áreas arqueológicas, verificando os impactos negativos da nova composição arquitetônica
na conservação dos vestígios e na alteração da paisagem. Como ferramenta de análise
propõe-se a utilização dos princípios teóricos e projetuais da restauração arquitetônica, mais
especificamente do restauro crítico conservativo, a partir do entendimento de que o projeto
de arquitetura pautado na preservação de bens culturais ainda que fragmentados e
incompletos, mas que precisam ser transmitidos da melhor maneira possível ao futuro, deve
atender às condicionantes do restauro fundamentado como “ato crítico e criativo” (BONELLI,
1959).

Delineamento histórico

É possível afirmar que as primeiras experiências de proteção de restos arqueológicos foram


realizadas na Itália, nas cidades de Pompéia e Herculano, quando a Arqueologia ainda não

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constituía uma disciplina autônoma, nem tampouco estavam consolidados os fundamentos
culturais, as técnicas e metodologias para a intervenção arquitetônica em preexistências
arqueológicas. Até o final do século XIX, a atenção principal era voltada para a proteção do
aparato pictórico, sendo os elementos construtivos remanescentes incorporados às novas
formas construídas através de reconstruções estilísticas que utilizavam tanto os materiais
tradicionais, como o cimento armado.

Com o avanço das formulações e reflexões teóricas no campo da conservação e do restauro


e o grande número de sítios descobertos, a manutenção dos vestígios em seu lugar de
origem começa a ser um dos temas centrais para a Arqueologia, ainda com uma abordagem
projetual grandemente direcionada para a reconstrução estilística e refazimento dos estratos
arquitetônicos remanescentes. De acordo com Alagna (2008, p.233), entre 1911 e 1923, na
gestão do Superintendente Vittorio Spinazzola, a condução da intervenção arqueológica na
Via dell’Abbondanza, em Pompéia, é realizada com “métodos rigorosos de escavação e
restauro” e “os aparatos decorativos, afrescos e mosaicos em bom estado de conservação
são deixados no sítio”.

No segundo pós-guerra, a intenção de reconstruir a identidade nacional a partir da


valorização do patrimônio cultural, inicia reflexões e discussões sobre as intervenções de
conservação in situ de bens arqueológicos e para tanto, são desenvolvidos estudos junto ao
Ministero della Pubblica Istruzione e ao Istituto Centrale del Restauro - ICR, em Roma
(ALAGNA, 2008, p.7). Em 1957, as reconstruções realizadas em Pompéia, Herculano e
Ostia são duramente criticadas pelo então Diretor do ICR, Cesare Brandi como um “grave
erro”. Brandi formulou abordagens conceituais e teóricas para o tratamento do repertório
arqueológico, rejeitando a descontextualização de fragmentos de elementos arquitetônicos e
artísticos de seu sítio original e propondo a sua conservação e fruição in situ através de um
adequado projeto de musealização.

Na Villa del Casale, uma construção tardo-romana provavelmente do século IV d.C., as


escavações arqueológicas realizadas nas décadas de 1940-50 revelaram “a maior e mais
completa série de mosaicos romanos que já foram descobertos em um único monumento”, e
que se encontravam extremamente bem preservados. A retirada dos mosaicos da Villa para
conservação em um museu foi sumariamente rejeitada por Brandi como um ato que
comprometeria a beleza do local, de uma vista incomparável, deixando no abandono o que
ainda restava do monumento e que era de grande importância cultural. Era necessário,
portanto, a sua conservação in situ através da construção de uma cobertura que protegesse

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o patrimônio musivo e as estruturas arquitetônicas remanescentes contra geadas, sol, chuva
e seca.

Como revela Brendle (2015), ao propor a permanência in situ dos mosaicos da Villa del
Casale, Brandi argumenta que a necessidade de realizar a cobertura de proteção, “não pode
ser obstaculizada por um respeito fetichista da ruína como ruína ou pela incongruente
pretensão da repristinação” e defende a construção de passarelas de visitação e coberturas
“em material opaco e transparente que a técnica moderna pode realizar”.

Ao definir conceitualmente as diretrizes projetuais para a nova cobertura, formuladas em seu


clássico texto - Archeologia Siciliana - publicado em 1957 no Bollettino dell’Istituto Centrale
del Restauro, Brandi propõe diretrizes para uma intervenção projetual crítica que considera
a leitura e preservação do sítio e da paisagem, sua composição remanescente, materiais e
elementos decorativos, total visibilidade de sua estrutura e dos componentes restaurados,
enfatizando a rejeição de qualquer tentativa de reconstrução (BRENDLE, 2015). Brandi
argumenta que “uma tentativa de reconstrução dos quartos da vila com paredes e janelas
imaginárias, ou pior ainda, clarabóias imaginárias, não seria uma restauração, mas uma
desgraça indescritível” 1, além de recomendar proteção contra infiltração, umidade capilar e
raios solares diretos e a prerrogativa de não se transitar sobre os mosaicos, mas observá-
los em seu conjunto através de um plano elevado. Assim é proposta uma cobertura em
material opaco e transparente assentada sobre a base restante das paredes, evitando a
construção de pilares metálicos complexos, numa solução “integralmente moderna e
integralmente modesta” (BRANDI, 1957: p. 94-95) (Fig. 1).

Pela primeira vez a não retirada de um manufato arqueológico de grande valor artístico e
cultural de seu sítio de origem é acompanhada de discussões multidisciplinares unindo
museografia, arquitetura, arqueologia, história e restauro, entre outros campos disciplinares.
A solução inovadora e experimental proposta por Minissi para a proteção dos mosaicos
através da criação de um museu in situ foi baseada na sugestão volumétrica dos espaços
originais mediante a montagem de paredes e cobertura em material leve e transparente,
com uma linguagem arquitetônica fundamentada no restauro crítico (BASILE; PURPURA;
TRAINA; 2015, p.57).

1
Diferentemente das construções de Pompeia e Herculano cujas elevações eram muito maiores, chegando às
vezes a três pavimentos, a grande maioria das paredes na Villa del Casale tinha no máximo um a dois metros de
altura (BRANDI, 1957: p. 94-95).

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Fig. 1: Intervenção de Franco Minissi na Villa del Casale, Piazza Armerina, Sicília, Itália. Destaque
para a estrutura muraria original remanescente e a inserção de perfis de ferro e vidro para sugerir a
recomposição volumétrica.
Fonte: Foto de Betânia Brendle, 2015.

A compreensão de que a espacialidade própria do monumento coexiste com o espaço em


que está inserido e que os elementos decorativos estão indissoluvelmente ligados ao
monumento arquitetônico e presentes na determinação de sua espacialidade é uma
argumentação de Brandi para a conservação in situ dos mosaicos da Villa del Casale ou
seja, a inalienabilidade do monumento ao contexto em que está inserido (ALAGNA, 2008, p.
42).

Baseadas nesse princípio são desenvolvidas as intervenções de Franco Minissi na Sicília,


cujo produto é refletido na elaboração da Carta de Veneza em 1964, onde a contribuição de
Minissi é materializada, sobretudo no âmbito do restauro arqueológico e na redação dos
Artigos 7, 8, 10 e 15 (ALAGNA, 2008, pp.215-216):

Artigo 7º - O monumento é inseparável da história de que é testemunho


e do meio em que se situa. Por isso, o deslocamento de todo o
monumento ou de parte dele não pode ser tolerado, exceto quando a
salvaguarda do monumento o exigir ou quando o justificarem razões de
grande interesse nacional ou internacional.

Artigo 8º - Os elementos de escultura, pintura ou decoração que são


parte integrante do monumento não lhes podem ser retirados a não ser
que essa medida seja a única capaz de assegurar sua conservação.

Artigo 10º: Nos casos em que as técnicas tradicionais se revelarem


inadequadas, a consolidação de um monumento pode ser assegurada
através do recurso a outras técnicas modernas de conservação e de
construção, desde que a sua eficácia tenha sido comprovada por dados
científicos e garantida pela experiência.

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Artigo 15º - Devem ser asseguradas as manutenções das ruínas e as
medidas necessárias à conservação e proteção permanente dos
elementos arquitetônicos e dos objetos descobertos. Além disso,
devem ser tomadas as iniciativas para facilitar a compreensão do
monumento trazido à luz sem jamais deturpar seu significado.

Após a intervenção na Villa del Casale, nem sempre as estruturas de proteção em sítios
arqueológicos foram concebidas com a mesma fundamentação teórica e conceitual, nem
com a cuidadosa inserção de novos elementos que considerava acima de tudo, os restos
antigos como parte integrante do patrimônio cultural. Nem mesmo a integração de
profissionais dos diversos campos do conhecimento tanto do campo da conservação, do
restauro, da musealização e da engenharia, entre outros. As razões desta desconexão são
derivadas em parte pela afirmação da primazia de um campo disciplinar sobre o outro: no
caso, da arqueologia sobre a arquitetura. Ou mesmo em função da necessidade urgente de
cobertura das áreas arqueológicas, resultando em medidas temporárias sem maior reflexão
conceitual e projetual que geraram a produção de galpões mais apropriados para
armazenamento e garagem do que um abrigo para estruturas milenares de arte e história.

Nos últimos 50 anos, com o aumento do volume de escavações e o aperfeiçoamento dos


métodos arqueológicos, diversos vestígios foram revelados e surgiram alguns problemas a
serem solucionados como a sua conservação, a forma de compreensão pelo público e as
alterações na paisagem (SEGARRA LAGUNES, 2017). A heterogeneidade formal do
patrimônio arqueológico (sejam fragmentos de um templo ou de um grande anfiteatro), além
da variedade de sua origem (vestígios urbanos ou de um sepultamento, por exemplo) nos
trazem questionamentos sobre a condução do novo projeto de arquitetura.

A estrutura de proteção: entre conservação e valorização

A implantação da cobertura de proteção tem como função resguardar plenamente o bem,


afastando ou diminuindo a ação dos agentes atmosféricos, da vegetação parasitária, da
conduta danosa do próprio homem e da passagem do tempo. Assim, pode-se caracterizá-la
como uma ação de restauração preventiva na medida em que esta visa impedir
intervenções de extrema urgência, funcionando como “tutela, remoção de perigos e
asseguramento de condições favoráveis” (BRANDI, 2004, p. 99). Porém, a conservação do
bem arqueológico no sítio envolve também suas relações com o contexto, que no caso dos
manufatos em ruínas, se estende aos aspectos estéticos e de paisagem. A intenção de
favorecer a legibilidade do patrimônio arqueológico e facilitar a sua compreensão em relação
à forma, conteúdo, função ou mesmo estimular a imaginação do público com uma

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reconstrução evocativa, podem ser atitudes de valorização e apresentação dos vestígios.
Estas ampliam a dimensão dos projetos de estruturas de proteção para além do mero
caráter conservativo, que configuraria o seu objetivo principal, para um caráter revelativo. Ao
buscar dar novo sentido aos achados, devolvendo-os à dinâmica contemporânea, ainda que
por razões turísticas, nos aproximamos das questões emocionais e afetivas estabelecidas
com as ruínas. Daí a importância da estrutura de proteção não apenas como instrumento
capaz de promover a conservação material dos achados, mas como um elemento de
conexão do bem com o ambiente no qual está inserido e do qual ele é indissociável, o que
só pode ser resolvido através do projeto de arquitetura contemporâneo.

Se concebermos a ação de proteção das evidências arqueológicas como uma ação de


função conservativa do testemunho material, e, do mesmo modo, se compreendermos as
adições de novos elementos arquitetônicos contemporâneos em áreas arqueológicas como
atitudes que tem a função de revelar e valorizar os achados, podemos concluir que estas
intervenções guardam relações muito próximas com as funções das intervenções de
restauro, evidenciadas pela Carta de Veneza (1964) e Carta do Restauro (1972).

Deste ponto de vista, proteger o bem arqueológico não significa cobrir ou criar um invólucro
mural em torno de todos os locais onde há indícios estratificados da presença humana, nem
significa restaurá-lo, mas trata-se de um processo que é iniciado com o reconhecimento
destes bens como bens culturais, independente do seu estado fragmentário; significa propor
soluções para questões técnicas de conservação, mas também implica no desejo de colocar
o bem cultural em evidência, revelando-o e incorporando-o a novas dinâmicas. Por isso
alguns autores (MINISSI, 1985; RANELLUCI, 1996) consideram esta prática como
metodologicamente unitária e homogênea ao restauro, tanto na satisfação da instância
"conservativa" como daquela “revelativa" que consiste em facilitar a leitura das ruínas
arqueológicas protegidas (DI MUZIO, 2010, p. 17).

Ao relacionarmos os fundamentos da restauração ao projeto arquitetônico contemporâneo


de proteção e apresentação in situ de áreas arqueológicas, convém ressaltar que do ponto
de vista teórico e metodológico, ao menos no âmbito do restauro crítico conservativo, não
haveria uma forma diferenciada de tratamento das ruínas arqueológicas em contraposição a
outros vestígios com maior grau de conservação. Isto colocaria as operações dirigidas ao
tratamento dos vestígios arqueológicos como uma disciplina isolada, regulada pela
antiguidade dos bens. Para Varagnoli (2003, p. 53), “imaginar o restauro dos restos
arqueológicos como um setor autônomo, dotado de um status, métodos e objetivos próprios”

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é talvez um sinal da excessiva especialização e divisão de competências que caracteriza o
nosso tempo. Portanto, o projeto arquitetônico contemporâneo destinado a proteger,
valorizar, apresentar, dar fruição ou musealizar in situ áreas arqueológicas pode ser guiado
pelos mesmos princípios da restauração artística e arquitetônica tradicional.

Princípios conceituais do restauro aplicados aos restos arqueológicos

Conciliar as exigências de conservação com aquelas de valorização e fruição pode ser uma
tarefa extremamente complicada tendo em vista que as intervenções voltadas à
conservação visam manter afastado o bem arqueológico do ambiente causa da degradação,
enquanto as intervenções direcionadas à fruição tendem a reinserir o monumento no próprio
contexto paisagístico e geográfico. Schmidt (1988) chamou a atenção para a dificuldade de
estabelecer regras gerais para o projeto e construção de estruturas de proteção devido a
cada vestígio possuir sua formação individual e história de sua destruição de forma única,
seja por sua estrutura arquitetônica, seja pela sua situação topográfica. Entretanto, formulou
algumas considerações básicas que podem alterar positivamente ou negativamente tanto a
aparência da estrutura como as escavações conduzidas, as quais devem ser adaptadas de
acordo com a especificidade do caso, a saber: 1) adequação funcional (climatização,
segurança, estabilidade, durabilidade, etc.); 2) diferenciação no projeto arquitetônico das
estruturas originais; 3) integração no ambiente em que se insere (contexto construído ou
paisagístico natural).

Superar o limite das indispensáveis operações de natureza técnica, promover a


distinguibilidade entre o antigo e o novo, além de manter atenção ao contexto ambiental
também foram princípios fundamentais indispensáveis para este tipo de intervenção,
relacionados pelo italiano Franco Minissi (1996). O arquiteto recomendava de modo geral
que as intervenções de proteção deveriam sugerir, senão reintegrar, a imagem original
mesmo que parcial da preexistência, visando recordar seu significado e destacar suas
qualidades (MINISSI, 1996, p. 23).

Já Carbonara (2016), em recente artigo, produz uma arbodagem crítica exemplificando


inúmeras intervenções em preexistências arqueológicas e conduzindo à necessidade de
atendimento a princípios há muito adquiridos no campo da proteção e da restauração do
patrimônio cultural, como: 1) o objetivo principal de transmissão do legado material ao
futuro, nas melhores condições possíveis e a relegação a segundo plano dos problemas
funcionais e práticos; 2) a intervenção mínima; 3) a atenção equivalente tanto aos

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testemunhos mais nobres e grandiosos, quanto aos menores e mais pobres, ambos
patrimônio cultural; 4) a abolição de qualquer tentativa de restauração e 5) a distinção dos
acréscimos indispensáveis, os quais devem se mostrar modernos.

Este último ponto, relativo à adição apenas indispensável de novas estruturas


frequentemente entra em conflito com o desejo de associar a intervenção contemporânea a
uma “marca do seu tempo”. Objeto de projetos autorreferenciais de muitos arquitetos, o
patrimônio arqueológico é subjulgado e relegado a um papel secundário na intervenção
produzida sob o pretexto de preservação cultural. É o que tristemente se verifica na Piazzeta
Toscano, no coração do centro histórico da cidade de Cosenza, na Calabria, Itália.

A região constituída por um grande vazio urbano em função do colapso de um edifício


bombardeado durante a Segunda Guerra Mundial (1943), foi alvo de uma intervenção de
recuperação pelo Município de Cosenza, a qual visava a reconversão dessa área
marginalizada da cidade. Durante 1998 e 1999 a Soprintendeza Archeologica della Calabria
realizou escavações no local identificando traços de uma ocupação romana (século IV a.C.)
com vestígios de muros em “opus reticulatum” que representam a realidade arqueológica
mais importante da cidade, bem como estruturas medievais e pós-medievais sobrepostas
(BATTISTA SANGINETO, 2014) (Fig. 2).

A intenção expressa pela administração municipal era preservá-los, entretanto, a


intervenção inaugurada em 2002 e conduzida pelo arquiteto italiano Marcello Guido
provocou um resultado inverso, com a construção de uma estrutura irreversível em ferro,
vidro e concreto armado que se sobrepõe às ruínas e com elas contrasta de maneira
agressiva, impedindo sua valorização e perenidade enquanto testemunho histórico (Fig. 3).

Fig. 2: Piazzeta Toscano, Cosenza, na década de 1950 e após escavações (1999).


Fonte: (BATTISTA SANGINETO, 2014, p. 168).

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Trata-se de um projeto pautado na desconstrução da forma com geometrias complexas que
criam uma interseção de planos, pontas e assimetria causando uma assustadora ruptura no
tecido urbano consolidado, muito maior do que a causada pela própria escavação.
Independente da leitura dificultosa dos estratos edilícios de diferentes épocas, a decisão
inicial de mantê-los à mostra deveria ser concretizada numa linguagem arquitetônica capaz
de revelar as ruínas arqueológicas e não as experiências formais contrastantes e ilimitadas
do autor.

Fig. 3: Piazzeta Toscano, Cosenza em 2002 – Detalhe da cobertura em ferro e vidro sobre os
vestígios.
Fonte: https://www.artribune.com/progettazione/architettura/2018/05/marcello-guido-storia-
italia/attachment/marcello-guido-piazza-antonio-toscano-1999-2001-cosenza/. Acesso em: 16 fev.
2019.

A impossibilidade de uma abordagem objetiva de intervenção sobre os restos arqueológicos


é clara, mas é evidente também que há princípios de projeto válidos que podem verificados
caso a caso. Como por exemplo, a “integração volumétrica explícita e de boa qualidade
projetual” colocada por Palmerio (2007) ou a recuperação da terceira dimensão para deixar
perceptível e compreender a ruína, conforme propõe Carbonara (2010) em assonância à
contribuição de Franco Minissi e Cesare Brandi.

A importância da leitura ‘daquilo que resta’, como um todo, como Franco Minissi propôs na
visita dos mosaicos da Villa Del Casale a partir do alto, facilitando sua percepção e
compreensão, é um aspecto que não deve ser negligenciado no projeto arquitetônico de
cobertura do sítio arqueológico (CARBONARA, 2010). Mesmo diante de vestígios de
fragmentada consistência material é possível distanciar-se da tentação da reconstrução ou
de soluções autorreferenciais e ter uma atitude projetual voltada para a prexistência.

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No Brasil, é possível perceber a necessidade de aprofundar este debate ao citar o caso da
cobertura metálica sobre os restos edilícios da Igreja Matriz da antiga Vila Bela da
Santíssima Trindade (1752), no Mato Grosso. Com o objetivo de proteger os vestígios deste
templo foi executada em toda a área arqueológica (com a aprovação do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN) uma estrutura metálica treliçada pintada
na cor vermelha e recoberta com policarbonato, a qual em nada contribui para um
incremento de significação dos vestígios e não apresenta qualquer relação de integração
com a paisagem. (Fig. 4).

Fig. 4: Cobertura metálica (2000) sobre as ruínas da Igreja Matriz e do Palácio dos Capitães
Generais na antiga Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso.
Fonte: http://fuzuedasartes.blogspot.com/2015/06/acontece-neste-sabado-2606-o-lancamento.html.
Acesso em: 05 mar. 2019.

Através da análise crítica realizada neste trabalho, verificamos os impactos negativos de


algumas intervenções arquitetônicas contemporâneas em áreas arqueológicas, as quais não
compreendem os vestígios como testemunhos históricos, objetos estéticos e como bens
culturais. São intervenções destrutivas e com resultados frágeis que não dão legibilidade
aos fragmentos e não os valorizam. Se de um lado, exemplos puramente tecnicistas podem
responder somente às exigências conservativas de proteção dos restos arqueológicos, de
outro, os projetos que não possuem uma relação antigo/novo balanceada, como o exemplo
de Cosenza, representam uma ameaça hostil à capacidade revelativa dos vestígios.
Portanto, é fundamental que haja um equilíbrio entre as exigências da conservação com as
de fruição para que o objetivo inicial da preservação do bem cultural e sua consequente
revelação ao vasto público seja alcançado.

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