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GMLFS07
RELATÓRIO
VOTO
Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não
abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação
de vontade, ou das circunstâncias do caso.
Como se percebe da leitura do art. 93, a parte geral do Código Civil em vigor
não apresentou um conceito de parte integrante, fazendo tão somente uma referência à
categoria para contrapor-se à definição de pertença. Por essa peculiaridade legal, a parte
integrante é conceito jurídico indeterminado.
4. Diante deste quadro, parece necessário classificar adequadamente os
instrumentos de adaptação para condução veicular por deficiente físico. O acórdão
recorrido, por considerá-los bens acessórios, prestigiando a máxima segundo a qual a
coisa acessória segue, logicamente, a principal, ante o princípio da gravitação jurídica,
impediu a retirada daqueles bens, declarando-os de propriedade do credor fiduciário.
No entanto, a meu ver, observada sempre a máxima vênia, a conclusão do
acórdão recorrido não foi precisa e acabou por reunir espécies com características
singulares, que, na verdade, ao serem consideradas, deveriam se afastar de um
regramento comum.
É que, ao afirmar que os instrumentos adaptados ao carro alienado
fiduciariamente, eram simplesmente bens acessórios, o Tribunal de origem desconsiderou
o fato de que, ainda que sejam acessórios, por vezes, as espécies desse gênero recebem
disciplina diametralmente oposta. Exemplo disso são os frutos e as pertenças. Por
expressa disciplina legal, seguirão os frutos a sorte do bem principal a que se vinculam.
Noutro ponto, as pertenças, em regra, serão autonomamente consideradas e, apenas
quando declarado, seguirão a sorte do principal. Ambos acessórios, porém, com destinos
diferentes.
Não bastasse o tratamento unitário e não distintivo conferido aos bens
acessórios pelo Tribunal paulista, houve outro equívoco ao deixar de referir-se às partes
integrantes de um bem, conceito que da mesma forma merecia ser considerado na
solução da contenda.
De fato, "a pertença (CC, art 93) é bem que se acresce, como acessório, à
coisa principal, daí ser res annexa (coisa anexada). Portanto, é coisa acessória sui
generis, destinada, de modo duradouro, a conservar ou facilitar o uso, ou prestar serviço,
ou, ainda, servir de adorno do bem principal, sem ser parte integrante" (DINIZ, Maria
Helena, Op. cit., p. 395)
Destinam-se as pertenças a dar alguma qualidade ou vantagem ao bem,
fator que lhes fornece o caráter de acessoriedade. Há vinculação com a coisa principal,
pois são criadas para lhe imprimir maior serventia, ou a aumentar a utilização, ou a trazer
vantagens no desfrute. Todavia, adverte RIZZARDO, "mantêm essas coisas a sua
individualidade e autonomia, não se incorporando no bem principal, ou constituindo uma
unidade" (Op. cit., p. 345)
Marcelo Junqueira Calixto elucida que o Código Civil determina a ocorrência
de três situações jurídicas, uma para as partes integrantes, outra para as pertenças e
outra para os bens acessórios:
As primeiras (partes integrantes) estão irremediavelmente ligadas ao
bem, não sendo objeto de relações jurídicas próprias, salvo a exceção
do art. 95. As segundas (pertenças) podem ser destacadas do bem
principal, podendo, portanto, ser objeto de relações jurídicas próprias,
sendo que, como regra, não seguem a sorte do bem principal. Os bens
acessórios, entendidos como aqueles que não se enquadram no conceito de
partes integrantes nem no de pertença (exemplo é o fruto percebido e não
empregado na destinação econômica do principal), podem ser objeto de
negócios jurídicos autônomos, mas, como regra, seguem a sorte do bem
principal.
(Apud DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito civil. Teoria
geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, p. 501).
p. 346)
Uma vez mais, trago à baila lição de Maria Helena Diniz para auxiliar a
elucidação da matéria. É da professora paulista a lição segundo a qual as pertenças
constituem "bens acessórios sui generis, e por serem coisa ajudantes, mesmo que não
sejam propriedade do dono da principal, destinam-se a servir ao fim econômico ou técnico
do bem principal, a que se ligam", "ajuda, ou serve, a coisa principal, entrando de algum
modo no lugar que esta ocupa no espaço geográfico-econômico. Como relação de
pertinencialidade advém de um negócio jurídico, que sujeita uma coisa a serviço de outra,
ela só se estabelece se tal coisa, economicamente, se anexar à outra" (Op. cit., p. 397)
Acrescenta Gustavo Haical, em artigo denominado As partes integrantes e a
pertença do código civil, que, quanto às pertenças, "a relação de pertinencialidade surge
não por haver a conexão material entre duas coisas, como acontece na coisa composta,
mas por uma relação espacial, em que a coisa secundária, classificada como pertença,
atende a finalidade econômico-social da coisa principal". E continua:
A pertença, portanto, é coisa ajudante da coisa principal, por atender ao uso,
serviço ou aformoseamento da coisa principal. Muito embora a pertença
forme com a coisa principal uma unidade funcional, por não estar ligada
materialmente à coisa principal, conserva sua autonomia e identidade. Por
isso, os direitos relativos à coisa que passou a ser pertença não se
extinguem. A alienação da pertença conjuntamente com a coisa
principal não extingue o direito de propriedade nem outros direitos reais
sobre ela recaídos. A independência física da pertença permite que ela
seja livremente separada da coisa principal, sem que isso acarrete
alteração ou destruição material, mas apenas afetação à finalidade
econômico-social da coisa principal. Portanto, não há objeções à
separação da pertença para com a coisa principal, ao contrário do que
se dá com as partes integrantes essenciais.
(Revista dos Tribunais: RT, v. 102, n. 934, p. 49-135, ago. 2013)
anexados por ele ao bem principal e, por óbvio, se realizada a adaptação em momento
posterior à garantia fiduciária.
Destarte, é sabido que a alienação em garantia se dá no momento em que
aperfeiçoado o contrato de financiamento, porque, inclusive, no caso concreto, num
mesmo instrumento estão expressas as duas avenças (fls. 23-24). Seguindo essa linha,
ao que tudo indica, já que carente de detalhes os autos, é verdade, no momento da
contratação, o veículo alienado não continha os aparelhos de adaptação para condutores
com deficiência física, tanto que as especificações do objeto contratual não se referem a
eles.
Com efeito, diz o contrato de financiamento (fl. 23):
VI - Descrição da Garantia
Descrição
Marca MERC BENZ
Modelo ML 320 AB54
Ano 1999
Combustível GASOLINA
Chassi WDCAB54E5XA091069
Placa CF0008
Cor PRATA
É o voto.