Você está na página 1de 2

O surgimento da teologia e suas funções

Prof. Marcio Ferreira - IETEB


A vinda de Jesus Cristo com a inauguração do Reino de Deus, para os primeiros cristãos,
não se manifestou como uma ideologia, um pensamento filosófico ou um desenvolvimento evolutivo
de ideias da religião judaica, mas como um acontecimento, um evento de ruptura cósmica ou
escatológica.
O impacto da vinda do Reino de Deus, para igreja primitiva (uma igreja mista com judeus e
gentios de origem oriental), era de caráter vivencial e não intelectual. Isso significa, que o evangelho
revelado a partir da morte e ressurreição de Jesus Cristo, afetava as primeiras gerações de cristãos
de uma maneira plena, no corpo, nos relacionamentos, no modo de vida como um todo, e não,
somente, na forma de pensar ou nas ideias como ocorriam com filósofos. Os primeiros seguidores
de Jesus, largavam família, trabalho, tradições da vida passada, para viver como uma nova criatura.
Nesse sentido, a conversão não consistia somente de uma conversão de mentalidade (metanóia),
mas, de uma transformação plena da vida: mentalidade, identidade, atitudes e comportamentos.
A mensagem do evangelho era difícil de ser compreendida tanto por judeus como gentios,
para os primeiros discípulos era poder, mas para os de fora, era loucura. (1 Cor 1: 18). Para
convidar as pessoas para experiencia do evangelho os primeiros discípulos tiveram que se utilizar
de diversas estratégias e meios, inclusive tentar traduzir a mensagem do evangelho para as
demandas de cada cultura, sobre essas demandas Paulo diz em 1 Cor 1:22: “os judeus pedem
sinal e os gregos, sabedoria”.
Na primeira geração houve a tentativa de proclamar a loucura do evangelho do Reino, o
que parece que de início funcionava, porém aos poucos, essa loucura foi dando lugar para outras
formas de proclamar o evangelho de maneira mais discursiva. No lugar das manifestações de poder
e apelos de transformação do estilo de vida, foi surgindo com o passar do tempo, principalmente
pela morte dos apóstolos e pelo esfriamento da expectativa da parousia (segunda vinda de Cristo),
uma comunicação do evangelho de viés mais narrativo, doutrinário e, por fim, teológico.
A teologia surge, tardiamente no cristianismo antigo em expansão e aceitação política, para
tentar dar conta de uma demanda racional da mensagem cristã. Inicialmente como forma de defesa
daqueles que pediam razão da fé, mas também de cristãos de origem helenista que procuravam
interpretar a mensagem evangélica por meio de categorias da filosofia helenística.
A semente dessa forma de traduzir a mensagem evangélica por meio de conceitos gregos,
já podem ser observados de uma maneira rudimentar no evangelho de João e em algumas cartas
do Novo Testamento, que tratam com grupos de cristãos gnósticos. Mas é no período da Patrística
(séc. II – séc. VIII) e da Escolástica (séc. IX – séc. XIII) que a teologia se configura com força, como
um modo de interpretação e explicação da mensagem evangélica, por meio de instrumental e
linguagem filosófica. Aquilo que era da vivência, do testemunho, da experiência, passa a ser
comunicado por meio de conceitos e doutrinas formalizadas, ou seja, pela razão conceitual ou
categórica e não mais por uma racionalidade sapiencial oriental prática.
Com o surgimento da teologia, a espiritualidade cristã inverte seus polos, se antes aceitava
a experiencia pela fé e depois vinha um testemunho (a razão da experiência), agora na
espiritualidade ocidental, a fé ganha um suporte da crença: um conjunto de doutrinas com base do
diálogo de instrumental filosófico com as Escrituras, para só depois, se entregar a experiência. A
teologia a partir daqui, será base para a nova igreja reconhecida socialmente como religião oficial
do império romano e posteriormente como um fundamento da espiritualidade ocidental e das igrejas
no ocidente, sejam elas de tradição católica ou protestante. Mesmo, os movimentos pentecostais
que privilegiam uma espiritualidade cheia de experiências místicas, essas experiencias, são
reconhecidas se tiverem uma base teológica bíblica ou seja, se justificadas por uma teologia ou
racionalidade doutrinal bíblica.
Com o surgimento da teologia, o antigo ministério de mestre e doutor são substituídos pela
figura do teólogo. O teólogo é o novo mestre e doutor, o interprete, comunicador e guardião das
verdades fundamentais do evangelho. A ascensão para o sacerdócio, deve passar por uma
formação teológica. A tarefa da teologo era auxiliar a igreja no acesso as verdades da escritura;
ajudar na tradução, adaptação e transmissão da verdade cristã; e trabalhar na defesa dessa
verdade frente aos opositores cristãos (hereges) e oponentes não cristãos (seitas), também
conhecida como apologética. Até hoje, a teologia carrega essas funções clássicas com algumas
alterações qualitativas devido ao surgimento das ciências modernas.
Atualmente, podemos dividir as tarefas da teologia em três funções do fazer teológico:
Função cognitiva ou informativa; função comunicativa; e função dialógica-apologética. Vamos ver
a seguir cada uma delas.

Função cognitiva ou informativa - Consiste naquela em que o teólogo utiliza dos instrumentais
da teologia, das ciências ou filosofia para pesquisar as fontes da teologia: material bíblico, materiais
históricos ligados a tradição cristã, materiais teológicos e outros materiais da prática da
espiritualidade cristã com objetivo de estabelecer um conjunto de dados e informações para
analisar, refletir, organizar de modo crítico, formal e sistemático. Por exemplo: uma exegese ou
pesquisa de uma passagem na bíblica para compreender mais profundamente seu contexto
histórico, social, teológico e depois organiza-la de maneira clara e coerente para interpretação na
atualidade.
Função comunicativa – Após organizados as informações teológicas, o teólogo se utilizará de
meios e linguagens para disponibilizar e traduzir a mensagem teológica para os públicos diversos.
Esses públicos podem ser internos ou da comunidade cristã, tais como: igreja, grupos de estudos,
escolas teológicas, pregação no púlpito, conferência, etc. Ou, público externo: faculdades e
universidades, instituições não religiosas, ongs, escolas, espaço de palestras, redes sociais, sites,
editoriais, etc.
Função dialógica-apologética. – Esta função consiste em expor a mensagem teológica de forma
dialética ou expô-la para receber críticas, sugestões, contribuições e confrontações de modo a
averiguar sua consistência, sua relevância, como pontos a serem revistos e aperfeiçoados.
Podemos para isso, leva-la a espaço de discussões e debates, grupos de estudos, grupos de
diálogo inter-religioso, programas de discussões nas mídias, etc.

Você também pode gostar