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1.hipertexto e Solidão11
1.hipertexto e Solidão11
Boa noite para todo mundo aqui presente. Agradeço o convite para estar aqui mais uma vez
nesta casa que sempre me acolhe com generosidade. Aqui foi e continua sendo a minha casa.
Agradeço ao professor André Faria e à minha querida amiga, professora Marivone Borges,
interação face a face neste mundo em que todos nos escondemos por trás de
Todo mundo que veio hoje aqui participar das discussões desta mesa, certamente, além de
Entender o nosso mundo, conviver com os nossos amigos, partilhar com eles interlocuções,
buscar formas mais produtivas de participar da vida pública, fabricar imagens de quem
somos e de quem são aqueles nos cercam, nada disso será mais possível se não for por
simbólicos hoje em dia, seja na interação face a face, seja por meio de ferramentas
virtuais, seja com a própria relação com formas tradicionais de leitura e produção de
textos.
Eu gostaria de propor algo bem básico, talvez aparentemente simplório, mas que será um
ponto de partida para que pensemos juntos possibilidades que a construção de sentido em
rede nos impõe nos dias de hoje: as redes hipertextuais de produção de conteúdo se
articulam como se fossem bibliotecas integradas, cujas prateleiras lado a lado aproximam
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Braulino Pereira de Santana, Dr. em Linguística pela UFBA, professor Titular do Departamento de Educação da
UNEB, Salvador-Bahia.
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Que tal uma tentativa de aproximação do esgotamento das possibilidades de leitura crítica
de um filme, utilizando várias prateleiras de nossa biblioteca hipotética, por exemplo? Isso
Vamos partir de uma questão levantada pelo crítico de cinema Pablo Villaça: todas as vezes
conteúdo que ele põe em cena. Ou seja, perdemos 80% dele. Podemos até nos lembrar de
sua história, contá-la para nossos amigos, ficar com ela na cabeça depois que a gente sai do
cinema. Mas, com forte intuição, não seremos capazes de retomá-la detalhadamente. Vamos
precisar de especialistas em várias áreas para poder desfrutar com verticalidade tudo o
que um filme pode nos oferecer. Vamos precisar de mediação. Eu volto a falar de mediação
logo mais. Tome-se um filme como “Corra!”, de 2017, classificado como comédia de terror.
Espero que todo mundo tenha assistido esse filme. Para usufruir de todas as suas
históricas sobre temáticas que ele aborda, o potencial de mercado, enfim, não temos
condições de acionar todas essas ramificações para abordar esse filme em sua inteireza.
Mas temos como hipótese que uma biblioteca de informações instantânea seria capaz de
praticamente quase que esgotar variados aspectos de produção, fruição e conteúdo desse
filme.
Num bom site de crítica de cinema, além da resenha sobre o filme postada pelo crítico, os
possíveis variados comentários abaixo do texto podem nos trazer informações sobre
aspectos não abordados pelo crítico, assim como sobre os variados elementos inerentes à
própria arte do cinema disponibilizados em um filme. Ou seja, podemos ter diante de nossos
olhos, um designer de figurino para falar das roupas; um técnico de som para abordar o som
assim por diante. Somente na era do hipertexto isso é possível ser feito de forma
instantânea.
de lançar leitores e produtores em abismos semióticos, exige deles que cresçam como
fonte e alvo de fazedores de sentido para o mundo que os cerca, um mundo que desafia o
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anonimato e a individualidade. A atuação consequente de leitores e produtores de conteúdo
exige deles que eles não sejam meros encaminhadores de mensagens que muitas vezes não
sabem de onde vem e não tem como averiguar ao certo para onde vão.
I.A primeira delas que gostaríamos de pontuar, e que responde a interesses filosóficos, é
como uma metáfora do pensamento, como se, para dizer algo, pudéssemos utilizar a
totalidade dos sentidos humanos. Isso já foi apontado pelo filósofo Theodor Nelson nos
característica física do texto, porque, do ponto de vista simbólico, um texto nunca pode
ser visto como um produto em repouso, uma vez que ele sempre flutua na cabeça dos
leitores, levando-os para lugares conceituais, discursivos e cognitivos que eles nem
imaginavam ir.
Vamos nos lembrar bem rapidamente de alguns conceitos tradicionais que aprendemos nas
aulas dos cursos iniciais de linguística textual sobre o conceito de texto, e façamos um
comunicação humana básica; que não existe o ser humano fora do texto; que só podemos
entender os nossos interlocutores e ser entendidos por eles por intermédio de textos; que
Vamos jogar um pouco com essas idéias. Suponhamos que o nosso hipotético texto seja
algo como: “Em casa a gente conversa”. De algo aparentemente descompromissado e banal
como isso, podemos retirar algumas coisas. A primeira delas aciona os aspectos da própria
estrutura da língua: um lugar disposto logo no começo do texto (em casa) e uma ação
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interlocução face a face, diríamos que captamos sons produzidos exclusivamente pela
coisas retiradas desse nosso texto hipotético também, que corresponde ao próprio
conteúdo evidente pelo material linguístico em si: alguém promete conversar com alguém em
poderíamos pressupor que alguém ameaça alguém; algo prazeroso está sendo prometido a
alguém; uma intenção vai se realizar num futuro, enfim. Para complicar ainda mais, a
Lula enuncia esse texto, temos algo diferente de que se a atriz Taís Araújo ou um
embutidas nos textos tradicionais: dizer várias coisas ao mesmo tempo a partir de
Imagine isso agora sendo acionado por meio de áudio, de vídeo, sons, cores, emoticons,
acionadas ao mesmo tempo. Teremos, no mínimo, uma expansão que Levy chamou de estelar:
II.A segunda premissa que gostaríamos de pontuar hoje aqui trata-se de aspectos,
digamos, formais do próprio conceito de hipertexto. Vamos elencar alguns desses aspectos:
em primeiro lugar, o hipertexto se caracteriza por uma tecnologia de leitura e escrita não
como se o trabalho de produção nunca se dê por vencido, nunca esteja acabado, esteja
naturalmente.
Segundo Bolter, além de constituir um texto aberto, nunca acabado, com um ponto final que
nunca chega, há alguns outros dois princípios basilares que caracterizam o hipertexto: o
multicentramento e a virtualidade.
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O multicentramento responde pelo deslocamento constante do “mérito das questões”. Você
alguma vez não ficou chateada ou ficou surpresa com aquela sua amiga que expande a sua
postagem no Facebook, colocando outras coisas não previstas inicialmente, num verdadeiro
desvio de conteúdo? Ou com aquele texto que você leu no site cujos comentários são mais
Já a virtualidade se impõe pela própria natureza do suporte, cujo conteúdo ou forma não se
realiza em si, mas como algo potencial, como uma possibilidade. Se uma imagem ou uma
informação são objeto de consumo em rede, ele tende a ser perene, a existir como latente
e contínuo, uma vez que não consegue ser destruído já que acionado pelos usuários, ao
mesmo tempo de vários lugares. O objeto em virtualidade se torna “o mesmo” para muitos
Estamos diante, portanto, de algo mais decisivo: aqui se impõe uma espécie de
topógrafo.
configuração duma porção de terreno com todos os acidentes e objetos que se achem em
possíveis acidentes, suas curvas sinuosas, abrindo picadas, demarcando novas possibilidades
leitores. Mesmo que a gente se imponha para a gente mesmo o isolamento, o afastamento, a
não identificação com algo ou alguém, isso vai ser impossível pois somos atirados num
impossível.
O professor André Faria me enviou pelo whatsapp no domingo o tema da redação do ENEM
deste ano: “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”, e junto com o card com esse
tema, vários comentários que o seguiram nas redes sociais. Ele me enviou algo mais do que
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uma simples nota sobre o tema de uma redação: ele me enviou junto uma comunidade de
As tarefas do leitor, já complexas e intrincadas, ganham novas facetas: nunca o termo co-
produtor teve tanta força como agora. Pois ele passa a também ser responsável por
ele tem à mão ou muito perto de si ferramentas básicas para cumprir essas funções.
sessenta chega ao seu auge. Por exemplo, vivemos recentemente uma crise de queimadas na
em centros como Rio-São Paulo não foi mais tão fácil como antes, pois recebíamos on line
notícias dos acontecimentos que se passavam por lá, produzidas pelos próprios moradores
de lá.
Uma terceira premissa, ainda nos retendo aos chamados aspectos formais do hipertexto,
pode ser vista se analisarmos a sua estrutura: blocos de textos conectados por nexos ou
links eletrônicos constituem o hipertexto. A passagem de um bloco a outro, sem que o leitor
o conceito de oceanografia.
Caracterizada pelo estudo das características físicas e biológicas dos mares e dos oceanos,
respostas para as suas inúmeras questões de pesquisa. Como um peixe que nada e que faz
manobras dentro d’água quase impossíveis para os outros animais, o leitor do hipertexto,
agora sem uma linha reta a seguir no seu processo de leitura, faz algo parecido: por tratar-
Num processo de remissão a outros textos e hipertextos, não é à toa que as primeiras
metáforas para lidar com o modo de leitura no hipertexto utilizam palavras como navegar
ou navegação. A elasticidade no ambiente aquático para o peixe pode ser simulada também
Antes de passar ao tópico que considero o mérito de minha fala hoje aqui nesta mesa, farei
um pequeno resumo do que propus até agora, levando em consideração aspectos formais do
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✓ São possibilidades de constituição textual plurilinearizada como também
cujos limites não são tão bem definidos, como propusemos logo antes.
ícones, isso tudo numa mesma superfície de leitura, exigindo dos leitores o
de assunto e de tópico.
✓ Como um texto é impossível sem um outro que lhe anteceda, assim também o
vários ângulos e remete sempre a outros textos que tratam de um mesmo tópico,
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fora do texto em busca de conteúdos e textos alternativos, não necessariamente
A autonomia do leitor ganha corpo pois ele decide não somente a ordem de leitura, os
descartados. Nesses termos, a versão final do texto é determinada de forma única e não
repetível, nem por ele mesmo, nem por outros leitores. O produtor do texto dispara o
processo, mas não é capaz de controlar o seu final, o fluxo de informação, o tamanho ou o
alcance de seu texto, uma vez que nada mais ali lhe pertence, como se ele desencadeasse
Por fim, a leitura se transforma numa escritura: não mais sabemos quem é o leitor ou o
escritor quando uma produção hipertextual está em cena, causando uma impossibilidade de
Uma última premissa, uma vez que não quero me estender por mais tempo sobre esses
Vou arriscar algumas saídas superficiais para essa questão, uma vez que o especialista em
cognição, o professor André Faria, está aqui ao meu lado, e pode enriquecer esse debate
adjunção etc.) são substituídos por links, nós e blocos. Você se lembra que um comentário
em um texto postado no Facebook pode ser feito com elementos não linguísticos, como
Um outro aspecto relevante, que precisa ser pontuado, é que o hipertexto não é para ser
lido do começo ao fim, uma vez que, como já dissemos, a quebra de linearidade impede que a
fruição se dê de maneira não fragmentada. O percurso de leitura nunca vai ser o mesmo de
um leitor para outro, ou nunca vai ser o mesmo de um próprio leitor quando volta àquele
Ao abrir uma página de um site, os leitores caminham por percursos de leitura próprios, a
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Por fim, gostaria de levantar uma rápida reflexão sobre as demandas ideológicas que se
conteúdos com suas vozes consagradas a partir da geografia e suas autoridades que se
impõem por meio de uma tradição duvidosa, enfim, hegemonias discursivas que estão sendo
hipertexto.
em sua verticalidade, o que faz com que narrativas de submissão se imponham nessa
Embora se imponham como um enorme desafio, as notícias falsas correspondem à face mais
superficial e visível do modus operandi dos esquemas ideológicos que operacionalizam suas
Os robôs que disseminam fake news não obteriam sucesso sozinhos se não houvesse uma
‘enxame’.
uma verdadeira praga, que atua de forma quase autômata e inconsciente, espalhando
Num mundo de rapidez de circulação de conteúdos, a avidez por novidades é uma espécie de
síndrome de abstinência, sua contraparte, que pede uma nova dose de “algo” novo,
uma droga.
Han propõe que o tempo de espera que caracterizava as formas de produção e de usufruto
de informações quase que desapareceu, já que o mundo virtual, sua velocidade e sua
instantaneidade, se impõe como o próprio modo de ser de nossa era. Antes, um conteúdo
produzido demorava muito para sair de seu lugar de produção para chegar até ao leitor.
Hoje em dia, como leitor, produtor e produto atuam de forma praticamente simultânea, o
tempo de maturação entre produção e consumo de um produto cultural não existe mais
praticamente.
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Essas condições de produção criaram seres aberrantes como o enxame em rede, leitores
que engolem as notícias sem mastigá-las, já à espera de uma outra. Num comportamento
interlocutor.
Um outro fator que pode estar na base da aceitação de fake news como forma atual de
pensamento pode ser capturado pelo conceito de mediação, segundo ainda Han. As notícias,
pulverizadas, sem um centro difusor que se responsabilize pelo seu grau de veracidade, não
especialista em um determinado assunto ou conteúdo não mais é encarada como uma forma
praticamente desaparece.
Mas há algo muito mais perigoso que a propagação de fake news nas redes sociais: as velhas
hegemônicos, como uma espécie de nostalgia do lugar que ocupavam antes da consagração
Dia desses, por exemplo, a Folha de S. Paulo divulgou o que tem sido publicado anualmente
nos seguintes lugares: UEFS: 78,79; UESC: 79,62; UESB: 58,66; UNEB: 45,41. No cômputo
geral, posicionou a USP no 1º lugar dentre todas as universidades brasileiras, num critério
inventado por eles que leva em consideração ensino, pesquisa, extensão, mercado e
Num ranking que leve em consideração elementos que importam, uma universidade como a
USP jamais ocuparia esse lugar. Há outros critérios que precisam ser levados em
consideração. Como uma universidade com apenas 2% de seus quadros docentes compostos
de pessoas pretas pode ser aceito por pessoas pretas como a melhor universidade do
Brasil? Como alguém racialmente marcado aceitaria colocar em primeiro lugar uma
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conhecimento e a ciência, experiências humanas construídas de forma coletiva, podem ser
apropriados por pessoas de uma determinada etnia, que se considera melhor de que outras?
lugares de obsolência que teimam em querer ser hegemônicos. Cunhei alguns comentários do
✓ “Marcos Teixeira de Souza: Quando a USP vai gerar um prêmio Nobel? É cansativo
ouvir que a USP é isso, é aquilo etc. Quanto dinheiro já foi investido na USP, e até
✓ “Wagner Ragi Curi Filho: Qual o orçamento da USP para pesquisa? Qual o
orçamento da UFAL, por exemplo. Só de posse desses números que podemos pensar
em produtividade (...).”
Trata-se de um círculo que remonta à época do Brasil colonial. Eles inventam o ranking
deles e impõem o ranking deles para servir de critério para a distribuição das verbas para a
Educação. Uma espécie de privatização étnica e geográfica dos cofres públicos. Duvido
muito que pretos considerem uma Universidade elitista e excludente como a USP um espaço
considerado “o melhor”. E não nos esqueçamos de que o estado brasileiro onde a USP se
estabelecido pelo jornal para o ranqueamento, trouxe para cá coisas como o consenso de
Cardoso, que privatizou a Vale do Rio Doce. O baixo clero mais conservador e elitista na
construídos em rede, o hipertexto, quero finalizar com uma última palavra: o hipertexto,
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