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Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias - Português
Ensino Médio, 2ª Ano
A literatura engajada.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

O escritor é um produtor de ilusões,


um animador de sonhos, um mágico
das palavras cujas ideias expressas em simples
papel podem denunciar as injustiças sociais.

Será que o papel do escritor também é esse, o


de denunciar as injustiças?
Até que ponto é responsabilidade sua
envolver-se nos problemas sociais?
Engajados na luta ao lado dos mais fracos
podem mudar a sociedade?
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

A obra literária é para ser lida profunda


e atentamente para que o leitor encontre
o seu sentido e descubra nas entrelinhas
as intenções reais de seu produtor.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Em todas as fases da literatura brasileira,


encontramos exemplos de escritores
preocupados com os problemas sociais,
com injustiças, muitas vezes sofridas por eles
próprios, que utilizam seus dons literários
como meio de luta e de denúncia,
algumas vezes, de forma discreta
devido à perseguição por parte dos poderosos.

Façamos um passeio em cada estilo literário no Brasil e


conheçamos alguns de seus representantes.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Barroco

Na época do Barroco, encontramos


o “Boca do Inferno”, Gregório de Matos Guerra.
Ele, através de suas sátiras, denunciou
problemas na sociedade baiana,
como a fome que houve na Bahia
no ano de 1691 pelo desgoverno. Precisou
ser exilado em Angola para manter-se calado.
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A literatura engajada

JULGA PRUDENTE E DISCRETAMENTE POR CULPADOS, EM UMA FOME GERAL


QUE HOUVE NESTA CIDADE NO ANO DE 1691, PELO DESGOVERNO.

“Toda a cidade derrota A fome me tem já mudo,


Esta fome universal, Que é muda a boca esfaimada
E uns dão a culpa total Mas se a frota não traz nada,
À câmara, outros à frota. Por que razão leva tudo?
A frota tudo abarrota Que o povo por ser sisudo
Dentro nos escotilhões, Largue o ouro, largue a prata
A carne, o peixe, os feijões; A uma frota patarata,
E se a câmara olha e ri, Que entrando com vela cheia,
Porque anda farta até aqui, O lastro, que traz de areia,
É cousa que me não toca. Por lastro de açúcar troca!
Ponto em boca! Ponto em boca!
[...] [...]”
Gregório de Matos
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Arcadismo

Na fase árcade, destacamos Tomás Antônio


Gonzaga, cujo poema “Cartas Chilenas”
faz uma crítica a Luís da Cunha de Menezes,
governador da Capitania das Minas (1783
a 1788), pelas suas arbitrariedades.
Gonzaga também fez parte do grupo
de escritores que se envolveu
na Inconfidência Mineira.
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Cartas Chilenas refere-se ao abuso de poder, à corrupção palaciana e aos


desmandos apoiados na militarização do governo
Trecho da Carta Terceira Que em defesa do trono se derrama.
“[...] Aos pobres açoitados manda o chefe
Que é isso, Doroteu, tu já retiras Que, preso nas correntes dos forçados,
Os olhos do papel? Tu já desmaias? Vão juntos trabalhar. Então se entregam
Já sentes as moções, que alheios males Ao famoso tenente que os governa
Costumam infundir nas almas ternas? Como sábio inspetor das grandes obras.
Pois é, prezado amigo, muito fraco, Aqui, prezado amigo, principiam
Aprende a ter o valor do nosso chefe Os seus duros trabalhos. Eu quisera
Que à janela se pôs e a tudo assiste Contar-te o que eles sofrem, nesta carta,
Sem voltar o semblante para a ilharga. Mas tu, prezado amigo, tens o peito,
E pode ser, amigo, que não tenha Dos males que já leste, magoado,
Esforço, para ver correr o sangue, Por isso é justo que suspenda a história,
Enquanto o tempo não te cura a chaga.”
Tomás Antônio Gonzaga
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A literatura engajada

Romantismo

No Romantismo, época de “cantar o amor”,


também houve espaço para a poesia social.
Antônio de Castro Alves torna-se
o “Poeta dos Escravos” e utiliza poemas
como O Navio Negreiro
para denunciar as injustiças cometidas
contra os afrodescendentes que viviam
em situação de miséria e eram tratados
como “coisas quase inúteis”.
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O Navio Negreiro
“[...]
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
[...]”
Castro Alves
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No romance romântico, podemos destacar


José Martiniano de Alencar,
com o livro “Lucíola”, em que se apresenta
uma sociedade hipócrita que não aceita
o “erro” e discrimina as pessoas.
É uma crítica social e moral ao preconceito.
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Lucíola
“Lúcia, então, revela seu passado a Paulo. Conta que era uma menina feliz de
quatorze anos que morava com os pais. Um dia sobreveio a terrível febre
amarela, e seus pais, os três irmãos e sua tia caíram de cama. A pequena
menina, sozinha e desesperada, procura ajuda a um vizinho rico, o senhor
Couto, que, em troca de sua inocência, deu-lhe dinheiro para o tratamento dos
pais. A família então resiste à doença. Entretanto, seu pai, descobrindo da
origem do dinheiro, expulsa-a de casa. Sozinha, Lúcia, que na verdade se
chama Maria da Glória, encontra Jesuína, uma mulher que a conduz à
prostituição. E aí então passa a morar com a verdadeira Lúcia. As duas se
tornam amigas. Depois de pouco tempo, Lúcia morre e Maria da Glória assume
a identidade de Lúcia, passando-se por morta. Depois da morte dos pais, Lúcia
destinava o dinheiro que ganhava à sua irmã Ana, que era mantida num
Colégio Interno. Paulo, sabendo de toda a verdade, compreende Lúcia e passa
a sentir por ela uma grande ternura e um amor sincero.”
José de Alencar.
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Realismo

O estilo realista de Joaquim Maria Machado


de Assis também apresenta as questões sociais
através de suas obras, com estilo tão bem trabalhado.
No conto Pai contra mãe, ele, sob a aparência
de um drama familiar vivido por Cândido Neves
e Clara, mostra um enredo-denúncia,
uma crítica pautada na ironia, no deboche
contra as estruturas do poder dominante
e a desigualdade social.
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O senhor chama o ex-escravo Pancrácio e oferece-lhe um mísero


salário:

“Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei


no dia seguinte, por não me escovar bem as botas; efeitos
da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo
um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido
por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau
humor; eram dois estados naturais, quase divinos. Tudo
compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho
lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelha,
e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas
todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio
que até alegre.”
Machado de Assis
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Naturalismo

O Naturalismo de Aluísio Tancredo Gonçalves


de Azevedo denuncia, de um lado, o
preconceito de raça através de seu romance O
Mulato, e, de outro, as condições de miséria e
degradação social vividas
pelos personagens da obra O Cortiço.
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O Cortiço

“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração
tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara,
incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco
palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias
entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços
e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto
do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo,
ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força
as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão.
As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada
instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham
ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho
de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás
da estalagem ou no recanto das hortas.”
Aluísio de Azevedo
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Parnasianismo

No Parnasianismo, Olavo Brás Martins


dos Guimarães Bilac, nos primeiros anos,
aderiu à causa abolicionista, foi perseguido
pelo governo de Floriano Peixoto e, nessa época
de atividade como jornalista político, escreveu
suas Crônicas e novelas (1894), através
das quais faz críticas à sociedade. Na segunda
fase, ele se entrega totalmente à temática
“Arte pela arte”.
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Haxixe – Olavo Bilac

"O mais curioso", concluiu Jacques, depois de uma pequena pausa, "é que o
abalo produzido por essa noite no meu organismo foi tão forte,
tão brutal, que me restituiu a saúde: equilibrou os nervos e livrou-me da insônia.
De modo que a canabina me curou, não pelo bem, mas pelo mal que me fez…"
Houve um momento de silêncio. Um de nós disse: "Mas isso nada prova… Você
sofreu assim, porque o excitante encontrou mal preparado o terreno em que
devia operar. E, mesmo, está hoje provado que o haxixe nada mais faz do que
exacerbar o estado normal do indivíduo: dá mais alegria a quem é naturalmente
alegre, e mais tristeza a quem é naturalmente triste…"
"Pode ser!", retorquiu Jacques. "Mas aconselho-lhes que não experimentem.
Demais, sabem quem tem razão? É Balzac, que, apesar de fazer parte de um
clube de bebedores de haxixe, nunca bebeu a droga, porque (dizia ele) o homem
que voluntariamente se despoja do mais belo atributo humano — a vontade —
deve ser, na escala animal. colocado abaixo do caramujo e da lesma… E vamo-nos
embora, que é meia-noite!"
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Simbolismo

João da Cruz e Sousa, conhecido


como o “Cisne Negro”, procurou mostrar
através da arte
a dor de existir e de ser excluído, provocada
pela discriminação social. No texto
“Dor negra” retrata e denuncia a dura condição
dos homens negros no Brasil,
colocando sua arte a serviço
da causa abolicionista.
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Dor negra

“Sanguinolento e negro, de lavas e de trevas e de lágrimas, como o


estandarte mítico do Inferno, de signo de brasão de fogo e de signo de abutre
de ferro, que existir é esse, que as pedras rejeitam, e pelo qual até mesmo as
próprias estrelas choram em vão milenariamente?!

Que as estrelas e as pedras, horrivelmente mudas, impassíveis, já sem


dúvida que por milênios se sensibilizaram diante da tua Dor inconcebível, Dor
que de tanto ser Dor perdeu já a visão, o entendimento de o ser, tomou
decerto outra ignota sensação da Dor, como um cego ingênito que de tanto e
tanto abismo ter de cego sente e vê na Dor uma outra compreensão da Dor e
olha e palpa, tateia um outro mundo de outra mais original, mais nova Dor.”
Cruz e Sousa. Obra completa.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.
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Pré-modernismo

Em seus artigos para jornais e em diversos contos,


Monteiro Lobato denuncia a miséria
e o estado de abandono em que se encontram
os caboclos paulistas, esquecidos pelas elites
governantes e sem poder contar
com uma estrutura agrária que lhes permitisse
obter terra e trabalho. Criou o Jeca Tatu, apresentado
em Urupês, caricatura do caipira que sintetizava
essas mazelas.
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Urupês – Monteiro Lobato


“ Na mansão de Jeca a parede dos fundos bojou para fora um ventre empanzinado,
ameaçando ruir; os barrotes, cortados pela umidade, oscilam na podrigueira do
baldrame. A fim de neutralizar o desaprumo e prevenir suas consequências, ele
grudou na parede uma Nossa Senhora enquadrada em moldurinha amarela - santo
de mascate.
- "Por que não remenda essa parede, homem de Deus?" - "Ela não tem coragem
de cair. Não vê a escora?" Não obstante, "por via das dúvidas", quando ronca a
trovoada, Jeca abandona a toca e vai agachar-se no oco dum velho embiruçu do
quintal - para se saborear de longe com a eficácia da escora santa. Um pedaço de
pau dispensaria o milagre; mas entre pendurar o santo e tomar da foice, subir ao
morro, cortar a madeira, atorá-la, baldeá-la e especar a parede, o sacerdote da
Grande Lei do Menor Esforço não vacila. É coerente. Um terreirinho descalvado
Imagem: Monteiro rodeia a casa. O mato o beira. Nem árvores frutíferas, nem horta, nem flores - nada
Lobato / Capa: José
Wasth Rodrigues / revelador de permanência. Há mil razões para isso; porque não é sua a terra; porque
Urupês,1918 /
http://pt.wikipedia.or
se o "tocarem" não ficará nada que a outrem aproveite; porque para frutas há o
g/wiki/Ficheiro:Urup mato; porque a "criação" come; porque...
%C3%AAs_capa_%
281918%29.jpeg - "Mas, criatura, com um verdozinho por ali... A madeira está à mão, o cipó é
tanto..." Jeca, interpelado, olha para o morro coberto de moirões, olha para o
terreiro nu, coça a cabeça e cuspilha.
- "Não paga a pena." Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa
palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem
comodidades. De qualquer jeito se vive.”
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Modernismo
O Modernismo em Graciliano Ramos
nos apresenta o homem explorado socialmente
e brutalizado pelo meio e faz uma análise
dos problemas sociais que o envolvem.
Deseja conscientizar o leitor do que é necessário
ser revisto para melhorar a vida das pessoas.
No romance Vidas secas, apresenta o Sertão
sofrido da seca e, em São Bernardo, o latifúndio
em que prospera a opressão.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Vidas secas

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham
caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas
como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia
horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos
pelados da caatinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú
de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia
presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra
Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar,
sentou-se no chão.
- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou
acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e
esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado,
praguejando baixo.
A caatinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram
ossadas.
O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.”
Graciliano Ramos.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

A literatura engajada do renomado escritor


Érico Veríssimo está presente na obra Incidente
em Antares. Nessa narrativa, os mortos ficam
insepultos e fazem críticas aos vivos,
denunciando
toda a hipocrisia, a crise de valores e a opressão
política por que passa o Brasil
da década de 1960.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Incidente em Antares
“– Ora, eu estava serena no sono da morte quando de repente vi uma luz fortíssima. Imaginei que
fosse o olho luminoso de Deus e disse-. “Aqui estou, Senhor, em Vossas mãos entrego a minha alma!”. Ouvi um
grito de susto, a luz caiu e entrevi o vulto dum homem que saía disparando. ..
– Possivelmente um desses profanadores de cemitérios ...
– Talvez tenha sido isso mesmo, um ladrão... – Põe-se a apalpar os dedos, o pulso, o peito, o
pescoço, as orelhas. – Ai! Fui roubada, doutor! O bandido levou todas as minhas joias! – Levanta-se. – Fui
roubada! Meu Deus! Joias antigas de família...
– Desculpe-me, D. Quitéria, mas asseguro-lhe que a senhora foi posta no seu esquife sem
nenhuma das suas joias, nem mesmo a aliança de casamento.
– Como é que o senhor sabe?
– Simples. Fui ao seu velório prestar-lhe uma homenagem. Por sinal levei-lhe um ramo de
gladíolos vermelhos e amarelos, que eu mesmo depositei junto de seu corpo. Fiquei algum tempo a seu lado.
Seu amigo Tibério Vacariano é testemunha desse fato. Conversamos a seu respeito, fizemos os maiores elogios
(aliás muito merecidos) à sua pessoa. Mas repito, sob palavra de honra, que não vi no seu corpo nenhuma joia.
– Mas eu deixei com minhas filhas e meus genros disposições escritas muito claras: queria trazer
comigo para a sepultura todas as joias que herdei de meus antepassados ...
– As suas disposições não foram então cumpridas.
– Tratantes! Gananciosos!
Ela sai a caminhar devagarinho dum lado para outro, arrastando os pés, com as mãos na cintura.
– D. Quitéria, eu não os censuro. Seria um desperdício sepultar nesse caixão algumas centenas de
milhões de cruzeiros...
– Mas não basta o que lhes deixo em terras, casas, títulos, dinheiro, sim, e outras joias de valor?”

Érico Veríssimo
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

O baiano Jorge Amado de Faria,


na sua fase inicial, de forte engajamento
político, escreve Capitães da areia, romance
que conta as aventuras de crianças
abandonadas no trapiche que, sob a liderança
de Pedro Bala, cometem furtos na cidade
e envolvem-se nas mais alucinantes loucuras.
São crianças vítimas
das injustiças promovidas pelo egoísmo
da sociedade burguesa.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Capitães da areia

“Voz poderosa como nenhuma outra. Voz que atravessa a cidade e


vem de todos os lados. Voz que traz com ela uma festa, que faz o inverno
acabar lá fora e ser a primavera. A primavera da luta. Voz que chama Pedro
Bala, que o leva para a luta. Voz que vem de todos os peitos esfomeados da
cidade, de todos os peitos explorados da cidade. Voz que traz o bem maior do
mundo, bem que é igual ao Sol, mesmo maior que o Sol: a liberdade. A cidade
no dia de primavera é deslumbradoramente bela. Uma voz de mulher canta a
canção da Bahia. Canção da beleza da Bahia. Cidade negra e velha, sinos de
igreja, ruas calçadas de pedra. Canção da Bahia que uma mulher canta.
Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que traz para a canção da Bahia,
a canção da liberdade. Voz poderosa que o chama. Voz de toda a cidade
pobre da Bahia, voz da liberdade. A revolução chama Pedro Bala.”
Jorge Amado
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

João Cabral de Melo Neto, nos anos 1954-5,


escreve Morte e Vida Severina, mostrando
a viagem do sertanejo Severino, que corta todo
o Estado de Pernambuco até o Recife. No Sertão,
ele é maltratado pelo clima e pela violência
entre as relações latifundiárias e lavradores;
na Zona da Mata, descobre que a terra
está em poder de poucos; na cidade,
há privações e condições precárias das pessoas
que vivem do mangue.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Morte e Vida Severina E se somos Severinos


iguais em tudo na vida,
“Somos muitos Severinos morremos de morte igual,
iguais em tudo na vida: mesma morte severina:
na mesma cabeça grande que é a morte de que se morre
que a custo é que se equilibra, de velhice antes dos trinta,
no mesmo ventre crescido de emboscada antes dos vinte
sobre as mesmas pernas finas de fome um pouco por dia
e iguais também porque o sangue (de fraqueza e de doença
que usamos tem pouca tinta. é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).”
João Cabral de Melo Neto
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

O poeta maranhense Ferreira Gullar destaca-se


como representante da poesia social e engajada
nas décadas de 1960 e 1970, no contexto
do regime militar brasileiro. Após a morte
de João Cabral, Gullar é apontado pelos críticos
como o mais importante
poeta brasileiro da atualidade.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

"Dois e Dois são Quatro" como um tempo de alegria


por trás do terror me acena
Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena e a noite carrega o dia
embora o pão seja caro no seu colo de açucena
e a liberdade pequena
- sei que dois e dois são quatro
Como teus olhos são claros sei que a vida vale a pena
e a tua pele, morena
mesmo que o pão seja caro
como é azul o oceano e a liberdade pequena.
e a lagoa, serena
Ferreira Gullar. Melhores poemas. São Paulo: Global, 2004.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Thiago de Mello, escritor preso e exilado


durante o regime militar, publicou vários livros.
Sua obra mais importante é Os Estatutos
do Homem. Os temas principais de sua poesia
são a luta contra a opressão, o amor à terra
e à Amazônia, a solidariedade aos oprimidos e
a alegria de viver.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Artigo XIII
Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente) Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
A Carlos Heitor Cony
Artigo I o Sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
Fica decretado que agora vale a verdade. o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
agora vale a vida, [para defender o direito de cantar
e de mãos dadas, e a festa do dia que chegou.
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo Final.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, Fica proibido o uso da palavra liberdade,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
Artigo III A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
Fica decretado que, a partir deste instante
haverá girassóis em todas as janelas como um fogo ou um rio,
que os girassóis terão direito e a sua morada será sempre
a abrir-se dentro da sombra; o coração do homem.
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança. Thiago de Mello Santiago do Chile, abril de 1964
[...]
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Paulo Lins, com o romance Cidade de Deus


(1997), expõe o processo de transformação
da favela carioca em neofavela. É o drama
da sociedade marcada pela violência: os
jovens passam “das pequenas
malandragens ao crime organizado.”
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Cidade de Deus
“Poesia, minha tia, ilumine as certezas dos homens os tons de
minhas palavras. É que arrisco a prosa mesmo com balas
atravessando os fonemas. É o verbo, aquele que é maior que o
seu tamanho, que diz, faz e acontece. Aqui ele cambaleia
baleado. Dito por bocas sem dentes nos conchavos de becos, nas
decisões de morte. A areia move-se nos fundos dos mares.
A ausência de sol escurece mesmo as matas. O líquido-morango
do sorvete mela as mãos. A palavra nasce no pensamento,
desprende-se dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às vezes
essa magia sonora não salta à boca porque é engolida a seco.
Massacrada no estômago com arroz e feijão a quase-palavra é
defecada ao invés de falada.
Falha a fala. Fala a bala.”
Paulo Lins. Cidade de Deus. São Paulo: Companhia da Letras, 1997.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Francisco Buarque de Holanda, mais conhecido


como Chico Buarque de Holanda, é músico,
dramaturgo e escritor brasileiro.
Teve várias músicas censuradas. Ameaçado pelo
regime militar, exilou-se na Itália, em 1969. Suas
canções denunciavam aspectos sociais
e culturais da época. Seus textos conquistaram
o reconhecimento do público.
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Apesar de você
Ora, tenha a fineza de desinventar
Você vai pagar e é dobrado cada lágrima rolada
Hoje você é quem manda, falou, tá falado
Nesse meu penar
Não tem discussão
Apesar de você amanhã há de ser outro dia
A minha gente hoje anda falando de lado
Inda pago pra ver o jardim florescer
E olhando pro chão, viu
Qual você não queria você vai se amargar
Você que inventou esse estado
Vendo o dia raiar
E inventou de inventar
Sem lhe pedir licença e eu vou morrer de rir
Toda a escuridão
Que esse dia há de vir antes do que você pensa
Você que inventou o pecado
Apesar de você amanhã há de ser outro dia
Esqueceu-se de inventar o perdão
Você vai ter que ver
Apesar de você amanhã há de ser outro dia
A manhã renascer e esbanjar poesia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Como vai se explicar vendo o céu clarear
Da enorme euforia
De repente, impunemente
Como vai proibir quando o galo insistir em cantar
Como vai abafar
Água nova brotando e a gente se amando sem parar
Nosso coro a cantar
Quando chegar o momento
Na sua frente
Esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro
Apesar de você amanhã há de ser outro dia
Todo esse amor reprimido esse grito contido
Você vai se dar mal
Este samba no escuro
Etc. e tal
Você que inventou a tristeza
Chico Buarque
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Além do escritores citados neste trabalho, outros


da atualidade apresentam a literatura
de forma engajada com os problemas sociais.
Para maior conhecimento podem ser acessados os sites:

http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/literatura-engajada-
433766.shtml

http://minhafilosofia.blogspot.com.br/2007/10/literatura-engajada.html

http://www.brasilescola.com/literatura/para-que-serve-a-literatura.htm
LÍNGUA PORTUGUESA, 2º Ano do Ensino Médio
A literatura engajada

Referências

. ABAURRE, Maria Luiza M. português: contexto, interlocução e sentido; Martia


Luiza M. Abaurre, Maria Bernadete M. Abaurre, Marcela Pontara. São Paulo:
Moderna, 2008.
.ALVES, Roberta Hernandes. Língua Portuguesa; Roberta Hernandes Alves, Vima
Lia Martin. Curitiba: Positivo, 2010.
.CAMPOS, Elizabeth Marques. Viva português: ensino médio; Elizabeth Campos,
Paula Marques Cardoso, Sílvia Letícia de Andrade. São Paulo: Ática, 2010.
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Cereja, Thereza Cochar Magalhães. 7. ed. Reform. São Paulo: Saraiva, 2010.
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. TORRALVO, Izeti Fragata. Linguagem em movimento: literatura, gramática,
redação: ensino médio, vol.3 ; Izetti Fragata Torralvo, Carlos Cortz Minchillo.
São Paulo: FTD, 2008.
Tabela de Imagens
n° do direito da imagem como está ao lado da link do site onde se consegiu a informação Data do
slide foto Acesso

22 Monteiro Lobato / Capa: José Wasth http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Urup%C3%AAs 12/09/2012


Rodrigues / Urupês,1918 / _capa_%281918%29.jpeg
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Urup%
C3%AAs_capa_%281918%29.jpeg

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