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As minorias na literatura

norte-americana
Minorities in North-American Literature

Eloina Prati dos Santos

Resumo
O texto resume o desenvolvimento das várias literaturas de minorias étnicas nos Estados Unidos
considerando as relações destas com a literatura hegemônica, de origem branca, cristã e européia, predomi-
nante no país até a metade do século XX e destacando que seu estudo é importante para a promoção da
descolonização de nossas mentes.
Palavras-chave: Literatura Estadunidense; Literatura de Minorias; Pós-colonialismo.

Abstract
The text summarizes the development of the several ethnic minority literatures in the United States
and takes into consideration their relation to the hegemonic literature of White, Christian and European
origin. It also points to the importance of its study in the promotion of the decolonization of our minds.
Key Words: American Literature, Minorities and American Literature; Post-Colonialism.

Aqueles que conheceram a experiência da coloniza- ocorrido há muito mais séculos atrás do que
ção e da escravidão, do olhar redutor do Outro, que podemos imaginar. As primeiras evidências
tiveram de reconstruir um eu dilacerado, um nós escritas na América do Norte está registrada nas
recomposto e novas culturas híbridas e prenhes de paredes das cavernas do sudoeste, onde índios
novas formas, não têm a pretensão ao absoluto. Por desenharam suas narrativas.
terem vivido do outro lado da história, eles podem Entrando na parte conhecida da história,
viver a Relação no respeito do Diverso. os primeiros exploradores europeus que apor-
Victor Senegalen (1908) taram no “Novo Mundo”1 trouxeram suas pró-
prias línguas e literaturas. No início tentaram
A história literária dos Estados Unidos
preservar suas ligações com suas terras natais e
começou quando o primeiro homem que lá vi-
transportaram para as colônias suas expressões
via usou a língua de forma criativa. Este ho-
literárias. Inevitavelmente, porém, a distância
mem, pode-se presumir, foi um membro de um
e a competição com outros mundos verbais e
dos numerosos povos indígenas, seus habitan-
literários nas Américas, alterou continuamente
tes nativos, que formulou uma expressão poé-
tica para contar uma história, e isso pode ter
1
A expressão aparece entre aspas para destacar que o conceito de um mundo
novo do outro lado do Atlântico foi criado pelos viajantes europeus, a partir
Eloina Prati dos Santos é doutora em Inglês pela State University of New do ciclo dos descobrimentos. Essa idéia foi responsável pelo desrespeito
York, at Buffalo, 1988. Professora Orientadora do Pós-Graduação em Letras aos povos e às culturas nativas, destituídos de suas terras, de suas línguas
da UFRGS, Porto Alegre/RS, e Professora do Curso de Especialização em e religiões, e violentamente submetidos aos modelos europeus nos últimos
Inglês do Centro Universitário La Salle, Canoas/RS. cinco séculos.

Canoas n. 4 1º semestre de 2001 p. 3-123


essas línguas e literaturas imigrantes, bem como Segunda metade do século passado são incluí-
a das populações nativas. A complexidade da dos escritores judeus e negros, e os grupos imi-
literatura dos Estados Unidos, bem como a di- grantes mais tardios, como os hispânicos e asiá-
versidade de sua população, atestam os con- ticos, e somente nas últimas décadas do século,
frontos e a confluência de muitas culturas. é feito um esforço para incluir os índios e os
Durante cinco séculos, tem sido constante a homossexuais tanto nas antologias quanto nos
chegada de povos das mais diversas etnias aos programas dos cursos de literatura. Foi quan-
Estados Unidos: no início do período colonial do as associações de professores e intelectuais
ingleses, escoceses e irlandeses, holandeses, ale- estadunidenses convenceram-se de que uma
mães, os negros trazidos como escravos da Áfri- história literária dos Estados Unidos deveria ter
ca, mais tarde, italianos, judeus de todas as par- um modelo multi-étnico e multi-racial que re-
tes do mundo, mexicanos, e, conforme os con- fletisse sobre as relações entre a literatura e iden-
flitos mundiais e os êxodos por eles provoca- tidade nacional e confrontasse, de forma radi-
dos de povos que procuravam uma vida me- cal, os pressupostos culturais e ideológicos dessa
lhor, com liberdade e oportunidades de traba- colcha de retalhos criada por tantas mãos.
lho, vieram indianos, vários povos asiáticos, Quase no final da década de setenta, foi
entre outros.2 criada uma Comissão de Literaturas e Línguas
Quem viu a série sobre a história da cida- da América dentro da Modern Language Asso-
de Nova York, levada ao ar no segundo semes- ciation3 que promoveu debates e seminários so-
tre de 2000 pela GNT, deve lembrar que por vol- bre literatura indígena e afro-americana, e ou-
ta de 1640, ainda durante a ocupação holande- tras literaturas de minorias, que resultaram em
sa da ilha de Manhattan, falava-se 18 línguas na publicações capazes de nortear a reforma dos
cidade. Esse tipo de constatação nos leva a en- currículos tradicionais e de promover uma ver-
fatizar ainda mais a lamentável desconsidera- dadeira redefinição da história literária do país.
ção dessas culturas ditas “minoritárias” por Paralelamente, surgem em várias regiões
parte da academia e do establishment cultural do país grupos de professores interessados em
por tanto tempo. incorporar a seus programas duas décadas de
A base teórica e pedagógica que norteou estudos feministas e de minorias sobre história,
a história da literatura e a formação do cânone arte, literatura e cultura. Mesmo querendo res-
até os anos 60 do século XX nos Estados Unidos peitar a liberdade acadêmica, Paul Lauter não
foi predominantemente européia, branca, cris- pode deixar de fazer observações sobre dois
tã e anglo-americana. A maior parte das antolo- programas oferecidos por universidades de
gias e dos acervos escolares e universitários com- prestígio na Califórnia e em Ohio. O primeiro
preendiam obras de homens brancos, os clássi- chama-se “A imaginação literária americana”, e
cos nomes de Benjamin Franklin, Thomas Je- cobre, em um semestre, trinta e dois autores,
fferson, Ralph Waldo Emerson, David Thoreau, incluindo Philip Frenau, William Cullen
Nathaniel Hawthorne, Herman Melville, Walt Bryant, Washington Irving, John Greenleaf
Whitman, Henry James, Mark Twain, Ezra Whittier, John Crowe Ransom e Erza Pound,
Pound, T.S. Elliot, William Faulkner, Ernest todos brancos e homens, as exceções ficando
Hemingway, citando alguns, pressupondo a por conta de Emily Dickinson e um poema de
exclusão de escritores judeus e negros, e da Marianne Moore. O outro um curso sobre “Vida
maioria das obras escritas por mulheres. Após e pensamento na literatura americana”, um cur-
as duas primeiras décadas do nosso século, al- so de dois semestres com vinte e três obras de
gumas mulheres, passam a figurar escassamen- homens brancos mais Emiliy Dickinson. Cur-
te dentro desse universo, Emily Dickinson e sos tristemente incompletos e inexatos que pre-
Edith Wharton, por exemplo. Mas somente na cisavam urgentemente enfrentar certas questões:

3
A famosa MLA é a associação que reúne todos os professores de língua e
2
Devo a maior parte dos dados sobre essas migrações e a produção literária literatura do país, uma gigante dividida em inúmeros grupos de pesquisa
das várias etnias que se instalaram nos Estados Unidos à Columbia Literary sobre autores, épocas, etnias, gêneros, e muito mais. A associação desem-
History of the United States, bem como às demais publicações listadas como penha um papel influente nas políticas de ensino do país, procurando inter-
referências. Como essas publicações não têm tradução para o português, ferir tanto nos programas dos cursos quanto nas políticas de emprego, por
recorri às paráfrases e não a citações. exemplo.

4
Como as coisas chegaram a este ponto? Qual intitulado América analfabeta (Illiterate Ameri-
foi a experiência histórica que nos trouxe até ca), em que divulga a perturbadora notícia de
aqui? Como as pessoas têm respondido ao ra- que um em seis americanos não consegue ler os
cismo e ao sexismo? Onde estão os negros? Os avisos do ministério da saúde em seus medica-
judeus? Onde estão as mulheres? mentos ou saber o que vai comer antes de ter
Os primeiros cursos a surgirem foram aberto a lata. Em 1987, outros dois livros peda-
cursos sobre literatura negra e literatura de mu- gógicos surpreenderam o mercado e venderam
lheres, mas os cursos tradicionais mudaram quase dois milhões de cópias. Os livros, ao
pouco. Kate Chopin e seu romance The awake- mesmo tempo que reivindicam prioridade para
ning (O despertar), um pouco de Frederick Dou- o ensino também representam um forte apelo a
glass e suas narrativas sobre escravidão foram um sistema de educação tradicional e defasado
acrescentados. Obras seguras para serem intro- frente às realidades políticas e culturais da épo-
duzidas nos currículos: na primeira os confli- ca.4
tos são resolvidos com o suicídio da persona- Allan Bloom, em The closing of the Ameri-
gem principal, derrotada por uma cultura pe- can mind (O estreitamento da mente americana),
sadamente sexista, e poucos pregariam a volta reclama da falta de propósito do sistema educa-
da escravatura, além de ser quase impossível cional americano e da falta de conhecimento
não simpatizar com as vítimas das atrocidades do americano médio. E.D. Hirsh, em Cultural
contidas nas narrativas daqueles que sobrevi- literacy (Alfabetização cultural), fornece alarman-
veram a ela. tes exemplos da ignorância de estudantes de
Até a década de oitenta, nenhum estu- segundo e terceiro graus sobre fatos, termos e
do do desenvolvimento do romance nos Es- conceitos básicos da cultura do país. Ele tam-
tados Unidos refletia adequadamente o fato bém prega uma “volta” a um sistema educacio-
de que a maioria dos autores de ficção duran- nal que ensine a todos os cidadãos um vocabu-
te cinqüenta anos, de 1870 a 1920, foram mu- lário cultural estabelecido, “para que possamos
lheres: Elizabeth Stuart Phelps, Sara Orne todos conversar usando o mesmo conjunto de
Jewett, Mary Wilkins Freeman, Edith Whar- referentes.”
ton, Willa Cather, Ellen Glasgow, Mary Aus- A partir de respostas estarrecedoras de
tin, entre muitas outras. Os críticos preferi- que o nome de um poema épico de Homero é
am afirmar que a ficção da época era domina- Los Alamos5, e que a cidade de Toronto fica na
da pelo romance e que os Estados Unidos não Itália, por exemplo, compila o autor uma lista
produziam romances sociais. Na poesia, ao de 5000 nomes, provérbios, citações e conceitos
afirmarem que a complexidade, a ironia e a que os americanos cultos deveriam saber. (Essa
ambigüidade eram as principais qualidades moda pegou e surgiram, por exemplo, listas dos
de um poema, críticos e professores excluíam cem livros que toda pessoa culta deveria ter lido,
a repetitividade enganadoramente simples do e muitas outras, ou seja, o reforço do cânone e
canto indígena. a exclusão das culturas locais e minoritárias das
O próximo problema enfrentado foi o da “receitas” de cultura hegemônica.)
disponibilidade destes textos, logicamente, A lista é vasta e variada, incluindo os Be-
muitos deles com pequenas edições esgotadas. atles, Verdi, a idade do bronze, mapa metereo-
Começou então uma revolução editorial, em que lógico. Mas os próprios autores, entre os quais
os excluídos fundaram suas próprias casas edi- Hirsh, ignoram muita coisa: mulheres, por
toriais, como as mulheres que fundaram The exemplo: a lista inclui inveja do pênis, macho,
Feminist Press, reproduzindo em antologias vasectomia, mas não menciona mastectomia, gi-
exclusivamente femininas obras não encontra- necologia ou Georgia O‘Keefe6. Nem acha im-
das nas antologias tradicionais, que podiam tra- portante que os americanos saibam alguma coi-
zer Willa Cather, por exemplo, mas dificilmen-
te Charlotte Perkins Gilman, Zora Neale Hurs-
ton, Leslie Silko ou Alice Walker. 4
Os comentários sobre essas publicações encontram-se na “Introdução” da
excelente coletânea de artigos críticos Multi-cultural literacy, editada por
Em 1986 (data perturbadoramente con- Simonson e Walker.
temporânea) Jonathan Kozol publica um livro 5
Local das primeiras experiências atômicas, no deserto do Novo México,
cercado de reservas indígenas.

5
sa sobre alcoolismo, campos de refugiados, Pelé, tão estética e política ao mesmo tempo. Para as
blues, computer crash, El Salvador, Cem anos de artes, essas mudanças trouxeram o estreitamen-
solidão. Hirsh parece não achar relevante saber to da relação entre as questões estéticas e políti-
sobre agricultura, o meio ambiente, geografia cas e da relação entre produção e recepção, rein-
mundial, história não européia, as plantas ou serindo as tensões entre história e ficção, ficção
os animais com quem dividimos o planeta. Os e realidade.
conceitos claramente derivam de um precon- A realidade parece desmentir as noções
ceito tipicamente branco, masculino, ociden- de que os Estados Unidos é um cadinho (mel-
tal, e acadêmico, leste-americano, que limita ting pot). Lá, como no restante do mundo, te-
severamente estes autores. Torna-se portanto, mos populações minoritárias, as chamadas mi-
alarmante a sua popularidade, considerando norias visíveis, em alguns casos quase metade
visões de mundo tão ultrapassadas a uma déca- de uma população, encontrando formas bem
da do final do século XX. A maioria dos ameri- sucedidas de se inserirem na cultura dominan-
canos nesta época já tinha alguma consciência te enquanto orgulhosamente conservam sua
da contribuição das culturas reprimidas, esta- linguagem e costumes de origem. O que al-
va mais alerta para histórias não escritas e acos- guns preferem descrever como uma salada (sa-
tumado a mudanças na cultura, na língua. lad bowl). Exemplos são as crescentes popula-
Já a partir do final da Segunda Guerra, ções latinas de Nova York, da California e da
produziram-se grandes mudanças em nossos sis- Flórida (chicanos, portoriquenhos, cubanos) e
temas de pensamento, instituindo-se o que Ag- a admirável reaculturação dos índios. Em uma
nes Heller chama de “novas instituições imagi- época em que de cada quatro estadunidenses
nárias” (uma expressão que ela toma emprestada um é “de cor ”, não é possível ignorar a herança
de Castoriades). De 45 ao presente, o mundo em e a fortuna cultural de grande parte da popula-
geral, e em particular o mundo intelectual e ar- ção. Observando, por exemplo, a campanha
tístico do qual estamos tratando, vem assimilan- presidencial do Reverendo Jesse Jackson e sua
do grandes mudanças ocasionadas por movi- Coalisão Arco-ìris, estaremos observando o de-
mentos políticos e sociais marcantes. Do exis- senvolvimento de uma nova definição do que
tencialismo ao pós-modernismo, passando pe- compreende a cultura dominante.
los movimentos por direitos civis, dentre os quais A revolução nas comunicações no século
se destaca a contribuição do feminismo, incor- XX, o desenvolvimento da comunicação de
poramos uma pluralização radical do nosso uni- massa, as mudanças dramáticas da economia
verso cultural. Isso inclui uma notável expansão mundial, levaram a um esmaecimento das fron-
da experiência humana para áreas anteriormen- teiras culturais e políticas. O mundo tornou-se
te tabus, como o uso de drogas, a liberação sexu- “menor ” e as culturas mais uniformes, com o
al, a homossexualidade, por um lado. Por outro, imperialismo tomando formas culturais e não
acrescentou ao nosso cotidiano práticas anteri- apenas políticas; ao mesmo tempo em que so-
ormente encaradas como “exóticas”, entre elas mos colocados mais perto do outro, sofremos
os penteados afro, a comida chinesa, as roupas coma destruição das línguas, da imaginação e
indianas, os romances latino-americanos. Como dos significados culturais individuais.
afirma Andreas Huyssen, superamos também “a Deveríamos tirar da natureza e das campa-
grande divisão” entre alta cultura e cultura po- nhas ecológicas a nossa inspiração de preserva-
pular e de massa, incorporando à consciência ção da diversidade cultural. Em tempos de glo-
pública culturas minoritárias. balização é preciso achar o equilíbrio entre for-
Ainda segundo a ótica de Huyssen, surge ças conservadoras que nos leva a preservar nos-
uma relação nova e criativa a partir das tensões sas culturas de origem, nossa língua, nossas tra-
entre esses movimentos de conservação e de dições, com uma consciência das culturas do
renovação, bem como a imposição de uma ques- resto do mundo. Os Estados Unidos ainda são
perturbadoramente ignorantes da literatura, his-
tória, mitologias e política mundiais. Se o país
6
Uma grande pintora que produziu imagens eróticas a partir de flores e
plantas do deserto do Novo México. Somente há uns poucos anos do
pretende preservar sua relevância cultural e eco-
enceramento do século ela ganhou um museu exclusivo no estado que nômica esta inadequação precisa ser enfrentada.
tanto divulgou.

6
O principal problema em formar um pro- culo XVII e algumas até dominaram o cenário
grama de ensino de literatura dos Estados Uni- literário durante certos períodos. Asiáticos,
dos hoje é o espetacular e perigoso mundo de hispânicos e escritores judeus também produ-
escolhas que nos confronta. Não podemos es- zem desde o século XIX em seu idioma adotivo.
quecer um conjunto de padrões, princípios Ainda devemos considerar o fato de que os es-
estéticos e teorias pedagógicas. Surgiram vári- critores da Nova Inglaterra não eram os únicos
os livros propondo esta abordagem multicul- a escrever nesses séculos inicias, como algumas
tural: a já citada Columbia Literary History (1988), antologias querem fazer crer, já havia autores
antologias temáticas como as da Norton: de li- sulistas e no oeste produzindo parte dessa he-
teratura de mulheres, literaturas afro-america- rança cultural. Os índios, os puritanos da Nova
na, chicana, gay, e muitas outras, bem antologi- Inglaterra, os exploradores do sudoeste, eram
as tradicionalmente arrumadas de forma cro- marcadamente diferentes e competiam acirra-
nológica, mas que incluem um bom número de damente no Estados Unidos do século XVII e
mulheres, negros, judeus e ainda, apenas um cada um dos grupos teve importante parte for-
ou dois latinos (Tomás Rivera é o nome quem madora na criação da cultura literária do país,
ais aparece), raramente asiáticos, e ainda um como veremos a seguir.
bom número de antologias com títulos anima- Nas cavernas de Barrier Canyon, em
dores como Stories from the American mosaic (His- Utah, desenhos de 2 mil anos representando
tórias do mosaico americano), Stories from the pro- formas antropomórficas desenhadas em pig-
mised land (Histórias da terra prometida), onde os mentos avermelhados nos desafiam. Nós não
nomes dos autores incluem desde os conheci- os entendemos, mas sabemos que eles têm a ver
dos Bernard Malamud, Anzia Yezierska e Grace conosco, que são a essência da linguagem do
Paley, aos consagrados Alice Walker, Langhs- conto e do mito. A voz indígena foi das últimas
ton Hughes, Leslie Silko e Louise Erdrich, San- a penetrar o cânone tradicional da história lite-
dra Cisneros e Nash Candelária, a Toshio Mori, rária dos Estados Unidos; as razões para essa
incluindo também todo um mundo narrativo negligência não são difíceis de explicar, no en-
cujos autores além de quase desconhecidos, tem tanto. O assunto é de uma vastidão incalculá-
nomes quase impronunciáveis: Bharati vel: o conjunto de canções, preces, encantações,
Mukherjee, Sui Sin Far, Nahid Rachlin. charadas, previsões, e histórias da tradição oral
Uma imagem pura e simples de continui- nativa nos Estados Unidos é tão vasta que de-
dade fica difícil de manter quando a diversida- sencoraja muitos estudiosos. A tradição oral
de de material literários e a variedade de vozes cobre um longo período sem registros, em inú-
críticas tornaram-se uma das características da meras línguas remotas e complexas, e reflete
literatura dos Estados Unidos. A pesquisa teó- uma diversidade cultural e social consideráveis.
rica e crítica dos últimos quarenta anos revelou Estima-se que os antepassados dos atuais índi-
que a história da literatura dos Estados Unidos os norte-americanos já habitavam o continente
não é uma história, mas várias histórias dife- há cerca de 25 mil anos. Como eram caçadores
rentes. Os índios não emudeceram com a che- e sua sobrevivência baseada na mobilidade, es-
gada dos primeiros europeus, pelo contrário, palharam-se rapidamente.
continuaram a produzir e até influenciaram Todos sabemos que a oralidade é a base de
grandes escritores, de Henry David Thoreau a toda a literatura e que a escrita como nós a co-
Gary Snider. Os negros não esperaram pelo fim nhecemos, inscrita através de alfabetos é coisa
da escravatura para relatar suas histórias e as recente, com não mais de 5 ou 6 mil anos. Quan-
primeiras expressões literárias negras surgiram do Colombo chegou à América, havia mais de 2
no século XVIII, sob a forma de canções, poe- mil tribos independentes, das quais mais de tre-
mas e as histórias hoje conhecidas como narra- zentas ainda sobrevivem. Quinhentas línguas
tivas de escravos, todas elas demonstrando cons- diferentes eram faladas por esses grupos tribais,
ciência de seu valor literário. Anne Bradstreet algumas tão diferentes quanto o inglês e o po-
e Emily Dickinson não foram as únicas mulhe- lonês. Tribos do norte dos Estados Unidos,
res que escreveram antes do século XX, autoras como os Alonquinos, as nações Sioux das pla-
de extrema relevância produziram desde o sé- nícies centrais e os Pueblos do sudoeste apre-

7
sentavam uma cultura, uma história e uma reli- aponta para a contradição dentro da qual estas
gião tão diversas quanto apresentavam os in- mulheres escrevem e ao mesmo tempo para a
gleses, franceses, espanhóis e portugueses. indissociabilidade destes dois mundos, o tra-
Hoje a escrita define os termos nossa pró- dicional e o atual.
pria existência e fica difícil saber o que é existir Essa contradição encontra sua represen-
dentro de uma tradição oral. No entanto, de- tação mais efetiva em um livro de Gerald Vize-
pois de seguirem o caminho tradicional de es- nor — um mestiço Chippewa, escritor, doutor
crever sua história não oficial, revelando aos em literatura e professor universitário — cha-
caras pálidas, através de transcrições e tradu- mado de Earthdivers, tribal narratives on mixed
ções, suas crenças, mitos e costumes, e tendo descent, 1981 (Earthdivers, ou narrativas tribais de
relatado a história reprimida de sua opressão e sangue mesclado). Ele usa essa figura do earthdi-
destruição de seu modo de vida e cultura após ver, “mergulhador em busca de terra”, um dos
o contato com o europeu, os escritores indíge- mitos de criação de sua cultura de origem. A
nas contemporâneos tratam de recuperar essa versão Anishinabe da criação do mundo tem
oralidade. Precisamos reformular a idéia de como personagem central o trickster, uma espé-
que a literatura indígena seja ou rudimentar cie de bruxo palhaço. Wenebojo encontra-se
ou de protesto. Justamente pela rica herança em um mundo coberto de água, empoleirado
da tradição oral, os índios são capazes de pro- no topo de um árvore e totalmente entediado.
duzir uma literatura densa, política e de alta Quando defeca, observa que seu excremento
qualidade estética. Os autores nativos têm lu- bóia e decide pedir à Lontra que mergulhe em
tado contra um racismo ainda explícito e uma busca de um punhado de terra para criar uma
política editorial onde a militância, a raiva e o ilha. Primeiro Lontra, depois Castor e ainda
fanatismo vendem bem, e vêm conseguindo um Ratão tentam e se afogam, mas são ressuscita-
reconhecimento que ultrapassa essa expectati- dos pelo bruxo. Ratão, no entanto consegue
va convencional.7 trazer em suas patas e sua boca, alguns grãos de
O romance de Scott Monaday, House made terra, que jogados por cima do excremento, se
of dawn, 1966 (Casa feita de aurora), ganhou um multiplicam, criando a terra, onde Wenebojo
prêmio Pulitzer e Winter in the blood, 1974 (In- passa a viver com os animais.
verno no Sangue), de James Welch recebeu uma Este mito, descrito por antropólogos bran-
resenha de primeira página no New York Times cos como um mito cloacal que simboliza inveja
Book Review. Muitos escritores nativos são re- da gravidez feminina, para Vizenor sintetiza o
conhecidos e respeitados, pelo menos nos mei- papel do índio na sociedade contemporânea:
os intelectuais e acadêmicos. Uma antologia o mestiço circula em dois elementos, mergulha
intitulada Talking Leaves, 1991(Páginas que fa- nas águas poluídas pelo excremento em que
lam8), atesta a variedade e a qualidade da narra- vivemos (referência óbvia ao capitalismo tar-
tiva curta produzida na segunda metade do sé- dio) para chegar ao rico solo de sua cultura de
culo XX por estes autores, oferecendo 35 delici- origem, onde recupera alguns grãos que lhe
osas histórias de talentos nativos reconhecidos possibilitam criar um mundo novo onde viver.
e emergentes, variadas em sua temática e estilo. O bruxo malandro atua como mediador entre o
Uma outra antologia, Spider Woman´s homem e deus, um intérprete, neste caso tam-
grandughters, 1989 (Netas da Mulher Aranha), edi- bém um intérprete da cultura tribal para a cul-
tada por Paula Gunn Allen, um dos nomes mais tura branca.
conhecidos entre as autoras nativas, nos ofere- Vizenor também tenta despegar do mesti-
ce uma coleção de contos de mulheres nativas. ço todas as conotações negativas que o acompa-
O subtítulo da obra: “contos tradicionais e es- nham. Na literatura dos Estados Unidos temos
critura contemporânea de mulheres nativas”, os mestiços Índio Joe, de Mark Twain, Dirk Pe-
ters, de Poe, Dick Boulton, de Hemingway e
7
Analiso mais detalhadamente a questão dos escritores nativos pós-moder-
Sam Fathers, de Faulkner, todos retratados como
nos em “Ficionistas indísgenas nos Estados Unidos e seu mergulho em valentes, fortes, sagazes, mas párias bestiais e
busca de terra firme: um dilema pós-moderno”. Transit Circle, Porto Alegre,
v.1, n. 1, 1998, p. 131-144.
ambíguos salvadores do homem branco. Em
8
Em inglês leaves se presta a um jogo de palavras por significar ao mesmo contrapartida, Vizenor nos oferece os termos
tempo folhas e/ou páginas.

8
sangue-mesclado e descendência mesclada para cronológico é que deixava-se de estudar Wright
substituir mestiço e faz de seus personagens juntamente com Hughes and Hurston, e, prin-
heróis criadores, irreverentes e bem humora- cipalmente, ao lado de Hemingway e Faulkner,
dos. Vizenor é originário de uma região onde o inibindo a comparação no tratamento dos temas
mestiço tem um sentido próprio de identidade. do racismo e da miscigenação, entre outros.
Ele é um Métis Minnesota da fronteira com o Somente no final dos anos 60 é feito um
Canadá, onde os canadenses franceses, por se- grande esforço para resgatar textos de escritores
rem gauleses e não ingleses, católicos ao invés negros, com a publicação, a partir de 1969, da
de protestantes, e caçadores nômades ao invés coleção Black rediscovery series, da Editora Do-
de fazendeiros sedentários e sedentos de terras, ver, com onze títulos, da Série Atheneum sobre
foram mais tolerantes com os índios e casaram- vida negra americana, uma coleção de 17 volu-
se com eles muito mais freqüentemente. Nessa mes, e a Coleção Arno, com 31 volumes: O negro
sociedade o mestiço sempre foi o intermediário americano: sua história e literatura. Até as editoras
entre as duas culturas, auxiliando no comércio que até então haviam evitado autores negros,
de peles e na sobrevivência na região, possuin- como a Harper and Row, “orgulhosamente” apre-
do identidade cultural definida. sentaram toda a ficção de Richard Wright.
Da mesma forma, historiadores da litera- Do outro lado da cena, descobre-se, em
tura afro-americana precisaram afastar-se de nar- algumas incursões à bibliotecas, que a pesquisa
rativas meramente históricas ou de protesto. Há afro-americanista de antes dos anos 60 era con-
novas audiências para a literatura negra, princi- duzida de forma admiravelmente democrática.
palmente um grande número de jovens negros Em seu volume sobre Poesia e teatro negro, Ster-
que encontraram-se com muitas representações ling Brown inclui uma sessão sobre “Poesia
negras sob a forma de literatura desde muito cedo. Branca” sobre a vida negra antes de 1914 e “Po-
Para eles o trabalho bibliográfico de incluir al- etas Brancos Contemporâneos e a Vida Negra”.
guns autores negros nos programas escolares não Esse tipo de literatura também figura na anto-
é suficiente, embora eles ajudem a promover uma logia editada por Langhston Hughes e Arna
necessária revisão da história. Podemos come- Bomtemps, A Poesia do negro (1849). Isso nos leva
çar a estudar a literatura afro-americana no perí- a crer que a intenção destes escritores negros
odo entre-guerras, a partir do movimento que era a de promover um estudo mais compreen-
ficou conhecido como Harlem Renaissance, que sivo do cânone estadunidense, revelando a cir-
alguns críticos defendem deveria ser chamado cunstância óbvia de que tanto escritores bran-
de A Nova Renascença Negra ou a Moderna cos quanto negros foram compelidos a escrever
Renascença Negra. Os Estados Unidos realmen- sobre negritude.
te viu, na década de vinte, um florescimento da Isso já era indicado na poesia de Brown,
arte e da cultura negras, com nomes como o de em um poema de 1930, “Sharecroppers” (“Aren-
W.E. DuBois, Countee Cullen, Zora Neale Hurs- datários”), que diz:
ton, Chester Himes, Langhston Hughes, Jean
Toomer, e outros. No entanto, até as décadas de Vamos limpar logo este terreno aqui em volta
60, 70, o único nome encontrado nas antologias Plantar o carvalho branco e o carvalho negro lado a
era o de Richard Wright, com seu romance Nati- lado10
ve son (Filho nativo), de (1940). A tradicional an-
tologia da Norton incluía, no período de 1914 a Mais recentemente, em 1992, Toni Morri-
1945, quatro afro-americanos: Hurston, Hughes. son, uma mulher negra que chegou a Editora
Countee Cullen and Toomer, com Richard Wri- Chefe da poderosa Random House e ganhou
ght (que começou a publicar em 1938, com Uncle um Prêmio Nobel de literatura, publicou um
Tom´s Cabin (A cabana do Pai Tomás)9; 1940, Nati- ensaio entitulado Playing in the dark: whiteness
ve Son e 1945 Black boy), só aparece na sessão and the literary imagination (Brincando no escuro:
sobre prosa após 1945. O resultado deste arranjo brancura e a imaginação literária), no qual pro-
move uma revisão dramática das características

9
Que ficou conhecido até entre nós, sua tradução transformada em novela
radiofônica. 10
Tradução da autora.

9
essenciais da tradição literária nos Estados Uni- ras, a maior parte dessa literatura encontrava
dos. Morrison demonstra que muitos temas, espaço nos jornais em língua espanhola que
como o da liberdade e o do individualismo, da mantinham muitas páginas de ensaios, poemas,
masculinidade e da inocência, por exemplo, contos ou partes de narrativas longas, em série.
dependeram da existência de uma população Esses jornais também publicavam trabalhos de
negra manifestamente não livre que serviu aos consagrados autores mexicanos, latino ameri-
autores brancos como incorporação de seus te- canos e espanhóis, propiciando a seus leitores
mores e desejos. acompanhar os desenvolvimentos da cena lite-
Mas a tônica predominante da literatura rária mundial, dando aos escritores emergen-
negra não foi a de revisão da história. A maior tes novos modelos a emular. Em seus jornais
parte das obras busca uma arte negra definível esses cidadãos mexico-americanos eram expos-
e genuína, uma estética negra, como declara tos ao romantismo do espanhol Gustavo Béc-
Hughes em um de seus poemas, “I, too, sing quer, ao modernismo de Ruben Dário, por exem-
America”, fazendo eco aos famosos versos de plo, desmentindo a impressão de que os pri-
Walt Whitman. Antes dele, Du Bois havia ex- meiros chicanos viviam culturalmente isola-
plorado a questão da duplicidade da cultura dos. Os romances de Chacón, por exemplo fo-
negra, os negros sempre considerando-se ame- ram escritos na tradição picaresca de Cervan-
ricanos por nascimento, direito e escolha, mas tes, sem deixar de manifestar familiaridade com
tentando refazer o passado cultural africano ir- os movimentos literários da América Latina.
remediavelmente cortado pela escravização. Apesar da grande produção escrita, a tra-
A literatura México-americana, ou Chica- dição oral da região é de grande importância, e
na, começa a aparecer na cena literária estadu- os contos e dramas folclóricos, lendas e mais
nidense em torno de 1848, após o tratado de notavelmente os corrido, uma forma de balada
Guadalupe por fim a quase dois anos de guer- mexicana. Os corrido eram poema musicados que
ra entre Estados Unidos e México. Nele o Méxi- faziam a crônica dos antagonismos entre latinos
co cede os territórios correspondentes aos esta- e anglos e da experiência méxico-americana.
dos da Califórnia, Nevada, Arizona, Utah, Novo Por 1900, a literatura chicana já represen-
México e metade do Colorado. É então dado a tava uma parte distinta da literatura dos Esta-
cerca de 80 mil mexicanos residentes nessas áre- dos Unidos, especialmente no sudoeste, onde
as a escolha de ficar e tornar-se cidadão ameri- deixou uma marca indelével. Suas origens me-
cano ou mudar-se para o sul da nova fronteira. xicanas, católicas e de língua espanhola, man-
A grande maioria elegeu ficar, tornando-se os tida através de um constante circular entre as
primeiros chicanos. Mas a cultura e a literatura fronteiras que outros imigrantes não puderam
não mudam, assim de repente, por decreto po- desfrutar, reforçou ambas as culturas. Após 1919,
lítico, e por várias gerações, esses novos cida- quando a revolução mexicana e o desemprego
dãos americanos em nada se distinguiam de intensificaram a imigração, aumentou a influ-
seus irmãos do sul. ência mexicana na cultura estadunidense, atra-
A literatura mexicana tomou uma forma vés da presença de jornalistas e intelectuais
híbrida, misturando influências espanholas, mexicanos que passaram a atuar em jornais dos
mexicanas, indígenas e eventualmente anglo- Estados Unidos, principalmente na Califórnia.
americanas, como em geral acontece nas fron- A literatura chicana manteve até a Segun-
teiras. Outra característica dessa cultura é a de da Guerra um caráter romântico, um amor pela
intensos conflitos culturais. O desenvolvimen- vida rural, a celebração do amor e das pessoas
to das primeiras expressões literárias seguiu o comuns, como vaqueiros e pequenos fazendei-
caminho comum das narrativas pessoais e his- ros. Mexican village, 1945 (Vila mexicana), de Jo-
tóricas. Também a poesia era bastante desen- sephina Niggli foi o primeiro exemplar desse
volvida, mas quase toda efêmera e derivativa. romantismo a atingir uma grande audiência an-
Já em 1892, Santa Fé vê publicados dois roman- glo, finalmente interessada nessa cultura desco-
ces de Eusébio Chacón : El hijo de la tempestade, nhecida. Ela escreve em inglês mas faz bastante
e Trans de la tormenta la calma. uso da sintaxe do espanhol, das expressões idio-
Embora o sudoeste abrigasse várias edito- máticas, do folclore, dos provérbios, conseguin-

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do aproximar-se dos ritmos e dos sabores da cul- Loving the war years, 1983 (Amando os anos da
tura mexicana usando a língua inglesa. guerra)
A partir de 1947, no entanto, mudanças Uma das assimilações mais difíceis den-
na literatura mexico-americana se faziam notar, tro do processo de imigração nos Estados Uni-
com a publicação das histórias de Mario Suárez dos têm sido a dos orientais, por não serem bran-
pelo Arizona Quarterly. Suárez escreve históri- cos, nem ingleses e nem cristãos, e muitas vezes
as que embora pareçam com as de Steinbeck, na por seus países ficarem em áreas mais remotas e
verdade opõem-se a elas, evitando mostrar per- desconhecidas do globo11 e do grande gap cul-
sonagens infantilizados e primitivos, como os tural entre ocidente e oriente. Além disso, os
de Tortilla Flat (Planície Tortilla), por exemplo, grupos de asiáticos provêm de países distintos
e preferindo mostrar a já instalada consciência como a China, o Japão, as Filipinas, a Coréia e o
dos os perigos do capitalismo e a tentativa de Vietnã, vários deles associados com guerras com
evitá-los. os Estados Unidos.
Em 1959 José Antonio Vilarreal publica A autobiografia é um gênero popular en-
Pocho, o trabalho que não só estimularia a lite- tre eles, talvez por ser o mais vendável, sendo o
ratura chicana mas ajudaria a dar forma a seu apelo antropológico mais forte que o ficcional.
discurso. Pocho traça a trajetória de uma famí- My country and my People (Minha terra, meu povo),
lia desde sua mudança para a Califórnia du- de Lin Yutang (China) e East goes West (O Ori-
rante a Revolução Mexicana, onde observa a ente vai ao Ocidente), de Younghill Kangs (Co-
implacável mudança efetuada em seu único fi- réia) entre os mais conhecidos, retratam a vida
lho pela cultura americana. Em resposta aos dessas comunidades, suas aspirações, seu isola-
anseios paternos de que ele permaneça mexica- mento dentro da cultura americana, no perío-
no, o filho se alista na Marinha no início da do de 1840 a 1924, quando eles eram recrutados
Segunda Guerra; o processo de assimilação para a agricultura e a construção civil, princi-
ameaça tornar-se um processo de alienação. palmente no Havaí.
Bem mais tarde, no final da década de ses- Carlos Bulosan é uma exceção, seu Ameri-
senta, são introduzidos no cenário literário es- ca is in the heart (A América fica no coração) é qua-
tadunidense alguns escritores chicanos cujos se autobiográfico, mas já procura dar voz lite-
valor inscreveu seus nomes definitivamente na rária aos Filipinos nos Estados Unidos, Havaí e
história da literatura do país: Tomás Rivera e Alaska. (recrutados para trabalharem nas fábri-
Rudolfo Anaya. Tomás Rivera descreve , em cas de conserva da Califórnia entre 1920 1930.)
seu famoso “...y no se se le tragó la tierra”, 1971 Entre os primeiros trabalhos escritos por
(Não sei se a terra o tragou), os imigrantes e pe- asiáticos nascidos nos Estados Unidos, duas au-
quenos fazendeiros segundo o modelo de seu tobiografias chinesas, Pardee Lowe, com Father
mestre Juan Rulfo. Bless me Última, 1972 (Aben- and glorious descendant, 1942 (Pai e descendência
çoa-me, Última), de Rudolfo Anaya enfoca as gloriosa) e Jade Snow Wong, com Fifth Chinese
transformações ocorridas nessas comunidades daughter, 1945 (Quinta filha chinesa), atingiram
rurais depois das Segunda Guerra, quando pas- grande popularidade. Toshio Mori, autor de
sam a sofrer pressões conflitantes das forças Yokohoma California (1941-1949), por outro lado,
culturais internas e externas. Um exemplo são teve dificuldades para encontrar uma editora,
os testes da bomba atômica feitos em White pois sua obra confronta o otimismo das outras
Sand em 1945, um sinal claro de mudanças mas- duas e aborda a delicada questão dos campos de
sivas e irresistíveis. internação dos japoneses durante a Segunda
As mulheres chicanas, têm dado uma con- Guerra. Sua obra abriu caminho para um bom
tribuição bastante significativa, como a das número de ficcionistas, dramaturgos e poetas
mulheres negras, enfocando sua luta dupla con- orientais e obras que revelem o lado mais pro-
tra a discriminação sexual e a de cor e etnia. fundamente humano dos asiático-americanos.
Entre essas podemos citar Sandra Cisneros, com
The house in Mango street, 1984 (A casa da rua
Manga), e Cherrie Moraga (uma chicana lésbi- 11
Quem melhor detalha a questão dos mitos sobre os orientais, semelhantes
ca, crítica da misogenia da cultura latina), com àqueles criados sobre os negros, e que nos afastou deles por muitos séculos,
é Edward Said em Orientalismo (1978).

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Uma literatura de destaque dentro dos ta, já temos claro, pelo menos, que a experiên-
Estados Unidos é, sem dúvida a literatura ju- cia colonial não deixa intocados colonizados
daica, que passou mais ou menos pelos mesmos ou colonizadores. A contaminação de culturas
passos, com obras narrando as dificuldades dos é inevitável e criativa, o hibridismo um fator
primeiros imigrantes, denunciando o racismo preponderante, a obsessão com o passado ine-
ou o sexismo, como a de Anzia Yezierka. Mas a vitável. Os movimentos migratórios não cessa-
literatura judaica penetrou rapidamente no câ- ram, os conflitos mundiais, de origem eminen-
none e constitui hoje um dos mais ricos e mais temente étnica e religiosa dos dias de hoje, con-
divulgados acervos dentro da literatura esta- tinuam deslocando multidões em busca de
dunidense. Arthur Miller, Saul Bellow, Philip “igualdade, liberdade, e o direito à busca da
Roth, Lilliam Hellman, Bernard Malamud, felicidade,” os direitos inscritos na Declaração
Norman Mailer são hoje nomes tão populares de Independência dos Estados Unidos.
quanto os de Melville e Faulkner. Uma litera- Os graus dessa assimilação e o grau de
tura de mérito por seu notável engajamento satisfação dos recém chegados ou dos fundado-
social, cujos autores, a maioria marxistas, foram res é tão variado e complexo quanto as razões
perseguidos pelo Senador McCarthy na déca- que os trouxeram ao continente norte-america-
da de cinqüenta. Defensores dos direitos civis, no e seu exame oferece possibilidades infinitas.
produziram obras famosas não só sobre sua re- A leitura das obras resultantes deste multicul-
alidade, como sobre a de outras etnias, sempre turalismo amplo e inescapável, contribui, so-
engajados na luta contra a discriminação. Tam- bretudo, para uma pedagogia libertária. Atra-
bém foram notáveis inovadores, mestres do re- vés dela podemos ensaiar um despegamento de
alismo psicológico, por exemplo (Herzog, de nossos preconceitos residuais e promover uma
Saul Bellow). Mais do que uma estética judai- descolonização de nossas mentes.
ca, contribuíram para formação de uma estética
estadunidense.
O mesmo pode ser dito da literatura escri-
ta por mulheres, até aqui já bastante citada. As
mulheres sempre estiveram presentes na litera- REFERÊNCIAS
tura e na cultura dos Estados Unidos, desde os BIBLIOGRÁFICAS
tempos coloniais, registrando a experiência de
cruzar um oceano para tomar parte na criação
de um novo país. Relegadas ao espaço privado ELLIOT, Emory, Gen. Ed. Columbia literary
nos primeiros séculos, não deixaram de partici- history of the United States. Columbia
par da vida cultural e intelectual do país em for- University Press, 1988.
mação, tendo se mobilizado para produzir con- HELLER, Agnes. Existentialism, alienation,
sideráveis mudanças na sua vida política: o voto postmodernism: cultural movements as
feminino, a redução da jornada de trabalho e a vehiclkes of change in the patterns of everyday
melhoria das condições dos trabalhadores, na life. A postmodern reader. Eds Natoli e
primeira metade do século, e protagonistas, na Hutcheon. Albany: SUNY Press, 1993, p.
Segunda metade, do mais importante movimen- 497-509.
to cultural do século, a revolução feminista, o HUYSSEN, Andreas. After the great divide:
movimento que ocasionou as mais profundas modernism, mass culture, postmodernism.
mudanças socio-políticas em prol da humaniza- Bloomington: Indiana University Press,
ção das relações humanas e da conquistas da 1986.
igualdade nos direitos civis. RUOFF e WARD Jr., Eds. Redefining American
Porque tudo isso é importante? literary history. New York: MLA, 1990.
Porque com uma história de imigração SIMONSON e WALKER, Eds. Multicultural
massiva, um passado colonial e escravocata, os literacy: opening the American mind.
Estados Unidos estão inseridos no âmbito dos SaintPaul: Graywolf Press, 1988.
estudos pós-coloniais. E sob esse ponto de vis-

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