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VENDAS LIGADAS/ SUBORDINADAS

Direito Europeu da Concorrência e dos Consumidores (Universidade Catolica


Portuguesa)

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

VENDAS LIGADAS

ANÁLISE DO PROCESSO T-201/04 –


Microsoft / Comissão

SOFIA MARQUES DE AGUIAR CARVALHO

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FACULDADE DE DIREITO | PORTO

2019

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Índice
Lista de abreviaturas.......................................................................................................3

Introdução........................................................................................................................4

Descrição factual do acórdão..........................................................................................4

Aprofundamento teórico.................................................................................................4

Análise do Acórdão.........................................................................................................7

Conclusão.......................................................................................................................12

Bibliografia.....................................................................................................................14

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Lista de abreviaturas

TFUE – Tratado de Funcionamento da União Europeia


WMP – Windows Media Player

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Introdução

O meu trabalho consiste essencialmente na análise do acórdão do Tribunal de 1ª


instância, cujo processo é o nº T-201/04, de 17.09.2008.
O acórdão em questão incide sobre o tema da proibição de abusos de posição
dominante, nomeadamente sobre o abuso de venda ligada.
As partes presentes neste caso são, a Microsoft Corp., como recorrente, e a
Comissão das Comunidades Europeias.
Deste modo, começarei por expor brevemente o caso, através de uma descrição
factual do acórdão e, de seguida, passarei a uma análise mais profunda das questões de
Direito aqui abordadas.

Descrição factual do acórdão

Este caso inicia-se com uma denúncia feita pela SUN Microsystems, em 1998,
que resultou na abertura oficiosa, pela Comissão, de um inquérito sobre a Microsoft.
Em 2004, o inquérito concluiu com duas acusações feitas à Microsoft,
designadamente a violação do artigo 82º CE (atual 102º TFUE) por ter cometido dois
abusos de posição dominante: (1) Recusa de fornecer informações relativas à
interoperabilidade e de autorizar a respetiva utilização, e (2) venda ligada do sistema
operativo Windows para PC clientes e do Windows Media Player.
Estes abusos foram punidos através da aplicação de uma coima de 497 196 204
euros, bem como através de medidas corretivas a ser tomadas dentro de certo prazo,
nomeadamente o fornecimento de uma versão do sistema operativo sem a
funcionalidade multimédia do Windows Media Player.
A Microsoft interpôs recurso, pedindo a anulação da decisão impugnada e a
anulação ou redução da coima. No entanto, em 24 de março de 2004, o Tribunal de
Primeira Instância voltou a confirmar a decisão da Comissão;
Coloca-se a questão de saber se há, de facto, uma violação do artigo 102º TFUE.

Aprofundamento teórico

Para responder à questão controvertida, há que fazer um breve aprofundamento


teórico.

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Apesar da influência exercida pelo direito antitrust norte-americano, o TFUE


não utiliza o conceito de “monopólio”, referindo-se apenas a empresas em “posição
dominante”1.
Estamos, neste caso, perante a temática da proibição de abusos de posição
dominante, que se encontra regulada no artigo 102º TFUE e 11º da Lei 19/2012. Esta
temática é considerada o 2º pilar do Direito da Concorrência. O artigo 102º prossegue o
objetivo previsto no 3º g) do Tratado de Roma, isto é, garantir que a concorrência não
seja falseada no mercado interno2. O artigo 102º visa atingir as mesmas finalidades que
o artigo 101º, a defesa do consumidor e da eficiência económica. Este artigo foi
concebido para lidar com o monopólio e poder de mercado, focando-se no
comportamento unilateral das empresas que possuem uma posição dominante no
mercado, proibindo essas empresas de explorar tal posição3.
Para que haja um abuso de posição dominante é necessário que estejam
preenchidos quatro requisitos cumulativos previstos no artigo 102º, nomeadamente (1) a
existência de uma empresa, com (2) posição dominante num mercado relevante, que (3)
abuse da posição dominante, e que com esse abuso (4) afete o comércio entre os
Estados-Membros;
Sumariamente, uma empresa viola o artigo 102º quando tem uma conduta
restritiva ou anticoncorrencial, ou seja, quando utiliza a sua posição de poder, em vez do
mérito, para eliminar os seus concorrentes4.
São questões essenciais nesta matéria as de saber quando é que uma empresa
tem posição dominante e quando é que cometeu um abuso, porque o que a Comissão
proíbe não é a detenção da posição dominante, mas sim o abuso dessa posição.
Começando pelo primeiro requisito, o da existência de uma empresa, o ac.
Hoefner e Elser (Processo C-41/90) dá o conceito de empresa, estando, no caso,
preenchido, pois a Microsoft é uma entidade que desenvolve uma atividade económica,
independentemente do modo de financiamento.
De seguida, essa empresa tem de estar numa posição dominante num mercado
relevante. Neste caso, a Comissão identificou dois mercados relevantes, nomeadamente
o dos sistemas operativos para PC clientes e o dos leitores multimédia. O ac. Akzo
1
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 875
2
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 876
3
JONES, Alison e SUFRIN, Brenda (2014) – EU Competition Law – Text, Cases, and Materials, 5ª
edição, Oxford University Press, p. 269
4
JORDE, Thomas M. e TEECE, David J. (1992) – Antitrust, Innovation and Competitiveness. Oxford
University Press, p. 165

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(processo C-62/86) determina que se uma empresa tiver uma quota de mercado superior
a 50% será um indício de que está em posição dominante. Neste caso, a Microsoft tinha
uma quota de 98%, pelo que é considerada uma empresa super-dominante.
Quanto ao requisito do abuso de uma posição dominante, tal como referi antes, o
artigo 102º não proíbe a posição dominante em si, mas antes o abuso dessa posição 5. A
lei não define o conceito de abuso, estabelecendo apenas uma enumeração
exemplificativa no 102º TFUE, todavia a jurisprudência tem vindo a determinar o
conceito. O acórdão Continental Can (processo 6/72) adota um conceito lato,
abrangendo os abusos de exploração e os abusos de exclusão. Os abusos de exploração
são os abusos “em que a vantagem é auferida mediante o exercício de poder de mercado
sobre os clientes, fornecedores ou consumidores dos bens ou serviços da empresa
dominante”6. Os abusos de exclusão são aqueles que criam entraves na concorrência no
mercado. Sendo a Microsoft uma empresa dominante tem uma responsabilidade
especial, quando atua no mercado7. Neste caso, estamos perante um abuso de venda
ligada, que configura um abuso de exploração, uma vez que o consumidor é obrigado a
adquirir um produto (subordinado) através da aquisição de outro (subordinante), tendo
desta forma uma vantagem concorrencial. Este abuso será de exclusão, se desta forma
excluir os concorrentes no mercado do produto subordinado 8. Este tipo de venda é o
designado de “tying”, que se distingue da forma de “bundling”/ venda agrupada, em que
há uma venda unicamente em pacote, ou seja, o produto subordinado não é vendido em
separado, ao contrário do que se verifica no tying, ou quando há uma politica de preços
favorável com a venda conjunta9.
Por fim, tem de haver uma afetação do comércio entre os Estados-Membros,
bastando que a afetação do comércio seja possível, ou seja, potencial.
A venda ligada implica que uma empresa em posição dominante venda dois
produtos independentes em conjunto, sem dar possibilidade ao consumidor de os
adquirir de forma separada, eliminando, desta forma, a concorrência. A conexão de dois
mercados “pode resultar da sua articulação vertical, como o mercado de produção e o
mercado de distribuição de um determinado produto, ou da sua relação horizontal,

5
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 874
6
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 918
7
Acórdão Irish Sugar, processo T-228/97
8
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 996
9
CALAIM LOURENÇO, Nuno (2013) - Nuno Calaim Lourenço – As vendas subordinadas e agrupadas
como estratégias de projeção de poder de mercado., Coimbra: Almedina, pp. 36-53

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designadamente, da complementaridade dos produtos ou serviços em causa” 10, sendo


este último o caso deste processo.

Análise do Acórdão

Irei, agora, expor os argumentos da Microsoft, bem como a respetiva apreciação


do Tribunal.
Primeiramente, a Microsoft defende que a Comissão não respeitou os requisitos
exigidos para que se verifique a existência de uma venda ligada, substituindo o requisito
previsto no 102º d) (“... subordinar à aceitação de prestações suplementares...”) pelo
requisito, segundo o qual a empresa dominante não dá aos consumidores a opção de
obter o produto que liga sem o produto ligado. Desta forma, aplicou uma teoria nova
que não tem qualquer fundamento jurídico. Além disso, alega também que a Comissão
levou em conta 3 categorias diferentes de requisitos para concluir pela existência de
uma venda ligada abusiva, nomeadamente os requisitos do 102º d), os requisitos do 102º
em geral e os 4 requisitos para que haja um abuso de posição dominante.
O Tribunal rejeita estes argumentos e afirma que a enumeração das práticas
abusivas constantes no 102º não é taxativa, sendo apenas exemplos de abusos, tal como
é referido na jurisprudência (Acórdão Tetra Park (C-333/94) e acórdão Continental Can
(processo 6/72)). Isto é também aceite pela doutrina 11. Além disso, a Comissão pode
basear-se no 102º no seu todo, e não no 102º d) em particular. O Tribunal conclui
dizendo que os quatro elementos constitutivos de uma venda ligada abusiva
correspondem, no essencial, aos requisitos previstos no 102º d), pelo que, “não dar a
opção aos consumidores de obter o produto que liga, sem o produto ligado” é
equivalente a “aceitar prestações suplementares”.
De seguida, a Microsoft alega que a decisão impugnada não demonstra que o
Windows e o Windows Media Player pertençam a dois mercados de produtos distintos,
pois, na realidade, está em causa um único produto, sendo o WMP um produto de longa
data do sistema operativo, já sendo considerado parte integrante deste. Acrescenta
também que a integração de leitores multimédia nos sistemas operativas é uma prática
comercial normal que corresponde à procura dos consumidores. No mercado existem

10
CALAIM LOURENÇO, Nuno (2013) - Nuno Calaim Lourenço – As vendas subordinadas e agrupadas
como estratégias de projeção de poder de mercado., Coimbra: Almedina, pp. 23
11
JONES, Alison e SUFRIN, Brenda (2014) – EU Competition Law – Text, Cases, and Materials, 5ª
edição, Oxford University Press, p. 271

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também outras empresas concorrentes que complementam os seus sistemas, com as


funcionalidades multimédia, como a Apple com o QuickTime12.
O Tribunal de 1ª instância rejeita também estes argumentos. Produtos
alegadamente ligados são considerados produtos separados ou um único produto,
consoante o produto que liga, ou seja, o sistema operativo, seja usualmente vendido de
forma separada no mercado13. Para exemplificar, podemos pensar na venda de um carro:
é possível comprar pneus de forma separada, no entanto, a venda de um carro sem
pneus é pouco comum, pelo que, neste caso, estamos perante um “único produto”. O
Tribunal segue esta posição, afirmando que é necessário analisar este requisito tendo em
vista a procura dos consumidores, se houver procura para adquirir os produtos
separadamente, de forma independente, então estamos perante dois produtos distintos
(Ac. Tetra Park (C-333/94)). Neste caso, é possível que os consumidores queiram os
produtos conjuntamente, mas adquirindo-os de fontes diferentes, havendo procura
independente para leitores multimédia. E, por outro lado, há procura para sistemas
operativos que não incluem leitores multimédia, como por exemplo por parte de
empresas que querem impedir que os seus funcionários utilizem os computadores para
fins não profissionais. Para além disto, é possível analisar este requisito, tendo em vista
a existência de uma produção autónoma de cada produto, o que também se verifica 14. O
Tribunal considera também que é difícil falar de usos comerciais num setor controlado a
95% pela Microsoft. Mas mesmo quando a venda ligada seja conforme os usos
comerciais ou quando exista uma relação natural entre os dois produtos, de acordo com
a jurisprudência (Ac. Tetra Park (C-333/94)), pode mesmo assim ser considerado um
abuso nos termos do 102º, a menos que se justifique objetivamente. Por fim, há
elementos relativos à natureza e características técnicas dos produtos em causa para
demonstrar a existência de produtos distintos, como o facto do Windows ser um
software de sistema e o Windows Media Player um software de aplicação, pelo que
diferem claramente no plano das funcionalidades. A Microsoft também desenvolve e
comercializa versões do WMP que se destinam a funcionar com sistemas operativos
para PC clientes concorrentes dos seus, o WMP pode ser descarregado
independentemente do sistema operativo da página internet da Microsoft, etc.

12
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 1000
13
HOVENKAMP, Herbert (2005) – Federal Antitrust Policy: The Law of Competition and Its Practice,
3ª edição, Thomson West, p.557
14
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 1004

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Quando ao requisito da própria venda ligada, a Microsoft considera que a


questão das “prestações suplementares” não se coloca neste caso, pois os consumidores
não têm de pagar nenhum suplemente pela funcionalidade multimédia. O WMP está
incluído no preço total do sistema operativo, pelo que não há qualquer desvantagem
financeira que desencoraje os consumidores de utilizarem produtos concorrentes. Além
de que os consumidores não são obrigados a utilizar a funcionalidade multimédia do
Windows, os fabricantes de equipamentos podem utilizar a função “set program access
& default” para excluir o acesso de utilizador final a essa funcionalidade e instalar um
leitor multimédia concorrente. E, para concluir, os concorrentes não estão impedidos de
instalar e utilizar os leitores multimédia de empresas terceiras em vez ou para além da
funcionalidade multimédia do Windows, não havendo qualquer tipo de “coação” por
parte da Microsoft.
O Tribunal determina que o facto de não se conseguir adquirir o sistema
operativo sem adquirir simultaneamente o Windows Media Player preenche o requisito
relativo às prestações suplementares. Embora não pague um preço separado, não se
pode deduzir que esse leitor seja fornecido a título gratuito, pelo que se considera que o
preço está incluindo no preço total do sistema operativo. De qualquer forma, não resulta
da jurisprudência, nem do 102º d) que se tenha de pagar um determinado preço para se
considerar que foram impostas prestações suplementares. É também irrelevante o facto
dos consumidores não serem obrigados a utilizar o WMP, porque a jurisprudência e o
102º d) não exigem que os consumidores sejam obrigados a utilizar o produto ligado, ou
impedidos de utilizar o mesmo produto fornecido por um concorrente (Ac. Hilti (C-
53/92 P)). E também é claro que os fabricantes de equipamentos originais são
dissuadidos de pré-instalar um segundo leitor multimédia nos PC cliente e os
consumidores são incentivados a utilizar o WMP em detrimento dos leitores multimédia
concorrentes (mesmo que estes sejam de qualidade superior).
A Microsoft alega também que a Comissão não provou que a integração do
WMP no sistema operativo levasse a uma restrição de concorrência;
O Tribunal rejeita, de igual modo, este argumento. A partir de maio de 1999,
data em que se verificou a aglomeração dos dois produtos, a venda do Windows ligado
ao WMP afetou as relações no mercado entre a Microsoft, os fabricantes de
equipamentos originais e os fornecedores de leitores multimédia terceiros, modificando
o equilíbrio da concorrência a favor da Microsoft em detrimento dos outros operadores.
Tendo a Microsoft, uma quota de mercado de 98%, a venda ligada conferiu ao WMP

10

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uma presença equivalente nos PC clientes do mundo, sem ter que concorrer pelo mérito
com os outros produtos. Os restantes modos de distribuição dos leitores multimédia
diferentes da pré-instalação pelos fabricantes de equipamentos originais não
compensam a omnipresença do WMP, uma vez que não são tão eficazes, pois são
operações que por vezes fracassam, há uma tendência para pensar que o leitor integrado
funcionará melhor do que o descarregado e muitos trabalhadores nem sequer têm o
direito de descarregar softwares da internet. Em 3 meses o WMP obteve graças à venda
ligada com o sistema operativo, mais ou menos a mesma difusão que atingiu num ano
através de descargas. Os utilizadores que têm o WMP pré-instalado ficam, em geral,
menos inclinados a utilizar um leitor multimédia alternativo, se isto não fosse assim, os
consumidores seriam obrigados a escolher um entre os vários leitores que estão
disponíveis no mercado. Este comportamento desencoraja os fabricantes de
equipamentos originais de pré-instalarem leitores multimédia concorrentes nos PC
clientes que vendem, porque, por um lado, acrescentar um segundo leitor utiliza
capacidade do disco rígido e é pouco provável que os consumidores estejam dispostos a
pagar um preço mais elevado por um 2º programa análogo, e cria também um risco de
confusão para os utilizadores e um aumento de despesas da assistência aos clientes e dos
custos de experimentação. Para concluir, o Tribunal alega também que o RealPlayer
usufruía de uma vantagem comercial enquanto produto líder no mercado, pelo que se o
Microsoft não tivesse adotado este comportamento, a concorrência entre o RealPlayer e
o WMP teria sido determinada em função das qualidades intrínsecas dos dois produtos.
Para concluir, é necessário analisar a eventual existência de uma justificação
objetiva. Contrariamente ao que se verifica no 101º, o 102º não prevê a isenção da
proibição dos abusos de posição dominante com “fundamento no balanço económico”.
Todavia, a jurisprudência admite que os comportamentos não sejam considerados como
abusivos, se houver uma justificação objetiva. “A justificação objetiva surge assim
como um elemento de análise do preenchimento do tipo e não como uma causa de
exclusão da ilicitude”15. A Comissão, na comunicação sobre o artigo 102º16 veio dizer
que as empresas podem justificar situações aparentemente abusivas, invocando quer
necessidades objetivas, quer ganhos de eficiência. As necessidades objetivas consistem
em razões de saúde ou segurança, relacionadas com a natureza do produto em questão,
enquanto os ganhos de eficiência consistem em reduções de custo para os

15
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 1141
16
Comunicação da Comissão, ponto 29 e 30

11

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consumidores, produtores ou distribuidores ou em métodos de controlo de qualidade,


pois a aquisição de um produto a um terceiro fornecedor poderia prejudicar o bom
funcionamento do serviço17.
Pertencendo à Microsoft o ónus da prova da existência das circunstâncias
constitutivas de uma violação do 102º CE, defende a empresa que a Comissão não levou
em consideração as vantagens decorrentes do seu modelo comercial, que implica a
integração contínua de novas funcionalidades no Windows. A integração desta
funcionalidade é indispensável para que os criadores de software e os criadores de sítios
Internet possam continuar a beneficiar das significativas vantagens oferecidas pelo
Windows. E além disso, se a funcionalidade multimédia fosse retirada do sistema
operativo, isso criaria uma série de problemas aos consumidores, aos criadores de
software e aos criadores de sítios Internet. O sistema operativo Windows baseia-se num
método de “componentização” e a supressão do WMP leva a uma degradação e uma
fragmentação do sistema.
Neste caso, estamos perante uma subordinação técnica, pois “a vinculação do
comprador ao produto subordinado decorre das características técnicas do produto
subordinante, que só funciona corretamente com os produtos subordinados” 18. Nestes
casos, a separação dos dois produtos pode ser também bastante onerosa ou tecnicamente
inviável19. No ponto 62 da Comunicação da Comissão sobre o artigo 102º, a Comissão
refere a análise de possíveis ganhos em termos de eficiência dinâmica, quando existir
uma integração tecnológica que leve à criação de um “novo produto único”. A questão
que se coloca é a de saber quando é que a junção de dois produtos corresponde à criação
de um “novo” produto. É necessário analisar se os dois produtos funcionam melhor em
“conjunto” do que separados, e se esta junção funciona melhor, se for feita pelo
vendedor, do que pelo próprio consumidor20.
O Tribunal rejeita os argumentos da Microsoft, pois afirma que o que é
censurável, não é o facto da Microsoft integrar o WMP, mas sim o facto de não permitir
que os fabricantes de equipamentos originais e os consumidores obtenham o Windows

17
CALAIM LOURENÇO, Nuno (2013) - Nuno Calaim Lourenço – As vendas subordinadas e agrupadas
como estratégias de projeção de poder de mercado., Coimbra: Almedina, pp. 36-51
18
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 1002
19
CALAIM LOURENÇO, Nuno (2013) - Nuno Calaim Lourenço – As vendas subordinadas e agrupadas
como estratégias de projeção de poder de mercado., Coimbra: Almedina, pp. 36
20
HOVENKAMP, Herbert (2005) – Federal Antitrust Policy: The Law of Competition and Its Practice,
3ª edição, Thomson West, p.558

12

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sem o WMP, ou, pelo menos, possam retirar esse leitor. A solução caberia pela oferta da
Microsoft de duas versões: uma com o WMP, outra sem.
Para que o comportamento da Microsoft seja justificado por ganhos de
eficiência, é necessário que o comportamento seja indispensável para concretizar
aqueles ganhos de eficiência, pois não há alternativas menos anticoncorrenciais do que
aquele que produza os mesmos ganhos. Os ganhos têm de compensar os eventuais
efeitos negativos sobre a concorrência, e o comportamento não pode eliminar uma
concorrência efetiva através da supressão de todas ou parte das fontes atuais ou
potenciais da concorrência21. No entanto, embora haja vantagens para os criadores de
software e os criadores de páginas internet, essas não compensam os efeitos
anticoncorrenciais produzidos pela venda ligada em causa. A Microsoft também não
demonstra que a integração do WMP no Windows gere ganhos de eficiência e, por
último, a Microsoft não fez prova de que a supressão do WMP causaria uma degradação
do sistema operativo. Até porque já existe o Windows XP Embedded que não inclui o
WMP e uma versão do Windows sem WMP, colocada no mercado, em cumprimento
das medidas corretivas. Ambas as versões são plenamente funcionais.
Sumariamente, o Tribunal concluiu então que a Microsoft utiliza o sistema
operativo Windows como canal de distribuição para garantir a si própria uma vantagem
concorrencial considerável no mercado dos leitores multimédia. Devido à venda ligada,
os concorrentes encontram-se, a priori, numa posição desvantajosa, mesmo que os seus
produtos tenham qualidades intrínsecas superiores às do WMP, não concorrendo, desta
forma, pelo mérito. E a venda ligada reforça os obstáculos ao acesso ao mercado dos
conteúdos e das aplicações e facilita o aparecimento desses obstáculos em benefício do
WMP.
A 17 de setembro de 2007, O Tribunal julgou improcedente o recurso, mantendo
a aplicação da coima de 497€ milhões e as medidas corretivas a ser tomadas. Além
disso, a Microsoft teve de pagar 80% das custas da Comissão. A 22 de outubro de 2007,
a Microsoft anunciou que não iria recorrer novamente.

Conclusão

A questão predominante neste caso é a de saber “até que ponto é legítimo


considerar abusiva a integração de novas funcionalidades num produto tecnológico” 22.

21
Comunicação da Comissão, ponto 30
22
MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL Editora, p. 1001

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Caso semelhante ocorreu nos anos setenta, quando a IBM começou a incorporar os
leitores de disquetes nos seus computadores. Uma vez que estas eram anteriormente
vendidas de forma separada, a IBM, tal como a Microsoft, foi objeto de queixa.
Aspeto importante e marcante neste é a contraposição feita entre as exigência do
direito europeu da concorrência e as necessidade de proteção dos direitos de
propriedade intelectual, nas áreas ligadas à informática e à internet.
Vivendo-se numa era, em que se valoriza a tecnologia e a inovação, há que
proteger as novas invenções e tecnologias. A Comissão, e o Tribunal, optaram por
comprimir os direitos de propriedade intelectual de uma empresa em posição
dominante, por entenderem que o grau de inovação derivado da compressão deverá ser
superior àquele que a empresa pode fornecer ao conjunto da economia – e, portanto, à
sociedade - no exercício dos seus direitos de propriedade intelectual23.

23
CRUZ VILAÇA, José Luis – “O caso Microsoft – Monopólio ou Inovação?”

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Bibliografia

Livros
- MOURA e SILVA, Miguel (2018) – Direito da Concorrência., Lisboa: AAFDL
Editora
- JONES, Alison e SUFRIN, Brenda (2014) – EU Competition Law – Text, Cases, and
Materials, 5ª edição, Oxford University Press
- JORDE, Thomas M. e TEECE, David J. (1992) – Antitrust, Innovation and
Competitiveness. Oxford University Press
- CALAIM LOURENÇO, Nuno (2013) - Nuno Calaim Lourenço – As vendas
subordinadas e agrupadas como estratégias de projeção de poder de mercado.,
Coimbra: Almedina
- HOVENKAMP, Herbert (2005) – Federal Antitrust Policy: The Law of Competition
and Its Practice, 3ª edição, Thomson West

15

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Você também pode gostar