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A Lei Antimanicomial e o Trabalho de Psicólogos em Instituições de Saúde Mental
A Lei Antimanicomial e o Trabalho de Psicólogos em Instituições de Saúde Mental
A Lei Antimanicomial e o
Trabalho de Psicólogos em
Instituições de Saúde Mental
Tatiana Camargo de
Sant’Anna & Valéria
Cristina de Albuquerque
Brito
Universidade
Católica de Brasília
Artigo
A loucura intriga e fascina alguns, e assusta e apresenta uma pesquisa qualitativa desenvolvida
afasta outros. No decorrer da história ocidental, com o objetivo de compreender e discutir como
profissionais de diversas áreas do os psicólogos de Brasília, especificamente,
conhecimento estudam e tratam os loucos em entendem e desempenham suas funções em
espaços delimitados. A partir da segunda instituições de saúde mental.
metade do século XX, psicólogos se integram
às instituições de saúde mental, enfrentando, No decorrer do presente texto, empregaremos
criando e reproduzindo desafios que começam os termos louco e loucura para evidenciar o
na escolha de uma orientação teórica e foco interpessoal que sumimos na
desembocam em sua atuação cotidiana. compreensão do fenômeno. Nomes técnicos,
Considerando que lei antimanicomial, tais como alienado, doente mental, psicótico
promulgada em 2001, pretendeu instaurar ou portador de transtornos mentais refletem a
mudanças na concepção do tratamento da trajetória do trato com a loucura em diferentes
loucura, cabe questionar como os psicólogos discursos teóricos (Pessoti, 1995). Por outro lado,
inseridos no sistema de saúde entendem e o termo louco remete a um papel social
desenvolvem seu trabalho nesse novo constituído e reconhecido historicamente
contexto. No intuito de contribuir para a também, mas não apenas, pelo discurso
discussão sobre o tema, o presente artigo científico.
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de papel (Cukier, 2002). Por tomada de papel, metodologia qualitativa (Kude, 1997; Brito,
entende-se estar em um papel na própria vida, 2002), a presente pesquisa investiga como os
nos limites de seu contexto, que é psicólogos que atuam em instituições de saúde
relativamente coercitivo e imperativo, como, mental compreendem seu trabalho após a lei
por exemplo, ser mãe, pai, policial, etc. antimanicomial. A pesquisa qualitativa, sendo
Desempenhar um papel é personalizar os primariamente naturalística, permite que o
costumes sociais, que têm ou, pelo menos, tema seja investigado em profundidade, nas
aparentam ter, forma finalizada. Em um estágio condições em que concretamente ocorre. A
mais desenvolvido, a pessoa amplia e situação de pesquisa mantém-se complexa e
aprofunda os limites do papel e desempenha- multifacetada, permitindo uma compreensão
o de maneira mais livre, mais criativa. mais ampla e detalhada, uma convivência
entre pesquisadores e participantes em que
Nessa perspectiva, para compreender o papel as dimensões verbais e não-verbais da
do psicólogo na instituição psiquiátrica, é experiência se integram. Sob um referencial
necessário considerar que suas ações se qualitativo, o recorte que permite identificar
inserem na história de sua profissão, na dimensões novas sobre o tema é feito durante
história das instituições psiquiátricas e da a interação e nas reflexões que subsidiam as
loucura, e incluem as características pessoais discussões, e não na escolha do método; assim,
de cada profissional e da instituição em que contradições e superposições são mais
está inserido, em uma combinação dinâmica facilmente identificadas do que em estudos
que não se atualiza imediatamente a partir do tipo misto ou quantitativo (Denzin e
de uma lei. Lincoln, 2003).
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primeira autora sobre o local de trabalho dos de psicólogo, propriamente dito. Fragmentos
participantes e uma síntese dos comentários das entrevistas são citados, no corpo do
independentes. trabalho, a título de ilustração, e, visando a
manter um tratamento personalizado sem,
Resultados contudo, comprometer os princípios de
confidencialidade, atribuímos nomes fictícios
Seguindo os princípios da pesquisa qualitativa aos entrevistados.
(Turato, 2003), que visam a privilegiar a
pluralidade de enfoques na descrição de um O entrevistado na instituição pública, um
mesmo fenômeno, esta seção reúne dados homem na faixa dos trinta anos, que
coletados junto aos profissionais, observações denominaremos Júlio, apresentou-se como
da primeira autora sobre o local de trabalho “farmacêutico, bioquímico, psicólogo e
dos mesmos e a análise da fachada das psicanalista”, e informou que estava na
“Em saúde mental,
instituições visitadas. instituição há nove anos, sendo sete no
geralmente a
hospital-dia e dois, no ambulatório. gente divide o
A lei antimanicomial é o produto de uma luta Considerando a faixa etária, ele acompanhou paciente, mais
neurótico,
que envolveu diversos estratos sociais (Amarante a discussão do projeto da lei antimanicomial
paciente mais
& Rottelli, 1992) e pode ser tomada como ainda no período universitário, no entanto, sua com
síntese do que a sociedade brasileira propõe descrição da trajetória de estudos inclui funcionamento
psicótico, e aí
como tratamento da loucura. Visando a disciplinas biológicas e um treino em uma
esse trabalho é
compreender como os psicólogos se posicionam teoria psicológica específica (psicanálise) além terapeuticamente
frente a tal proposta e considerando que “todo da graduação em Psicologia. Assim, o papel né, as questões da
vida cotidiana de
papel é a fusão de elementos particulares e de psicólogo se dilui entre outros, em uma
cada um deles e
coletivos; é composto de duas partes – seus combinação que pode tanto facilitar o diálogo trabalha em grupo
denominadores coletivos e seus diferenciais na equipe quanto dificultar a definição do como um
crescimento
individuais” (Moreno, 1979, p.69), âmbito de sua atuação.
mesmo desse
identificamos, nas entrevistas, concepções dos grupo, que eles
profissionais acerca de seu trabalho e da “Em saúde mental, geralmente a gente divide possam então, em
pouco tempo,
instituição em que atuam e elementos da o paciente, mais neurótico, paciente mais com
reestabelecer um
trajetória pessoal e institucional de cada um que funcionamento psicótico, e aí esse trabalho é pouco um
revelam as tensões envolvidas na definição e terapeuticamente né, as questões da vida funcionamento
mais saudável, né,
execução dos serviços psicológicos na instituição cotidiana de cada um deles e trabalha em grupo
em suas vidas.”
psiquiátrica. como um crescimento mesmo desse grupo, que
eles possam então, em pouco tempo,
Esses fragmentos reunidos permitem comparar reestabelecer um pouco um funcionamento
o impacto do encontro com cada um desses mais saudável, né, em suas vidas.” A descrição
profissionais e verificar como a instituição em que Júlio apresenta em relação à saúde mental
que trabalham amplia ou limita a possibilidade é feita em termos patológicos, ele descreve a
de realização do que entendem como suas doença. Na descrição, emprega uma
atribuições no cuidado com os loucos. classificação típica da teoria que adota, a
psicanálise, mas toma-a para “dividir”, propor
Profissional em instituição formas distintas de tratamento, sem menção
pública: dimensão pessoal a aspectos da história e do contexto do louco.
Em relação ao papel do psicólogo, Júlio
Entendemos, como elementos pessoais, dados entende que seu trabalho deve ser integrado
biográficos, a concepção de saúde-doença ao de outros profissionais da equipe e inclui a
mental do entrevistado e a definição do papel compreensão do sofrimento dentro do
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contexto específico da pessoa que sofre. “(...) se da longa tramitação no Congresso, refere-
eu acredito que o trabalho do psicólogo numa se ao autor do Projeto de Lei e à diminuição
instituição, e aí não necessariamente nessa de leitos: “Eu acho que foi um avanço. Ela se
instituição, em qualquer instituição de saúde estendeu à tramitação por vários anos e com
mental, é um trabalho de cuidar do sofrimento muita pressão de ambas as partes (...)” “(...)
psíquico do sujeito, é um trabalho que permite fazer pressão pra que se modificasse o conteúdo
fazer uma articulação desse sujeito com a sua da Lei, dos movimentos da antipsiquiatria ou
contingência de vida e de poder trazer, mais do atendimento de depressão. E ela tem avanços
pra perto, significações simbólicas de um significativos, principalmente em relação aos
adoecimento que, dentro da visão da leitos(...)” “(...)uma perspectiva de redução, da
psiquiatria, não tá preocupada com isso, nem redução dos leitos de internação (...)”
dentro da visão do serviço social, nem da
enfermagem, e aí tem mais a nutrição, tem A Lei permanece como pano de fundo que
outras modalidades, outras disciplinas, ah não afeta diretamente sua atuação e nem
instituição, aqui, ela é multidisciplinar e trabalha mesmo a da instituição, que, no seu entender,
em equipe, equipe de vários profissionais que atende aos princípios que nortearam a reforma
assistiam um determinado grupo(...).” psiquiátrica: “o instituto tem uma característica
de um atendimento humanizado, que tem
Dessa maneira, percebemos que Júlio como princípio um atendimento
compreende teoricamente o papel do multidisciplinar, um atendimento que é baseado
psicólogo no âmbito institucional e clínico, em princípios terapêuticos, e aí, não só
porém, talvez por questões individuais ou medicamentosos, mas também terapêuticos,
institucionais, limita-se a desenvolver seu sociopráticos. Práticas sociais, práticas de
trabalho clinicamente, sem interação com cidadania e também das psicoterapias. Então,
outros profissionais. efetivamente não nos modificou (a Lei), pois
nós já estávamos trabalhando com essas
Profissional em instituição vertentes que estão na Lei Paulo Delgado (...)”.
pública: dimensão coletiva
Apesar de afirmar que a instituição atende os
Segundo a definição moreniana de papel e princípios da Lei, aponta deficiências na
seguindo uma linha de pesquisa sobre os localização, nos recursos materiais e nas
profissionais que atuam em saúde mental práticas da mesma: “(...) Nós não temos as
(Hong, 2001) que compreende a atuação salas adequadas para o público de terapia, às
vezes não temos nem cadeiras, tem que
desses profissionais como resultante da
transportar eles totalmente pro outro lado
combinação de elementos da cultura
também, acesso aos pacientes, porque aqui tem
profissional com elementos da cultura
linhas de ônibus, mas são quatro linhas de
institucional, definimos, como elementos
ônibus ao dia, além do nosso ônibus, aqui os
coletivos do papel do psicólogo, as referências
pacientes tem acesso precário”. “(...) é, nós
dos entrevistados à lei antimanicomial, à
temos muito pouco material lúdico, quase nada
instituição em que trabalham e ao trabalho
de material psicológico, nós podíamos produzir
que desempenham junto aos usuários mais teoricamente se tivesse mais condições.
(“pacientes”). Produzir textos, organizar congressos, organizar
encontros, inclusive até com psicólogos da
Júlio só menciona a lei antimanicomial quando própria instituição. Todo mundo tá muito
questionado diretamente, e demonstra um assoberbado de trabalho, então, não permite
conhecimento de “senso comum”; lembra- essas trocas de informações científicas para
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nossa profissão. Eu acho que isso são condições e fica restrito a uma atuação como técnico,
materiais que a gente não tem.” auxiliar do médico.
quadro de psicose se dá justamente porque é No que tange à instituição, Julieta hesita entre
necessária. A gente tenta ver, é levado a achar caracterizá-la como centro de convivência e
que a crise é um fracasso do trabalho, um hospital-dia. “Aqui a gente trabalha na forma
fracasso de direção. E não só é inevitável como de atendimento de hospital-dia. Não é bem
“Aqui é uma
instituição aberta, também, às vezes, muito necessário.” “(...) essa hospital. Na verdade, é um centro de
o paciente é até subjetividade que ele consegue construir é convivência aonde os pacientes vem para passar
estimulado a vir, a muito precária. Então, no momento em que o dia, e, à noite, fim de semana, eles estão em
família traz, mas o
trabalho todo se isso já não funciona mais, ele precisa entrar casa com a família.” O hospital seria um local
desenvolve para em crise pra poder se organizar, reorganizar em que os doentes permanecem nos leitos e
ele possa vir e num delírio e outras partes que dêem a ele centro de convivência, seriam os CAPES.
possa ficar aqui
voluntariamente. mais possibilidades de subjetivação (...).” Sendo assim, Julieta se divide entre esses dois
Mas ele pode sair “Então a gente tem que ver a crise por esse significados, pois a instituição não se caracteriza
na hora que bem lado também, como possibilidades de criação como CAPES e nem como hospital-dia.
entender, a não
ser aqueles de reconstrução da subjetividade.”
pacientes que “Aqui é uma instituição aberta, o paciente é
estão em quadro Julieta demonstra entender o momento de até estimulado a vir, a família traz, mas o
de crise e não têm trabalho todo se desenvolve para ele possa vir
condições de “crise” como temporário, mas seus efeitos
andar sozinhos na parecem definitivos. Ela considera a crise como e possa ficar aqui voluntariamente. Mas ele pode
rua, os menores de uma “quebra”, ou seja, considera que a pessoa sair na hora que bem entender, a não ser
idade, e com aqueles pacientes que estão em quadro de crise
problemas que os que enfrenta uma crise altera ou perde
impeçam de estar aspectos que não podem ser recuperados. Esse e não têm condições de andar sozinhos na rua,
circulando pela trecho evidencia uma concepção estrutural que os menores de idade, e com problemas que os
cidade. Lá fora, impeçam de estar circulando pela cidade. Lá
eles podem andar atribui ao louco uma essência distinta daquela
e sair.” dos indivíduos normais. O louco é um homem fora, eles podem andar e sair.” A instituição
“quebrado”, menor. localiza-se em uma área urbana, é cercada por
lojas, consultórios e escritórios, próximo a
prédios residenciais, o que possibilita a
Profissional da instituição convivência entre usuários e a população em
privada: dimensão coletiva geral. “As pessoas não vêm todos os dias. Em
média, todo dia, a gente tem... por volta de
Julieta relata e descreve a lei antimanicomial trinta, trinta e cinco pessoas.” Apesar de a
de maneira crítica, demonstrando instituição ser pequena, com poucos pacientes,
conhecimento sobre a mesma e sobre sua o trabalho desenvolvido inclui a preocupação
importância, mas questiona sua eficácia em com a cidadania, a valorização e a inclusão
relação às instituições e aos programas: “Eu social dos usuários.
acho que até, em termos de Lei, que, se ela
for de fato aplicada, faz muito bem, o problema Julieta acredita que o funcionamento da
é que nós temos um arcabouço de leis em instituição se norteie pela lei antimanicomial,
todas as áreas, muito interessantes até do ponto na medida em que a equipe multidisciplinar
de vista da construção de uma sociedade divide responsabilidades, tem oportunidade
democrática. Mas os programas não vão poder para troca de experiências e treinamento
funcionar, então, o que aconteceu esse tempo continuado. “(...) nós temos uma equipe de
todo passado antes da aprovação da Lei pra quinze profissionais de nível superior, médicos,
cá, muita coisa mudou completamente(...) (...) psicólogos, artista plástico, bailarino, uma
por que mudou tão pouca coisa? Por que dava variedade grande. Além do pessoal de apoio, a
muito trabalho um hospital psiquiátrico, uma gente tem uns trinta funcionários no total. (...)
instituição psiquiátrica, hospital fechado (...).” são profissionais que são muito exigidos, é um
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trabalho muito duro, é um trabalho que a Julieta demonstra claramente sua adesão a um
pessoa... Só de supervisão, por semana, a gente determinado discurso psicológico, a psicanálise,
tem três horas, mais duas horas de reunião que, mais do que qualquer lei, constitui-se
clínica, além do trabalho com os pacientes; em parâmetro para definir e desenvolver seu
são cinco horas dedicadas a isso, é um trabalho trabalho. Como dirigente da instituição, Julieta
de formação permanente, é uma mão-de-obra também lança mão de sua adesão a um
difícil de se formar (...).” conjunto de teorias para definir a composição
e relacionamento entre os membros da
Embora empregue termos que remetem à equipe. No discurso de Julieta, os elementos
noção de doença, Julieta entende que o da cultura profissional, sua concepção sobre
psicólogo tem um amplo espectro de atuação loucura, sobre os métodos de tratamento e as
junto ao usuário e sua família, e trabalha junto funções do psicólogo em uma instituição de
a outros profissionais: “(...) o psicólogo, aqui, saúde mental harmonizam-se com elementos
é um terapeuta, então, ele faz desde da cultura institucional, com o que a instituição
atendimentos individuais, com a família, espera e promove no cotidiano.
acompanhamento familiar. (...) dependendo de
A fala de Julieta mostra que ela entende que
cada caso, os grupos de psicoterapia trabalham
a instituição em que trabalha oferece as
também junto com os outros funcionários da
condições necessárias para desenvolver seu
equipe. Tem a arte-terapia, com o artista plástico
trabalho da maneira que considera mais
que coordena esse grupo. Você tem os
coerente com sua escolha teórica. Como co-
terapeutas, que são todos os psicólogos, e os
fundadora e uma das dirigentes da instituição,
médicos também. Então, o terapeuta é bastante
Julieta tem liberdade de ação suficiente para
exigido nesse ponto de vista. Tem o grupo, tem
desempenhar o papel de psicóloga segundo
o individual, tem a família, e dá pra ter a
sua orientação teórica e inspirada pelas
convivência do dia a dia do paciente, lidar com
premissas da lei antimanicomial.
a crise.”
Discussão
Julieta defende a necessidade de o profissional
se atualizar, estudar sobre a população que
Tendo em vista a literatura estudada e as
está atendendo e salienta que a experiência entrevistas realizadas a respeito do tema
institucional é distinta e mais difícil do que a proposto neste estudo: compreender o papel
de consultório.“(...)ele tem que ter uma boa dos(as) psicólogos(as) em instituições de saúde
noção de psicopatologia, de diagnóstico. Tem mental após a lei antimanicomial, propomos
que ter bastante cuidado, ele faz de tudo, o discutir alguns aspectos importantes a respeito
psicólogo tem uma formação muito rica, da Lei nº 10.216/01, suas propostas e
porque, depois de trabalhar aqui, o consultório, concretizações, e o papel do psicólogo, se
ele tira de letra, ele aprende a saber o que fazer este tem conquistado o seu lugar, não somente
com o paciente, com o médico, com a rede. em instituições mas também nas questões que
Você tem que saber se articular com toda essa permeiam a saúde mental, questões que são
engenharia pra poder conseguir fazer realmente relacionadas aos indivíduos, às instituições e à
seu trabalho, e a gente tem um sociedade como um todo: pré-conceitos,
comprometimento muito grande com a medos e leis.
psicanálise. Então, tem outra coisa que é a
pessoa ter que fazer sua análise pessoal e ter Outrossim, procuramos identificar as
que participar da supervisão e ter que aprender dificuldades de profissionais que atuam em
a falar dos riscos do trabalho.” contextos distintos para pôr em prática
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A Lei Antimanicomial e o Trabalho de Psicólogos em Instituições de Saúde Mental
As diferenças entre as concepções teóricas são, diversos edifícios, um para esquizofrênicos, outro
contudo, insuficientes para compreender o papel para os serviços administrativos e outro para
profissional de Júlio e Julieta nas instituições em locais de trabalho com os doentes (Pessotti,
que atuam. Como ficou explícito nas entrevistas, 1996). Entendemos que a permanência de tal
diferenças individuais existem, e os profissionais arquitetura nessa instituição, no século XXI, é
entrevistados trazem, para seu trabalho, sua índice da permanência do modelo manicomial,
trajetória de vida e de formação profissional que não permite troca entre os profissionais das
singular. Entretanto, a dimensão coletiva mais diversas áreas. Se os edifícios estão distantes uns
concreta - a instituição em que trabalham - e dos outros, como observamos nessa instituição,
não a mais abstrata - o texto da Lei e como o e, em cada um deles, há um responsável por
compreendem dentro de suas perspectivas determinado setor de atendimento, a
teóricas – emerge como o foco das diferenças comunicação e a troca de saberes são mais
em termos das ações que atribuem ao psicólogo, difíceis e dependem de um esforço adicional
ou seja, compreendemos as diferenças nas ações dos profissionais para realizar-se.
que executam como resultado da adesão às
normas e regras das instituições pública e privada, Sendo assim, é de se esperar que o discurso
à importância diferenciada que atribuem ao mais tradicional e socialmente valorizado, o
trabalho em equipe, ao atendimento discurso médico, prevaleça na ausência de trocas
psicoterápico do louco, às relações entre equipe de informações, de convivência entre
e família do usuário e à integração do louco à profissionais de áreas distintas. Se a instituição é
sociedade. médica, a tarefa dos profissionais “não-médicos”
se limita a reeducar o usuário, garantindo a
No que concerne às instituições psiquiátricas, manutenção da instituição. Como assinala
tradicionalmente, os psicólogos são – assim como Foucault (1997), a ênfase da atuação desses
outros profissionais não-médicos - considerados profissionais é fazer com que o “alienado”
auxiliares, na medida em que a loucura entendida respeite as normas e seja desencorajado a realizar
como doença seria domínio do saber médico. condutas inconvenientes. A dimensão do cuidado
Em estudos sobre os profissionais de saúde propriamente dito, que inclui a compreensão
mental, identifica-se que a cultura institucional conjunta dos elementos complexos da história
se combina à cultura profissional da equipe dos usuários e a ação conjunta dos profissionais
multidisciplinar, de modo que a posição de cada no desenvolvimento dos recursos que ensejem
profissional mantém uma diferenciação mudanças, fica obscurecida, e a
hierárquica entre médicos e demais profissionais interdisciplinariedade permanece apenas como
de nível superior (Hong, 2003). um ideal.
O modelo manicomial persiste em nossa Por outro lado, a instituição privada localiza-se
sociedade, e ainda se faz presente na observação na área central da cidade (Plano Piloto), em uma
das instituições estudadas. Na instituição pública, pequena área comercial, facilitando o acesso dos
o modelo manicomial pode ser observado tanto usuários e as trocas de diferentes saberes.
no discurso do entrevistado quanto na Atendendo um número reduzido de pessoas,
localização da mesma e na disposição dos integrada ao espaço urbano, essa instituição
edifícios. Localizada em uma áreaa originalmente acompanha as características de outras
rural, distante do centro da cidade e dividida instituições de saúde, é mais uma clínica do que
em unidades isoladas, essa instituição nos remete um hospital, um asilo. Assim, suas características
ao século XVIII e XIX, quando os manicômios físicas facilitam a des-estigmatização tanto de
foram instalados em locais longínquos, sem usuários como de profissionais, e são mais
contato com o exterior, e eram compostos por propícias à interdisciplinariedade.
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A Lei Antimanicomial e o Trabalho de Psicólogos em Instituições de Saúde Mental
discute o potencial da pesquisa qualitativa para Por outro lado, consideramos que as mudanças
colaborar nesses diferentes momentos. sociais incluem a formação profissional, na
Podemos considerar a presente pesquisa como medida em que a educação também deve fazer
um recurso de acompanhamento do impacto parte do conjunto das políticas públicas na área
de uma política pública, a lei antimanicomial, de saúde. Pesquisas sobre o perfil de outras
relativa à atuação de psicólogos que trabalham categorias que atuam na área de saúde (Bravo,
Entendemos que em instituições psiquiátricas. 2004; Hong, 2004; Souza, 2003) ressaltam que
os movimentos
sociais, idealmente
a formação profissional, tanto na graduação
associados a A sociedade organizada foi eficiente para lutar como na pós-graduação, constituem-se em
entidades de pelas mudanças legislativas, mas parece não momentos privilegiados para o desenvolvimento
classe dos
profissionais da ter o mesmo sucesso no que diz respeito à sua dos conhecimentos e habilidades requeridas
área de saúde, implementação. O panorama que traçamos para a atuação interdisciplinar. No que tange
têm muito a ao papel de psicólogo que atua em instituição
aqui permite identificar a grande relevância da
contribuir para que
as instituições lei antimanicomial em termos sociais, mas as de saúde mental, consideramos que cursos de
ampliem e diferenças no desempenho e no graduação e pós-graduação devem considerar
aprofundem as
desenvolvimento do papel de psicólogo na as instituições de saúde mental como parte do
mudanças, no
sentido de instituição psiquiátrica parecem estar mais sistema de saúde mais amplo e promover
promover um associadas às condições de trabalho e à reflexões e atividades práticas que configurem
atendimento
interdisciplinar
formação teórica, e estas não parecem ter sido o papel de psicólogo em instituição de saúde
efetivo aos usuários afetadas pela mudança legislativa. A Lei, sem mental como uma modalidade específica de
da instituição e à dúvida, mudou o perfil das instituições psicólogo da saúde, e, em conseqüência, do
integração do
louco ao contexto
psiquiátricas, mas algumas de suas papel do psicoterapeuta e dos outros
social. características persistem como entraves para a profissionais de saúde.
realização dos princípios que prescrevem.
As mudanças nas políticas públicas em saúde
A pesquisa sobre os limites e possibilidades do mental, que incluem a lei antimanicomial, são
papel de psicólogo permite evidenciar as frutos de um extenso e longo trabalho de uma
contradições entre os princípios que o conjunto variedade de movimentos sociais, contudo, a
da sociedade estabeleceu por meio da participação da comunidade acadêmica é muito
legislação e as condições oferecidas para que limitada (Paulin e Turato, 2004). Neste artigo,
os mesmos sejam concretizados. Como descrevemos alguns aspectos que apontam as
adverte Bravo (2004, p.194), em tese sobre vicissitudes do desenvolvimento do papel dos
presos psiquiátricos, “sem considerar a psicólogos que atuam em instituições de saúde
dimensão sociopolítica, corre-se o risco de, a mental pós lei antimanicomial e apresentamos
partir de um discurso amparado em novos a graduação como momento privilegiado para
disfarces teóricos, epistemológicos ou técnicos, lançar as bases para que esse papel possa ser
continuar reproduzindo um tipo de prática que desempenhado em consonância com os
mantenha os mesmos conteúdos ideológicos.” princípios que levaram às mudanças legislativas.
Entendemos que os movimentos sociais, Entendemos que outras pesquisas qualitativas,
idealmente associados a entidades de classe especialmente as que envolvem equipes
dos profissionais da área de saúde, têm muito interdisciplinares, podem contribuir para o
a contribuir para que as instituições ampliem e desenvolvimento de políticas públicas articuladas
aprofundem as mudanças, no sentido de que permitam a concretização de uma
promover um atendimento interdisciplinar compreensão mais ampla da loucura e de um
efetivo aos usuários da instituição e à integração tratamento realmente humano e inclusivo do
do louco ao contexto social. louco.
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