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LORD BYRON EDGAR ALLAN POE

UMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO HUMANO O CORVO *


Não recues! De mim não foi-se o espírito… Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Em mim verás – pobre caveira fria – Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
Único crânio que, ao invés dos vivos, E já quase adormecia, ouvi o que parecia
Só derrama alegria. O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte "Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
Arrancaram da terra os ossos meus. É só isto, e nada mais."
Não me insultes! empina-me!… que a larva Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
Tem beijos mais sombrios do que os teus. E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Mais vale guardar o sumo da parreira Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
Do que ao verme do chão ser pasto vil; P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
– Taça – levar dos Deuses a bebida, Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Que o pasto do réptil. Mas sem nome aqui jamais!
Que este vaso, onde o espírito brilhava, Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Vá nos outros o espírito acender. Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
…Podeis de vinho o encher! "É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça, Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
Quando tu e os teus fordes nos fossos, É só isto, e nada mais".
Pode do abraço te livrar da terra, E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
E ébria folgando profanar teus ossos. "Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
E por que não? Se no correr da vida Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tanto mal, tanta dor ai repousa? Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
É bom fugindo à podridão do lado Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Servir na morte enfim p’ra alguma coisa!… Noite, noite e nada mais.
(Tradução de Castro Alves) A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
  Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais! (Tradução de Fernando Pessoa)

CHARLES BAUDELAIRE XXIII - A CABELEIRA

CORRESPONDÊNCIAS Ó tosão que até a nuca encrespa-se em cachoeira!


A natureza é um templo onde vivos pilares Ó cachos! Ó perfume que o ócio faz intenso!
Deixam filtrar não raro insólitos enredos; Êxtase! Para encher à noite a alcova inteira
O homem o cruza em meio a um bosque de Das lembranças que dormem nessa cabeleira,
segredos Quero agita-la no ar como se agita um lenço!
Que ali o espreitam com seus olhos familiares.
Como ecos longos que à distância se matizam Uma Ásia voluptuosa e uma África escaldante,
Numa vertiginosa e lúgubre unidade, Todo um mundo longínquo, ausente, quase morto,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade, Revive em teus recessos, bosque trescalante!
Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam. Se espíritos vagueiam na harmonia errante,
Há aromas frescos como a carne dos infantes, O meu, amor! Em teu perfume flui absorto.
Doces como o oboé, verdes como a campina,
E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes, Adiante irei, lá, onde a vida a latejar,
Com a fluidez daquilo que jamais termina, Se abisma longamente sob a luz dos astros;
Como o almíscar, o incenso e as resinas do Revoltas tranças, sede a vaga a me arrastar!
Oriente, Dentro de ti guardas um sonho, negro mar,
Que a glória exaltam dos sentidos e da mente. De velas, remadores, flâmulas e mastros:
(Tradução de Ivan Junqueira)
Spleen (LXXVI) Um porto em febre onde minha alma há de beber
Eu tenho mais recordações do que há em mil A grandes goles o perfume, o som e a cor;
anos. Lá, onde as naus, contra as ondas de ouro a se bater,
Abrem seus vastos braços para receber
Uma cômoda imensa atulhada de planos, A glória de um céu puro e de infinito ardor.
Versos, cartas de amor, romances, escrituras, Mergulharei a fonte bêbada e amorosa
com grossos cachos de cabelo entre as faturas, Nesse sombrio oceano onde o outro está encerrado;
Guarda menos segredos que o meu coração. E minha alma sutil que sobre as ondas goza
É uma pirâmide, um fantástico porão, Saberá voz achar, ó concha preguiçosa!
E jazigo não há que mais mortos possua. Infinito balouço do ócio embalsamado!
- Eu sou um cemitério odiado pela lua,
Onde, como remorsos, vermes atrevidos Coma azul, pavilhão de trevas distendidas,
Andam sempre a irritar meus mortos mais Do céu profundo dai-me a esférica amplidão;
queridos. Na trama espessa dessas mechas retorcidas
Sou como um camarim onde há rosas fanadas, Embriago-me febril de essências confundidas
Em meio a um turbilhão de modas já passadas, Talvez de óleo de coco, almíscar e alcatrão.
Onde os tristres pastéis de um Boucher
desbotado Por muito tempo! Sempre! Em tua crina ondeante
Ainda aspiram o odor de um frasco destampado. Cultivarei a pérola, a safira e o jade,
Para que meu desejo em teus ouvidos cante!
Nada iguala o arrastar-se dos trôpegos dias, Pois não és o oásis onde sonho, o odre abundante
Quando, sob o rigor das brancas invernias, Onde sedento bebo o vinho da saudade?
O tédio, taciturno exílio da vontade, (Tradução de Ivan Junqueira)
Assume as proporções da própria eternidade.
- Doravante hás de ser, ó pobre e humano
escombro!
Um granito açoitado por ondas de assombro,
A dormir nos confins de um Saara brumoso;
Uma esfinge que o mundo ignora, descuidoso,
Esquecida no mapa, e cujo áspero humor
Canta apenas aos raios do sol a se pôr.
(Tradução de Ivan Junqueira)
PAUL VERLAINE Foge para longe da Piada assassina,
ARTE POÉTICA do Espírito cruel e do Riso impuro
A Charles Morice que fazem chorar os olhos do Azul
Antes de qualquer coisa, música e todo esse alho de baixa cozinha!
e, para isso, prefere o Ímpar Toma a eloquência e torce-lhe o pescoço!
mais vago e mais solúvel no ar, Tu farás bem, já que começaste,
sem nada que pese ou que pouse. em tornar a rima um pouco razoável.
E preciso também que não vás nunca Se não a vigiarmos, até onde ela irá?
escolher tuas palavras em ambiguidade: Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
nada mais caro que a canção cinzenta Que criança surda ou que negro louco
onde o Indeciso se junta ao Preciso. nos forjou esta joia barata
São belos olhos atrás dos véus, que soa oca e falsa sob a lima?
é o grande dia trêmulo de meio-dia, Ainda e sempre, música!
é, através do céu morno de outono, Que teu verso seja um bom acontecimento
o azul desordenado das claras estrelas! esparso no vento crispado da manhã
Porque nós ainda queremos o Matiz, que vai florindo a hortelã e o timo...
nada de Cor, nada a não ser o matiz! E tudo o mais é só literatura.
Oh! O matiz único que liga (Tradução de Alphonsus de Guimaraens)
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
ARTHUR RIMBAUD As pontes
Céus cinzentos de cristal! Um estranho desenho de pontes,
Marinha retas estas, arqueadas aquelas, outras descendo ou caindo na
Carros de prata e cobre - oblíqua sobre as primeiras, e estas formas se renovando em
Proas de aço e prata - outros circuitos iluminados do canal, mas todas são longas e
Golpeiam a espuma, - leves que as margens, juncadas de cúpulas, se humilham e
Erguem touceiras de sarças. diminuem. Algumas dessas pontes estão ainda cobertas de
As correntes da charneca, escombros. Outras sustentam mastros, sinais, frágeis
E os sulcos imensos do refluxo, parapeitos. Acordes menores se cruzam e se prolongam,,
Correm circularmente para o leste, cordas sobem as ribanceiras. Distingue-se uma jaqueta
Para os pilares da floresta, vermelha, talvez outras vestes e instrumentos de música. Serão
Para os fustes do dique, árias populares, trechos e instrumentos senhoriais, restos de
Cujo ângulo é batido por turbilhões de luz. hinos públicos? A água é gris e azul, larga como um braço de
(Tradução de Dora Ferreira da Silva) mar. — Um raio branco, caindo do alto do céu, aniquila esta
comédia.
(Tradução Janer Cristaldo)
MALLARMÉ

Santa
À janela que esconde
O velho sândalo de ouro desmaiado
Da viola cintilante
Outrora com flauta ou mandora,
Está a Santa pálida, mostrando
O velho livro que se desdobra
Do Magnificat jorrando
Outrora segundo vésperas, completas:
A esta vidraça de ostensório
Que a harpa do Anjo aflora
Formada com seu voo vespertino
Para a delicada falange
Do dedo que, sem o velho sândalo
E o velho livro, ela balança
Sobre a plumagem do instrumento,
Musicista do silêncio
(Tradução de Dora Ferreira da Silva)
O ACASO

Cai
        a pena
            rítmica suspensa do sinistro
                                                          para se afundar
                                   na espuma original
            recente onde explode o delírio até ao cimo
                                               desvanecido
                                   pela neutralidade idêntica do abismo
NADA

                           da memorável crise


 em que teve lugar
o acontecimento
havido em vista de qualquer
resultado nulo
                        humano

                                               TERÁ TIDO LUGAR


                        uma simples ascensão na direcção
                        da ausência

SENÃO O LUGAR   
inferior marulhar como
para dispersar um acto vazio
            abruptamente
            e
          através da mentira
                         decidir
               a sua perdição

nestas paragens
                        do vago

                                               em que toda a realidade se dissolve

EXCEPTO
                        a altitude
                                               TALVEZ
                                                                       tão longe como
                                                                                              o lugar

que com o além se funde


                                   longe do interesse
                                   que em geral se lhe assinala
segundo esta obliquidade ou aquela
delectividade
                        de fogos

            para esse lugar que deve ser


                        o Setentrião também chamado Norte

                                               UMA CONSTELAÇÃO

                        arrefece no olvido e no desuso


                                                           mesmo que ela enumere
                                   em qualquer vaga e superior superfície
                                                           o choque sideral e sucessivo
                                   do cálculo total em formação

velando
            duvidando
                                   brilhando e meditando

                                                           antes de se deter


                                   em qualquer ponto derradeiro que o sagra

                                   Todo o Pensamento produz um Lance de Dados


(Tradução Haroldo de Campos)
T.S. ELIOT Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
A Terra Desolada Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Abril é o mais cruel dos meses, germina Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Lilases da terra morta, mistura Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Memória e desejo, aviva Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
Agônicas raízes com a chuva da primavera. E as árvores mortas já não mais te abrigam,
O inverno nos agasalhava, envolvendo nem te consola o canto dos grilos,
A terra em neve deslembrada, nutrindo E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Com secos tubérculos o que ainda restava de Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
vida. (Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
O verão; nos surpreendeu, caindo do E vou mostrar-te algo distinto
Starnbergersee De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
E ao sol caminhamos pelas aleias de Hofgarten, Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.
Tomamos café, e por uma hora conversamos. (Tradução de Ivan Junqueira)
Big gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt
deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo
deslizamos.
WALT WHITMAN

Canção de Mim Mesmo (trecho inicial, traduzido) 


1.
Eu celebro o eu, num canto de mim mesmo,
E aquilo que eu presumir também presumirás,
Pois cada átomo que há em mim igualmente habita em ti.
Descanso e convido a minha alma,
Deito-me e descanso tranqüilamente, observando uma haste da relva de verão.
Minha língua, todo átomo do meu sangue formado deste solo, deste ar,
Nascido aqui de pais nascidos aqui de pais o mesmo e seus pais também o mesmo,
Eu agora com trinta e sete anos de idade, com saúde perfeita, dou início,
Com a esperança de não cessar até morrer.
Crenças e escolas quedam-se dormentes
Retraindo-se por hora na suficiência do que não, mas nunca esquecidas,
Eu me refugio pelo bem e pelo mal, eu permito que se fale em qualquer casualidade,
A natureza sem estorvo, com energia original.
2.
Casas e cômodos cheios de perfumes, prateleiras apinhadas de perfumes,
Eu mesmo respiro a fragrância, a reconheço e com ela me deleito,
A essência bem poderia inebriar-me, mas não permitirei.
A atmosfera não é um perfume, mas tem o gosto da essência, não tem odor,
Existe para a minha boca, eternamente; estou por ela apaixonado
Irei até a colina próxima da floresta, despir-me-ei de meu disfarce e ficarei nu,
Estou louco para que ela entre em contato comigo.
A fumaça da minha própria respiração,
Ecos, sussurros, murmúrios vagos, amor de raiz, fio de seda, forquilha e vinha,
Minha expiração e inspiração, a batida do meu coração, a passagem de sangue e de ar através de meus pulmões,
O odor das folhas verdes e de folhas ressecadas, da praia e das pedras escuras do mar, e de palha no celeiro,
O som das palavras expelidas de minha voz aos remoinhos do vento,
Alguns beijos leves, alguns abraços, o envolvimento de um abraço,
A dança da luz e a sombra nas árvores, à medida que se agitam os ramos flexíveis,
O deleite na solidão ou na correria das ruas, ou nos campos e colinas,
O sentimento de saúde, o gorjeio do meio-dia, a canção de mim mesmo erguendo-se da cama e encontrando o sol.
Achaste que mil acres são demais? Achaste a terra grande demais?
Praticaste tanto para aprender a ler?
Sentiste tanto orgulho por entenderes o sentido dos poemas?
Fica esta noite e este dia comigo e será tua a origem de todos os poemas,
Será teu o bem da terra e do sol (há milhões de sóis para encontrar),
Não possuíras coisa alguma de segunda ou de terceira mão, nem enxergarás através do olhos de quem já morreu,
nem te alimentarás outra vez dos fantasmas que há nos livros.
Do mesmo modo não verás mais através de meus olhos, nem tampouco receberás coisa alguma de mim,
Ouvirás o que vem de todos os lados e saberás filtrar tudo por ti mesmo.
3.
Eu ouvi a conversa dos falantes, a conversa sobre o início e sobre o fim,
Mas não falo nem do início nem do fim.
Nunca houve mais iniciativa do que há agora,
Nem mais juventude ou idade do que há agora,
E jamais haverá mais perfeição do que há agora,
Nem mais paraíso ou inferno do que há agora,
O anseio, o anseio, o anseio,
Sempre o anseio procriador do mundo.
Na obscuridade a oposição equivale ao avanço, sempre substância e acréscimo, sempre o sexo,
Sempre um nó de identidade, sempre distinção, sempre uma geração de vida.
Não vale elaborar, eruditos e ignorantes sentem que é assim.
Certeza tal como a mais certa certeza, aprumados em nossa verticalidade, bem fixados, suportados em vigas,
Robustos como um cavalo, afetuosos, altivos, elétricos,
Eu e este mistério aqui estamos, de pé.
Clara e doce é minha alma e claro e doce é tudo aquilo que não é minha alma.
Faltando um falta o outro, e o invisível é provado pelo visível
Até que este se torne invisível e receba a prova por sua vez.
Apresentando o melhor e isolando do pior, a idade agasta a idade,
Conhecendo a adequação e a eqüanimidade das coisas, enquanto eles discutem eu mantenho-me em silêncio e vou
me banhar e admirar a mim mesmo.
Bem-vindo é todo órgão e atributo de mim, e também os de todo homem cordial e limpo.
Nenhuma polegada ou qualquer partícula de uma polegada é vil e nenhum será menos familiar que o resto.
Estou satisfeito – vejo, danço, rio, canto;
Quando o companheiro amoroso dorme abraçado a mim a noite inteira e depois vai embora ao raiar do dia com
passos silenciosos,
Deixando-me cestas cobertas com toalhas brancas enchendo a casa com sua exuberância,
Devo adiar minha aceitação e compreensão e gritar pelos meus olhos,
Para que deixem de fitar a estrada ao longe e para além dela
E imediatamente calculem e mostrem-me para um centavo,
O valor exato de um e o valor exato de dois, e o que está à frente?
4.
Traiçoeiros e curiosos estão à minha volta
Pessoas com quem me encontro, os efeitos que a minha infância tem sobre mim, ou o bairro e a cidade em que
vivo, ou a nação,
As últimas datas, descobertas, invenções, sociedades, autores antigos e novos,
Meu jantar, roupas, amigos, olhares, cumprimentos, dívidas,
A indiferença real ou fantasiosa de um homem ou mulher que eu amo,
A doença de alguém de minha gente ou de mim mesmo, ou ato doentio, ou perda ou falta de dinheiro, depressões
ou exaltações,
Batalhas, os horrores da guerra fratricida, a febre de notícias duvidosas, os terríveis eventos;
Essas imagens vêm a mim dia e noite, e partem de mim outra vez,
Mas não são o meu verdadeiro Ser.
Longe do que puxa e do que arrasta, ergue-se o que de fato eu sou,
Ergue-se divertido, complacente, compassivo, ocioso, unitário,
Olha para baixo, está ereto, ou descansa o braço sobre certo apoio impalpável,
Olhando com a cabeça pendida para o lado, curioso sobre o que está por vir,
Tanto dentro como fora do jogo, e o assistindo, e intrigado por ele.
No passado vejo meus próprios dias quando suei através do nevoeiro com lingüistas e contendores,
Não trago zombarias ou argumentos, apenas testemunho e aguardo.
(…) (Tradução Luciano Alves Meira -Poema do livro Folhas de relva. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 49. )
PABLO NERUDA
A Dança/ Soneto XVII

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio


ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva


dentro de si, oculta a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,


te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és


tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
XXV
Antes de amar-te, amor, nada era meu:
vacilei pelas ruas e as coisas: Antes de amarte, amor, nada era mío:
nada contava nem tinha nome: vacilé por las calles y las cosas:
o mundo era do ar que esperava. nada contaba ni tenía nombre:
el mundo era del aire que esperaba.
E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua, Yo conocí salones cenicientos,
hangares cruéis que se despediam, túneles habitados por la luna,
perguntas que insistiam na areia. hangares crueles que se despedían,
preguntas que insistían en la arena.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
caído, abandonado e decaído, Todo estaba vacío, muerto y mudo,
tudo era inalienavelmente alheio, caído, abandonado y decaído,
todo era inalienablemente ajeno,
tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua beleza e tua pobreza todo era de los otros y de nadie,
de dádivas encheram o outono. hasta que tu belleza y tu pobreza
(Tradução de Carlos Nejar) llenaron el otoño de regalos.

Preparada para nossa lua-de-mel. Desde então


HETTIE JONES Temos estado no sol e na chuva, no gelo, sobre
Ode ao meu carro A neve que ameaçava nos enterrar. Temos perdido
Muito – meus dentes, suas grades – pedaços de nós
Não é como se você fosse o primeiro. Arremessados no espaço, de volta à terra
Antes de você eu amei, um por um, Desde que éramos primavera. Deixe-me dizer
O Plymouth cinquenta e três, em sessenta e Que está chegando o inverno agora. Nós temos viajado
cinco, Sessenta mil milhas a mais, nossa pintura descascando,
Os vagões, todos três, o Ford e ambos Temos cantos enferrujados, lágrimas em nosso estofo
Ramblers, o Valiant, o Chevy cinquenta e seis Mas ainda assim corremos, oh Cristal Azul de Persuasão,
Roubado em Newark em sessenta e nove, e Tecidos casuais de dias ensolarados na
ultimamente Na serpente longa da noite, sua voz latejante
O bom e verde Marverick, que correu de Uma calmaria de reconforto, seu escudo amassado,
verdade Meu casulo amado, meu ovo. Leve-me, amigo,
Até morrer e me trazer pra você, Por vias convidativas de vida, dobre-me em
Meu querido Honda azul, você Seu pequeno e espaçoso corpo, suportando minha bagagem,
Do novo visual, o perfeito, da fachada não Meus mantimentos, meus filhos preciosos. Leve-me
marcada, De forma certa ao lugar onde estou agora, nesses perfeitos
De poderosos motor. E seus segredos – as Arredores silenciosos, nessa mesa de mulheres,
Cinquenta e nove milhas que você andou antes Escrevendo. Por causa de vocês nós podemos, e nós fazemos.
De mim. Eu dirigi você até casa como se
escrustado em safiras,
Um pedaço do céu, uma corrente de oceano,
minhas mãos
Nas suas robustas rodas azuis, meus pés de
uma vez
Em casa nos seus pedais, a via como uma fita
RONALDO AZEREDO AUGUSTO DE CAMPOS

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