Você está na página 1de 73

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE BIOQUÍMICA MÉDICA LEOPOLDO DE MEIS

Bruno Cunha Vairo

TRANSFORMANDO HEPARINA BOVINA EM UM ANTICOAGULANTE


SEMELHANTE À HEPARINA SUÍNA

Rio de Janeiro
2020
BRUNO CUNHA VAIRO

TRANSFORMANDO HEPARINA BOVINA EM UM ANTICOAGULANTE


SEMELHANTE À HEPARINA SUÍNA

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Química
Biológica, Instituto de Bioquímica Médica
Leopoldo de Meis, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como requisito à
obtenção do título de Doutor em Ciências
(Química Biológica).

Orientador:

Prof. Paulo Antônio de Souza Mourão


(Professor Titular do IBqM – UFRJ)

Rio de Janeiro
2020
BRUNO CUNHA VAIRO

TRANSFORMANDO HEPARINA BOVINA EM UM ANTICOAGULANTE


SEMELHANTE À HEPARINA SUÍNA

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Química
Biológica, Instituto de Bioquímica Médica
Leopoldo de Meis, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como requisito à
obtenção do título de Doutor em Ciências
(Química Biológica).

Aprovada em _______ de _____________________ de 2020.

______________________________________________
Paulo Antônio de Souza Mourão
Professor Titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

______________________________________________
Adriane Regina Todeschini
Professora Associada do Instituto de Biofísica Carlos Chagas da UFRJ

______________________________________________
Eliana Barreto Bergter
Professora Titular do Instituto de Microbiologia da UFRJ

______________________________________________
Ana Paula Canedo Valente
Professora Titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

______________________________________________
Tuane Cristine Ramos Gonçalves Vieira
Professora Adjunta do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

______________________________________________
Morgana Teixeira Lima Castelo Branco
Professora Adjunta do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço Àquele que está sempre à frente de todas as


situações da minha vida, me amparando nos momentos mais difíceis e sempre me
presenteando com coisas maravilhosas: Deus.

Agradeço também aos meus pais, Luciano e Socorro, pela


educação, companheirismo, preocupação, atenção, amor e carinho, tudo feito com
muito empenho. Sem eles, certamente não seria o que sou hoje.

Aos meus irmãos Alexandre e Eric, pelas trocas de experiências, ajuda e


conselhos.

À Roberta, que se tornou minha esposa durante o doutorado, pelos conselhos


e puxões de orelha.

Ao Professor Mourão, pela confiança e oportunidade de desenvolver a tese sob


sua orientação.

Aos amigos do Laboratório de Tecido Conjuntivo, Adriana Piquet, Ana Tovar,


Ana Cristina, Bianca Glauser, Eduardo Vilanova, Felipe Bezerra, Luiz Cláudio,
Mariana Sá, Nina Valéria, Roberto Fonseca, Rodrigo Cano e Stephan Oliveira pela
ajuda com experimentos e documentos e por tornar o ambiente de trabalho muito
agradável.

Ao CNPq, pela bolsa de estudos e taxa de bancada.


RESUMO

1. Contexto: A heparina não fracionada e seus derivados de baixo peso molecular


são provenientes quase exclusivamente da mucosa intestinal suína (heparina suína).
No entanto, tem-se recomendado a introdução de heparinas não fracionadas de
mucosa intestinal bovina (heparina bovina) para reforçar a oferta mundial de heparina.
Embora a heparina bovina tenha uma composição química diferente e cerca de
metade da potência anticoagulante da heparina suína (100 versus 180 unidades
internacionais por mg (UI/mg), respectivamente), elas foram empregadas como um
mesmo tipo de heparina não fracionada em alguns países desde a década de 1990.
No entanto, seu uso clínico como um único fármaco provocou vários incidentes de
hemorragia no Brasil, o que levou à publicação das primeiras monografias exclusivas
para heparina bovina e heparina suína pela Farmacopeia Brasileira.
2. Objetivo: Neste trabalho, procurou-se obter um derivado de heparina de intestino
bovino com características químicas e farmacêuticas semelhantes à heparina suína,
mas sem os efeitos adversos da heparina bovina original.
3. Metodologia: Para a obtenção das moléculas de interesse, foram feitos ensaios de
cromatografia de troca iônica e de filtração em gel, espectroscopia de ressonância
magnética nuclear (RMN), Tempo de Tromboplastina Parcial ativada (aPTT), inibição
in vitro dos fatores IIa e Xa por antitrombina (AT), mudança na fluorescência da AT,
atividade antitrombótica in vivo e sangramento.
4. Resultados: Houve sucesso na obtenção de um derivado de heparina bovina
(HBAA) com potência anticoagulante (200 UI/mg), composição dissacarídica
(enriquecido em α-glucosamina N,6-dissulfatada) e perfil de segurança (potencial de
sangramento e neutralização por protamina) semelhantes aos observados na
heparina padrão (de origem intestinal suína).
5. Conclusão: Este trabalho mostra que, apesar de haver diferenças entre as
heparinas suína e bovina, é possível obter um derivado da bovina com composição e
características farmacológicas semelhantes à heparina suína.

Palavras-chave: Heparina suína, heparina bovina, anticoagulante, fracionamento.


ABSTRACT

1. Context: Unfractionated heparin and its low molecular weight derivatives come
almost exclusively from the porcine intestinal mucosa (porcine heparin). However, the
introduction of unfractionated heparins from bovine intestinal mucosa (bovine heparin)
has been recommended to reinforce the world supply of heparin. Although bovine
heparin has a different chemical composition and about half the anticoagulant potency
of porcine heparin (100 versus 180 international units per mg (IU / mg), respectively),
they have been used as the same type of unfractionated heparin in some countries
since the 1990s. However, its clinical use as a single drug has caused several incidents
of hemorrhage in Brazil, which led to the publication of the first exclusive monographs
for bovine heparin and porcine heparin by the Brazilian Pharmacopoeia.
2. Objective: The aim of this work was to obtain a bovine intestine heparin derivative
with chemical and pharmaceutical characteristics similar to swine heparin, but without
the adverse effects of the original bovine heparin.
3. Methodology: To obtain the molecules of interest we performed ion exchange and
gel filtration chromatographies, nuclear magnetic resonance spectroscopy (NMR),
activated Partial Thromboplastin Time (aPTT), in vitro inhibition of IIa and Xa factors
by antithrombin (AT), AT fluorescence change, in vivo antithrombotic activity and
bleeding.
4. Results: We prepared a bovine heparin derivative with anticoagulant potency (200
IU/mg), disaccharide composition (enriched in N-6-disulfated α-glucosamine) and
safety profile (potential for bleeding and protamine neutralization) similar to those
observed in standard heparin (of porcine intestinal origin).
5. Conclusion: This work shows that, although there are differences between swine
and bovine heparins, it is possible to obtain a bovine derivative with composition and
pharmacological characteristics similar to swine heparin.

Keywords: Bovine heparin, Porcine heparin, anticoagulant, fractionating


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
1.1 Definição de Heparina ...................................................................................... 12
1.2 Histórico da produção de heparina .................................................................. 12
1.3 Estrutura da heparina ....................................................................................... 13
1.4 Mecanismo de ação anticoagulante da heparina ............................................. 13
1.5 Metodologia de análise da heparina ................................................................ 15
1.6 Problemática .................................................................................................... 16
2 OBJETIVO.............................................................................................................. 20
2.1 Objetivo geral ................................................................................................... 20
2.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 20
3 MATERIAL E MÉTODOS ....................................................................................... 21
3.1 Materiais .......................................................................................................... 21
3.2 Fracionamento da heparina bovina por cromatografia de filtração em gel ....... 21
3.3 Cromatografia de troca iônica analítica ............................................................ 22
3.4 Cromatografia analítica de filtração em gel ...................................................... 22
3.5 Fracionamento da heparina bovina por cromatografia de troca iônica ............. 23
3.6 Eletroforese em gel de poliacrilamida .............................................................. 24
3.7 Espectroscopia de Ressonância Nuclear Magnética (RMN) ............................ 24
3.8 Tempo de Tromboplastina Parcial ativada (aPTT) ........................................... 25
3.9 Inibição in vitro da trombina (fator IIa) e fator Xa por antitrombina, na presença
de heparina ............................................................................................................ 25
3.10 Mudança da fluorescência da antitrombina induzida pelas heparinas ........... 26
3.11 Atividade antitrombótica in vivo ...................................................................... 26
3.12 Avaliação do sangramento ............................................................................. 27
4 RESULTADOS ....................................................................................................... 29
4.1 Fracionamento de heparina bovina por peso molecular .................................. 29
4.1.1 Fracionamento de heparina bovina por cromatografia de filtração em gel 29
4.1.2 Análise estrutural das heparinas bovina e suína por RMN ........................ 32
4.1.3 Análise estrutural por RMN das frações de heparina bovina obtidas por
cromatografia de filtração em gel ........................................................................ 37
4.1.4 Atividade anticoagulante das frações de heparina bovina obtidas por
cromatografia de filtração em gel ........................................................................ 40
4.1.5 Conclusão parcial ...................................................................................... 43
4.2 Fracionamento da heparina bovina por carga .................................................. 43
4.2.1 Fracionamento da heparina bovina por cromatografia de troca iônica ...... 43
4.2.2 Determinação do peso molecular das frações de heparina bovina obtidas
por cromatografia de troca iônica ....................................................................... 45
4.2.3 Cromatografia de troca iônica analítica das frações de heparina bovina ... 48
4.2.4 Estrutura química das frações de heparina bovina obtidas por
cromatografia de troca iônica.............................................................................. 49
4.2.5 Avaliação da atividade anticoagulante das frações de heparina bovina
obtidas por cromatografia de troca iônica ........................................................... 52
4.2.6 Avaliação da atividade antitrombótica dos derivados de heparina bovina do
protocolo 2 .......................................................................................................... 56
4.2.7 Avaliação do perfil de segurança farmacêutica da HBAA .......................... 57
5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 60
6 CONCLUSÃO......................................................................................................... 64
7 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 65
8 APÊNDICES........................................................................................................... 71
8.1 Apêndice I ........................................................................................................ 71
8.2 Apêndice II ....................................................................................................... 98
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Unidades dissacarídicas repetitivas da heparina........................................ 13


Figura 2: Sequência pentassacarídica específica da heparina................................ 14
Figura 3: Representação da ação anticoagulante da heparina................................ 15
Figura 4: Diferenças entre as características das heparinas de intestino suíno e
bovino........................................................................................................................ 18
Figura 5: Representação do gradiente salino empregado nos protocolos de
fracionamento da heparina suína por cromatografia de troca iônica........................ 23
Figura 6: Fracionamento por peso molecular da heparina bovina........................... 29
Figura 7: Análise da separação de heparina suína (tracejado preto), heparina bovina
(linha cinza), F1 (linha verde), F3 (linha azul) e F5 (linha vermelha) em cromatografia
de filtração em gel usando as colunas TSKgel G4000 SW e G3000 SW unidas em
sequência e acopladas a um sistema de HPLC........................................................ 30
Figura 8: Análise das frações F1 (linha verde), F3 (linha azul), F5 (linha vermelha),
heparina bovina (linha cinza), sulfato de dermatan (DS), heparina suína e do sulfato
de condroitina supersulfatado (SCSS) (os 3 últimos em tracejado preto) por
cromatografia de troca iônica com coluna Dionex acoplada a um sistema de
HPLC......................................................................................................................... 31
Figura 9: Espectros unidimensionais de RMN de 1H da heparina suína.................. 34
Figura 10: Espectros unidimensionais de RMN de 1H de heparina bovina.............. 35
Figura 11: Espectros bidimensionais de RMN 1H-13C HSQC das heparinas suína (A)
e bovina (B)............................................................................................................... 36
Figura 12: Espectros unidimensionais de RMN de 1H das frações F1, F3 e F5...... 38
Figura 13: Espectros bidimensionais de RMN 1H-13C HSQC das frações F1, F3 e
F5.............................................................................................................................. 39
Figura 14: Atividade anticoagulante in vitro das frações F1, F3 e F5 e heparinas
bovina e suína........................................................................................................... 41
Figura 15: Mudança relativa de fluorescência intrínseca da AT mediante adições
sucessivas das frações F1 (verde), F3 (azul) e F5 (vermelho) e heparinas bovina
(cinza) e suína (preto)................................................................................................ 42
Figura 16: Perfis de eluição das cromatografias de troca iônica de heparina bovina,
feitas com diferentes gradientes de NaCl.................................................................. 44
Figura 17: Perfis de eluição das cromatografias de troca aniônica de heparina bovina
(linha cinza) e suína (HS, linha tracejada), feitas com as condições referentes ao
protocolo 2................................................................................................................. 45
Figura 18: Perfil de eluição da cromatografia de filtração em gel com coluna analítica
da heparina suína (tracejado preto), heparina bovina (linha cinza), FI (linha azul) e FII
(linha vermelha), dos 3 protocolos............................................................................. 46
Figura 19: Perfil de eluição da cromatografia analítica de troca iônica do sulfato de
dermatan (DS), da heparina suína (HS) e do sulfato de condroitina supersulfatado
(SCSS) (os 3 em linha preta), heparina bovina (linha cinza), FI (linha azul) e FII (linha
vermelha), dos 3 protocolos...................................................................................... 48
Figura 20: Região de 5,7 a 4,7 ppm dos espectros unidimensionais de RMN de 1H
das frações FI (azul) e FII (vermelho) nos 3 protocolos............................................ 50
Figura 21: Espectros bidimensionais de RMN 1H-13C HSQC das frações FI (azul) e
FII (vermelho) dos protocolos 1 (painéis A e B), 2 (painéis C e D) e 3 (painéis E e
F)................................................................................................................................51
Figura 22: Atividade anticoagulante in vitro das frações FI (azul), FII (vermelho),
heparina bovina (cinza) e heparina suína (preto)....................................................... 53
Figura 23: Mudança relativa de fluorescência intrínseca da AT mediante adições
sucessivas das frações HBBA (quadrado azul), HBAA (triângulo vermelho) e
heparinas bovina (losango cinza) e suína (círculo preto).......................................... 56
Figura 24: Avaliação das atividades antitrombóticas de HBBA (quadrado azul) e
HBAA (triângulo vermelho)........................................................................................ 57
Figura 25: Avaliação do sangramento após administração de salina (controle –
círculos brancos), heparina suína (HS – círculo preto), heparina bovina (HB – losango
cinza), HBAA (triângulo vermelho) e HBBA (quadrado azul)...................................... 58
Figura 26: Recuperação da atividade do fator IIa a partir da neutralização da heparina
suína (círculo preto), da heparina bovina (losango cinza) e da HBAA (triângulo
vermelho) pela protamina.......................................................................................... 59
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Peso molecular médio ponderado (Mw), peso molecular médio numérico
(Mn) e grau de polidispersão (GP) da heparina bovina e de suas frações geradas pela
cromatografia de filtração em gel (média ± desvio padrão)........................................ 30
Tabela 2: Peso molecular médio (Mw) e proporções de massa de heparina (M)
maiores que 24 KDa e M 8 - 16 KDa / M 16 - 24 KDa, obtidos por cromatografia de
filtração em gel........................................................................................................... 31
Tabela 3: Quantificações dos sinais obtidos nos espectros bidimensionais 1H-13C
HSQC das heparinas suína e bovina e das frações F1, F3 e F5 (Figuras 11 e 13)... 40
Tabela 4: Peso molecular médio ponderado (Mw), peso molecular médio numérico
(Mn) e grau de polidispersão (GP) das frações FI e FII oriundas do fracionamento de
heparina bovina, nos 3 protocolos............................................................................. 47
Tabela 5: Peso molecular médio ponderado (Mw) e proporções de peso molecular de
heparina (M) maiores que 24 KDa e da razão M 8 - 16 KDa / M 16 - 24 KDa, obtidos
por cromatografia de filtração em gel......................................................................... 47
Tabela 6: Quantificações dos sinais obtidos espectros bidimensionais 1H-13C HSQC
das frações FI e FII dos três protocolos empregados (Figura 21)............................. 52
Tabela 7: Potências anticoagulantes (UI/mg) e rendimento (em UI e mg) das HBBAs
e HBAAs dos três protocolos...................................................................................... 54
LISTA DE ABREVIATURAS

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária


aPTT – activated Parcial Thromboplastin Time
AT – Antitrombina
DS – Sulfato de dermatan
EMA – European Medicines Agency
FDA – Food and Drug Administration
GAG – Glicosaminoglicano
HBAA – Heparina bovina de alta atividade anticoagulante
HBBA – Heparina bovina de baixa atividade anticoagulante
HPLC – High performance liquid chromatography
HSQC – Heteronuclear single quantum coherence
RMN – Ressonância Magnética Nuclear
SCSS – Sulfato de condroitina supersulfatado
α-GlcN – α-glucosamina
α-GlcNAc – α-glucosamina N-acetilada
α-GlcNS – α-glucosamina N-sulfatada
α-IdA – ácido α-idurônico
β-GlcA – ácido β-glucurônico
12

1 INTRODUÇÃO
1.1 Definição de Heparina
Heparina é um heteropolissacarídeo polianiônico sulfatado, classificado como
glicosaminoglicano (GAG) por ser composto por unidades dissacarídicas repetitivas
de N-acetilglicosamina e ácido urônico. É sintetizada por mastócitos do tecido
conjuntivo e armazenada em grânulos secretórios no interior dessas células. Sua
função fisiológica ainda não está esclarecida, mas há indícios de que esteja
relacionada ao controle de liberação de proteases pelos mastócitos (LEVER et al.,
2016).

1.2 Histórico da produção de heparina


A heparina foi descoberta em 1916, quando Jay McLean, na época um
estudante de medicina, isolou frações de fígado de cachorro que inibiam a coagulação
sanguínea. O termo é derivado da palavra grega “hepar” que significa
fígado, tecido de onde a heparina foi inicialmente isolada (WARDROP & KEELING,
2008).
A utilização clínica da heparina iniciou-se da década de 1920. Entretanto, por
causa dos efeitos colaterais indesejáveis, tais como náuseas, febre e dor de cabeça,
nos anos seguintes diversos pesquisadores dedicaram-se à busca por novos
protocolos de purificação e por novas fontes de heparina. Foi a partir de então que se
passou a purificar heparina de pulmão bovino e intestino suíno (WARDROP &
KEELING, 2008).
No final da década de 1930, Gordon Murry (Canadá) e Clarence Crafoord
(Suécia) iniciaram, com sucesso, o uso de heparina em pacientes durante cirurgias
com circulação extracorpórea, o que continua sendo feito até hoje (WARDROP &
KEELING, 2008; LINHARDT, 2003).
Devido à maior atividade anticoagulante e antitrombótica observada com o uso
da heparina de mucosa intestinal suína (MULLOY & GRAY, 2000), e devido ao
aparecimento de casos de encefalopatia espongiforme bovina, as heparinas têm sido
predominantemente purificadas a partir do intestino suíno (GUERRINI et al., 2001),
porém a produção de heparina a partir de intestino bovino nunca cessou.
13

1.3 Estrutura da heparina


A heparina é composta por unidades repetidas de ácido urônico unido por
ligação α 1→4 à glucosamina, ocorrendo sulfatações em ambos os resíduos.
Consiste, em sua maioria, de unidades repetitivas de dissacarídeo trissulfatado,
composto por ácido α-idurônico 2-sulfatado 1 → 4 ligado à α-glucosamina N,6-
dissulfatada (LIU et al., 2009).
No entanto, existem também variações estruturais deste dissacarídeo,
correspondendo à sequência variável da heparina. A razão para essas variações é
que o ácido urônico consiste em ácido α-idurônico e ácido β-glucurônico, que ainda
pode ter grupo sulfato na posição 2 (Figura 1). Além disso, a glucosamina também
pode ter substituições: o grupo amino pode estar sulfatado ou acetilado e a hidroxila
das posições 3 e 6 também podem ser substituídas por um sulfato (HANDEL et al.,
2005).
O peso molecular de heparina está na faixa de 5 e 40 KDa devido à sua
polidispersão (HANDEL et al., 2005).

Figura 1: Unidades dissacarídicas repetitivas da heparina. a: ácido α-idurônico 2-


sulfatado. b: α-glucosamina N,6-dissulfatada. c: variações dos dissacarídeos (X = H
ou SO3-, Y = Ac, SO3- ou H). Figura adaptada de BOLTEN et al., 2018.

1.4 Mecanismo de ação anticoagulante da heparina


A atividade anticoagulante da heparina ocorre a partir da inibição de diversos
fatores do sistema de coagulação, prolongando o tempo de coagulação do sangue.
Isso ocorre principalmente por meio da potencialização da inativação da trombina e
do fator Xa pela antitrombina (AT) (Farmacopeia Brasileira, 2017).
A interação entre a heparina e a AT depende de uma sequência
pentassacarídica específica (MULLOY et al., 2016) (Figura 2). A terceira unidade
14

dessa sequência, uma glucosamina sulfatada na posição 3 (retângulo vermelho na


Figura 2), é crítica para a ligação da heparina à AT e sua distribuição ao longo das
cadeias de heparina parece ser aleatória (LINDHAL et al., 1984 e ATHA et al., 1985).

Figura 2: Sequência pentassacarídica específica da heparina. (Adaptada de


GRAY et al., 2008)

O mecanismo através do qual a heparina catalisa a inibição da trombina


envolve a formação de um complexo ternário composto pela heparina, trombina e AT.
(Figura 3). A interação da heparina com a AT produz uma mudança conformacional
do inibidor, tornando o seu sítio de ligação mais acessível à enzima. Simultaneamente,
a heparina funciona como uma superfície de aproximação entre a AT e a trombina,
através da ligação das duas proteínas à mesma cadeia do GAG. Dessa forma, apesar
de ser necessária uma sequência pentassacarídica para ligar à AT, cadeias de
heparina com pelo menos 18 monossacarídeos (aproximadamente 5.000 Da) são
necessárias para acelerar a reação de inibição da protease (OLSON et al., 2010).
Por outro lado, a catálise da inibição do fator Xa pela AT não requer heparina
com peso molecular elevado. A reação ocorre mesmo com oligossacarídeos, desde
que contenham o pentassacarídeo específico e íons de cálcio estejam presentes no
meio de reação (GRAY et al., 2008 e HIRSH et al., 2001).
15

Figura 3: Representação da ação anticoagulante da heparina. A heparina (azul)


aumenta a afinidade da antitrombina (AT, verde) pela trombina (IIa, cinza) e pelo fator
Xa (laranja). Figura adaptada de BRUNTON et al. As bases farmacológicas da
terapêutica de Goodman & Gilman. 12ª edição. Porto Alegre: AMGH, 2012.

1.5 Metodologia de análise da heparina


Os principais métodos farmacopeicos para a análise de preparações de
heparina são: determinação das atividades anti-fator Xa e anti-fator IIa,
espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) unidimensional de próton e
cromatografia líquida de troca iônica.
Para a caracterização estrutural da heparina, o espectro de RMN de prótons
(1H) tem grande importância. Essa metodologia permite identificar as unidades de
ácido α-idurônico e α-glucosamina, assim como os sítios de sulfatação e de N-
acetilação (GUERRINI et al., 2001). Essa metodologia permite, ainda, diferenciar
heparinas obtidas de diferentes fontes animais (GUERRINI et al., 2001 e AQUINO et
al., 2010).
16

1.6 Problemática
Em 2008, a utilização das heparinas como anticoagulante no Brasil ganhou
mais atenção, quando o Laboratório Roche cessou a produção de sua preparação de
heparina (heparina de mucosa intestinal suína), chamada de Liquemine, considerada
como um produto de referência e preferencialmente utilizada em procedimentos que
necessitavam de circulação extracorpórea (MELO et al., 2008).
Logo após este evento houve um aumento significativo nos relatos de efeitos
adversos associados ao uso de heparina, como eventos de sangramento durante e
após cirurgias, principalmente cardiovasculares, maiores taxas de reoperações devido
a sangramentos e aumento no número de coagulopatias (MELO et al., 2008). Estes
acontecimentos levaram a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) a
publicar uma nota sobre o uso de heparina, alertando sobre os problemas observados
nos hospitais e clínicas brasileiras (ANVISA, 2008).
Naquele momento, após extensa investigação das heparinas utilizadas
clinicamente no Brasil, observou-se que a maioria era produzida a partir de mucosa
intestinal bovina, uma fonte incomum, mas que passou a ser utilizada para suprir a
necessidade de heparina. Análises aprofundadas mostraram que essas heparinas
apresentavam diferenças químicas consideráveis quando comparadas às heparinas
produzidas a partir de intestino suíno ou de pulmão bovino (FU et al., 2013).
Como consequência da diferente estrutura química (proporção de unidades
sulfatadas e presença da sequência pentassacarídica específica (Figura 2) com
afinidade pela AT), essas heparinas diferem também em seus efeitos anticoagulante,
antitrombótico e hemorrágico quando testadas em modelos experimentais com
animais.
Uma heparina de origem intestinal bovina, por exemplo, tem menor atividade
anticoagulante que uma heparina suína, sendo necessária, portanto, uma massa
maior da bovina para alcançar um efeito semelhante à suína. Como a solução injetável
trazia apenas a inscrição “XX UI/mL”, sem descrever a origem, quando se fazia
necessário neutralizar a heparina com protamina, a neutralização não era completa,
uma vez que a reação é calculada com base na massa de heparina utilizada, e não
na potência atribuída.
Estes estudos também revelaram que a janela terapêutica da heparina de
intestino bovino é mais estreita que a da heparina suína, ou seja, a dose de heparina
bovina para assegurar proteção antitrombótica efetiva e a dose para produzir efeito
17

hemorrágico são mais próximas do que as doses de heparina suína para os mesmos
efeitos citados.
Os avanços nas abordagens analíticas para avaliação de heparinas (por
exemplo, RMN bidimensional e ensaios cromogênicos anti-FIIa e anti-FXa) ratificaram
os resultados demonstrados anteriormente, reforçando que as preparações de
heparinas de diferentes fontes animais possuem potências
anticoagulantes/antitrombóticas e composições diferentes de dissacarídeos (Figura
4). Dentre essas diferenças, podemos destacar as potências anticoagulantes
contrastantes de heparinas suína e bovina (180 x 100 UI/mg, respectivamente),
atribuídas às suas diferenças de composição (TOVAR et al., 2013; BERTINI et al.,
2017; AQUINO et al., 2010; SANTOS et al., 2014; TOVAR et al., 2016): heparina
bovina tem uma proporção aumentada de α-glucosamina N-sulfatada, enquanto a
heparina suína é composto principalmente de dissacarídeos contendo α-glucosamina
N,6-dissulfatada. Além disso, a heparina bovina apresenta uma quantidade diminuída
de α-glucosamina N,3,6-trissulfatada ligada ao ácido β-glucurônico, dissacarídeo que
está diretamente envolvido na potencialização da AT (SANTOS et al., 2014).
Apesar das diferenças apresentadas, preparações farmacêuticas de heparinas
suína e bovina foram comercializadas e usadas clinicamente como um medicamento
único por bastante tempo (TOVAR et al., 2016). No entanto, no final dos anos 2000,
diferentes agências reguladoras, incluindo a Food and Drug Administration (FDA)
(Estados Unidos), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a ANVISA (Brasil),
reconheceram que as diferenças farmacêuticas entre heparinas suína e bovina eram
extensas o suficiente para considerá-las como fármacos distintos (SZAJEK et al.,
2015), levando, inicialmente, a Farmacopeia dos Estados Unidos e a Farmacopeia
Europeia a exigir a identificação da origem animal em suas monografias de heparina.
Posteriormente, em 2017, a partir de estudos dos quais o Laboratório de Tecido
Conjuntivo da UFRJ fez parte, a Farmacopeia Brasileira publicou as primeiras
monografias abordando heparinas suína e bovina separadamente, como princípios
ativos distintos (1º e 2º suplementos da Farmacopeia Brasileira, 2016 e 2017,
respectivamente).
18

Figura 4: Diferenças entre as características das heparinas de intestino suíno e


bovino (HIS (preto) e HIB (cinza), respectivamente). (A) Espectro unidimensional
de RMN. Nos espectros, D1: próton anomérico (H1) da α-glucosamina N-sulfatada
ligada ao ácido β-glucurônico; A1: H1 da α-glucosamina N,6-dissulfatada; C1: α-
glucosamina N-sulfatada; I1 e I5: H1 e H5 das unidades de ácido α-idurônico 2-
sulfatado ligadas à α-glucosamina N,6-dissulfatada (Adaptado de TOVAR et al., 2012).
(B) Representação esquemática das unidades apontadas no espectro de RMN. (C)
Atividade anti-FIIa.

Como apontado acima, a heparina suína é mais potente que a heparina bovina
e, por isso, é o tipo de heparina mais utilizada clinicamente no mundo. Porém, há que
se levantar algumas questões acerca desta situação.
Em primeiro lugar, cerca de 80% do suprimento global de heparina suína é
proveniente da China. Este cenário é perigoso, pois caso ocorra um surto de doença
19

no rebanho suíno chinês, a cadeia produtiva da heparina suína seria drasticamente


prejudicada. Esta hipótese não deve ser menosprezada, uma vez que, em 2018,
houve um surto de gripe suína na China, levando à redução de aproximadamente 33%
do rebanho suíno do país em apenas um ano (HIGGINS, 2019). Tamanha foi a
preocupação mundial com o evento sanitário, que o FDA declarou que novas
heparinas de outras fontes animais deveriam ser introduzidas urgentemente para
evitar uma possível escassez mundial (SZAJEK et al., 2015).
Outro ponto a ser destacado é a questão religiosa. Algumas religiões, como o
judaísmo e o islamismo, proíbem o uso de produtos derivados de suínos, tornando a
heparina bovina o medicamento de escolha para uso clínico.
Uma terceira questão, que surgiu em 2020, foi o protagonismo das heparinas
no tratamento contra a COVID-19 (TANG et al., 2020; SONG et al., 2020). Desde o
início da pandemia por SARS-COV-2, centenas de trabalhos vêm sendo publicados e
mostram que a administração de heparina tem apresentado bons resultados, seja
como consequência de sua atividade anticoagulante, seja por seu potencial anti-
inflamatório. Diante disto, deverá haver aumento acentuado de demanda por
heparina.
Embora os recursos analíticos para avaliar preparações farmacêuticas de
heparinas não fracionadas tenham evoluído ao longo das últimas décadas, seus
processos de fabricação mudaram muito pouco, permanecendo com base na extração
de materiais brutos de vísceras de mamíferos através de proteólise química ou
enzimática seguida de purificações com sais de amônio quaternário ou com resinas
de troca aniônica de baixa resolução e precipitações com solventes (SZAJEK et al.,
2015).
Nesta tese, foi apresentado um processo reprodutível e escalonável com base
em cromatografia de troca aniônica de alta resolução para produzir um derivado de
heparina bovina química e farmacologicamente equivalente à heparina suína,
tornando a fonte bovina um aliado no suprimento da demanda global por heparinas.
20

2 OBJETIVO
2.1 Objetivo geral
Obter um derivado de heparina de intestino bovino com características
químicas e farmacêuticas semelhantes à heparina suína, mas sem os efeitos adversos
da heparina bovina original.

2.2 Objetivos específicos


1) Fracionar preparações farmacêuticas de heparina bovina, a fim de verificar
a presença de diferentes populações de moléculas;
2) Analisar as características estruturais das populações citadas acima;
3) Analisar as atividades anticoagulantes, antitrombóticas e de sangramento
das frações obtidas;
4) Comparar as frações de heparina bovina com a heparina suína em relação
a quesitos estruturais e farmacológicos.
21

3 MATERIAL E MÉTODOS
3.1 Materiais
Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizados cinco lotes de cada
matéria-prima usada para a preparação comercial de heparinas bovinas e suínas. Os
lotes foram selecionados aleatoriamente, num universo de 390 lotes de heparinas
bovinas e 486 lotes de heparinas suínas, todos de empresas farmacêuticas
brasileiras. Os lotes foram analisados no Laboratório de Tecido Conjuntivo da UFRJ
e estão dentro dos padrões preconizados pelas respectivas monografias
(Farmacopeia Brasileira, suplementos 1 e 2).
Outros materiais foram: 6º Padrão Internacional de Heparina (2.145 unidades
por ampola, lote nº 07/328), obtido do NIBSC (Potters Bar, Reino Unido); Calibrador
de Peso Molecular de Heparina Sódica (lote FOL4830), obtido da Farmacopeia norte-
americana (Rockville, EUA); preparações comerciais de enoxaparinas (Versa) e de
heparinas não-fracionadas (Hepamax), obtidas das empresas Eurofarma (São Paulo,
Brasil) e Blau Farmacêutica (Cotia, Brasil), respectivamente; sulfato de dermatan
(C3788, Sigma-Aldrich, St. Louis, EUA); sulfato de condroitina supersulfatada (lote
HOM191), comprado da Farmacopeia norte-americana (Rockville, EUA); cloridrato de
protamina da farmacêutica Valeant (São Paulo, Brasil).

3.2 Fracionamento da heparina bovina por cromatografia de filtração em gel


Foram preparadas três frações de heparina bovina com diferentes pesos
moleculares usando uma coluna de filtração em gel Superdex Peptide HR10/30 (GE
Healthcare; Chicago, EUA) acoplada a um sistema de HPLC (Shimadzu; Tóquio,
Japão). A coluna foi equilibrada com solução de acetato de amônio a 0,1M (pH 6,0).
Injetou-se no sistema cromatográfico 10 mg de heparina bovina e a coluna foi
eluída com fluxo de 0,5 mL/min, monitorando de forma contínua o índice de refração
e coletando alíquotas de 250 µL. As alíquotas foram agrupadas em três categorias,
chamadas “frações”. Uma das frações continha as alíquotas agrupadas de maior peso
molecular, outra continha as de menor peso molecular e uma terceira, com alíquotas
de peso molecular intermediário. Foram excluídas dos ensaios as alíquotas eluídas
entre as frações de interesse, a fim de evitar “contaminação” entre elas. As soluções
das três frações foram precipitadas com 3 volumes de etanol absoluto, centrifugadas
(3200 rpm/10min) e secas a 60 ºC.
22

Foram feitas onze corridas cromatográficas para avaliar a reprodutibilidade do


método e para a obtenção de quantidade suficiente de material das três frações para
a realização de todos os ensaios.

3.3 Cromatografia de troca iônica analítica


As frações de heparinas obtidas nas separações descritas anteriormente foram
analisada por cromatografia de troca aniônica analítica usando uma coluna IonPac
AS11-HC (Dionex; Sunnyvale, Califórnia, EUA) acoplada a um sistema de HPLC
(Shimadzu; Tóquio, Japão). A coluna foi equilibrada com solução de Tris-HCl a 10 mM
contendo NaCl a 0,4 M (pH 7,4), como descrito em THIANGTHUM et al., 2014.
Foram aplicados, separadamente, 200 µg de heparina suína, 200 µg de
heparina bovina, 200 µg de cada uma das frações da heparina bovina, 50 µg de sulfato
de dermatan e 30 µg de sulfato de condroitina supersulfatada. Depois de aplicado o
material, a coluna foi eluída a 0,5 mL/min em duas etapas: a primeira, eluição de 10
mL da solução descrita acima; a segunda, eluição de 40 mL de gradiente salino linear
de NaCl, de 0,4 M a 2,5 M. A corrida foi monitorada pela absorbância a 215 nM.

3.4 Cromatografia analítica de filtração em gel


A distribuição do peso molecular das heparinas foi determinada por
cromatografia analítica de filtração em gel, usando as colunas TSKgel G4000 SW e
G3000 SW (Tosoh; Tóquio, Japão), unidas em sequência, acopladas a um sistema de
HPLC (Shimadzu; Tóquio, Japão) e equilibradas com solução de acetato de amônio a
0,1 M.
Foram aplicados, separadamente, 200 µg de heparina suína, 200 µg de
heparina bovina e 200 µg de cada uma das frações da heparina bovina. Depois de
aplicado o material, a coluna foi eluída com solução de acetato de amônio a 0,1 M,
com fluxo de 0,3 mL/min a 40 ºC. A corrida foi monitorada pelo índice de refração.
As colunas foram calibradas com Calibrador de Peso Molecular de Heparina
Sódica, obtido da Farmacopeia norte-americana e foram calculados o peso molecular
médio (Mw), o peso molecular médio numérico (Mn) e o grau de polidispersão como
descrito em (TOVAR et al., 2016 e Farmacopeia dos Estados Unidos).
23

3.5 Fracionamento da heparina bovina por cromatografia de troca iônica


A heparina bovina foi fracionada em duas populações usando uma coluna de
troca aniônica Mono-Q H5 5/5 (GE Healthcare; Chicago, EUA) acoplada a um sistema
de HPLC (Shimadzu; Tóquio, Japão). A coluna foi equilibrada com solução Tris-HCl a
20 mM e ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) a 1 mM (pH 7,4).
Seis miligramas de heparina bovina foram inseridos no sistema cromatográfico.
A coluna foi eluída a 0,5 mL/min, a corrida foi monitorada pela absorbância a 215 nm
(UV) e foram coletadas alíquotas de 0,5 mL. O processo de separação foi feito a partir
de um gradiente salino crescente e feito em etapas, conhecido como stepwise,
formado pela mistura da solução A (solução usada para equilibrar a coluna) com a
solução B (solução A acrescida de NaCl a 2 M).
Foram seguidos três protocolos distintos, todos eles iniciando a corrida com
16,7 % da solução B e encerrando com 100 % da mesma solução. O que diferenciou
os três protocolos foi a concentração da solução B no intervalo entre 20 e 30 minutos,
mantida de forma constante a 54,5 %, 60 % e 65 %, respectivamente (Figura 5).

Figura 5: Representação do gradiente salino empregado nos protocolos de


fracionamento da heparina suína por cromatografia de troca iônica.

Finalizadas as cromatografias, as alíquotas foram analisadas pelo teste de azul


de dimetilmetileno (FARNDALE et al., 1986) e agrupadas em duas frações distintas:
FI e FII. Para a obtenção das moléculas de heparina das frações, as soluções foram
diluídas com 3 volumes de etanol absoluto, centrifugadas (3200 rpm/10min) e secas
a 60 ºC.
Foram feitas vinte cromatografias de cada protocolo para avaliar a
reprodutibilidade e produzir quantidade suficiente de material para os demais
experimentos.
24

3.6 Eletroforese em gel de poliacrilamida


Os pesos moleculares das frações de heparina bovina oriundas da
cromatografia de filtração em gel foram estimados por eletroforese em gel de
poliacrilamida, como descrito em (ANDRADE et al., 2018).
Dez microgramas de cada fração de heparina bovina, heparinas bovina e suína
não-fracionadas e heparina de baixo peso molecular foram aplicados no gel de
poliacrilamida a 10% em solução de Tris-HCl a 60 mM (pH 8,6).
A eletroforese foi feita a 100 V, por 40 minutos, à temperatura ambiente.
Quando finalizada, o gel foi corado com solução de azul de toluidina a 0,1% em ácido
acético a 1% por 20 minutos e lavado com ácido acético a 1%.

3.7 Espectroscopia de Ressonância Nuclear Magnética (RMN)


Os experimentos de RMN unidimensionais de próton (1D ¹H) e bidimensionais
(2D HSQC ¹H-¹³C) das heparinas foram feitos em espectrômetro DRX 900 MHz
(Bruker; Billerica, EUA), com sonda de tripla ressonância, como descrito em (TOVAR
et al., 2016).
Vinte miligramas de cada heparina foram dissolvidos em 500 µL de óxido de
deutério a 99,9% (Cambridge Isotope Laboratory; Massachusetts, EUA) e colocados
em tubos de RMN de 5 mm de espessura. Todos os experimentos foram feitos na
temperatura de 308 K.
Os espectros 1D ¹H de todas as heparinas, assim como a FII do protocolo 2 e
as heparinas bovina e suína (5 mg de cada) tituladas com protamina (de 1 a 8 mg),
foram adquiridos com supressão da água por pressaturação, com 64 scans.
Os espectros 2D de ¹H-¹³C HSQC (coerência heteronuclear de simples-
quantum) não editado foram realizados com 4 scans e 1024 × 512 pontos e pulsos
retangulares de fase alternada globalmente otimizados para desacoplamento (GARP).
Os espectros foram adquiridos e processados usando o programa TopSpin 4.0
(Bruker). Os valores de deslocamentos químicos 0 ppm de ¹H e ¹³C foram atribuídos,
respectivamente, aos sinais dos padrões externos ácido trimetilsililpropiônico (Sigma-
Aldrich) e metanol.
A composição monossacarídica das heparinas foi quantificada pela integração
dos sinais dos espectros 2D ¹H-¹³C HSQC.
25

3.8 Tempo de Tromboplastina Parcial ativada (aPTT)


Diferentes concentrações de heparinas foram incubadas por 2 minutos a 37 °C
com 100 µL de plasma humano e 100 µL de reagente para o ensaio de tempo de
tromboplastina parcial ativada (Biolab-Merieux AS; Rio de Janeiro, Brasil).
Após a incubação, 100 µL de CaCl2 a 25 mM foram adicionados à mistura e o
tempo de coagulação foi registrado em um coagulômetro (modelo KC4A; Heinrich
Amelung GmbH; Lemgo, Alemanha).
Os resultados foram expressos como a razão do tempo de coagulação na
presença (T) e na ausência (T0) de diferentes volumes (2 a 10 µL) de heparinas (50
µg/mL). As potências anticoagulantes das heparinas, expressas em UI/mg, foram
calculadas a partir de parâmetros obtidos da curva construída com dados da atividade
do 6º Padrão Internacional de Heparina (10 UI/mL) (TOVAR et al., 2016) e
comparadas pela análise de variância (ANOVA) com teste post hoc de Bonferroni
usando o software Origin 8.0 (OriginLab; Northampton, EUA).

3.9 Inibição in vitro da trombina (fator IIa) e fator Xa por antitrombina, na


presença de heparina
Em placas de 96 poços, diferentes concentrações das heparinas (0 a 0,4
µg/mL) e 10 nM de antitrombina (AT) (Haematologic Technologies, Essex Junction,
EUA) ou 25 µL de plasma humano deficiente em AT (Affinity Biologicals; Ancaster,
Canadá) foram incubados com tampão TS/PEG (Tris/HCl 20 mM, contendo NaCl 150
mM e polietilenoglicol 8000 1,0 mg/mL, pH 7,4). Em seguida, foram adicionados o fator
Xa (2 nM) ou fator IIa (2 nM). Após incubação por 60 segundos, a 37 ºC, a atividade
residual do fator Xa ou do fator IIa foi determinada pela adição de 100 µM dos
substratos cromogênicos S-2765 ou S-2238 (Chromogenix AB, Molndal, Suécia),
respectivamente. A hidrólise do substrato pela enzima libera p-nitroanilina, cuja
formação foi observada em um ensaio cinético, lendo-se a absorbância a 405 nm
durante 300 segundos, utilizando leitor de microplaca (Thermomax Microplate Reader,
American Devices, Sunnyvile, EUA). As atividades anti-FXa e anti-FIIa (UI/mg) foram
calculadas a partir da análise de curvas paralelas com o 6º Padrão Internacional de
Heparina usando o software SoftMax Pro 5.4.1.
Também foram feitos experimentos anti-FIIa seguindo o método acima, com
concentração fixa de 0,01 UI/mL de heparina suína, bovina e de HBAA (protocolo 2)
titluadas com protamina (0 a 0,1 μg/mL).
26

As atividades anti-FIIa e anti-Fxa das heparinas foram comparadas por


ANOVA.

3.10 Mudança da fluorescência da antitrombina induzida pelas heparinas


A metodologia utilizada nos ensaios de fluorescência foi previamente descrita
em estudo prévio do Laboratório de Tecido Conjuntivo da UFRJ sobre a interação
entre a heparina e a AT (OLIVEIRA et al., 2015). Alíquotas sucessivas de 0,2 μL de
soluções de heparina (2,5 mg/mL) foram adicionados a 600 μL de uma solução a 0,5
μM de AT em tampão fosfato (fosfato de sódio a 20 mM, NaCl a 100 mM, EDTA a 100
μM e PEG 8000 a 0,1%, pH 7.4) e, então, incubadas por um minuto em cubeta de
quartzo.
As mudanças no espectro de emissão foram monitoradas entre 300 e 450 nm,
com excitação a 280 nm, usando um espectrômetro de fluorescência (Varian Cary
Eclipse; Palo Alto, EUA). As áreas espectrais foram calculadas com o programa
fornecido pelo fabricante do aparelho. Os experimentos foram realizados a 37 ºC, sob
agitação contínua e as bandas de excitação e de emissão foram ajustadas para 5 e
10 nm, respectivamente.
As afinidades das heparinas pela AT foram determinadas pelas constantes de
dissociação (Kd), calculadas com base nas alterações de fluorescência intrínseca da
antitrombina resultantes da ligação heparina-AT, sendo o triptofano o aminoácido
majoritariamente responsável pela leitura de emissão. Os dados foram analisados por
uma regressão não linear (OLSON et al. 1993), de acordo com a equação:

Na equação acima, [AT]0 e [H]0 representam as concentrações totais de


antitrombina e heparina, respectivamente; n é a estequiometria aparente para a
interação; Fmax/F0 é o máximo de mudança de fluorescência alcançada.

3.11 Atividade antitrombótica in vivo


A atividade antitrombótica das heparinas foi determinada a partir da indução da
formação de trombos nas veias do mesentério de camundongos seguida da
27

visualização das veias dos animais usando um microscópio de fluorescência intravital


(Zeiss; Oberkochen, Alemanha), como descrito por Fay (2011).
Camundongos C57BL/6 de ambos os sexos, com aproximadamente 12 g foram
anestesiados por via intraperitoneal com 2,2,2-tribromoetanol (massa corpórea x 18 +
20 µL) (Sigma-Aldrich) e, então, injetou-se 20 µL de Rodamina 6G 0,1 % (Sigma-
Aldrich) e diferentes doses das heparinas (0,25, 0,5, 1,0 e 2,0 mg/Kg) no plexo retro-
orbital dos animais. Em seguida, veias do mesentério com cerca de 200 µm de
diâmetro foram isoladas por laparotomia e posicionadas sob a lente objetiva do
microscópio, em um aparelho com fluxo contínuo de salina.
A formação de trombo foi induzida pela sobreposição, durante um minuto, de
um pedaço de papel-filtro (3 x 1 mm) embebido em solução de cloreto férrico a 8%
(Sigma-Aldrich) na veia isolada. O fluxo sanguíneo foi monitorado por 60 minutos ou
até a oclusão completa da veia.

3.12 Avaliação do sangramento


O efeito das heparinas no sangramento foi avaliado em um modelo
experimental in vivo. Camundongos C57BL/6 (de ambos os sexos, entre 22 e 27 g)
foram anestesiados como descrito no experimento anterior e tratados com heparina
suína, heparina bovina e HBAA-P2 (todas na dosagem de 800 UI/kg), HBBA-P2 (8
mg/kg) ou salina (controle), via plexo retro-orbital. Após a administração, os animais
descansaram por 15 minutos.
Também foi avaliado o sangramento promovido pela heparina suína e HBAA-
P2 (800 UI/kg) em animais tratados com protamina (8 mg/kg), 5 minutos depois da
administração das heparinas.
Estes experimentos foram feitos em ambiente com temperatura controlada (22
ºC) e a quantificação foi feita coletando sangue através de cortes de 1 mm de diâmetro
nas caudas dos animais (por 60 minutos, em 2 mL de água destilada) e, depois,
medindo a hemoglobina dissolvida em espectrofotômetro (Ultraspec 3100;
Amersham, Buckinghamshire, Reino Unido), pela absorbância a 540 nm.
A perda de sangue provocada por cada heparina foi expressa em relação ao
controle (considerado = 1) e comparada por ANOVA.
Todos os experimentos in vivo seguiram rigorosamente os guias para
experimentação animal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (protocolo nº
28

015/18 da Comissão de Ética no Uso de Animais em Experimentação Científica do


Centro de Ciências da Saúde da UFRJ).
29

4 RESULTADOS
4.1 Fracionamento de heparina bovina por peso molecular
4.1.1 Fracionamento de heparina bovina por cromatografia de filtração em gel
Inicialmente, o trabalho procurou produzir derivados de heparina bovina
equivalentes à heparina suína, usando como estratégia o fracionamento em
populações com diferentes pesos moleculares.
Com este objetivo, as preparações farmacêuticas de heparina bovina foram
separadas por cromatografia de filtração em gel usando a coluna “Superdex Peptide”.
O perfil de eluição é muito polidisperso, como esperado para uma preparação de GAG
(Figura 6A). As alíquotas resultantes desta separação foram agrupadas em três
frações não adjacentes, denominadas F1, F3 e F5 (Figura 6A), e seus pesos
moleculares foram confirmados por eletroforese em gel de poliacrilamida (Figura 6B).

Figura 6: Fracionamento por peso molecular da heparina bovina. (A) Perfil de


eluição da coluna de filtração em gel “Superdex Peptide”. (B) Gel de poliacrilamida
resultante da eletroforese em gel, com heparinas suína e bovina, as frações da
filtração em gel e heparina de baixo peso molecular (enoxaparina).

Com o objetivo de refinar a identificação dos pesos moleculares das frações


F1, F3 e F5, realizou-se nova cromatografia de filtração em gel, mas agora analítica,
usando as colunas TSKgel G4000 SW e G3000 SW unidas em sequência e acopladas
a um sistema de HPLC. O resultado confirmou as diferenças de peso molecular entre
as três frações (Figura 7 e Tabela 1).
30

Figura 7: Análise da separação de heparina suína (tracejado preto), heparina


bovina (linha cinza), F1 (linha verde), F3 (linha azul) e F5 (linha vermelha) em
cromatografia de filtração em gel usando as colunas TSKgel G4000 SW e G3000
SW unidas em sequência e acopladas a um sistema de HPLC.

Os dados quantitativos derivados dos resultados da Figura 7 estão


apresentados na Tabela 1. Claramente, foram observadas diferenças muito
expressivas nas massas moleculares das frações F1, F3 e F5.

Tabela 1: Peso molecular médio ponderado (Mw), peso molecular médio numérico (Mn) e grau
de polidispersão (GP) da heparina bovina e de suas frações geradas pela cromatografia de
filtração em gel (média ± desvio padrão).
Heparina n* Mw Mn GP
Heparina bovina 2 16.764 ± 179 13.861 ± 263 1,21 ± 0,01
F1 3 36.716 ± 2.676 31.012 ± 3.872 1,19 ± 0,07
F3 3 17.001 ± 128 14.583 ± 197 1,17 ± 0,01
F5 3 11.735 ± 1.033 9.751 ± 1.163 1,21 ± 0,04
*Número de lotes usados

A análise dos dados apresentados acima, confrontados com as


recomendações de peso molecular indicados na Farmacopeia norte-americana,
mostra que a única fração que atende a esses requisitos é a F3 (Tabela 2).
31

Tabela 2: Peso molecular médio (Mw) e proporções de massa de heparina (M) maiores que
24 KDa e M 8 - 16 KDa / M 16 - 24 KDa, obtidos por cromatografia de filtração em gel.
M > 24 KDa M 8 - 16 KDa /
Mw (Da)
(% do total) M 16 - 24 KDa
Recomendações da Farmacopeia
15.000 - 19.000 <20 > 1,0
norte-americana (USP)
Heparina bovina 16.764 ± 179 13,41 ± 1,21 1,94 ± 0,1
F1 36.716 ± 2.676 79,5 ± 13,4 0,15 ± 0,08
F3 17.001 ± 128 12,97 ± 0,15 1,84 ± 0,11
F5 11.735 ± 1.033 4,45 ± 0,59 4,73 ± 0,53

A etapa seguinte foi analisar as frações F1, F3 e F5 por cromatografia de troca


iônica (Figura 8). Foi observado que quanto maior o peso molecular das frações, maior
a concentração salina necessária para sua eluição da coluna, isto é, maior força
aniônica. Entretanto, apenas a fração F1 foi eluída em concentração de NaCl
semelhante à heparina suína. O perfil de eluição da fração F3 é muito semelhante ao
da heparina bovina, como enfatizado pelos perfis de eluição sobrepostos na Figura 8.

Figura 8: Análise das frações F1 (linha verde), F3 (linha azul), F5 (linha


vermelha), heparina bovina (linha cinza), sulfato de dermatan (DS), heparina
suína e do sulfato de condroitina supersulfatado (SCSS) (os 3 últimos em
tracejado preto) por cromatografia de troca iônica com coluna Dionex acoplada
a um sistema de HPLC. O gradiente salino está representado pela linha pontilhada
preta, com o respectivo eixo à direita.
32

4.1.2 Análise estrutural das heparinas bovina e suína por RMN


Depois das análises cromatográficas, o trabalho concentrou-se na análise das
estruturas químicas das frações. Com o auxílio da RMN, foram adquiridos espectros
uni e bidimensionais das frações F1, F3 e F5 e das heparinas suína e bovina (Figuras
9 – 13). Inicialmente, analisamos as preparações farmacêuticas de heparinas bovina
e suína (Figuras 9 – 11) e, depois, as frações obtidas por cromatografia de filtração
em gel (Figuras 12 e 13). Utilizamos espectros unidimensionais de RMN de ¹H
(Figuras 9, 10 e 12) e bidimensionais de ¹H-¹³C HSQC (Figuras 11 e 13).
A heparina suína apresenta um espectro unidimensional de RMN de ¹H mais
simples, com dois sinais preponderantes de prótons anoméricos, denominados A1 e
I1 (Figura 9). O sinal A1 é atribuído à unidade de α-glucosamina N,6-dissulfatada,
enquanto o sinal I1 corresponde ao próton anomérico do ácido α-idurônico 2-sulfatado.
Outro sinal presente, mas em menor intensidade é o D1, atribuído ao próton
anomérico da α-glucosamina N-sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico.
O espectro unidimensional de RMN de ¹H da heparina bovina mostra vários
sinais adicionais (Figura 10). Um sinal que se destaca é o assinalado como C1,
atribuído ao próton anomérico da α-glucosamina N-sulfatada. Outra observação
importante é que I1 e I5 (prótons anomérico e do carbono 5, respectivamente)
apresentam-se divididos em dois sinais distintos cada um. Um deles (I1-A e I5-A)
refere-se à unidade de ácido α-idurônico 2-sulfatado vizinha à unidade de α-
glucosamina N,6-dissulfatada e o outro (I1-C e I5-C), à unidade de ácido α-idurônico
2-sulfatado vizinha à unidade de α-glucosamina N-sulfatada. Também vale apontar
que o sinal D1 é mais intenso no espectro unidimensional de RMN de ¹H da heparina
bovina do que no da heparina suína.
As expansões dos espectros bidimensionais de RMN ¹H-¹³C HSQC das duas
heparinas, na região entre 96-107 ppm (¹³C) e 4,4 e 5,7 ppm (¹H), são mostradas na
Figura 11. Nessa região, podemos identificar claramente os sinais dos prótons
anoméricos e alguns sinais minoritários das duas heparinas, de acordo com dados da
literatura (TOVAR et al., 2016). Esses sinais se separam em 3 grupos, como indicados
pelos retângulos pontilhados na Figura 11, que são atribuídos às unidades de α-
glucosamina, ácido α-idurônico e ácido β-glucurônico mais componentes da região de
ligação da heparina à proteína.
A análise quantitativa dos sinais apresentados nestes espectros foi feita com o
auxílio do programa TopSpin 4.0 e os dados foram organizados na Tabela 3. Cinco
33

tipos de unidades de α-glucosamina foram identificadas, diferindo no conteúdo e


posição de sulfato ou grupo acetil ou na unidade monossacarídica subsequente. A
região das unidades de ácido α-idurônico mostra três componentes, que diferem no
padrão de sulfatação e/ou no tipo de unidade subsequente. A região do espectro que
mostra os prótons anoméricos das unidades de ácido β-glucurônico e das unidades
da região de ligação da heparina à proteína é mais complexa, mas os tipos de
monossacarídeos e suas estruturas podem ser identificadas, conforme a Tabela 3.
A principal diferença observada entre as duas heparinas foi a presença de
maior quantidade de unidades de α-glucosamina N,6-dissulfatada na heparina suína.
Em contrapartida, a heparina bovina possui maior quantidade de unidades de α-
glucosamina N-sulfatada (sem a 6-sulfatação) do que a suína.
Também observamos outras diferenças, menos expressivas, ao comparar os
espectros das duas heparinas. São elas: a) maior quantidade de α-glucosamina N-
sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico na heparina bovina; b) maior quantidade de
ácido α-idurônico não sulfatado na heparina bovina; c) presença de ácido β-
glucurônico 2-sulfatado na heparina bovina e quantidade muito inferior da mesma
unidade na heparina suína.
34

Figura 9: Espectros unidimensionais de RMN de 1H da heparina suína. (A) Região


de 5,8 a 1,8 ppm. (B) Região de 5,7 a 4,7 ppm. Nos espectros, D1: próton anomérico
(H1) da α-glucosamina N-sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico; A1: H1 da α-
glucosamina N,6-dissulfatada; C1: α-glucosamina N-sulfatada; I1 e I5: H1 e H5 das
unidades de ácido α-idurônico 2-sulfatado ligadas à α-glucosamina N,6-dissulfatada.
35

Figura 10: Espectros unidimensionais de RMN de 1H de heparina bovina. (A)


Região de 5,8 a 1,8 ppm. (B) Região de 5,7 a 4,7 ppm. Nos espectros, D1: próton
anomérico (H1) da α-glucosamina N-sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico; A1: H1
da α-glucosamina N,6-dissulfatada; C1: α-glucosamina N-sulfatada; I1-A, I5-A, I1-C,
I5-C: H1 e H5 das unidades de ácido α-idurônico 2-sulfatado ligadas à α-glucosamina
N,6-dissulfatada e à α-glucosamina N-sulfatada, respectivamente.
36

Figura 11: Espectros bidimensionais de RMN 1H-13C HSQC das heparinas suína
(A) e bovina (B). Nos espectros, α-GlcN: sinais das α-glucosaminas N-sulfatadas; α-
Ido: sinais dos ácidos α-idurônicos; β-GlcA: sinais dos ácidos β-glucurônicos e das
regiões de ligação. Os sinais indicados por números estão descritos na Tabela 3.
37

4.1.3 Análise estrutural por RMN das frações de heparina bovina obtidas por
cromatografia de filtração em gel
A Figura 12 mostra os espectros unidimensionais de RMN de ¹H das frações
F1, F3 e F5 obtidas por fracionamento da heparina bovina em cromatografia de
filtração em gel. Nitidamente, foi possível observar uma similaridade entre os três
espectros, indicando que a abordagem metodológica cromatográfica não foi capaz de
produzir frações com diferenças estruturais significativas entre si e quando
comparadas à heparina bovina não fracionada. Sendo assim, mantiveram, também,
diferenças estruturais em relação à heparina suína.
Entretanto, há uma pequena diferença entre os espectros das frações com
relação à intensidade do sinal do CH3 (Figura 12A), que reduz à medida que o peso
molecular diminui, refletindo uma menor presença de unidades de α-glucosamina N-
acetilada nas frações de menor peso molecular.
As frações de heparina bovina obtidas por filtração em gel também foram
analisadas por espectros bidimensionais 1H-13C HSQC (Figura 13). Foi observada
uma similaridade estrutural entre as três frações, tanto em uma breve inspeção visual,
quanto na análise quantitativa dos sinais assinalados nos espectros (Tabela 3).
38

Figura 12: Espectros unidimensionais de RMN de 1H das frações F1, F3 e F5. (A)
Região de 5,8 a 1,8 ppm. (B) Região de 5,7 a 4,7 ppm. Em ambos painéis: D1: próton
anomérico (H1) da α-glucosamina N-sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico; A1: H1
da α-glucosamina N,6-dissulfatada; C1: α-glucosamina N-sulfatada; I1-A, I5-A, I1-C,
I5-C: H1 e H5 das unidades de ácido α-idurônico 2-sulfatado ligadas à α-glucosamina
N,6-dissulfatada e à α-glucosamina N-sulfatada, respectivamente.
39

Figura 13: Espectros bidimensionais de RMN 1H-13C HSQC das frações F1, F3 e
F5. Nos painéis, α-GlcN: sinais das α-glucosaminas N-sulfatadas; α-Ido: sinais dos
ácidos α-idurônicos; β-GlcA: sinais dos ácidos β-glucurônicos e das regiões de
ligação. Os inserts apresentam os sinais H2 da α-glucosamina N-acetilada (I) e N-
sulfatada (II). Os sinais indicados por números estão descritos na Tabela 3.
40

Tabela 3: Quantificações dos sinais obtidos nos espectros bidimensionais 1H-13C HSQC das
heparinas suína e bovina e das frações F1, F3 e F5 (Figuras 11 e 13).
Proporções
Sinais Unidades Estruturad
Suína Bovina F1 F3 F5
1 α-GlcN,3,6-triS-[?] 3,69 1,12 0,76 1,04 1,82
2-a α-GlcN,6-diS-[α-IdA2S] 66,82 49,07 46,70 46,27 47,28
2-bc α-GlcNAc-[β-GlcA] 5,76 4,14 2,76 1,84 1,79
α-glucosaminaa
3 α-GlcNS-[α-IdA] 5,82 4,10 4,91 4,19 4,14
4 α-GlcNS-[β-GlcA] 9,59 15,28 13,12 16,80 14,99
5 α-GlcNS-[α-IdA2S] 8,32 26,30 31,74 30,49 29,97
6 α-IdA2S 77,50 76,93 79,30 80,69 80,37
7 α-IdA-[α-GlcN,6S] 4,55 1,39 0,77 0,48 0,58
ácido α-idurônicoa
8 α-IdA 1,63 3,08 1,81 3,08 2,53
∑ α-IdA 83,69 81,40 81,88 84,25 83,49
9 β-GlcA-[α-GlcN,3,6-triS] 2,71 0,42 0,04 0,39 0,53
10 β-GlcA-[α-GlcNAc] 5,93 10,03 11,81 8,37 8,02
11 ácido β-glucurônicoa β-GlcA-[α-GlcNS] 7,10 5,59 5,53 5,24 5,24
12 β-GlcA2S-[?] 0,58 2,55 0,75 1,75 2,72
∑ β-GlcA 16,31 18,60 18,12 15,75 16,51
13 β-Gal 0,71 0,53 0,67 0,65 0,37
14 Região de ligaçãob β-Xyl 0,77 0,82 1,12 0,90 0,18
15 β-GlcA-[β-Gal] 1,47 1,10 1,56 1,40 0,89
aResultados expressos em porcentagem do total das unidades de α-glucosamina ou de ácido
hexurônico (α-idurônico + β-glucurônico).
bResultados expressos em porcentagem do somatório de todas as unidades.
cAs proporções dos resíduos de α-GlcNAc foram calculados integrando o sinal H2/C2 a 3,86/56,2

ppm e subtraindo-o da integral do sinal anomérico, que representa tanto α-GlcNAc quanto α-GlcNS.
dOs sinais assinalados estão em negrito e suas unidades adjacentes estão entre colchetes.

4.1.4 Atividade anticoagulante das frações de heparina bovina obtidas por


cromatografia de filtração em gel
A atividade anticoagulante das frações F1, F3 e F5 obtidas da heparina bovina
foi determinada pelo tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT) e pelas
atividades anti-FIIa e anti-Fxa (Figura 14). Os resultados indicaram que as potências
anticoagulantes são maiores quanto maiores são os pesos moleculares, mas mesmo
a fração com maior atividade (F1) apresenta resultados significativamente inferiores à
heparina suína nos três ensaios.
41

Figura 14: Atividade anticoagulante in vitro das frações F1, F3 e F5 e heparinas


bovina e suína. (A) Tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT). (B) Atividade
anti-FIIa. (C) Atividade anti-Fxa. Os resultados foram expressos pela mediana
(intervalo de confiança de 95%) e comparadas pela análise de variância (ANOVA): ns
(p > 0,05) e * (p < 0,05).
42

Outra abordagem para avaliar as propriedades anticoagulantes das frações F1,


F3 e F5 foi a determinação de suas afinidades pela AT, baseadas no aumento da
fluorescência intrínseca do triptofano promovido pela ligação entre heparina e AT.
Adições sucessivas de heparina resultam em aumentos crescentes de emissão
de fluorescência, que podem ser traduzidos como modificações do microambiente,
principalmente do aminoácido triptofano. A Figura 15 apresenta os aumentos
percentuais da intensidade de fluorescência da AT, a partir de adições das frações
F1, F3 e F5 e das heparinas suína e bovina, comparadas com a intensidade de AT
sem adição das heparinas.
De acordo com a variação da intensidade de fluorescência ocasionada pela
titulação podemos calcular uma constante de dissociação de cada heparina para com
a antitrombina (Kd, calculada pela equação descrita na seção 3.10).
Uma vez determinadas as constantes de dissociação para as frações F1, F3 e
F5 (Figura 15), podemos afirmar que há uma maior afinidade pela AT à medida que
os pesos moleculares aumentam (F1 > F3 > F5).

Figura 15: Mudança relativa de fluorescência intrínseca da AT mediante adições


sucessivas das frações F1 (verde), F3 (azul) e F5 (vermelho) e heparinas bovina
(cinza) e suína (preto). Após cada adição, a fluorescência intrínseca da antitrombina
foi registada entre 300-450 nm (comprimento de onda de excitação, 280 nm). Os
resultados foram expressos em aumento percentual da intensidade de fluorescência
de AT ligada e livre, na presença e ausência das frações F1, F3 e F5 e heparinas
bovina e suína. As linhas fazem referência às curvas teóricas (de acordo com a
equação descrita na seção 3.10), com as respectivas constantes de dissociação
descritas ao lado.
43

Os resultados obtidos nos experimentos anteriores indicam que a atividade


anticoagulante da heparina bovina aumenta à medida que aumenta o tamanho de sua
cadeia polissacarídica.

4.1.5 Conclusão parcial


As frações F1, F3 e F5 não apresentaram diferenças significativas em suas
estruturas químicas e nenhuma delas atingiu a atividade anticoagulante observada
para a heparina suína. Portanto, esta não é uma metodologia adequada para a
obtenção de preparações de heparina bovina semelhantes à heparina suína.

4.2 Fracionamento da heparina bovina por carga


4.2.1 Fracionamento da heparina bovina por cromatografia de troca iônica
Encerrada a tentativa de fracionar a heparina bovina por filtração em gel para
gerar uma fração semelhante à heparina suína, foi dado outro enfoque, baseado na
cromatografia de troca iônica. Heparinas bovinas foram aplicadas em uma coluna
Mono-Q e eluídas com gradiente de NaCl, usando três gradientes distintos (protocolos
1, 2 e 3). Cerca de 20 cromatografias subsequentes foram feitas a fim de verificar a
reprodutibilidade do método.
Usando esses três protocolos foi possível obter duas populações distintas de
moléculas, mas com diferenças nas proporções (Fl e Fll, Figura 16). Nos 3 protocolos,
FI foi eluída com concentração menor de NaCl do que a Fll.
44

Figura 16: Perfis de eluição das cromatografias de troca iônica de heparina


bovina, feitas com diferentes gradientes de NaCl (linha pontilhada): (A) Protocolo
1, (B) Protocolo 2 e (C) Protocolo 3. Em destaque, as diferentes proporções de FI e
FII eluídas em cada protocolo.

Um sistema cromatográfico semelhante foi utilizado, porém para a heparina


suína (protocolo 2) (Figura 17). Foi observado que a heparina suína apresenta uma
única fração predominante, denotando uma maior homogeneidade.
45

Figura 17: Perfis de eluição das cromatografias de troca iônica de heparina


bovina (linha cinza) e suína (HS, linha tracejada), feitas com as condições
referentes ao protocolo 2. A linha pontilhada indica o gradiente salino.

Em síntese, esses resultados indicam que a heparina bovina é heterogênea,


com dois componentes separados por cromatografia de filtração em gel. A heparina
suína é mais homogênea, com um único componente predominante.

4.2.2 Determinação do peso molecular das frações de heparina bovina obtidas por
cromatografia de troca iônica
Uma vez estabelecidos os protocolos para obtenção de FI e FII, seguiu-se a
avaliação de seus pesos moleculares por cromatografia analítica de filtração em gel
(Figura 18). Para efeito comparativo, também foram feitas cromatografias usando as
heparinas suína e bovina.

Com os perfis de eluição obtidos, usando esse sistema cromatográfico mais


preciso, foi possível obter os valores de pesos moleculares das cadeias
polissacarídicas presentes em cada uma das frações, incluindo o peso molecular
médio ponderado (Mw), o peso molecular médio numérico (Mn) e o grau de
polidispersão (GP) (Tabela 4).
46

Figura 18: Perfil de eluição da cromatografia de filtração em gel com coluna


analítica da heparina suína (tracejado preto), heparina bovina (linha cinza), FI
(linha azul) e FII (linha vermelha), dos 3 protocolos.
47

Tabela 4: Peso molecular médio ponderado (Mw), peso molecular médio numérico (Mn) e
grau de polidispersão (GP) das FI e FII oriundas do fracionamento de heparina bovina, nos
3 protocolos.
Heparina Mw Mn GP
FI - protocolo 1 13.596 11.734 1,16

FII - protocolo 1 17.819 15.175 1,17

FI - protocolo 2 15.103 12.927 1,17

FII - protocolo 2 19.262 16.446 1,17

FI - protocolo 3 15.309 13.143 1,16

FII - protocolo 3 20.883 17.956 1,16

Heparina bovina* 16.764 13.861 1,21


*Os dados da heparina bovina foram inseridos para efeito comparativo.

Abaixo estão apresentados os resultados usando os parâmetros


recomendados pela Farmacopeia norte-americana para preparações farmacêuticas
de heparina (Tabela 5).

Tabela 5: Peso molecular médio ponderado (Mw) e proporções de peso molecular de heparina
(M) maiores que 24 KDa e da razão M 8 - 16 KDa / M 16 - 24 KDa, obtidos por cromatografia de
filtração em gel.
M > 24 KDa M 8 - 16 KDa /
Mw (Da)
(% do total) M 16 - 24 KDa

Recomendações da Farmacopeia
15.000 - 19.000 <20 > 1,0
norte-americana

FII - protocolo 1 17.819 16,58 1,4


FII - protocolo 2 19.262 19,21 1,2
FII - protocolo 3 20.883 26,6 0,8
Heparina suína* 16.650 10,76 1,6
*Os dados da heparina suína foram inseridos para efeito comparativo.

As frações FII obtidas pelos protocolos 1 e 2 atendem às recomendações da


Farmacopeia norte-americana. Entretanto, a fração FII obtida pelo protocolo 3 tem
peso molecular médio ponderado (Mw) e proporção de cadeias polissacarídicas com
peso molecular acima de 24 KDa acima dos valores admitidos pela Farmacopeia. A
razão entre as cadeias polissacarídicas com pesos moleculares variando de 8 a 16
KDa e aquelas com pesos oscilando entre 16 a 24 KDa também está em desacordo
com as recomendações da Farmacopeia.
48

4.2.3 Cromatografia de troca iônica analítica das frações de heparina bovina


As frações obtidas pelos três protocolos de fracionamento foram analisadas por
um sistema cromatográfico de troca iônica recomendado pela Farmacopeia Brasileira
(Figura 19). Foi observado que a heparina bovina tem perfil de eluição alargado,
sobrepondo-se à curva de eluição do sulfato de dermatan. Em contrapartida, a
heparina suína tem perfil de eluição mais estreito. As frações FII obtidas com o uso
dos três protocolos tiveram perfis de eluição semelhantes à heparina suína. Por outro
lado, as frações FI são eluídas em concentrações mais baixas de NaCl, sobrepondo-
se ao sulfato de dermatan.

Figura 19: Perfil de eluição da cromatografia analítica de troca iônica do sulfato


de dermatan (DS), da heparina suína (HS) e do sulfato de condroitina
supersulfatado (SCSS) (os 3 em linha preta), heparina bovina (linha cinza), FI
(linha azul) e FII (linha vermelha), dos 3 protocolos. O gradiente salino está
representado pela linha pontilhada preta, com o respectivo eixo à direita.
49

4.2.4 Estrutura química das frações de heparina bovina obtidas por cromatografia de
troca iônica
Em seguida, procedeu-se a análise de suas estruturas químicas das frações FI
e FII obtidas usando os 3 protocolos com o auxílio da RMN. Os espectros
unidimensionais de 1H deixaram evidentes que há diferenças marcantes entre todas
as frações, independentemente do protocolo utilizado (Figura 20). Além dos espectros
1D, também foram feitos espectros 2D 1H-13C HSQC (Figura 21), que auxiliaram na
caracterização estrutural das frações. Com os espectros assinalados, foi possível
quantificar as unidades presentes em cada uma das frações obtidas pelos 3
protocolos. Estas quantificações foram organizadas e estão apresentadas na Tabela
6.

Em conjunto, os dados obtidos com a RMN permitiram apontar algumas


características importantes. As frações FI dos três protocolos empregados são
bastante diferentes entre si, mas têm uma característica em comum: possuem
proporções elevadas de unidades assinaladas como C1, referentes a unidades de α-
glucosamina N-sulfatada.

Também foi possível constatar que as frações FII dos 3 protocolos apresentam
estruturas diferentes, sendo que as dos protocolos 2 e 3 apresentam características
estruturais semelhantes à heparina suína (Figura 9B), como teor reduzido de unidades
de α-glucosamina N-sulfatada e proporções similares de unidades de α-glucosamina
N,6-dissulfatada.

Também é importante destacar que todas as frações, de todos os 3 protocolos,


mantiveram uma das características da heparina bovina não fracionada (Figura 10 e
Tabela 3): a manutenção de proporções expressivas de unidades de α-glucosamina
N-sulfatada ligadas ao ácido β-glucurônico.
50

Figura 20: Região de 5,7 a 4,7 ppm dos espectros unidimensionais de RMN de
1H das frações FI (azul) e FII (vermelho) nos 3 protocolos: (A) protocolo 1, (B)

protocolo 2 e (C) protocolo 3. Nos painéis: D1: próton anomérico (H1) da α-


glucosamina N-sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico; A1: H1 da α-glucosamina N,6-
dissulfatada; C1: α-glucosamina N-sulfatada; I1-A, I5-A, I1-C, I5-C: H1 e H5 das
unidades de ácido α-idurônico 2-sulfatado ligadas à α-glucosamina N,6-dissulfatada e
à α-glucosamina N-sulfatada, respectivamente.
51

Figura 21: Espectros bidimensionais de RMN 1H-13C HSQC das frações FI (azul)
e FII (vermelho) dos protocolos 1 (painéis A e B), 2 (painéis C e D) e 3 (painéis E
e F). Em todos os painéis, α-GlcN: sinais das α-glucosaminas N-sulfatadas; α-Ido:
sinais dos ácidos α-idurônicos; β-GlcA: sinais dos ácidos β-glucurônicos e das regiões
de ligação. Os sinais indicados por números estão descritos na Tabela 6.
52

Tabela 6: Quantificações dos sinais obtidos espectros bidimensionais 1H-13C HSQC das frações
FI e FII dos três protocolos empregados (Figura 21).
Protocolo 1 Protocolo 2 Protocolo 3
Sinais Unidades Estruturad
FI FII FI FII FI FII
1 α-GlcN,3,6-triS-[?] 0,06 1,95 0,18 2,46 0,31 3,68
2-a α-GlcN,6-diS-[α-IdA2S] 28,69 58,38 41,12 58,45 53,80 63,36
2-bc α- α-GlcNAc-[β-GlcA] 2,16 5,97 2,74 4,21 1,89 2,88
3 glucosaminaa α-GlcNS-[α-IdA] 2,88 3,25 3,71 4,76 2,49 1,70
4 α-GlcNS-[β-GlcA] 16,04 14,23 16,28 17,44 19,55 20,48
5 α-GlcNS-[α-IdA2S] 50,17 16,22 35,98 12,67 21,97 7,91
6 α-IdA2S 82,81 70,13 77,21 76,71 78,71 78,01
7 ácido α- α-IdA-[α-GlcN,6S] 0,20 3,28 0,53 1,47 1,58 0,08
8 idurônicoa α-IdA 2,64 3,29 3,49 1,90 2,51 4,44
∑ α-IdA 85,66 76,70 81,23 80,07 82,80 82,52
9 β-GlcA-[α-GlcN,3,6-triS] 0,05 0,50 0,22 0,73 0,32 2,25
10 β-GlcA-[α-GlcNAc] 8,10 9,33 9,66 8,37 8,37 3,49
ácido β-
11 β-GlcA-[α-GlcNS] 3,30 10,82 5,43 9,11 6,81 10,63
glucurônicoa
12 β-GlcA2S-[?] 2,89 2,65 3,39 1,71 2,00 1,11
∑ β-GlcA 14,34 23,30 18,77 19,93 17,20 17,48
13 β-Gal 0,28 0,71 0,62 0,93 0,52 1,32
Região de
14 β-Xyl 1,02 1,22 0,96 0,81 0,38 1,31
ligaçãob
15 β-GlcA-[β-Gal] 0,43 1,54 1,53 2,34 1,10 0,70
aResultados expressos em porcentagem do total das unidades de α-glucosamina ou de ácido
hexurônico (α-idurônico + β-glucurônico).
bResultados expressos em porcentagem do somatório de todas as unidades.
cAs proporções dos resíduos de α-GlcNAc foram calculados integrando o sinal H2/C2 a 3,86/56,2

ppm e subtraindo-o da integral do sinal anomérico, que representa tanto α-GlcNAc quanto α-GlcNS.
dOs sinais assinalados estão em negrito e suas unidades adjacentes estão entre colchetes.

4.2.5 Avaliação da atividade anticoagulante das frações de heparina bovina obtidas


por cromatografia de troca iônica
Após avaliação dos parâmetros estruturais das frações da heparina bovina,
verificou-se a atividade anticoagulante das frações FI e FII, por meio de aPTT e das
atividades anti-FIIa e anti-Fxa. Como comparativo, foram feitos os experimentos
também com heparinas bovina e suína (Figura 22).
53

Figura 22: Atividade anticoagulante in vitro das frações FI (azul), FII (vermelho),
heparina bovina (cinza) e heparina suína (preto). (A) Tempo de tromboplastina
parcial ativada (aPTT). (B) Atividade anti-FIIa. (C) Atividade anti-Fxa. Os resultados
foram expressos pela mediana (intervalo de confiança de 95%) e comparadas pela
análise de variância (ANOVA): ns (p > 0,05) e * (p < 0,05), em comparação com a
heparina bovina (cinza) ou heparina suína (preto); ** (p < 0,05) entre a heparina bovina
e a suína.
54

A análise dos resultados dos ensaios de atividade anticoagulante revela que,


independentemente do protocolo de fracionamento utilizado, as frações FII têm
potências anticoagulantes significativamente maiores do que as frações FI. Dessa
forma, a partir de então, as frações FI foram denominadas HBBA (heparina bovina de
baixa atividade anticoagulante) e as frações FII passaram a ser identificadas como
HBAA (heparina bovina de alta atividade anticoagulante).

Também foi possível apontar que, quando comparadas à heparina bovina não
fracionada, as atividades das frações HBBA dos três protocolos foram semelhantes
ou significativamente menores que a da heparina bovina de origem. Com relação à
heparina suína, todas as frações HBBA tiveram atividades significativamente
menores.

Comparando as atividades antitrombóticas das frações HBAA com a da


heparina bovina não fracionada, apenas a fração obtida pelo protocolo 1 não
apresentou diferenças significativas para os ensaios de aPTT e anti-Fxa. As demais
frações apresentaram resultados significativamente maiores que a heparina bovina de
origem. Com relação à heparina suína, a fração HBAA do protocolo 1 mostrou
atividade menor, mas as frações HBAA dos protocolos 2 e 3 apresentaram,
respectivamente, potências semelhantes e até mesmo maiores do que a heparina
suína (Tabela 7).

Tabela 7: Potências anticoagulantes (UI/mg) e rendimento (em UI e mg) das frações


HBBA e HBAA dos três protocolos.
Protocolo 1 Protocolo 2 Protocolo 3
Atividade (UI/mg) 22,3 44,1 78,7
Rendimento (mg) 25,7 53,2 86,2
HBBA
UI 573 2.348 6.783
% das UI totais 5 20 63
Atividade (UI/mg) 145,1 200 289,9
Rendimento (mg) 74,3 46,8 13,8
HBAA
UI 10.781 9.390 3.987
% das UI totais 95 80 37
Observação 1: Em cada protocolo de fracionamento, partiu-se de 100 mg de heparina
bovina, contendo, aproximadamente, 11.000 UI.
Observação 2: A atividade anticoagulante foi determinada a partir do ensaio de inibição do
fator IIa e as massas foram calculadas integrando-se os picos dos cromatogramas de troca
iônica (Figura 16).
55

A Tabela 7 foi construída com base nos dados da Figura 21. Observou-se que
o emprego do protocolo 1 permitiu a obtenção de uma pequena massa de HBBA, com
potência anticoagulante extremamente reduzida (22 UI/mg) e uma massa maior de
HBAA, contaminada com HBBA, com potência anticoagulante menor do que a da
heparina suína (145 UI/mg x 180 UI/mg).

O protocolo 3 permitiu a obtenção de uma pequena massa de HBAA com


elevada potência anticoagulante (290 UI/mg), muito superior à da heparina suína (180
UI/mg), e uma massa maior de HBBA, contaminada com uma parcela de HBAA, o que
elevou sua potência anticoagulante (79 UI/mg) frente às outras HBBAs.

Já o protocolo 2 apresentou o fracionamento mais equilibrado entre os 3


protocolos testados, gerando massas semelhantes de HBBA, com potência
anticoagulante reduzida (44 UI/mg), e de HBAA, com elevado grau de pureza e
potência anticoagulante equivalente à da heparina suína (200 UI/mg). Além disso,
apenas a HBAA do protocolo 2 alcançou os parâmetros de atividade anticoagulante
(atividade anti-FIIa maior do que 180 UI/mg e razão entre as atividades anti-FXa e
anti-FIIa entre 0,9 e 1,1) estabelecidos para as preparações de heparina suína pelas
monografias de heparina não fracionada da maioria das farmacopeias.

Além das características favoráveis da HBAA do protocolo 2 apontadas acima,


a análise da afinidade pela AT, cujos resultados estão apresentados na Figura 23,
revelou que sua afinidade pela AT é semelhante à da heparina suína (Kd ~20 nM),
enquanto que a HBBA do mesmo protocolo é muito inferior ((Kd ~700 nM), ficando
muito abaixo até mesmo da heparina bovina (Kd ~150 nM).
56

Figura 23: Mudança relativa de fluorescência intrínseca da AT mediante adições


sucessivas das frações HBBA (quadrado azul), HBAA (triângulo vermelho) e
heparinas bovina (losango cinza) e suína (círculo preto). Após cada adição, a
fluorescência intrínseca da antitrombina foi registada entre 300-450 nm (comprimento
de onda de excitação, 280 nm). Os resultados foram expressos em aumento
percentual da intensidade de fluorescência de AT ligada e livre, na presença e
ausência das frações HBBA e HBAA e heparinas bovina e suína. As linhas fazem
referência às curvas teóricas (de acordo com a equação descrita na seção 3.10), com
as respectivas constantes de dissociação descritas ao lado.

Diante dos dados obtidos, os experimentos seguintes utilizaram apenas os


derivados de heparina bovina produzidos pelo protocolo 2.

4.2.6 Avaliação da atividade antitrombótica dos derivados de heparina bovina do


protocolo 2
As atividades antitrombóticas da HBBA e da HBAA obtidas usando o protocolo
2 foram avaliadas monitorando os efeitos na formação de trombos nas veias de
camundongos, com auxílio de microscópio intravital.

Num ensaio no qual foram administradas doses crescentes de heparinas


(Figura 24A), observou-se que a HBAA se mostrou antitrombótica em doses abaixo
de 0,5 mg/Kg, resultado semelhante às heparinas suína e bovina. Por outro lado, a
HBBA manteve-se ineficaz em doses maiores que 2 mg/Kg.

Na dose de 1 mg/Kg, observa-se claramente a divergência na ação


antitrombótica entre as duas frações. Enquanto a HBAA inibe a formação de trombo
57

oclusivo mesmo uma hora após tratamento para indução da trombose, esta dose de
HBBA apresentou resultado semelhante ao controle (Figura 24B).

Figura 24: Avaliação das atividades antitrombóticas de HBBA (quadrado azul) e


HBAA (triângulo vermelho). As heparinas bovina (losango cinza) e suína (círculo
preto) foram usadas como comparativo. (A) Curva dose-resposta. (B) Ensaio com
dose de 1 mg/Kg de massa corporal.

4.2.7 Avaliação do perfil de segurança farmacêutica da HBAA


O ponto inicial da avaliação da segurança da HBAA foi averiguar o principal
efeito adverso causado pela administração de heparinas: o sangramento.

Em modelo experimental in vivo, a perda sanguínea provocada pela


administração da HBAA (800 UI/Kg) foi similar ao observado pelo tratamento com
heparina bovina ou suína. Já quando comparada à HBBA (8 mg/Kg) ou ao controle,
foi significativamente superior (Figura 25).

O sangramento também foi avaliado após neutralização das heparinas pela


protamina (usada clinicamente para reverter o quadro anticoagulante de pacientes
após procedimentos cirúrgicos). Os resultados indicaram que a perda sanguínea após
a administração de HBAA e de heparina suína (800 UI/Kg), seguida de tratamento
com protamina (8 mg/Kg), foram similares entre si e, também, aos animais controle
(Figura 25), indicando a neutralização total da heparina pela protamina, seguindo a
recomendação dos fabricantes (1 mg de protamina: 100 UI de heparina não
fracionada).
58

Figura 25: Avaliação do sangramento após administração de salina (controle –


círculos brancos), heparina suína (HS – círculo preto), heparina bovina (HB –
losango cinza), HBAA (triângulo vermelho) e HBBA (quadrado azul). Na figura,
HS + protamina (hexágono preto) e HBAA + protamina (estrela vermelha) representam
dados obtidos após administração da heparina seguida de neutralização por
protamina (8 mg/Kg); ns (p > 0,05) e * (p < 0,05), ambos em relação ao controle.

Outro parâmetro analisado com o objetivo de verificar o perfil de segurança


farmacêutica da HBAA foi a neutralização por protamina avaliada pela ação anti-FIIa,
medida através de ensaio in vitro, que mostra a retomada da atividade do fator IIa
(Figura 26). Os resultados indicam que a neutralização por protamina ocorre com
doses similares para a HBAA e para a heparina suína (EC50 = 0,07 µg/mL) e com dose
menor quando HBAA é comparada com heparina bovina (EC50 = 0,09 µg/mL), devido
à relação massa-massa para a atuação da protamina na neutralização da atividade
da heparina bovina.
59

Figura 26: Recuperação da atividade do fator IIa a partir da neutralização da


heparina suína (círculo preto), da heparina bovina (losango cinza) e da HBAA
(triângulo vermelho) pela protamina.
60

5 DISCUSSÃO
O consumo global de heparinas não fracionadas e de baixo peso molecular tem
aumentado continuamente, movimentando quase dez bilhões de dólares em 2017 e
uma receita esperada de 14 bilhões de dólares até 2023 (Zion Market Share, 2018).
Atualmente, toda a heparina de baixo peso molecular e a maior parte da
heparina não fracionada consumidas em todo o mundo são provenientes de mucosa
intestinal suína, com aproximadamente 80% dos princípios ativos provenientes de
empresas farmacêuticas chinesas (VILANOVA et al., 2018).
Em 2008, preparações de heparina suína formuladas com matéria-prima
chinesa adulterada com sulfato de condroitina supersulfatado provocou mais de 80
mortes e quase 800 relatos de eventos adversos graves. Esses incidentes apontaram
a fragilidade de uma cadeia de abastecimento global que depende quase
exclusivamente de uma única matéria-prima animal (mucosa intestinal suína) vinda
de um único país (China). Esta concentração também é perigosa pois,
frequentemente, há eventos de epidemias mortais no rebanho suíno chinês, como a
gripe suína, podendo levar à escassez de matéria-prima (VILANOVA et al., 2018). A
agência reguladora ligada ao departamento de saúde norte-americana (Food and
Drug Administration – FDA) tem recomendado a introdução de novos produtos
bovinos farmacologicamente equivalentes aos padrões ouro suínos para reforçar o
atual e instável abastecimento global de heparina (SZAJEK et al., 2015).
Embora as autoridades de saúde tenham concordado sobre a atividade
anticoagulante média da heparina suína (aproximadamente 180 UI/mg), o
estabelecimento da potência da heparina bovina foi objeto de intensas discussões,
principalmente por causa de resultados conflitantes de diferentes grupos ao longo nas
últimas décadas, que mostravam potências superiores a 140 UI/mg (SZAJEK et al.,
2015). No entanto, com base em análises de centenas de lotes de preparações
farmacêuticas de heparinas bovinas conduzidos no Laboratório de Tecido Conjuntivo
da UFRJ e em resultados de outros grupos de pesquisa, a potência de 100 UI/mg foi
incluída como o critério de aceitação para a atividade anticoagulante/dosagem na
nova monografia para heparina bovina lançado pela Farmacopeia Brasileira e tem sido
cada vez mais aceito pelas autoridades de saúde em todo o mundo (SZAJEK et al.,
2015; TOVAR et al., 2016).
Apesar de suas potências anticoagulantes contrastantes, a heparina suína e a
heparina bovina ainda são empregadas como medicamentos intercambiáveis. O
61

monitoramento habitual de pacientes heparinizados por teste de coagulação no local


de atendimento certamente reduz os riscos associados ao uso concomitante de
heparinas suína e bovina, rotuladas como um único medicamento (heparina sódica),
com a mesma atividade anticoagulante (UIs) por frasco, mas contendo diferentes
quantidades, em massa, de princípio ativo. No entanto, vários episódios de
sangramento pós-cirúrgico relacionados à neutralização inadequada de heparina
bovina por protamina foram relatados em hospitais brasileiros no final dos anos 2000.
A natureza massa-massa da reação de neutralização da protamina e a inativação
desigual das cadeias distintas que compõem a heparina bovina podem ter sido as
causas desses incidentes.
No passado, houve alguns trabalhos que tiveram sucesso e conseguiram obter
derivados de heparinas bovinas com atividades anticoagulantes comparáveis à
heparina suína. No entanto, os métodos empregados para prepará-los (fracionamento
por tamanho molecular de heparina de pulmão bovino (TOVAR et al., 2016) e
sulfatação enzimática de heparina bovina (FU et al., 2017) são inviáveis de serem
colocados em prática em uma escala industrial devido a questões de reprodutibilidade,
alto custo e/ou baixo rendimento.
Nesta tese, a primeira tentativa de produzir uma heparina bovina com atividade
anticoagulante mais elevada foi a por cromatografia de filtração em gel. Algumas das
frações não atendiam aos critérios preconizados pelas farmacopeias e aquelas que
atendiam a estes critérios eram semelhantes à heparina bovina não fracionada, tanto
na estrutura quanto na atividade anticoagulante.
Numa segunda abordagem, o fracionamento da heparina bovina foi realizado
usando cromatografia de troca aniônica. Essa abordagem mostrou-se altamente
reprodutível, ajustável para produzir derivados de heparina bovina com alta atividade
anticoagulante (HBAA) e com baixa atividade anticoagulante (HBBA) com diferentes
graus de pureza e potências anticoagulantes e que pode ser implementada nas linhas
de produção de heparinas não fracionadas atualmente empregadas pelas empresas
farmacêuticas.
Os resultados desta tese descrevem um novo derivado de heparina bovina,
denominado HBAA, com eficácia anticoagulante semelhante ao padrão ouro heparina
suína. Além disso, avaliações adicionais sobre potencial de sangramento e
neutralização com protamina provaram que seu perfil de segurança também é
equivalente ao da heparina suína. Tais resultados relacionam-se diretamente com as
62

similaridades na composição da HBAA e da heparina suína, principalmente a


preponderância de dissacarídeos contendo α-glucosamina N,6-dissulfatada, baixo
conteúdo de α-glucosamina N-sulfatada e quantidades consideráveis de α-
glucosamina N,3,6-trissulfatada. Esse dissacarídeo é um componente central da
sequência pentassacarídica responsável pela ligação entre heparinas e AT.
O sucesso na obtenção de tal derivado, exclusivamente com cromatografia de
troca aniônica, deve-se à heterogeneidade intrínseca da heparina bovina. Enquanto
as heparinas suínas contêm um tipo preponderante de cadeia, as preparações de
heparina bovina consistem em uma mistura de duas cadeias (HBAA e HBBA) com
características físico-químicas distintas, incluindo diferentes forças aniônicas, que
permitiram separá-las usando uma resina de troca aniônica forte.
A única diferença observada entre as composições de HBAA e heparina suína
é a proporção de um dissacarídeo minoritário, não envolvido na atividade
anticoagulante, contendo α-glucosamina N-sulfatada ligada ao ácido β-glucurônico
(MULLOY et al., 2016). No entanto, fármacos biossimilares não precisam ser cópias
exatas como os genéricos, mas devem ser farmacologicamente e clinicamente
comparáveis entre si (JESKE et al., 2013). Sendo assim, ainda que haja uma pequena
diferença de composição entre a HBAA e a heparina suína, não é suficiente para
caracterizá-las como heparinas não equivalentes, especialmente quando apresentam
semelhanças farmacológicas marcantes. Além disso, a HBAA atende ao critério de
aceitação para atividade anticoagulante/dosagem das monografias de heparina não
fracionada da maioria das farmacopeias (americana, europeia e brasileira), o que
aumenta suas chances de aprovação para uso intercambiável com o padrão ouro
heparina suína.
É importante salientar que um heparinoide com baixa atividade anticoagulante,
como a HBBA, também tem um potencial farmacêutico valioso no tratamento de
muitas doenças não relacionadas ao tromboembolismo, como câncer, aterosclerose
e inflamação (BORSIG, 2007; CASSINELLI & NAGGI, 2016; VERALDI et al., 2015).
Os protocolos atuais baseados no monitoramento do estado de coagulação dos
pacientes durante a neutralização da heparina por protamina são eficazes para avaliar
a inativação das cadeias da heparina bovina com força aniônica e atividade
anticoagulante maiores. No entanto, as cadeias com menor força aniônica, que
respondem por aproximadamente 35% da massa das preparações de heparina
bovina, podem não ser detectadas devido a suas potências menores e, portanto,
63

permanecem ativas na circulação sanguínea após a administração de protamina.


Embora o potencial real que a heparina bovina de baixa atividade anticoagulante
remanescente tenha em provocar sangramento seja incerto, os experimentos in vitro
e in vivo realizados neste e em outros trabalhos demonstraram que heparina bovina
exige mais protamina do que heparina suína e HBAA para ter sua atividade
anticoagulante devidamente neutralizada (HOGWOOD et al., 2017). Portanto, uma
neutralização segura da heparina bovina por protamina requer procedimentos clínicos
específicos, enquanto a HBAA é neutralizada de forma eficaz, seguindo os mesmos
protocolos empregados para a heparina suína.
Apesar das diferenças indiscutíveis entre heparina suína e heparina bovina
demonstradas pelo Laboratório de Tecido Conjuntivo da UFRJ e por outros grupos ao
longo dos anos, o conjunto de experimentos apresentados nesta tese mostram que o
derivado de heparina bovina HBAA pode ser considerado equivalente à heparina
suína e, portanto, cumpre a demanda da maioria das agências internacionais para a
aprovação de uma novo produto, bovino, para uso clínico.
Com os dados apresentados nesta tese, foi possível publicar dois artigos
científicos (Apêndices I e II) e o pedido da patente do processo de produção de HBAA
(Número do registro no INPI: BR10201902098; Depósito: 04/10/2019).
64

6 CONCLUSÃO
Este trabalho mostra que, apesar de haver diferenças entre as heparinas suína
e bovina, é possível obter um derivado da bovina com composição e características
farmacológicas semelhantes à heparina suína usando cromatografia de troca iônica.
HBAA e heparina suína exibem atividades anticoagulantes e perfis de
segurança similares e, portanto, podem ser consideradas heparinas bioequivalentes.
As diferenças estruturais entre essas duas preparações são muito sutis,
basicamente relacionadas com o conteúdo de ácido β-glucurônico (HBAA > suína).
Outro ponto extremamente importante e que merece destaque é que, com base
nos resultados desta tese, o derivado HBAA da heparina bovina pode resolver o
problema da atual escassez desse tipo de medicamento no mercado global.
65

7 REFERÊNCIAS

ANDRADE, J.P.S.; OLIVEIRA, C.P.; TOVAR, A.M.F.; MOURÃO, P.A.S.; VILANOVA,


E. A color-code for glycosaminoglycans identification by means of polyacrylamide gel
electrophoresis stained with the cationic carbocyanine dye Stains-all.
Electrophoresis, v. 39, n. 4, p. 666-669, 2018. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29105785/>. Acesso em: 03 de março de 2020.

ANVISA. Alerta sobre o aumento de casos de sangramento e discrasias sanguíneas


durante ou após cirurgias no Brasil possivelmente associadas ao uso de heparina de
intestino bovino em vez de suíno. Disponível em:
<http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/alerta/
federal/2008/federal_3_08.htm>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2020.

AQUINO, R.S.; PEREIRA, M.S., VAIRO, B.C., CINELLI, L.P.; SANTOS, G.R.C.;
FONSECA, R.J.C.; MOURÃO, P.A.S. Heparins from porcine and
bovine intestinal mucosa: are they similar drugs? Thromb. Haemost., v. 103, n. 5,
p.1005-1015, 2010. Disponível em <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20216993/>.
Acesso em: 05 de março de 2020.

ATHA, D.H.; LORMEAU, J.C.; PETITOU, M.; ROSENBERG, R.D.; CHOAY, J.


Contribution of monosaccharides residues in heparin binding to antithrombin III.
Biochemistry, v. 24, p. 6723-6729, 1985. Disponível em:
<https://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/bi00344a063>. Acesso em: 02 de março de
2020.

BERTINI, S.; RISI, G.; GUERRINI, M.; CARRICK, K.; SZAJEK, A.Y.; MULLOY, B.
Molecular weights of bovine and porcine heparin samples: comparison of
chromatographic methods and results of a collaborative survey. Molecules, v. 22, n.
7, e. 1214, 2017. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28753946/>.
Acesso em: 10 de março de 2020.

BOLTEN, S.N.; RINAS, R.; SCHEPER, T. Heparin: role in protein purification and
substitution with animal-component free material. Applied Microbiology and
Biotechnology, v. 102, p. 8647-8660, 2018. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30094590/>. Acesso em: 10 de março de 2020.

BORSIG, L. Antimetastatic activities of modified heparins: selectin


inhibition by heparin attenuates metastasis. Semin. Thromb.
Hemost., v. 33, n. 5, p. 540-546, 2007. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17629852/>. Acesso em: 05 de março de 2020.

BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As bases farmacológicas da


terapêutica de Goodman & Gilman. 12ª edição. Porto Alegre: AMGH, 2012.
66

CASSINELLI, G.; NAGGI, A. Old and new applications of non-anticoagulant heparin.


Int. J. Cardiol., v. 212, Suppl. 1, p. S14-S21, 2016. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27264866/>. Acesso em: 05 de março de 2020.

EUROPEAN PHARMACOPOEIA. Heparin sodium monograph: EP 9th


ed. Strasbourg: EDQM Commission; 2018.

FARMACOPEIA BRASILEIRA. Monografia da Heparina Sódica Suína: Farmacopeia


Brasileira. 5ª ed., 1º suplemento. Brasília: ANVISA; 2016

FARMACOPEIA BRASILEIRA. Monografia da Heparina Sódica Bovina: Farmacopeia


Brasileira. 5ª ed., 2º suplemento. Brasília: ANVISA; 2017

FARMACOPEIA DOS ESTADOS UNIDOS – Formulário Nacional. Monografia da


Heparina Sódica: SP41–NF36. USP Convention, Rockville; 2018

FARNDALE, R.W.; BUTTLE, D.J.; BARRET, A.J. Improved quantitation and


discrimination of sulfated glycosaminoglycans by use of dimethylmethylene blue.
Biochem Biophys Acta, v. 883, p. 173-177, 1986. Disponível em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/0304416586903065?via%3Dih
ub>. Acesso em: 08 de novembro de 2020.

FAY, W.P. Intravital fluorescence microscopy improves thrombosis phenotype scoring


in mice. Arterioscler. Thromb. Vasc. Biol., v. 31, n. 6, p. 1253-1254, 2011. Disponível
em: <https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/ATVBAHA.111.226290>. Acesso em:
07 de março de 2020.

FU, L.; LI, G.; YANG, B.; ONISHI, A.; LI, L.; SUN, P.; ZHANG, F.; LINHARDT, R.J.
Structural Characterization of Pharmaceutical Heparins Prepared from Different
Animal Tissues. J Pharm Sci. V. 102 n. 5, p. 1447-1457, 2013. Disponível em:
<https://jpharmsci.org/article/S0022-3549(15)31118-7/fulltext>. Acesso em: 08 de
novembro de 2020.

FU, L.; Li, K.; Mori, D.; HIRAKANE, M.; LIN, L.; GROVER, N.; DATTA, P.; YU, Y.;
ZHAO, F.; YALCIN, M.; MOUSA, S.A.; DORDICK, J.S.; LINHARDT, R.J. Enzymatic
generation of highlyanticoagulant bovine intestinal heparin. J. Med. Chem., v. 60, n.
20, p. 8673-8679, 2017. Disponível em:
<https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jmedchem.7b01269#>. Acesso em: 05 de
março de 2020.

Global Heparin Market Will Reach USD 10,929.51 Million by


2023: Zion Market Research. Disponível em: <https://globenewswire.com/news-
release/2018/03/16/1438456/0/en/GlobalHparin-Market-Will-Reach-USD-10-929-51-
Million-by-2023-
Zion-Market-Research.html>. Acesso em: 15 de novembro de 2019.
67

GRAY, E., MULLOY, B.; BARROWCLIFFE, T.W. Heparin and low-molecular-weight


heparin. Thromb. Haemost., v. 99, p. 807-818, 2008. Disponível em:
<https://pdfs.semanticscholar.org/f58d/0f3e837d62d60c96a57da940d21d0fd50508.p
df>. Acesso em: 10 de março de 2020.

GUERRINI, M.; BISIO, A.; TORRI, G. Combined Quantitative ¹H and ¹³C Nuclear
Magnetic Resonance Spectroscopy for Characterization of Heparin Preparations.
Semin. Thromb. Hemost., v. 27, n. 5, p. 473-482, 2001. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11668416/>. Acesso em: 10 de março de 2020.

HANDEL, T.M.; JOHNSON, Z.; CROWN, S.E.; LAU, E.K.; SWEENEY, M.;
PROUDFOOT, A.E. Regulation of protein function by glycosaminoglycans – as
exemplified by chemokines. Annu. Rev. Biochem., v. 74, p. 385-410, 2005.
Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15952892/>. Acesso em: 8 de março
de 2020.

HIGGINS, J. China's African swine fever epidemic could cause global heparin
shortage, 1° de maio de 2019. Disponível em:
<https://www.upi.com/Top_News/US/2019/05/01/>. Acesso em: 30 de abil de 2020.

HIRSH, J.; WARKENTIN, T.E.; SHAUGHNESSY, S.G.; ANAND, S.S.; HALPERIN,


J.L.; RASHKE, R.; GRANGER, C.; OHMAN, E.M.; DALEN, J.E. Heparin and Low-
Molecular-Weight Heparin: Mecanism of action, Pharmacokinetics, Dosing,
Monitoring, Efficacy and Safety. Chest, v. 119, p. 64S-94S, 2001. Disponível em: <
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11157643/>. Acesso em: 5 de março de 2020.

HOGWOOD, J.; MULLOY, B.; GRAY, E. Precipitation and neutralization of


heparin from different sources by protamine sulfate. Pharmaceuticals (Basel), v. 10,
n. 3, e. 59, 2017. Disponível em:
<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5620603/>. Acesso em 20 de março
de 2020.

JESKE, W.; WALENGA, J.M.; HOPPENSTEADT, D.; FAREED, J. Update on the


safety and bioequivalence of biosimilars - focus on enoxaparin.
Drug Healthc Patient Saf., v. 5, p. 133-141, 2013. Disponível em:
<https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3684140/>. Acesso em: 13 de março
de 2020.

LEVER, R.; SMAILBEGOVIC, A.; RIFFO-VASQUEZ, Y.; GRAY, E.; HOGWOOD, J.;
FRANCIS, S.M.; RICHARDSON, N.V.; PAGE, C.P.; MULLOY, B. Biochemical and
functional characterization of glycosaminoglycans released from degranulating rat
peritoneal mast cells: Insights into the physiological role of endogenous heparina.
Pulmonary Pharmacology & Therapeutics, v. 41, p. 96-102, 2016. Disponível em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1094553916301468?via%3Dihub
>. Acesso em 08 de novembro de 2020.
68

LINDHAL, U.; THUNBERG, L.; BÄCKSTROM, G.; RIESENFELD, J.; NORDIING, K.;
BJÖRK, I. Extension and structural variability of the antithrombin-binding sequence in
heparin. J. Biol. Chem., v. 259, p. 12368-12376, 1984. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/6490618/>. Acesso em: 10 de março de 2020.

LINHARDT, R.J. Heparin: Structure and Activity. J. Med. Chem., v. 46, n. 13, p. 2551-
2564, 2003. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/308528901_Heparin_structure_and_activit
y>. Acesso em: 15 de março de 2020.

LIU, H.; ZHANG, Z.; LINHARDT, R.J. Lessons learned from the contamination of
heparin. Nat. Prod. Rep., v. 26, p. 313-321, 2009. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19240943/>. Acesso em: 3 de março de 2020.

MELO, E.I.; PEREIRA, M.S.; CUNHA, R.C.; SÁ, M.P.L.; MOURÃO, P.A.S. Controle
da qualidade das preparações de heparina disponíveis no Brasil: implicações na
cirurgia cardiovascular. Rev. Bras. Cir. Cardiovasc., v. 23, n. 2, p. 169-174, 2008.
Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-
76382008000200004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 4 de março de 2020.

MULLOY, B.; GRAY, T.W.B. Characterization of Unfractionated Heparin: Comparison


of Materials from the last 50 Years. Thromb. Haemost., v. 84, p. 1052-1056, 2000.
Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/12175677_Characterization_of_Unfraction
ated_Heparin_Comparison_of_Materials_from_the_last_50_Years>. Acesso em: 6 de
março de 2020.

MULLOY, B.; HOGWOOD, J.; GRAY, E.; LEVER, R.; PAGE, C.P. Pharmacology of
heparin and related drugs. Pharmacol. Rev., v. 68, n. 1, p. 76-141, 2016. Disponível
em: <https://pharmrev.aspetjournals.org/content/68/1/76>. Acesso em: 8 de março de
2020.

OLSON, S.T.; BJÖRK, I.; SHORE, J.D. Kinetic characterization of heparincatalyzed


and uncatalyzed inhibition of blood coagulation proteinases by antithrombin. Methods
Enzymol., v. 222, p. 525-559, 1993. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8412815/>. Acesso em: 13 de março de 2020.

OLSON, S.T.; RICHARD, B.; IZAGUIRRE, G.; SCHEDIN-WEISS, S.; GETTINS,


P.G.W. Molecular mechanisms of antithrombin-heparin regulation of blood clotting
proteinases. a paradigm for understanding proteinase regulation by serpin family
protein proteinase inhibitors. Biochimie, v. 92, n. 11, p. 1587-1596, 2010. Disponível
em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0300908410002063?via%3D
ihub>. Acesso em 08 de novembro de 2020.
69

SANTOS, G.R.C.; TOVAR, A.M.F.; CAPILLÉ, N.V.M.; PEREIRA, M.S.; POMIN, V.H.;
MOURÃO, P.A.S. Structural and functional analyses of bovine and
porcine intestinal heparins confirm they are different drugs. Drug
Discov. Today, v. 19, n. 11, p.1801-1807, 2014. Disponível em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S135964461400275X>.
Acesso em: 2 de março de 2020.

SONG, J.C.; WANG, G.; ZHANG, W.; ZHANG, Y., LI, W.Q.; ZHOU, Z.; People’s
Liberation Army Professional Committee of Critical Care Medicine, Chinese Society on
Thrombosis and Haemostasis. Chinese expert consensus on diagnosis and treatment
of coagulation dysfunction in COVID-19. Military Medical Research, v. 7, n. 19, 2020.
Disponível em: <https://mmrjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40779-020-
00247-7>. Acesso em: 20 de agosto de 2020.

SZAJEK, A.; GRAY, E.; KEIRE, D.; MULLOY, B.; AL-HAKIM, A.; CHASE, C.;
SOARES, M.D.L.C.; CAIRATTI, D.; HOGWOOD, J.; MOURÃO, P.; MORRIS, T.S.
Diversifying the global heparina supply chain. Reintroduction of bovine heparin in the
United States? Pharm. Technol., v. 39, p. 28-35, 2015. Disponível em:
<https://www.pharmtech.com/view/diversifying-global-heparin-supply-chain-
reintroduction-bovine-heparin-united-states>. Acesso em: 15 de março de 2020.

TANG, N.; BAI, H.; CHEN, X.; GONG, J.; LI, D.; SUN, Z. Anticoagulant treatment is
associated with decreased mortality in severe coronavirus disease 2019 patients with
coagulopathy. J. Thromb. Haemost., v. 18, p. 1094-1099, 2020. Disponível em:
<https://pesquisa.bvsalud.org/controlecancer/resource/pt/mdl-32220112>. Acesso
em: 20 de agosto de 2020.

THIANGTHUM, S.; VANDER, H. Y.; BUCHBERGER, W.; VIAENE, J.;


PRUTTHIWANASAN, B.; SUNTORNSUK, L. Development and validation of an ion-
exchange chromatography method for heparin and its impurities in heparin products.
J. Sep. Sci., v. 37, n. 22, p. 3195-3204, 2014. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25146711/>. Acesso em: 14 de março de 2020.

TOVAR, A.M.F.; CAPILLÉ, N.V.M.; SANTOS, G.R.C.; VAIRO, B.C.; OLIVEIRA,


S.N.M.C.G.; FONSECA, R.J.C.; MOURÃO, P.A.S. Heparin from bovine intestinal
mucosa: Glycans with multiple sulfation patterns and anticoagulant effects. Thromb.
Haemost., v. 107, p. 903-915, 2012. Disponível em: <https://www.thieme-
connect.de/products/ejournals/abstract/10.1160/TH11-09-0664>. Acesso em: 08 de
novembro de 2020.

TOVAR, A.M.F.; SANTOS, G.R.C.; CAPILLÉ, N.V.; PIQUET, A.A.; GLAUSER, B.F.;
PEREIRA, M.S.; VILANOVA, E.; MOURÃO, P.A.S. Structural and haemostatic
features of pharmaceutical heparins from different animal sources: challenges to
define thresholds separating distinct drugs. Sci. Rep., v. 6, p. 35619, 2016. Disponível
em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27752111/>. Acesso em: 20 de março de 2020.
70

TOVAR, A.M.F.; TEIXEIRA, L.A.C.; REMBOLD, S.M.; LEITE, M.J.R.; LUGON, J.R.;
MOURÃO, P.A.S. Bovine and porcine heparins: different drugs with similar
effects on human haemodialysis. BMC Res. Notes, v. 6, p. 230, 2013. Disponível em:
<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23763719/>. Acesso em: 5 de março de 2020.

VILANOVA, E.; TOVAR, A.M.F.; MOURÃO, P.A.S. Imminent risk of a global


shortage of heparin caused by the African Swine Fever afflicting
the Chinese pig herd. J. Thromb. Haemost., v. 17, n. 2, p. 254-256, 2019. Disponível
em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30582884/>. Acesso em: 20 de março de 2020.

VERALDI, N.; HUGHES, A.J.; RUDD, T.R.; THOMAS, H.B; EDWARDS, S.W.;
HADFIELD, L.; SKIDMORE, M.A.; SILIGARD, G.; COSENTINO, C.; SHUTE, J.K.;
NAGGI, A.; YATES, E.A. Heparin derivatives for the
targeting of multiple activities in the inflammatory response.
Carbohydr. Polym., v. 117, p. 400-407, 2015. Disponível em:
<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0144861714009898>.
Acesso em: 14 de março de 2020.

WARDROP, D.; KEELING, D. The story of the discovery of heparin and warfarin. Brit.
J. Haemat., v. 141, p. 757-763, 2008. Disponível em:
<https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1365-2141.2008.07119.x>. Acesso
em: 15 de março de 2020.
71

8 APÊNDICES
8.1 Apêndice I

Thromb Haemost 2019;119:618–632

Converting the Distinct Heparins Sourced from Bovine or Porcine Mucosa into a
Single Anticoagulant Drug

TOVAR, A.M.F.; VAIRO, B.C.; OLIVEIRA, S.N.M.C.G.; GLAUSER, B.F.; SANTOS,


G.R.C.; CAPILLÉ, N.V.; PIQUET, A.A.; SANTANA, P.S.; MICHELI, K.V.A.;
PEREIRA, M.S.; VILANOVA, E.; MOURÃO, P.A.S.

Você também pode gostar