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Proteção a Direitos Humanos: Prevenção e Proibição

à Tortura - Módulo 5

Olá.
Bem-vindos ao Módulo 5. 

Este módulo trata da metodologia adotada para elaboração de Relatórios de Mecanismos


estaduais de prevenção e combate à tortura.
Serão utilizados como exemplos: o Relatório do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à
Tortura do Rio de Janeiro e o Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
sobre unidades prisionais no Amazonas.

MÓDULO 5 - ESTUDOS DE CASO: SISTEMATIZAN DO DADOS SOB R E TOR TUR A

1 - Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RJ

2 - Relatório do MNPCT sobre Unidades Prisionais no Amazonas


Lição 1 of 2

1 - Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à


Tortura do RJ

Já percorrermos mais da metade do curso e, como já vimos, a Lei nº. 9.455/1997 de ne tortura como o ato
de constranger alguém com uso de violência ou grave ameaça causando-lhe sofrimento físico ou mental:
para obter informação, declaração ou con ssão da vítima ou de terceiros.

Relembrado o conceito de tortura, nesta etapa apresentaremos um caso exemplar de monitoramento de


local de privação de liberdade, registrado em relatório produzido por mecanismo independente.

A partir da análise deste documento, esperamos que você consiga identi car:  

Quais foram os requisitos necessários que caracterizaram o crime de tortura nos locais
visitados.

A metodologia utilizada por cada um dos mecanismos independentes.


Como foram caracterizadas as situações de risco em que houve ocorrência de tortura e como
se deu a condição de vulnerabilidade das possíveis vítimas.

As recomendações que foram estabelecidas aos órgãos responsáveis pela investigação do


crime visando a adoção de políticas de prevenção e enfrentamento à tortura.

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) integra o Sistema Nacional de


Prevenção e Combate à Tortura, de acordo com a Lei nº 12.847, de 2013. O órgão é composto por onze
peritos que têm acesso a espaços de privação de liberdade (centros de detenção, estabelecimento penal,
hospital psiquiátrico, abrigo de pessoa idosa, instituição socioeducativa ou centro militar de detenção
disciplinar). Veri cadas as violações, os peritos elaboram relatórios com recomendações.

O MNPCT edita relatórios anuais (prestação de contas de suas atividades), relatórios temáticos (a exemplo
do relatório sobre o Fundo Penitenciário Nacional) e relatórios de visitas a unidades com pessoas em
situação de restrição de liberdade.

Dessa forma, é relevante saber que o relatório é uma ferramenta importante que um órgão de visita tem à
disposição para proteger as pessoas privadas de liberdade e encontrar meios de melhorar a situação delas.

Tanto a Lei n. 12.847, de 2013, como o OPCAT mencionam a atribuição do órgão que realiza visitas de
elaborar esses relatórios e fazer recomendações. A lei ainda estabelece a obrigação da autoridade
encarregada pela detenção de levar em consideração o que apresenta o texto do relatório e iniciar um
diálogo acerca de seu conteúdo (SDH, 2015). Dito isso, acompanhe as informações do primeiro relatório
que apresentaremos, aqui, para seu conhecimento. Avante!

1 .1 R e l a t ó r i o d o M e c a n i s m o E s t a d u a l d e Pr e v e n ç ã o e C o m b a t e à
To r t u r a d o R i o d e J a n e i r o

1.1 Relatório do Mecanismo Estadual de


Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
Vamos analisar o relatório produzido pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio
de Janeiro (MEPCT/RJ) que é um órgão criado pela Lei Estadual nº. 5.778 de 2010¹ e vinculado à
Assembleia Legislativa do Estado.

O MEPCT/RJ tem objetivos importantíssimos, tais como: planejar, realizar e conduzir visitas periódicas e
regulares a espaços de privação de liberdade para veri car as condições em que se encontram submetidas
as pessoas, para prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.

Estas visitas independem de qualquer forma ou fundamento de detenção, aprisionamento, contenção ou


colocação em estabelecimento público ou privado de controle, vigilância, internação, abrigo ou tratamento.

Como resultado das visitas, o MEPCT/RJ editou três tipos de relatórios: os de visitas de monitoramento, os
temáticos e os anuais.

 ¹A íntegra da Lei nº. 5.778 de 2010 está disponível em:    


http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/abd38a1
82e33170383257757005bdb5c?OpenDocument


Relatório de visitas de monitoramento

Registra o acompanhamento do mecanismo a uma determinada unidade de privação de liberdade. 


Relatório anual

Apresenta as atividades anualmente realizadas pelo órgão, para ns de prestação de contas à sociedade.

Relatório Temático

Analisa determinados temas de Direitos Humanos e sua interface com a prevenção e enfrentamento à tortura.

Agora, estudaremos algumas das informações fundamentais do relatório temático Mulheres, Meninas e
Privação de Liberdade no Rio de Janeiro, de 2016 (MEPCT/RJ, 2016), que apresentou dados e fez uma
análise sobre as condições em que se encontravam as meninas e mulheres que foram privadas de sua
liberdade no estado do Rio de Janeiro.

O relatório foi dividido em seis seções:

1 Apresentação.

2 Noções Introdutórias do Relatório: Mulheres, Meninas e Privação de Liberdade no Rio de


Janeiro.

3 Marco Jurídico.

4 Visitas de Monitoramento.

5 Grupos Focais.
6 Conclusões e Recomendações.

Vamos conhecer as que mais nos interessam e que foram apresentadas neste relatório. Acompanhe!

1. Apresentação

Na apresentação, o relatório trouxe os seguintes itens: objetivo geral do relatório, as atribuições do


MEPCT/RJ, a de nição de prevenção à tortura e a importância da identi cação do risco de tortura como
elemento importante para as ações de prevenção deste crime.

O relatório expôs o diagnóstico inicial das principais di culdades enfrentadas por meninas e mulheres
privadas de sua liberdade, assim como por mulheres que visitaram seus familiares privados de liberdade
(MPEPCT/RJ, 2015, p. 6). Esse item tinha como intenção prevenir e combater as condições de tortura e
maus tratos através de recomendações que estabelecessem a harmonia com os padrões nacionais e
internacionais que preconizavam a garantia de direitos as mulheres (MPEPCT/RJ, 2015, p. 8).

2. Noções Introdutórias do Relatório

Esta parte do relatório apresentou a metodologia adotada na elaboração do documento que procurava
replicar o guia prático elaborado pela Associação para a Prevenção à Tortura (APT) sobre monitoramento
dos locais de detenção. Esse item descreveu também o cenário de privação de liberdade para mulheres e
meninas, bem como os aspectos relacionados à condição da mulher no cárcere.

Esclarecer a metodologia adotada na elaboração do relatório é importante, pois garante transparência na


atuação do mecanismo e permite a replicação das condutas e rotinas desenvolvidas para a realização das
visitas por outros órgãos e agentes que atuam na prevenção da tortura.

Os relatórios do MEPCT/RJ  utilizaram como metodologia o relato descritivo que destacava o ponto de
vista dos distintos atores das unidades visitadas como, por exemplo, o ponto de vista da direção, dos
agentes penitenciários e do corpo técnico dos diferentes pro ssionais que tinham sob sua responsabilidade
pessoas que se encontravam nos locais de detenção. Foram descritos também o ponto de vista das pessoas
privadas de liberdade e as observações da equipe de visita do MEPCT/RJ. Acompanhe um trecho
importante deste item no relatório produzido em 2016:
(...) Entendendo a importância de contextualizar as informações que constam do relatório, antes de realizar
recomendações às autoridades competentes, o MEPCT/RJ preconiza apresentar uma análise trazendo a
sistematização de dados o ciais nacionais e estaduais; artigos de especialistas; informações colhidas em
Fóruns Permanentes que tratam dos espaços de privação de liberdade e referências a documentos
nacionais e internacionais de regras mínimas para tratamento de pessoas privadas de liberdade. O objetivo
é informar acerca da discussão mais atual sobre o tema no cenário nacional e internacional de modo a
quali car os relatórios apresentados e possibilitar sua maior e cácia e abrangência (MPEPCT/RJ, 2015, p.
9).

3. Marco Jurídico

Este aspecto do relatório de niu o campo jurídico de atuação do órgão e os direitos estabelecidos no âmbito
internacional e nacional das mulheres em situação de privação de liberdade, sujeitas à violência ou a
condições de vulnerabilidade. Também apresentou normas internacionais de proteção aos Direitos
Humanos e a condição de mulheres privadas de liberdade, como a Convenção de Belém do Pará
(Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher) e a Lei de
Execuções Penais, que indica a necessidade de diferenciação dos estabelecimentos penais por sexo. Foram
indicadas no relatório onze (11) normas e legislação deste tema pelo MEPCT/RJ. Acompanhe!

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher


(Convenção de Belém do Pará) - Decreto nº 1973, de 1996

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher -


Decreto nº 4.377, de 2002

Convenção Americana sobre Direitos Humanos

Regras Mínimas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela)

Regras das Nações Unidas para o Tratamento das Mulheres Presas e Medidas
Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok)
Constituição Federal do Brasil

Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340, de 2006

Lei de Execução Penal - Lei nº 7.210, de 1984

Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil - Resolução nº 14, de 11 de


novembro de 1994 do Comitê Nacional de Política Criminal e Penitenciária

Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal - Resolução nº 09, de 18 de novembro de


2011 do Comitê Nacional de Política Criminal e Penitenciária

4. Visitas de Monitoramento

O relatório descreveu visitas de monitoramento a nove unidades de privação de liberdade. Todas elas
deveriam conter informações para caracterização e identi cação do lugar, tais como: unidade visitada, data
da scalização, agentes responsáveis pela unidade (direção e che a de segurança), endereço, telefone,
capacidade da unidade quanto a número de mulheres presas e número de presas na data da visita.

O MEPCT/RJ também observou, durante as visitas, a estrutura da unidade (acesso à agua, banho de sol,
kits de higiene, colchões, vestimentas, etc.); o acesso a direitos como educação, saúde, trabalho; condições
especí cas de mulheres estrangeiras, mulheres grávidas, mulheres transexuais e travestis; e superlotação
das unidades, com destaque a relatos sobre tortura por agentes públicos. Neste último caso, as formas de
obter estas informações foram através da realização de entrevistas com mulheres privadas de liberdade e
a observação da dinâmica da unidade.

5. Grupos Focais

O objetivo desta seção era demonstrar como a situação de encarceramento e violações aos direitos de
pessoas privadas de liberdade, incluindo a ocorrência de situações de tortura, afetavam também a família,
em especial as mulheres que serviam de elo entre o preso e o mundo exterior. Para tanto, o MEPCT/RJ
utilizou a metodologia de grupo focal² para escutar essas mulheres. Acompanhe um trecho deste item no
relatório:

“Sabe-se que nem todas as mulheres que têm suas vidas afetadas pela prisão de um ente

querido conseguem se organizar em coletivos, encontrando neles também um suporte


para a dor individual. Desta forma, para além desses grupos organizados, como por
exemplo as Guerreiras de Bangu e o Movimento Moleque, há um número grande de
mulheres visitantes dos sistemas de privação de liberdade que se encontram ainda mais
desprotegidas e invisíveis para a sociedade. [...] Ao MEPCT/RJ no encontro com essas
mulheres interessava conhecer como o encarceramento de um familiar impactou suas
vidas. Buscou-se, então, trazer para a conversa questões relativas à vida diária delas,
tendo como marco a detenção do seu familiar. Para a realização desse relatório, o
MEPCT/RJ lançou mão de uma ferramenta que pudesse fazer com que um grupo de

pessoas fosse ouvido de forma dinâmica. Elegeram, assim, como metodologia o grupo
focal, por entenderem que esse modelo de grupo permitia que uma proposta, ou um tema,
fosse apresentado para discussão objetivando a obtenção de percepções sobre o mesmo.”

- MEPCT/RJ, 2015, p. 73.

 ²Grupo focal é um tipo de entrevista feita em grupos que permite ao entrevistador


observar a interação entre os participantes, que podem manifestar uma opinião coletiva ou
se dividir em subgrupos com ideias opostas. Propicia um ambiente mais natural, pois os
participantes levam em consideração a opinião dos outros para formular a própria.

O relatório também trazia uma seção sobre a situação das mulheres que visitaram familiares em unidades
penitenciárias ou do sistema socioeducativo:
Tanto nas penitenciárias, quanto nas unidades de internação para adolescentes do DEGASE, a maioria dos
visitantes eram mulheres. Antes mesmo que houvesse necessidade de uma estatística que comprovasse
essa a rmação, foi possível evidenciá-la nas várias visitas feitas pelo MEPCT/RJ às instituições de
internação para adultos e adolescentes. Isso por quedo lado de fora, observavam as las formadas em sua
maioria absoluta por mulheres. Essa cena era muito representativa de como o encarceramento em massa
de homens (jovens, negros e pobres) tinha impactado as vidas de suas mães, esposas, irmãs, tias, amigas,
etc.

Era de conhecimento do MEPCT/RJ a existência de grupos de mulheres que se organizavam para o


enfrentamento das violações de direitos e outras di culdades às quais estão submetidas a partir do
encarceramento de um familiar, tanto no sistema socioeducativo, quanto na SEAP. Sensível à luta cotidiana
dessas mulheres, o MEPCT/RJ entendeu como primordial a necessidade de incluir a temática das visitantes
no relatório sobre mulheres, meninas e privação de liberdade. (MEPCT/RJ, 2015, p. 72).

6. Conclusões e Recomendações

O MEPCT/RJ, ao nal do relatório temático, apresentou recomendações organizadas a partir das situações
veri cadas in loco e em relação ao sistema prisional e socioeducativo. As recomendações se referiam aos
seguintes temas:

Superlotação, penas e medidas alternativas.

Assistência jurídica, informação processual e outros direitos.

Estrutura das unidades da administração penitenciária.

Acesso à água, alimentação, instalações, higiene.

Saúde.

Visitas.

Atividades laborativas, educacionais, recreativas e esportivas.


Tortura, maus-tratos e sanções coletivas.

Transparência

Para nalizar, observe atentamente alguns exemplos de recomendações destinadas a órgãos e autoridades
apresentadas no relatório temático “Mulheres, Meninas e Privação de Liberdade no Rio de Janeiro”
(MEPCT/RJ, 2016).

Órgão Recomendação Tema

Aprovar o PLS 554/2011,


que propõe a alteração do
art. 306 do Código de
Processo Penal, prevendo
Superlotação, penas e
Congresso Nacional a Audiência de Custódia,
medidas alternativas.
de modo a assegurar que
as presas tenham contato
com o juiz no máximo em
24 horas.

Criação da Vara
Tribunal de Justiça do Superlotação, penas e
especializada de Penas e
Estado do Rio de Janeiro medidas alternativas.
Medidas Alternativas.

Realização de obra
Secretaria de Estado de emergencial a m de
Estrutura das unidades da
Administração acalcar condições
administração
Penitenciária e Direção adequadas de iluminação,
penitenciária.
da Unidade dormitório e instalações
sanitárias.
Órgão Recomendação Tema

Equipar e manter
ambulâncias para
translado de presos em
Secretaria de Estado de
situação grave de saúde,
Administração Saúde.
substituindo, assim, o
Penitenciária
deslocamento dos presos
pelo Serviço de Operação
Externas (SOE/GSE).

Secretaria de Estado de
Administração
Identi car, processar e
Penitenciária, Ministério
responsabilizar os
Público do Estado do Rio
autores de agressões Tortura, maus tratos e
de Janeiro, Direção do
contra as mulheres sanções coletivas.
Presídio Evaristo de
transexuais e travestis
Moraes e Tribunal de
privadas de liberdade.
Justiça do Estado do Rio
de Janeiro

Saiba Mais!

Caso queira complementar suas informações e aprofundar na leitura de alguns documentos e sites
importantes, recomendamos alguns endereços para acesso.

O documento “Monitoramento dos locais de privação de liberdade: guia prático” da Associação para
Prevenção à Tortura (APT) está disponível em: 
https://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2018/01/formacao-monitoramentode-locais-de-detencao.pdf
Para saber mais sobre a atuação do MEPCT/RJ, acesse a página: http://mecanismorj.com.br/
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2 - Relatório do MNPCT sobre Unidades Prisionais no


Amazonas

Nesse momento, utilizaremos como caso de análise o relatório de visita a quatro unidades prisionais de
Manaus, no Amazonas, produzido em dezembro de 2015 (MNPCT, 2016). O documento teve como
objetivo relatar as visitas realizadas e apresentar recomendações às autoridades responsáveis sobre o
funcionamento dessas unidades de privação de liberdade.

O relatório foi organizado em cinco seções. Nós teremos como foco de estudos algumas destas seções.
Acompanhe!

1 Introdução e de nição de conceitos de tortura.

2 Estrutura das unidades prisionais.

3 Características do sistema prisional do Amazonas.

4 Considerações nais do relatório.

5 Recomendações aos órgãos.

1. Introdução e de nição de conceitos de tortura

O relatório apresenta, já nas seções iniciais, a de nição de tortura e a base de análise do MNPCT:
Segundo a Convenção da ONU Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (1984), a tortura é de nida como qualquer ato cometido por agentes públicos ou atores no
exercício da função pública pelo qual se in ija intencionalmente a uma pessoa dores ou sofrimentos graves,
físicos ou mentais, a m de obter informação ou con ssão; de castigá-la por um ato que cometeu ou que se
suspeite que tenha cometido, intimidar ou coagir; ou por qualquer razão baseada em algum tipo de
discriminação.

Já a Lei Federal nº 9.455/1997 tipi ca como tortura constranger alguém com emprego de violência ou
grave ameaça, causando-lhe sofrimento psíquico ou mental com a nalidade de obter informação,
declaração ou con ssão da vítima ou de terceiros; para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
em razão de discriminação racial ou religiosa. Ainda, de ne como tortura submeter alguém sob sua guarda,
poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental,
como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (MNPCT, 2016, p. 5).

2. Estrutura das unidades prisionais

A atuação do MNPCT é preventiva, busca identi car situações que possam gerar, permitir ou mesmo
ocorrer omissão em relação à tortura nas visitas aos locais de privação de liberdade. Na construção deste
relatório, as peritas sugeriram formas de impedir e de precaver a tortura, bem como de coibir tal prática.

Tratando-se de um relatório de visitas, o documento procurou descrever cada uma das unidades visitadas,
identi cando os seguintes elementos:

Ano de inauguração.

Capacidade total.

Número de pessoas presas no dia da visita.

Gestores e pro ssionais que atuavam na unidade.

Disposição espacial e arquitetônica: número de celas, disposição em corredores, prédios anexos,


existência de celas especí cas para presos em situação de risco, celas e espaços de atendimento à    
saúde, trabalho, lazer e alimentação.

3. Características do sistema prisional do Amazonas


Uma análise acurada sobre as visitas foi apresentada na sequência da descrição das unidades, identi cando
aspectos especí cos da realidade do sistema prisional do estado (no caso, a privatização da gestão de
unidades por empresas privadas) e situações de tortura na custódia policial e cometida por agentes
penitenciários:

As observações realizadas e os relatos obtidos durante a visita ao Amazonas evidenciaram a prática


sistemática da tortura e de outras ilegalidades cometidas por agentes públicos e privados (com função de
agentes do Estado).

Diversos relatos apontaram de forma contundente que, desde o momento da abordagem policial, diversas
pessoas detidas foram submetidas a técnicas de tortura na rua ou em um lugar ermo, chamado comumente
de "varador".

Além disso, nas delegacias de Manaus, diversas pessoas privadas de liberdade também foram torturadas
por policiais civis, contando, muitas vezes, com a conivência ou mesmo a participação do delegado
responsável. De fato, foi possível observar durante as visitas às unidades, sobretudo ao CDPM, a Cadeia
Pública e nas audiências de custódia, pessoas extremamente machucadas. Muitas estavam com suas
cabeças enroladas em bandagens, outras apresentavam graves feridas nas pernas e, ainda, várias tinham
marcas de espancamentos pelo corpo. Foram encontrados presos que mal conseguiam andar sem a ajuda
de outras pessoas (MNPCT, 2016, p. 24).

O relatório identi cou práticas de tortura especí cas, indicando que os casos individuais foram
encaminhados ao Ministério Público e órgãos competentes: espancamento; queimaduras; choques elétricos
nos genitais; afogamento; sufocamento com uso de saco plástico; perfuração abaixo das unhas com agulhas;
"telefone" (bater nas duas orelhas da pessoa simultaneamente); invasão de domicílio sem mandado judicial
e para realização de técnicas de tortura e humilhação; humilhações verbais; retirada de unhas.

O relatório também apresentou informações e dados sobre superlotação das unidades, gênero
(especi camente a situação das mulheres nas unidades), pessoas com transtorno mental privadas de
liberdade e uma análise especí ca sobre as audiências de custódia no estado.

4. Considerações nais do relatório


O relatório apresentou uma síntese das informações coletadas na seção das considerações nais.
Acompanhe!

Havia uma baixa ingerência dos agentes penitenciários e dos demais funcionários nas unidades masculinas.
A ação da administração penitenciária era bastante limitada e omissa diante da atuação das facções
criminosas.

Os presos basicamente se autogovernavam nas unidades prisionais, afetando a segurança jurídica e, mais
grave, o direito à vida das pessoas, sobretudo, as que estão no "seguro". Em diversas situações, as prisões
em agrante foram marcadas por práticas de tortura e maus tratos por parte dos policiais, tanto civis
quanto militares.

Apesar de em menor número em relação aos atos cometidos por policiais, não foram raras as práticas de
tortura e maus tratos realizadas em unidades prisionais por agentes penitenciários. Geralmente, tais atos
aconteciam como forma de punição em razão de faltas disciplinares de pessoas privadas de liberdade.
Con gurava-se, assim, um quadro sistemático de tortura nas diversas fases de detenção.

Forças especiais de segurança pública, como Batalhão de Choque da Polícia Militar, entravam
sistematicamente nas unidades prisionais estaduais sem um protocolo de ação. Já as condições de trabalho
dos agentes das unidades prisionais estaduais, sobretudo os que atuavam em locais privatizados, eram
bastante precárias.

Nas unidades visitadas, observou-se violação dos direitos previstos na LEP (Lei de Execuções Penais),
como saúde, educação e trabalho, bem como um clima de tensionamento, agravados do quadro de
superlotação.

Prevalecia na Penitenciária Feminina de Manaus a presença de agentes penitenciários do sexo masculino,


afetando a intimidade e privacidade das mulheres presas.

Em três unidades visitadas, foram observadas diversas pessoas em intenso sofrimento psíquico, de modo
que sua permanência no local, além de totalmente inadequada do ponto de vista terapêutico, era ilegal
(MNPCT/2016, pp. 35-37).
5. Recomendações aos órgãos

O MNPCT organizou as recomendações pelos órgãos a que foram destinadas. Alguns exemplos de
recomendações seguem no quadro abaixo:

Órgão Recomendação

Criação do Comitê Estadual de Prevenção


e Combate à Tortura.

Criação do Mecanismo Estadual de


Prevenção e Combate a Tortura.

As unidades prisionais deviam ser


administradas pelo pessoal técnico
penitenciário e não pelos presos.
Governo do Estado do Amazonas
Garantia imediata de separação dos
presos.

Garantia do direito à vida nas unidades


prisionais.

Realização do exame de corpo de delito


para registro e apuração dos fatos
relativos as pessoas privadas de
liberdade que apresentavam indícios de
tortura, bem como lesões corporais.
Órgão Recomendação

Ampliação das audiências de custódia


para todas as comarcas do estado do
Amazonas em um período de até seis
meses.

Adoção de medidas judiciais para corrigir


Tribunal de Justiça
a excessiva aplicação da prisão
preventiva.

Aplicação de medidas de
desencarceramento previstas em lei.

Realização mensal de inspeção nos


estabelecimentos penais.

Realização imediata e efetiva do controle


externo da atividade policial, sobretudo,
no que tange às prisões em agrante.

Ministério Público Realização mensal de visitas aos


estabelecimentos penais.

Realização permanente do
acompanhamento dos casos de tortura e
maus tratos em unidades prisionais
estaduais.

Saiba Mais!

A íntegra do relatório sobre as visitas a unidades prisionais de Manaus está disponível em:
http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/tortura/relatorios-mnpc/relatorio-de-visita-a-unidades-
prisionais-de-manaus-am

Conclusão

Você chegou ao nal do curso Proteção a Direitos Humanos: Prevenção e Proibição à Tortura. Os dois casos
analisados nesta etapa nal demonstraram como os conceitos estudados ao longo do curso poderão ser
aplicados na prática, caso você já seja um integrante do comitê estadual de proteção e combate à tortura
ou defensor de direitos humanos; e quais são os elementos a serem considerados para realização de
visitação adequada de unidades de privação de liberdade. Lembrando que estas visitas devem permitir que
você elabore relatórios com capacidade de gerar resultados efetivos na prevenção e no enfrentamento à
tortura. Vejamos, de modo detalhado, os elementos que deverão compor o relatório:

Previamente à visitação

Levantamento e análise da legislação nacional (o que inclui as normativas especí cas sobre os locais de
privação de liberdade como portarias e regimentos internos) e normativas internacionais sobre prevenção e
enfrentamento à tortura.

De nição de metodologia da visita que contemple a forma como serão coletadas as informações (entrevistas
com pessoas privadas de liberdade, entrevistas com agentes públicos, grupos focais, levantamento de
documentos, fotogra as, etc.).

Levantamento de informações sobre o contexto no qual o local a ser visitado está inserido: o sistema
penitenciário do estado ou o sistema socioeducativo; a rede de atendimento a pessoas com transtornos
mentais, o sistema de saúde local, o sistema de educação etc.
Durante a visitação

Registro das condições do local de privação de liberdade: capacidade total, número de pessoas presas no dia
da visita, gestores e pro ssionais que atuam nas unidades, disposição espacial e arquitetônica, número de
celas, disposição em corredores, prédios anexos, existência de celas especí cas para presos em situação de
risco, celas e espaços de atendimento à saúde, trabalho, lazer e alimentação.

Registro dos depoimentos das pessoas privadas de liberdade que denunciam as condições de privação e
conduta dos agentes da privação que podem vir a caracterizar tortura. Registro dos depoimentos dos
agentes que trabalham no local em especial sobre as condições de trabalho. Registro das condições de
públicos especí cos em situação de maior vulnerabilidade como mulheres, gestantes, pessoas com
de ciência, idosos, pessoas com transtorno mental.

Após a visitação

Monitoramento da atuação das autoridades quanto ao cumprimento das recomendações do relatório com a
veri cação, durante visitas subsequentes, se as respostas o ciais correspondem à situação real e se foi
adotada alguma medida ou ação. Em caso de falta de vontade dos órgãos e autoridades para cumprir as
recomendações, o órgão de visita deve continuar seu trabalho de monitoramento.

Consideração de estratégias de forma a exercer pressão sobre as autoridades, tais como abordar
parlamentares, sociedade civil, meios de comunicação e organizações internacionais.

A elaboração do relatório, deve contar não apenas com a descrição do local visitado, mas também com uma
contextualização sobre a situação no qual ele está inserido: o sistema penitenciário do estado ou o sistema
socioeducativo; a rede de atendimento a pessoas com transtornos mentais, o sistema de saúde local, etc.
Esta contextualização permitirá oferecer recomendações mais adequadas à realidade local da unidade, com
direcionamento para os órgãos apropriados, considerando todos os envolvidos – poderes Executivo,
Legislativo e o Judiciário.

Por m, o registro adequado dos elementos que caracterizam o crime de tortura é muito importante para o
encaminhamento à autoridade competente da investigação (Ministério Público, por exemplo) e de
recomendações sobre a realidade monitorada para os órgãos do Estado responsáveis pela adoção de
políticas públicas de prevenção à tortura, de acordo com as suas competências.

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