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ENRIQUE DUSSEL

HISTÓRIA DA IGREJA
LATINO-AMERICANA
(1930 a 1985)

2ª edição
Título original
Los últimos 50 años (1930-1985) en Ia historia de Ia Iglesia en América
Latina
© Indo-American Press Service - Editores - Colômbia, 1986

Tradução
Eugenia Flavian

Revisão
José Joaquim Sobral

© PAULUS - 1989
Rua Francisco Cruz, 229
04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (011) 575-7403
Tel. (011) 572-2362
ISBN 85-349-0380-8
SIGLAS E ABREVIATURAS

AC - Ação Católica
ACO - Ação Católica Operária
ACU - Agrupamento Católico Universitário (Cuba)
AEC - Associação de Educação Católica
ANEC - Associação Nacional de Estudantes Católicos
(Chile)
ASICH - Associação Sindical Chilena (1941)
ASJ - Ação Social da Juventude Católica (Peru)
CCTRN - Central Sindical Rerum Novarum (Costa
Rica, 1943)
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CEDOC - Confederação Equatoriana de Operários
Católicos
CEHILA - Comissão de Estudos de História da Igreja da
América Latina
CELAM - Conselho do Episcopado Latino-americano
CENAMI - Centro Nacional de Ajuda às Missões Indígenas
(México)
CENCOS - Centro Nacional de Comunicação Social
(México)
CHR - Conferência Haitiana dos Religiosos
CIAS - Centro de Pesquisas e Ação Social
CIEC - Confederação Latino-americana de Educação
Cristã (Bogotá)
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
CLAJOC - Conferência Latino-americana da JOC
CLAR - Conferência Latino-americana de Religiosos
CLASC - Confederação Latino-americana de Sindicalis-
tas Cristãos (Santiago)
CNBB - Conferência Nac. dos Bispos do Brasil (1952)
CNOC - Conferência Nacional de Operários Católicos
(1936)

5
CON - Conferência de Organizações Católicas
~

Nacionais (México)
CONFERRE - Conferência dos Religiosos (Chile)
CONFREGUA - Conferência dos Religiosos da Gua-
temala
CONIP - Coordenadoria Nacional da Igreja
Popular (El Salvador)
COPEI - Democracia Cristã Venezuelana
COSDEGUA - Confederação dos Sacerdotes da
Guatemala
CTCR - Central dos Trabalhadores Costa-rique-
nhos
DC - Democracia Cristã
DEI - Departamento de Estudos e Pesquisas
(Costa Rica)
EATWOT - Associação Ecumênica dos Teólogos
do Terceiro Mundo
ECN - Exército Cristão Nacionalista (Bolívia)
EECR - Escola Ecumênica de Ciências Reli-
gíosas
ELN - Exército de Libertação Nacional
(Colômbia)
EUA - Estados Unidos da América
FANAL - Federação Agrária Nacional (Colôm-
bia)
FLAC - Formação, Liturgia, Apostolado,
Catequese (Cuba)
FSLN - Frente Sandinista de Libertação Na-
cional
HGIAL - Historia General de Ia Iglesia en América
Latina (CEHILA)
HI - Historia de Ia Iglesia en América Latina
(E. Dussel)
INPE - Instituto Nacional de Pastoral Equa-
toriana
6
INPROA - Instituto para a Reforma Agrária
(Chile)
IPLA -Instituto de Pastoral para a América
Latina (Quito)
IRFED -Instituto de Pesquisa e Formação Social
(Paris, 1958)
ISAL -Igreja e Sociedade na América Latina
(Bolívia)
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISPLA - Instituto de Pastoral Itinerante (Equador)
ITAC - Instituto Teológico da América Central
JAC - Juventude Agrária Católica
JEC - Juventude Estudantil Católica
JOC - Juventude Operária Católica
JUC - Juventude Universitária Católica
LEC - Liga Eleitoral Católica
LEO - Liga Espiritual Operária (Costa Rica)
MAPU - Movimento de Ação Popular Universitária
(Chile)
MEB - Movimento de Educação de Base (1961)
MFC - Movimento Familiar Cristão (Uruguai)
MIEC - Movimento Independente de Estudantes
Católicos
MLN - Movimento de Libertação Nacional (Tupa
maros)
MNCL - Movimento Nacional Cristão de Libertação
(Equador)
MP - De Medellín a Puebla (E. Dussel, Loyola)
MSPTM - Movimento de Sacerdotes para o Terceiro
Mundo
ODCA - Organização Democrática Cristã da Amé-
rica
OSLAM - Organização de Seminários Latino-america-
nos (Tlalpan)
SEDAC - Secretariado Episcopal da América Central
7
SEDOC - Serviço de Documentação (Vozes)
SIAC - Secretariado Latino-americano de Ação Ca-
tólica (Santiago)
SSM - Secretariado Social Mexicano (1922)
TL - Teologia da Libertação
UNE - União Nacional dos Estudantes
UNEC - União Nacional dos Estudantes Católicos
(Peru)
UPCA - União Popular Católica Argentina (1919)
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
UTC - União dos Trabalhadores da Colômbia
(1945)

8
Nota introdutória

A história da Igreja durante este meio século será


dividida em três períodos, para tomar mais inteligível um
processo bastante complexo que, embora apresente gra-
des diferenças nacionais, mantém certa homogeneidade
latino-americana. Já se escreveu muito sobre o tema, por
isto faremos síntese bem resumida.1

1. Como bibliografia geral podem ser consultadas as seguintes obras:


Historia General de Ia Iglesia en América Latina (HGIAL) da Comissão de
Estudos de História da Igreja na América Latina (CEHILA), Ed. Sígueme,
Salamanca, cujos tomos I/1 (1983), V (1984), VII (1979) já foram editados; o
tomo II foi publicado, em co-edição, por Ed. Paulinas, São Paulo/Ed. Vozes,
Petrópolis, 1977 (t.II/1 e II/2, 2ªed. 1985); o torno X, sobre Hispanos nos Estados
Unidos, apareceu em MACC, San Antonio (Texas), 1984. O torno VI, sobre a
América Central, foi editado em 1985; está sendo impresso o tomo VIII, sobre a
região andina. Ternos em nosso poder os materiais sobre o Caribe (torno IV) e,
parcialmente, o material do tomo IX (sobre o Cone Sul). Publiquei a Historia de
la Iglesia en América Latina, (HI), Mundo Negro, Madri-México, 1984 (5ª ed.),
que apareceu em inglês corno A History of the Church in Latinoamerica,
Eerdmans, Grand Rapids, 1981. Para o período de 1968-1979, publicamos a obra
De Medellín a Puebla, (MP), Edicol, México, 1979 (com tradução para o
português, Ed. Loyola, 3 vol., São Paulo, 1981-1983). Veja-se também a época
de que estamos tratando em Hans-Jürgen Prien, Die Geschichte des Christentums
in Lateinamerika, Vandenhoeck und Ruprecht Gottingen, 1978 (publicado em
1985 em tradução castelhana por Ed. Sígueme, Salamanca). Também Carlos
Pape, Katholizismus in Lateinamerika, Steyler, Siegburg, 1963; Richard Pattee,
El catolicismo contemporáneo en Hispanoamérica, Fides, Buenos Aires, 1951.
Visões de conjunto em Frederick Pike, "La Iglesia en Latinoamérica", in Nueva
Historia de la Iglesia, Ed. Cristiandad, Madrid, t. V, 1977, pp. 316-371; Methol
Ferré, "La Iglesia Latinoamericana de Río a Puebla (1955-1979)", in Fliche-
Martin, Historia de la Iglesia, EDICEP, Valencia, tomo I complementar, 1981,
pp. 697-725. Na obra de Hubert Jedin, Handbuch der Kirchengeschichte, Herder,
Freiburg, t. VII, 1979, Felix Zubillaga escreve por países: "Die Kircke in
Lateinamerika", pp. 685-768 (com bibliografia nas pp. 685-688). Obras como a
de Lloyd Mecham, Chruch and State en Latin America, Univ. of North Caroline
Press, Chapel Hill, 1966, podem ser úteis.

9
I.
A IGREJA NA ERA DOS POPULISMOS (1930-
1959)

Este período fica claramente delimitado por dois


acontecimentos: por um lado, a repercussão na América La-
tina da crise econômica de 1929, que terá conseqüências
imediatas na vida da Igreja latino-americana. Por outro
lado, em janeiro de 1959, João XXIII anuncia a convocação
de um concílio ecumênico. Este lapso de tempo, quase três
décadas, será para a Igreja na América Latina tempo de
confrontos, amadurecimento e "modernização" estrutural,
que dará seus frutos no período seguinte.

1. A Igreja na conjuntura mundial

De 1914 a 1945, com duas guerras pela hegemonia


do mundo capitalista, o poder passa da Inglaterra para os
Estados Unidos; seu centro é a crise econômica de 1929. 0
domínio do "centro", ou países desenvolvidos, sobre a
"periferia" menos desenvolvida diminui deixando lugar
político e econômico para o fenômeno do populismo,2 da
modernização nacional, da industrialização nos países-
chave (principalmente do Cone Sul e México). A Revo-
lução Russa de 1917 (e a Mexicana de 1910) cria nos meios
da Igreja romana o espectro do comunismo.

Alemanha, Japão, Itália e outros países, que che –


garam à revolução capitalista com atraso, procuram na via

2. Cf. Octavio lanni, La formación del Estado populista en América Latina, Era,
México, 1975; Francisco Weffort, Populismo, marginación y dependencia, San
José, 1973; G. Germani -Torcuato di Tella, Populismo y contradicciones de clase
en América Latina, Era, México, 1973; A. Niekerk, Populism and Political
Development in Latin America, Rotterdam, 1974; E. Dussel, "El estatuto i-
deológico dei discurso populista", in ldeas y Valores, n. 50, Bogotá, ago. 1977,
pp. 35-69.

11
fascista (populismo do centro) a maneira de desenvolver
seu potencial industrial e colonial.
É nesse contexto que os papados de Pio XI (1922-
1939) e Pio XII (1939-1958) ocupam totalmente o período
que tratamos. Na época de Pio XI, que simpatizou com os
"nacionalismos" desconfiando do socialismo, destacare-
mos dois anos fundamentais. Em 1931, quando escreve a
encíclica Quadragesimo Anno (dia 15 de maio), onde
critica o socialismo, e Non abbiamo bisogno (29 de junho),
colocando limites ao fascismo de Mussolini. Em 1937,
quando condena o nazismo de Hítler com Mit brennender
Sorge (14 de março) e põe limites ao socialismo com a
encíclica Divini Redemptoris (19 de março). A isto
acrescentamos certa tendência a assinar "acordos", entre os
quais não devemos esquecer aquele tão ambíguo feito com
o nazismo no dia 20 de julho de 1933. 3
Pio XII- cuja obsessão era salvar as estruturas da
Igreja no meio de uma Europa destruída, vendo com bons
olhos o triunfo nazista sobre a URSS como o mal menor,
mas também compreendendo o perigo totalitário do Estado
fascista contra a Igreja institucional- reconhece o governo
de Franco em setembro de 1937. Na América Latina, a
instauração da II República Espanhola, no dia 14 de abril de
193 1, o triunfo da Frente Popular, em 1936, e a guerra civil
até 1939, serão determinantes para a "divisão" dos cristãos.
Da mesma forma, o conflito mexicano dos "Cristãos", de
1926 a 1929, terá influência sobre os militantes.
Um fato a ser constatado é a estranha semelhança
e até íntima ligação da política norte-americana e vaticana,4

3. Sobre a Igreja em geral, nesta época, podem ser consultadas as obras de Hubert
Jedin, op. cit., t. VIII; A. Fliche-V. Martin, Histoire de l’Eglise, tomo corres-
pondente; L. Rogier-R. Aubier et alii, Nouvelle histoire de l’Eglise, Paris, t. IV,
1979 etc.
4. Cf. Avro Manhattan, The Vatican in World Politics, Gaer, Nova York, 1949;
Jacques Mitterrand, La politique exterieure du Vatican, Dervy - Livres, Paris,

12
em relação à América Latina, em questões tais como as
revoluções das Filipinas, Cuba e Porto Rico (1898), a
solução da crise "Cristera" (1929) e a política da "guerra
fria" a partir de 1945.

2. As duas fases deste período

A Igreja latino-americana passa por duas fases. A


primeira (1930-1945), claramente populista no aspecto
político e econômico, sob a presença do presidente F. D.
Roosevelt (1933-1945), nos Estados Unidos. Nesta fase são os
países mais modernizados (do Cone Sul: Brasil, Argen-
tina, Chile) os que darão os passos mais importantes, já que
o México terá desenvolvimento atípico pelo anticlericalis-
mo da revolução de 1910. O Chile será o país que vai
mostrar o caminho do modelo chamado "Nova Cris-
tandade",5 seguindo de certa maneira a linha francesa de
Jacques Maritain (O humanismo integral, 1936), afas-
tando-se do Partido Conservador e da oligarquia tradicio-
nal. Nos outros países a Igreja enfrentará o populismo com
"massas" cristãs em congressos e encontros de multidões.
A Igreja recupera o poder perdido durante um século de
"perseguições" liberais.
A segunda fase (1945-1959) em que, reorganizada
em algumas de suas estruturas fundamentais, a Igreja passa
a apoiar os populismos, no começo, com um "anticomunis-
mo" próprio da "guerra fria", mas mais tarde (aproxima-
damente a partir de 1954 em alguns países) começa a
afastar-se de tais governos, para não ser derrotada junto

1959; Robert Gaham, Vatican Diplomacy, Princeton Univ. Press, 1959. Ver, de
modo especial, Samuel Silva Gotay, "La Iglesia católica en el proceso político de
Ia americanización de Puerto Rico (1898-1930)", in HGIAL, op. cit., t. IV (a Igreja no
Caribe) (em preparo).
5. Cf. minha "Introducción General", à HGIAL, t. I/1, pp. 73-80; Pablo Richard,
Morte das cristandades e renascimento da Igreja, Ed. Paulinas, São Paulo, 2ª ed.,
1984.

13
com eles. No final da década de 50, a Igreja está reorgani-
zada em nível nacional e, pela primeira vez, em nível latino-
americano para poder transformar-se em uma das prota-
gonistas dos períodos posteriores. O Cone Sul continuará
sendo, ainda, o lugar eclesial de maior criatividade, na
época de H. Truman (1945-1953) e de D. Eisenhower
(1953-1961), e das Democracias Cristãs européias (de De
Gasseri na Itália e Adenauer na Alemanha).

3. Os grandes desaflos

Na nossa opinião foram quatro as maneiras que a


Igreja latino-americana teve para responder e ganhar ter-
reno diante do Estado populista e a modernização do
capitalismo dependente continental. A primeira delas foi a
Ação Católica. Dada a função da pequena burguesia nos
fascismos do centro e nos populismos da periferia, já que
constituem as burocracias do Estado,6 a Igreja romana
(diante do fascismo italiano) e a latino-americana (diante
dos populismos) criaram um modelo de compromisso
secular dos leigos sob a direção da hierarquia episcopal. Pio XI
organizou-o na Itália, no dia 22 de outubro de 1923; na
Polônia, em 1925; na Iugoslávia e Checoslováquia, em
1927; na Áustria, em 1928. Nesse mesmo ano é lançada a
idéia em Buenos Aires e lentamente se espalha por toda a
América Latina. Os jovens sacerdotes Antonio Caggiano
(mais tarde cardeal argentino) e Miguel Dado Miranda
(mexicano) estudam o modelo no final da década de 20 em
Roma. Em 1938 abre-se uma sede mundial da Ação Cató-
lica em Roma. Em 1951 realiza -se o I Congresso Mundial

6. Cf. Nicos Poulantzas, a função da pequena burguesia in Poder político y clases


sociales, Siglo XXI, México, 1972; Las crisis de las dictaduras, Siglo XXI,
México, 1976; Las clases sociales en el capitalismo actual, Siglo XXI, México,
1976; "Las clases medias", in A. Solari - R. Franco-J. Jutkowitz Teoría, acción
social y desarrollo en América Latina, Siglo XXI, México, 1976, pp. 301-335;
Emilio de Ipola, Ideología y discurso populista, Folios, México, 1982.

14
do Apostolado Secular. Pouco antes, em 1945, foi organi-
zada a I Semana Interamericana de Ação Católica, em
Santiago do Chile; em 1949 a II em Havana; a III em
Chimbote (Peru), em 1953.

Uma segunda fase foi constituída pela Ação Ca-


tólica especializada. Cardijn havia fundado a Juventude
Operária Católica (JOC) na Bélgica em 1913. Seu lan-
çamento oficial ocorreu em 1925, com reservas por sua
posição classista. Expandiu-se lentamente na América
Latina; sua maior influência ocorre no final da década de 50
até a metade da década de 60. Por seu lado, a Juventude
Universitária Católica (JUC), que surge da Juventude Es-
tudantil Católica (JEC), ligada ao MIEC e Pax Romana, terá
a maior importância porque será ali que os jovens cristãos
descobrirão a necessidade do compromisso político, refor-
mista no começo - neste período - e, mais tarde revo-
lucionário - de 1959 em diante. O livro de José Comblin, O
fracasso da Ação Católica (1959) escrito no Recife, é a
primeira análise que mostra o fim desta época.

A segunda maneira são os grandes Congressos de


massas, que Roma tinha experimentado desde o final do
século XIX na Europa. O I Congresso Eucarístico Inter-
nacional, de 1881, tinha como tema o "Reinado Social de
Cristo". Em 1922, no Congresso Eucarístico de Roma,
diante do fascismo em formação, 69 cardeais pedem a
celebração de Cristo Rei, que se consagra em 1925. Desde
o I Congresso Eucarístico Nacional do México, passando
pelos realizados em 1926 em La Paz, em 1928 em Manágua,
a Cristo Rei em Guayaquil em 1929, em Salvador (Brasil)
em 1933, ao Congresso Eucarístico Internacional em Bue-
nos Aires em 1934, e muitos outros, estas concentrações de
centenas de milhares de crentes impressionavam os gover-
nos populistas e deram força, de fato e politicamente, à
Igreja para negociações concretas.
1

15
Entre 1957-1961 foram organizados outros tipos
de experiências: a "Grande Missão" em uma cidade ou país,
de Tegucigalpa a Buenos Aires, mas agora com orientação
mais espiritualista e principalmente com missionários
espanhóis. Pretendia-se "converter" em massa. Nos anos
30, porém, pensava-se influir politicamente. A peregrina-
ção ao Cristo de Esquipulas, com a qual se conseguiu
enfraquecer o governo de J. Arbenz em 1953 (Guatemala),
pode ser o melhor exemplo deste tipo de manifestações
religiosas.
A terceira maneira é a Ação Social principalmente
no setor trabalhista. O corporativismo proposto pela Qua-
dragesimo Anno (1931) abriu o caminho para a "Doutrina
Social", que Pio XII tanto incentivou: uma espécie de
crítica reformista ao capitalismo. Grupos como "Economia
e Humanismo" do padre Lebret (1942) ou o "personalismo"
de E. Mounier (que fundou Esprit em 1932) terão influência
na América Latina. Em geral os movimentos eram "pater-
nalistas": agrupamentos operários sem compromisso clas-
sista, anticomunistas, freqüentemente "devocionistas". No
entanto, na década de 50, pela atuação da JOC, faz-se
presente certo classismo. Os sindicatos reformistas radica-
lizam-se e começa uma tomada de consciência cristã da
classe operária. O desenvolvimentismo de alguns grupos,
como o Instituto de Pesquisas e Formação Social (IRFED,
Paris, 1958), faz-se presente no final do período. Agrupa-
mentos, sindicatos, centros de estudo, publicações, rádios,
cooperativas etc., multiplicam-se em todos os países.
A quarta maneira é o anticomunismo mais ou
menos combativo. Na primeira fase (1930-1945) o anti-
comunismo da Igreja liga-se à sua antiga aliança com os
partidos conservadores e a oligarquia tradicional. Na se-
gunda fase do pós-guerra (1945-1959) torna-se muito mais
militante dentro da política americana da "guerra fria",
começando a apoiar as ditaduras de novo naipe: cada vez

16
menos populistas e mais autoritárias, como as de Trujillo,
Somoza, Stroessner etc. Quanto mais militante esse anti-
comunismo (como na Guatemala ou na Colômbia), mais
estreita a aliança com as classes dominantes. Na medida em
que a Igreja encontra um modelo democrático ou moderni-
zador (como no Chile), seu anticomunismo toma-se menos
necessário, como nos casos de Mons. Sanabria na Costa Rica e
Mons. Larraín no Chile.

4. A modernização do aparelho eclesial

Achamos que podem ser identificados pelo menos


três níveis, onde se produz a renovação a partir de um
modelo de "Nova Cristandade"; renovação lenta a partir
dos anos 30 e que se acelera de 1945 a 1959.
O primeiro nível é o da renovação intelectual.7 A
reação antipositivista, iniciada pelo argentino frei Mamer-
to Esquiú (1826-1883) e Jacinto Ríos (1842-1892) será
levada adiante pela releitura tomista moderna feita por
Martínez Villada (1886-1959), relacionado com Blondel e
Maritain. Jackson de Figueiredo, no Brasil, e mais ainda
Tristão de Atayde (Alceu de Amoroso Lima), José Vas-
concelos ou Antonio Caso, no México, Víctor Andrés Be-
launde, são intelectuais deste período inovador. Os estu-
dantes também se organizavam; celebrou-se o I Congresso
Ibero-americano de Estudantes Católicos em Roma, 1933;
o II Congresso foi em Lima, em 1939; o III em Bogotá, em
1944. Por outro lado, depois da antiga Universidade Cató-
lica de Santiago do Chile (1869), foi fundada a Xaveriana
de Bogotá (1937), a Católica de Lima (1942), a de Medellín
(1945), a do Rio de Janeiro e São Paulo (1947), Porto
Alegre (1950), Campinas (1956), Quito (1956), Córdoba e

7. Cf. minha HI, op. cit., pp. 177ss., e meu artigo, "Hipótesis para una historia de
la teología en América Latina (1492-1980)", in Historia de la teología en
América Latina, DEI, San José, 1981, pp. 418ss.

17
Buenos Aires (1960), Valparaíso e Centroamérica na
Guatemala (1961) etc. A I Assembléia Ibero-americana de
Universidades Católicas foi realizada em Lima, em 1944.
Grandes revistas filosóficas e teológicas como
Sapientia (Buenos Aires), Revista Eclesiástica Brasileira
(Petrópolis), Teología y Vida (Santiago), Stromata (Buenos
Aires), Christus (México) e muitas outras fecundavam a
renovação intelectual da nova geração.
A obra de Juan Luis Segundo SJ, Función de la
iglesia en la realidad rioplatense, 1959 (Barreiro y Ramos,
Montevidéu, 1962) é a reflexão teológica que encerra esta
época e inaugura a teologia latino-americana contempo-
rânea.
0 segundo nível é a renovação pastoral. Em pri-
meiro lugar toma-se consciência da situação existente gra-
ças ao Centro de Pesquisas Sociais e Religiosas (Buenos
Aires), Centro de Pesquisa e Ação Social (Santiago), Cen-
tro de Pesquisas Sociais (Bogotá), Centro de Pesquisas
Sócio-religiosas (México) e os padres jesuítas que fundam
CIAS em quase todos os países.8 No final do período,
promove-se a chamada "pastoral de conjunto" que parte das
experiências do Pe. Boulard na França. Lenta renovação
litúrgica, com traduções bíblicas atualizadas e missais
bilíngües. Renovação catequética, até a fundação do Insti-
tuto Catequético Latino-americano em Santiago, em 1961.
Renovação da espiritualidade, com a presença de benediti-
nos de Solesmes, em Los Condes (Chile, 1938), beneditinas
em Santa Escolástica (Buenos Aires), a abadia de Einsie-

8. Cf. Isidoro Alonso, La Iglesia en América Latina. Estructuras eclesiásticas,


FERES, Bogotá, 1964. Do mesmo autor, La Iglesia en América Central, FERES,
Bogotá, 1962, William J. Gibbons, Basic Eclesiastical Statistics for Latin
America, Maryknoll, Nova York, 1960. O já citado Isidoro Alonso publicou
estudos sociográficos de todos os países latino-americanos; veja-se, ainda, "Les
statistiques religieuses en Amérique Latine", in Social Compass, XIV, 5-6, 1967,
pp. 365-398. François Houtart, de Louvain, foi certamente pioneiro nesta matéria
sociológica, da mesma forma que Pe. Boulard.

18
deln funda Los Toldos (Argentina, 1947) etc. Depois virá a
difusão dos trapistas (Azul, Argentina) e os Irmãozinhos e
Irmãzinhas de Charles de Foucauld. A partir da encíclica de
Pio XII Mystici corporis Christi, a Igreja começa a ser
encarada como "comunidade" fraterna mais do que corno
instituição jurídica; daí também a renovação da paróquia
como "comunidade missionária" - influência pastoral
vinda da França do pós-guerra.
O terceiro nível é a organização nacional e latino-
americana das instituições que foram surgindo pela mo-
dernização da Igreja no modelo de "Nova Cristandade". Em
primeiro lugar nascem as conferências episcopais nacio-
nais a partir de 1952, que são os órgãos nacionais de
coordenação do trabalho dos bispos, até então completa-
mente isolados. Hélder Câmara, Manuel Larraín e tantos
outros são os que unificam os episcopados nacionais. Da
mesma forma os religiosos e religiosas começam a reunir-
se por países (como a CONFERRE no Chile, em 1954),
conseguindo a unidade continental com a Conferência
Latino-americana de Religiosos (CLAR, Rio, 1958).
Junto a estes aparece grande número de novos
órgãos confederativos: Organização de Seminários Latino-
americanos (OSLAM, Tlalpan, 1958), Secretariado Lati-
no-americano da Ação Católica (SIAC, Santiago, 1946),
Conferência Latino-americana da JOC (Rio, 1959), Movi-
mento Familiar Cristão (Montevidéu, 1951), Confederação
Latino-americana de Sindicalistas Cristãos (CLASC, San-
tiago, 1954), Confederação Latino-americana de Educação
Cristã (CIEC, Bogotá, 1945) etc. Todo este esforço de
integração latino-americana culmina, de certa maneira, na
I Conferência do Episcopado Latino-americano no Rio de
Janeiro, de 25 de julho a 4 de agosto de 1955.9 Nesta
conferência é fundado o Conselho Episcopal Latino - ame-

9. Cf.. minha HI, op. cit., pp. 186ss.

19
ricano (CELAM) que terá tanta importância histórica para
a Igreja na América Latina e para o continente em geral.
Estão dadas as estruturas para o passo seguinte.

5. A Igreja no Cone Sul

- Brasil

No Brasil, a 2 de julho de 1930, Dom Sebastião


Leme (1930-1942) é elevado ao cardinalato no Rio de
Janeiro. Quando vem a revolução de outubro desse ano, de
Getúlio Vargas, a Igreja está preparada para lançar-se na
arena política do populismo. O arcebispo de Porto Alegre,
Dom João Becker, onde nascera o processo getulista, a-
poiou os insurgentes desde o começo. Nesse ano ele escreveu
uma pastoral sobre "O comunismo russo e a civilização
cristã".10 Becker nomeou o padre Vicente Scherer como
capelão militar da revolução "gaúcha".
Em agosto de 1921 aparece a revista A Ordem sob
a direção de Jackson de Figueiredo (1891-1928), que lança
uma linha nacionalista e católica brasileira. Em 1922 é
fundado o Centro Dom Vidal que também terá função
dirigente na restauração católica.
O cardeal Leme, imediatamente após o triunfo da
revolução de 1930, organiza manifestações de massas em
honra a N. Sra. Aparecida e ao Cristo Redentor do Corco-
vado (1931), fazendo com que o governo compreendesse a
importância maciça da Igreja. Sabendo-se, além disto, que
Dom Leme esteve por trás da Liga Eleitoral Católica (LEC),
entre 1932-1933, para impor aos programas dos partidos
políticos as reivindicações da Igreja, pode-se entender o papel
político da Igreja no próprio nascimento do populis-
mo getulista.

10. José 0. Beozzo, "A Igreja no Brasil (1930-1939)", in. HGIAL, vol 3, Ed.
Vozes, Petrópolis (em preparo); Thomas Bruneau, 0 catolicismo brasileiro em
época de transição, Ed. Loyola, São Paulo, 1974.

20
No dia 24 de agosto de 1934, Dom Leme estava
enviando a Roma o estatuto da Ação Católica, que foi
aprovado em 9 de junho de 1935. Ao mesmo tempo
contínuavam os congressos eucarísticos nacionais em Salvador
(1933), Belo Horizonte (1936), Recife (1939), São Paulo
(1942) com os mesmos efeitos de atrair multidões.
Cabe destacar a pastoral coletiva do episcopado contra
o comunismo (1937), que marcou o final desta fase. Com
efeito, a promulgação do "Estado Novo" (1939) destruiu
muitas das prerrogativas anteriores da Igreja. Por isto, o I
Concilio Plenário Brasileiro, de 2 a 20 de julho de 1939,
preparou a unidade da Igreja diante da precária fase que estava
despontando.
No dia 15 de março de 1932, o padre Leopoldo
Brentano SJ fundou, em Pelotas, o Círculo Operário Pelotense.
Três anos depois contava com catorze mil membros. Em 1936
reuniu-se a Confederação Nacional de Operários Católicos
(CNOC) com trinta e quatro mil membros. Os Círculos eram
inspirados no corporativismo fascista. Chegaram a ter duzentos
mil membros na década 1950-1960. A Juventude Operária
Católica (JOC) começa a sua expansão depois da queda do
getulismo. A Ação Católica Operária (ACO) organizase
rapidamente.
Graças a Tristão de Atayde, maritainiano, e outros
intelectuais, a revista A Ordem abandona a linha corporativista.
De qualquer m aneira, o conservadorismo da LEC, do
movimento "Integralista" e de muitos outros, formou no Brasil
um setor de catolicismo direitista com simpatias fascistas,
tendência esta que se prolonga até a década de 80.
Com a morte de Dom Leme em 1942, a Igreja fica
sem liderança. Somente em 1952, o padre Hélder Câmara
sugere a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Hélder Câmara havia revitalizado a LEC entre
19461950, para pressionar o presidente GasparDutra. Durante o
segundo governo de Vargas (1951-1954) as

21
relações não variam. Neste período todo, foi surgindo na
Igreja brasileira um senso de autonomia perante Roma; por
isto Dom Leme se opôs ao acordo entreRoma e o Brasil,já que
poderiam pactuar para dominar a Igreja do Brasil. A atual
personalidade da Igreja brasileira germinou nesta época.

- Argentina

Na Argentina,11 o papa Pio X, no dia 23 de abril de


1919, aprovara a organização da União Popular Católica
Argentina (UPCA), depois de numerosos congressos
realizados desde 11 de maio de 1883, quando fora fundada a
Associação Católica. Pio XI, por seu lado, transformou a
UPCA em Ação Católica, no dia 23 de setembro de 1928, sob
a direção do episcopado, o que se tomou efetivo em 5 de abril
de 1931.
No dia 20 de abril de 1934 é organizado, em Buenos
Aires, o XXXII Congresso Eucarístico Internacional, com a
presença do cardeal Eugênio Pacelli sob a cruz de Palermo.
A figura profética de Mons. Gustavo Franceschi, que
funda a revista Criterio (1922) e os cursos de Cultura
Católica, abre a consciência cristã ao problema social. No
entanto, é o nacionalismo católico de direita que inspira a
revolução militar de José F. Uriburu, que a história lembra
com o nome de "a década infame". A figura conservadora do
cardeal Santiago Copello - nomeado no dia 26 de

11. Gerardo Farrell, Iglesia y pueblo en Argentina (1860-1974), Patria Grande, Buenos
Aires, 1976; Antonio Quarracino,"La Iglesia en Argentina enlosúltirnos cincuenta años'',
in Criterio 1777, 1977, pp. 724ss.; Juan Carlos Zuretti, Nueva historia eclesiástica
argentina, Buenos Aires, 1972; L. Gera G.-Rodríguez M., "Apuntes para una
interpretación, de la Iglesia argentina", in Víspera 4,15,1970, pp. 59-88; H. J. Prien, op.
cit., pp. 584-592. Sobre o Uruguai, cf. H. J. Prien, op. cit.,pp. 592ss.; sobre o Paraguai, cf
id., ibid., pp. 598ss.; cf. A. Methol Ferré, "Las correntes religiosas", in Nuestra Tierra n.
35, Montevidéu, 1969.

22
janeiro de 1936 - lidera a Igreja neste período. Nessa época
éfundado o jornal El Pueblo. Com Perón (19461955), a Igreja
mantém aliança de apoio mútuo, obtendo alguns benefícios
(educação religiosa nas escolas, capelanias militares etc.); mas
a partir de 1953 começam as hostilidades que vão até a queda
do governo. A incipiente Democracia Cristã não consegue
avançar no período desenvolvimentista posterior.

- Chile

No Chile,12 a Igreja separou-se do Estado em 1925, o


que terminou para sempre com o padroado herdado da era
colonial. Esta Igreja junto aos Andes certamente foi a que
melhor interpretou os "sinais dos tempos" e imprimiu um
sentido exemplar de ação eclesial para toda a América Latina
neste período. Não caiu na tentação de anticomu~ nismo fácil
e organizou as instituições para o futuro. A Igreja chilena
trabalhou em duas linhas fundamentais: seu fortalecimento
interno mediante a Ação Católica e sua atuação externa tanto
no setor político (democrático) como no setor trabalhista-
sindical.
No dia 25 de outubro de 1931, mediante carta pastoral
do episcopado, era fundada a Ação Católica. Seus
antecedentes foram: em 1915, a Associação Nacional de
Estudantes Católicos (ANEC) que se alterou
fundamentalmente, a partir de 1928, com a presença do padre
Oscar Larson; em 1921, a Associação da Juventude Católica
Feminina. A AC também sofreu a influência do padre Alberto
Hurtado (1901-1952), que, em 1941, funda a Associação
Sindical Chilena (ASICH); nesse mesmo ano ele escreve: ¿Es
Chile un país católico?, adiantando-se ao famoso livro de
Godin na França e à revista Mensaje em

12. Cf. Fernando Aliaga, "Historia de Ia Iglesia en Chile", in HGIAL, t. IX (em preparo).

23
1951. Por seu lado, Clotário Blest fundava o grupo "Germe"
em 1928. 0 padre Femando Vives SJ organizava a Liga Social
em 193 1, a União de Trabalhadores Católicos e a Vanguarda
Operária Juvenil. Em 1934 começava a Ação Popular que, em
1945, tinha cento e sessenta centros onde se dava assistência
médica, jurídica, atendimento aos aposentados etc.
O fundo da questão se estabeleceu no fato de que a
Igreja, especialmente graças à figura de Mons. José María
Caro (1939-1958), elevado a cardeal em 1946, nunca apoiou o
Partido Conservador, de direita, como sendo o seu partido. Ao
contrário, através de consulta a Roma, Eugênio Pacelli enviou
uma carta, no dia 12 de abril de 1934, onde indicava a posição
suprapartidária da Igreja. Isto permite aos jovens a Ação
Católica participarem primeiro no Partido Conservador (desde
1931), para depois fundarem a Falange (novembro de 1939),
sob a direção de Eduardo Frei (que será a futura Democracia
Cristã chilena). Mons. Manuel Larraín, bispo de Talca desde
1938 - a figura mais importante da Igreja latino-americana no
século XX até sua morte em 22 de abril de 1966, organizador
da conferência episcopal chilena em 5 de novembro de 1952 e
da I Conferência do Episcopado Latino-americano no Rio de
Janeiro, em 1955 - defendeu a Falange contra os ataques do
conservadorismo.
Ato profético foi aquele de Mons. J. M. Caro que, no
dia 23 de agosto de 1939, aceita como legítimas as
autoridades da Frente Popular, que lhe permitem a
organização do I Congresso Eucarístico Nacional em 194 1.
Em 1946 reúne-se o I Concílio Plenário Chileno - sem
esquecer que foi um bispo chileno, Mons. Casanova, quem
organizou o I Concilio Plenário Latino-americano, em Roma,
em 1899 -. É por tudo isto que a Igreja chilena alcançava
nítida liderança no âmbito latinoamericano no período que vai
do Concilio Vaticano II a Medellín.

24
6. A Igreja na região de Bolívar

- Peru

No Peru 13, Sánchez Cerro decretou o casamento civil


e o divórcio entre 4 a 8 de outubro de 1930. O episcopado
reagiu com carta pastoral, em novembro de 1931, "Sobre
problemas de ordem religiosa social". A separação dos apristas
do governo melhorou a relação com a Igreja. Em 1935 foi
decretada a educação religiosa nas escolas públicas. Carlos
Arenas Loayza funda o partido União Popular, em 1931, para
defender os interesses da Igreja, que recebe o apoio do bispo
de Cuzeo, Mons. Pedro Pascual Farfán que, junto com Mons.
Mariano Holguín, foram os grandes bispos da época. Não se
deve esquecer Víctor Andrés Belaúnde (1883-1966) e sua obra,
publicada em 1930, La realidad nacional, e José de Ia Riva y
Agüero (1885-1944), leigos católicos progressistas e
proeminentes na vida nacional.
O I Congresso Eucarístico Nacional, de 1935,
impressiona o populismo como em outros países. Mas é a
Ação Católica, fundada em 1935, que representa a renovação
real. Seus antecedentes foram: a Ação Social da Juventude
Católica (ASJ), em 1926, e o Centro Fides, de 1930. Em 1940
o padre F. Stiglich organiza a Juventude Estudantil Católica
(JEC) e, em 1943, aparece a União Nacional de Estudantes
Católicos (UNEC), cujo primeiro assessor foi o padre Juan
Landázuri Ricketts (arcebispo e cardeal de Lima, a partir de
1954); o segundo foi o padre Geraldo Alarco e o terceiro, nos
anos 60, padre Gustavo Gutiérrez. Em 1953 a Ação Católica
volta-se para a ação social. Por isto, entre 1955 e 1956, são
fundados os partidos

13. Cf. Jeffry Klaiber, Religión y revolución en el Perú (1824-1976), Univ. del Pacífico,
Lima, 1977, pp. 176ss.; do mesmo autor, "Historia de Ia Iglesia en el Perú", in HGIAL, t.
VIII (no prelo).

25
Ação Popular e Democrata Cristão. Tudo culmina na I Semana
Social peruana, em 1959, que marca o começo da nova época.
Junto com o cardeal de Lima, cabe lembrar o seu auxiliar,
Mons. J. Dammert Bellido, - bispo de Cajamarca a partir de
1962 - historiador e grande apóstolo entre os indígenas.

- Bolívia

Na Bolívia,14 organizou-se o I Congresso Eucarístico


Nacional em La Paz, em 1926; o II Congresso em 1939; e o III
Congresso, em 1946, em Sucre; o IV em Santa Cruz, em 1964.
Muitos outros congressos reunindo multidões permitiam que a
Igreja ganhasse a rua. Sendo escasso o clero nacional, muitos
missionários estrangeiros entraram no país. Embora se tivesse
pensado em fundá-la desde 1933, só em 1938 foi organizada a
Ação Católica em Cochabamba, graças a Mons. Gutiérrez, que
se formou no Chile. Desde o século XIX havia organizações de
leigos como O Cruzado, a União Católica, que lhe serviram de
antecedentes.
O próprio R. Estensoro publicou, em 1938, uma série
de artigos, dentro da linha de Maritain e Bernanos, contra o
fascismo espanhol, mas a linha franquista acaba se impondo
rapidamente.
Em 1957 organiza-se a Grande Missão, urbana e
nacional, com missionários estrangeiros, como se fez em
outros países.

- Equador

No Equador,15 o então bispo de Guayaquil,


posteriormente primeiro cardeal de Quito, Carlos María de la

14. Cf. Josep Barnadas, "Historia de Ia Iglesia en Bolívia'', in HGIAL, t. VIII (no prelo).
15. Cf. a "Historia de Ia Iglesia en el Ecuador" de José María Vargas, in HGIAL, t. VIII
(no prelo).

26
Torre decide celebrar com concentração popular a festa de
Cristo Rei em 1929 e, mais tarde, em Quito, em 1933. A partir
de 1931 começa a organização de ações sociais operárias. A
Confederação Equatoriana de Operários Católicos (CEDOC)
chegou a contar com setenta mil filiados em 1938. Em 16 de
julho de 1954 nasceu a Universidade Católica de Quito.
Em 1956 procedeu-se ao estabelecimento da
Conferência Episcopal Equatoriana.
A ligação entre Igreja e Estado ficou estabelecida
pelo Modus vivendi assinado em 24 de julho de 1937, que
regulamenta essa ligação até os nossos dias.

- Colômbia

Na Colômbia,16 Mons. Miguel Angel Builes


(18881971) orquestrou a luta contra os liberais, maçons e
comunistas, com sua pastoral de 1929 e com a que foi
subscrita pelo episcopado em 1930. Pela ambigüidade de
Mons. Ismael Perdomo (1928-1950) de Bogotá, o
conservadorismo perdeu o poder em 9 de fevereiro de 1930. 0
apoio a Valencia mostrou que a Igreja colombiana nunca
conseguirá o que a Igreja chilena dessa época obteve com
tanta lucidez: a independência política em relação ao
conservadorismo oligárquico.
Em 29 de julho de 1933 é fundada a Ação Católica
Colombiana. Na ação social, entre outras, cabe destacar a
União dos Trabalhadores da Colômbia (UTC), fundada em
1945 corri finalidade anticomunísta, antiliberal e apolítica.
Seu semanário Justiça social lançou algumas raízes. Da
mesma maneira, em 1946, a Federação Agrária Nacional
(FANAL) também foi anticomunista declarada. Em 1947 o
padre José J. Salcedo organiza a emissora Sutatenza (Boyacá)

16. Cf. Rodolfo de Roux, "La Iglesia colombiana en el período 1930-1962", in HGIAL,
t. VII, pp. 517ss.

27
de longo alcance. A Revista Xaveriana foi, desde 1933, um
testemunho da intelectualidade católica.
É importante esclarecer a posição da Igreja perante o
Estado. Quando, em 1935, o Congresso Nacional interpela a
Igreja sobre a educação, o divórcio e outros assuntos, esta
reage, mas no final é proclamada a liberdade de culto. Em
1942 assina-se novo acordo. 0 que não impede que em 1948 o
episcopado se manifeste sobre as "relações entre Igreja e
Estado", alertando sobre o perigo marxista na universidade. A
mesma conferência episcopal declara-se anticomunista em
1944. Com a morte de Jorge Eliécer Gaitán em 1948 toma a
culpar o comunismo e o liberalismo pelos ataques contra a
Igreja (que chegaram até a incendiar o palácio episcopal de
Bogotá) em 9 de abril. Ainda em 22 de setembro de 1958 o
episcopado continua acusando o comunismo pela "violência"
que se expande por todo o país.

- Venezuela

Na Venezuela,17 desde a morte de Juan Gómez (1936),


muda a situação para a Igreja e começa o florescimento da
Ação Católica e a organização do ensino católico nas escolas
particulares. Quando em 1946 a Ação Democrática quer fechar
as escolas católicas, enfrenta a resposta do episcopado em 30
de agosto de 1947. 0 governo tem de retroceder sendo isso o
começo do COPEI (a Democracia Cristã venezuelana). Em
1945 existia o Círculo de Operários de Caracas, cujo promotor
era o padre Manuel Aguirre Elorriaga. A Igreja moderniza-se.

17. Cf. Carlos Felice Cardot, "La Iglesia venezolana entre 1930-1962", in HGIAL, t.
VII, pp. 552ss.; e Luis Ugalde, no mesmo volume, pp. 625ss.

28
7. A Igreja no México e América Central

- México

O México18 marca toda esta época da Igreja


latirioamericana. Desde o final do século XIX vira-se a reação
e ação social da Igreja: semanas sociais, publicações e até o
Partido Católico Nacional (1911-1917) - que chegou a ter até
meio milhão de votos e trinta e um deputados ganhando em
quatro províncias, tudo depois da revolução de 1910. Na
Constituição de 1917 a Igreja ficou "fora da lei", sem o menor
direito, nem ao menos de ter seus templos e até "os ministros
dos cultos têm incapacidade legal para serem herdeiros dos
ministros do mesmo culto". 0 Congresso Eucarístico Nacional
de 1924, na cidade do México, foi duramente reprimido. 0
governo, de maneira sectária, aumentou desmedidamente as
ações anticlericais. Em 25 de julho de 1926 o episcopado
decretou a suspensão do culto religioso em toda a república,
medida que durou até 21 de junho de 1929. Assim surgiu a
"guerra cristera" em Jalisco, Colima, Zacatecas, Guariajuato,
Michoacán e Durango ao redor da figura de Mons. Francisco
Orozco y Jiménez; segunda revolta camponesa, esta contra
Plutarco Elías Calles ou Álvaro Obregón. 0 jesuíta Miguel
Augustín Pro foi acusado de atentar contra o presidente e foi
fuzilado na delegacia de polícia. Por intervenção do
embaixador norteamericano Dwight Morrow, o Delegado
Apostólico e os bispos Pascual Díaza e Leopoldo Ruiz, os
"cristeros" depuseram as armas; muitos foram assassinados
posteriormente, e a Igreja continuou "fora da lei".

1 S. Cf. Carlos Alvear Acevedo, "La Iglesia de México en el período 1900-1962", in


HGIAL, t. V, pp. 313ss.; Jean Meyer, La Cristiandad, Siglo XX1, México, t. I-III,
1973-1974. Deve ser incluído também o t. X da HGIAL, MACC, San Antonio, 1983, de
Richard Santos, Luciano Hendren, John Fitzmorris, Carmen Tafolla, Moisés Sandoval.
Salvador Alvarez, Edwin Silvest, autores da ''Historia de Ia Iglesia entre los speaking
spanish" nos Estados Unidos.

29
No início do governo de Lázaro Cárdenas
(19341940), as coisas ficaram na mesma. 0 apoio da Igreja à
nacionalização do petróleo (1938) fez mudar a posição do
governo que se encaminhou para um modus vivendi de
relações toleráveis.
Em 1922 era fundado o Secretariado Social Mexicano
(SSM) pelo episcopado. Em 1929 a Ação Católica começa sua
organização, sob os auspícios do Secretariado Social na época
do padre Miguel Dario Miranda, seu diretor de 1924 até 1937
(futuro cardeal da sede do México). A partirde 1946 o diretor
do SSM foi o padre Pedro Velásquez grande organizador do
apostolado social, figura comparável à de Alberto Hurtado e
Gustavo Franceschi, que, de militante anticomunista nos anos
40 e 50, passa a ser animador da Conferência de Medellín.

- América Central

Na América Central a situação era diferente. A figura


mais notável de todo este período foi a de Mons. Víctor
Sanabria Martínez (1899-1952), na Costa Rica.19 Na carta
pastoral, de 25 de abril de 1938, ele escrevia:

"A questão social! Palavra de valor transcendental hoje em dia!


Que fez a Igreja para resolvê-la e que pode fazer atualmente neste
mesmo sentido?"20

Quando o governo populista de Calderón Guardia (a


partir de 1940) começou a ser hostilizado pela oligarquia,
Mons. Sanabria fez com que Guardia fosse condecorado pelo
núncio Mons. Faffi. Chegou a um entendimento com

19. Cf. Miguel Picado, "Historia de Ia Iglesia en Costa Rica", in HGIAL, t. VI, 1985.
20. Texto de 25 de abril de 193 8 de Mons. V. Sanabria (citado por Miguel Picado, in op.
cit.).

30
o Partido Comunista costa-riquenho, em 14 de junho desse
ano, que se transformou na Vanguarda Popular. Mons.
Sanabria declarou: "os católicos, que o desejarem, podem
ingressar na nova organização". Salvou assim o governo
popular até 1948.
Em 16 de dezembro de 1935, Mons. Rafael Otón
Castro instituía a Ação Católica por carta pastoral. Entre 1942
e 1943, Mons. Sanabria reformula a instituição e esclarece os
seus objetivos, orientando-a principalmente para operários e
camponeses. A Liga Espiritual Operária (LEO) era o seu
centro. A Juventude Operária Católica (JOC) apoiava suas
ações. Depois organizou o sindicalismo cristão. O padre Carlos
Rodríguez Quirós dedicou-se a estes movimentos. Em 1945
organizou a 1 Semana Interamericana de Assessores Jocistas.
Em 15 de setembro de 1943 foi fundada a central
sindical Rerum Novarum (CCTRN). Em 1945 esta central
estabelece a sua autonomia em relação à Igreja. Em 1948
enfrenta a CTCR (Central de Trabalhadores Costa-riquenhos
da Vanguarda Popular) que será, mais tarde, o motivo da
guerra civil e queda do governo. O padre Benjamín Núñez
começou uma longa campanha contra o arcebispo e
desempenhou importante papel no Exército de Libertação
antigovernista.
Mons. Rubén Odio Herrera (1952-1959) é o sucessor
de Sanabria; ele apóia a política anticomunista de Figueres no
pós-guerra.

- Guatemala

Na Guatemala,21 durante a época do arcebispo Luís


Duroy y Suré (1929-1938) surge, em 1935, a Ação Católica
rural.

21. Cf. Ricardo Bendaña Perdomo, "Historia de Ia Iglesia en Guatemala", in HGIAL, t.


VI, 1985.

31
Nas regiões de Petén e Zacapa, o padre Rafael
González funda a Ação Católica clássica. Enquanto isto, Mons.
Mariano Rossell y Arellano (1938-1964) ocupa a sede
guatemalteca e, em 1942, celebra o I Congresso Catequético
Nacional. Por outro lado, Vizcaíno, Leal funda a Academia
Superior de Cultura "Rafael Landívar" que, mais tarde, será
Universidade. Com o seu semanário Acción Social Cristiana,
em 1944, o movimento Rerum Novarum insere nítida presença
cristã no mundo operário.
Mons. Rossell se salienta por sua constante campanha
anticomunista. Em 12 de outubro de 1945 publica carta pastoral
"Sobre a ameaça comunista". Em 21 de novembro de 1947
volta ao mesmo tema. Em 18 de agosto de 1949 toma pública
uma instrução "Sobre a excomunhão dos comunistas". Em 195
1, como medida de força diante do populista eleito Jacobo
Arbenz Guzmán, realiza o I Congresso Eucarístico Nacional,
com a presença maciça de duzentas mil pessoas.
Ao começar a reforma agrária, Arbenz conta com a
oposição da oligarquia agrária, da United Fruit (da qual são
confiscados cem mil hectares) e dos Estados Unidos. Mons.
Rossell apóia Somoza, Trujillo e Carlos Castillo Armas que,
no pacto de Tegucigalpa, a 24 de dezembro de 1953, escrevem
no item 12:

"As travas ao magistério da Igreja favoreceram em grande medida


a penetração do comunismo na Guatemala".

No dia 9 de abril de 1954 comunica por carta


pastoral:

“... Obedecendo às orientações da Igreja que nos ordena


combater e desbaratar os esforços do comunismo, devemos mais uma
vez levantar a nossa voz de alerta aos católicos... "

Logo vai lamentar o seu engano descobrindo "outras


forças ocultas( ... ) para tomar a exercer sobre a Guaternala

32
o domínio ignominioso do passado" (discurso de 10 de
outubro de 1954).
De 11 a 15 de fevereiro realiza ainda o I Congresso
Eucarístico Centro-americano, e o núncio Mons. Paupini
nomeia o padre Mário Casariego como bispo auxiliar.

- El Salvador

Quando em El Salvador22 foi aniquilado, de forma


sangrenta, o levante camponês, deixando um saldo de trinta mil
mortos (entre eles Farabundo Martí), o arcebispo Belloso
alegrava-se por terem sido "conjurados os males presentes"; o
padre José Alférez, no dia 28 de fevereiro, celebrou na catedral
uma ação de graças; o padre Francisco Castro pronunciou uma
oração patriótica felicitando o governo superior e o exército
nacional por sua luta "contra o ateísmo". 0 padre salesiano José
Miglia lançava uma cruzada anticomunista nos cárceres
repletos de camponeses e a imprensa nacional abria, pela
primeira vez, as portas à Igreja, para imprimir cinqüenta mil
exemplares de folhetos de "cristianização e anticomunismo".
Somente graças à nomeação de Mons. Luis Chávez González
(19381977) para arcebispo de San Salvador- cujo sucessor será
Oscar Arnulfo Romero - vai se produzindo lenta mudança na
orientação social da Igreja salvadorenha.

- Honduras

Em Honduras23 acontecia a mesma coisa. 0 arcebispo


Turcios y Barahona (sagrado em 1947), lança em 1954 carta
pastoral onde declara que o comunismo é intrinsecamente mau
por seu ateísmo, mas não diz quase nada do

22. Cf. Rodolfo Cardenal, "Historia de Ia Iglesia en El Salvador", in HGIAL, t. VI, 1985,
23. Cf. Marcos Carías, "Historia de Ia Iglesía en Honduras", in HGIAL, t. VI, 1985.

33
capitalismo. Em 1959 realiza-se a Grande Missão de
Tegucigalpa contra "a invasão materialista e
desmoralizadora", consagrando o país ao Sagrado Coração.
Em 1955 organizamse os Cavalheiros de Cristo Rei em San
Vicente, oradores leigos militantes. Graças ao padre
Domínguez são fundadas organizações camponesas e
operárias, utilizando o programa de rádio que o padre Molina
Sierra começara em 1955.

- Nicarágua

O arcebispo José Antonio Lezcano y Ortega, na


24
Nicarágua , atribuiu o terremoto de 31 de março de 1931 aos
pecados públicos contra Deus. De 12 a 3 de março de 1934
celebrou-se o I Concilio Provincial Nicaragüense, em Léon.
Alguns anos antes, de 31 de dezembro de 1928 a 1º de janeiro
de 1929, fora organizado o I Congresso Eucarístico Nacional.
Com a ascensão de Somoza García, a Igreja não demonstrou
inconformidade, não opôs resistência e a política
anticomunista da "guerra fria" estava de acordo com a do
governo. Em 1957 até foi lamentado o assassinato de
Anastásio Somoza.

8. A Igreja no Caribe

- Santo Domingo

No Caribe, a situação de Santo Domingo25 esteve


completamente dominada por Rafael Trujillo (1930-1961),
que desde o começo não procurou perseguir a Igreja, mas tê-la
do seu lado. Logo no dia 20 de fevereiro de 1931, na

24. Cf Jorge Eduardo Arellano, "Historia de Ia Iglesia en Nicaragua", in. HGIAL, t. VI,
1985.
25. Cf. William, Wipfler Poder, influencia y impotencia. La Iglesia como factor socio-
político en República Dominicana, CEPAE, Santo Domingo, 1980, pp. 84ss.

34
presença do núncio Mons. José Fietta, promete à Igreja o
"amparo da cooperação que vos brindará o governo que
presido", para que a Igreja fosse "fonte de consolo, elemento
moral de poderosa influência no estabelecimento do nosso
progresso, do nosso bem-estar".26 No dia 6 de março
érestaurada a personalidade jurídica da Igreja. O ditador exclui
o padre Rafael Castellanos da sucessão a Mons. Alejandro
Noel e consegue pôr o dócil Ricardo Pittini como arcebispo de
Santo Domingo; este atingirá graus inigualáveis de
cumplicidade, a ponto de pedir a Trujillo em 1938 que retire
sua renúncia à reeleição para presidente. O massacre de
haitianos na região fronteíriça, em 1936, foi ocultado até pelos
sacerdotes da missão jesuíta. A Igreja recebeu do governo: três
catedrais, restauração de edifícios históricos, escolas, reitorias,
conventos, novos seminários, centros de retiro, subvenções e
salários para bispos, sacerdotes etc., veículos, equipamentos
audiovisuais, ornamentos litúrgícos. Em 1954 assinou-se o
acordo, no dia 16 de junho, ignorando os crimes e as injustiças
do tirano. No Congresso Internacional sobre a Cultura Católica
em 1956, com a presença até do cardeal Spellman de Nova
York, o cardeal De la Tom, de Quito, elogiou o Generalíssimo
por ser "o fiel intérprete dos sentimentos de seu povo".
Somente em 25 de julho de 1959, Mons. Hugo Polanco Brito
começa a demarcar as responsabilidades, dizendo: "eu
pessoalmente, como bispo de Santiago, não tenho outros
superiores senão o Papa e Deus, aos quais prestarei contas das
minhas ações."27

26. Zenón Castillo de Aza, Trujillo y otros benefactores de la Iglesia, Handicap, Ciudad
Trujillo, 1961, p. 216.
27. Hugo Polanco Brito, Discursos y escritos (1934-1965), t. I (inédito).

35
-Porto Rico

Em Porto Rico,28 como em Cuba e nas Filipinas, a


anexação aos Estados Unidos em 1898 deixará marcas
inapagáveis na Igreja: profunda "americanização"
antilatino-americanista. Por isto, o fervoroso e místico católico
Pedro Albizu Campos, fundador do Partido Nacionalista
porto-riquenho - condenado e encarcerado até 1948 - é pessoa
a ser lembrada. A nefasta ação no final do século XIX de
Mons. Luis Chapelle, arcebispo de Nova Orleans, e de seu
assistente, Mons. Blenk, como bispo de San Juan, conseguiu
dividir a Igreja em "americanistas" e "nacionalistas", escisão
esta que continua até os dias de hoje.29 De qualquer maneira o
Vaticano aceitou como positiva a ocupação americana e os
núncios sempre propiciaram o processo de "americanização",
tanto em Cuba quanto nas Filipinas.

- Cuba

Em Cuba,30 a figura de Mons. Manuel Arteaga y


Betancur (1879-1963), arcebispo de Havana (1941), mais tarde
cardeal, é central neste período em que sucedeu ao arcebispo
Manuel Ruiz y Rodríguez. Desde a revolução de 33, a Igreja,
por influência romana, ocupa-se da questão social. Em 1932
fora organizado o Agrupamento Católico Universitário (ACU),
graças ao padre Felipe Rey de Castro SJ. Mediante a carta
pastoral de 17 de dezembro de 1938, funda-se a Ação
Católica, mas somente em 1942 ela co-

28. Cf. Sarnuel Silva Gotay - Mario Rodríguez, "Historia de Ia Iglesia en Puerto Rico", in
HGIAL, t. IV (em preparo).
29. Samuel S. Gotay, La Iglesia católica en el proceso político de Ia americanización de
Puerto Rico (1898-1930) (inédito).
30. Cf. Raúl Gómez Treto, "Historia de Ia Iglesia en Cuba (1959-1979)", in HGIAL, t. IV
(ern preparo); Walfredo Piñeros Corrales, Cambias ocurridos en Ia Iglesia católica en
Cuba durante los últimos 50 años, Havana, 1982 (inédito). Estes dois trabalhos
pertencem a CEHILA-Cuba, coordenado por Rafael Cepeda.

36
meça a trabalhar efetivamente. A Juventude Operária Católica
(JOC) reúne os seus primeiros centros a partir de 23 de janeiro
de 1947. Dia 15 de agosto de 1946 abriu suas portas a
Universidade Católica Santo Tomáz de Villanueva. Em 1957
existiam, em Cuba, 209 paróquias, 6 dioceses, 245
comunidades religiosas (87 masculinas), 162 colégios
religiosos (52 masculinos) com quarenta mil estudantes; 667
sacerdotes que dirigiam 426 templos; um seminário maior
aberto em setembro de 1945, onde estudavam também negros
e mulatos, por vontade expressa de Mons. Arteaga.
A partir de 1955 começou a polítização da juventude
católica, sendo censurada pelo episcopado. Os dias de
Fulgêncio Batista y Zaldívar, cujo poder começou no dia 4 de
setembro de 1933, estavam chegando ao fim.

- Haiti

No Haiti,31 depois da ocupação americana (1914-


1934), como na Nicarágua, deixaram urna "Garde d'Haiti". A
Igreja, quase que exclusivamente francesa no seu episcopado e
alto clero, recebe forte impulso de missionários canadenses.
No entanto, o sobressalto de 1946 não significou renovação.
Em 1953 é nomeado como bispo auxiliar de Port-au-Prince
Mons. Remy Augustin, haitiano; mas o novo arcebispo é o
francês Mons. François Poirier. Somente em 1957, com
François Duvalier, reivindica-se um clero nacional, negro,
haitiano, mas para controlar a Igreja à maneira de Trujillo em
Santo Domingo. Seus dois primeiros ministros de educação
foram sacerdotes e a Santa Sé nada objetou naquele caso.32

31. Ernst Verdien-William Smarth, "Histoire de I'Eglise en Haiiti", in HGIAL, t. IV


(em preparo).
32- Dever-se-ia incluir aqui todo o Caribe inglês e holandês. Cf. Eric Williams, Some
Historical Reflections on the Church in the Caribbean, Port of Spain, 1973; Keith Hunte,
"The Church in the West Indies", in HGIAL, t. IV em preparo);

37
9. Tensões no modelo de "Nova Cristandade"

A "Cristandade colonial" (1492-1808) entrou em crise


no século XIX diante do ataque dos liberais. Só por volta de
1930 tenta-se reconstituir um novo ideal (que denominamos
"Nova Cristandade" com sociólogos e historiadores latino-
americanos contemporâneos). A Igreja, depois de ter-se oposto
ao Estado liberal e ser por ele perseguida, pode agora
estabelecer relações de aliança, concórdia ou tolerância com o
Estado populista (talvez a única exceção tenha sido o México,
durante quinze anos). No entanto vai-se produzindo uma
escisão entre duas posições. Uma que procura o poder
conseguido pelo fortalecimento da Igreja e a necessidade de
aliança com a nascente burguesia industrial, para preservar o
estado de coisas tradicional, oligárquico e conservador. Outra
que procura usar esse poder numa causa democrática,
modernizadora, progressista, que inclui a opção pela ação
social, ainda ambígua. Líderes cristãos como Eduardo Frei
Montalva, no Chile, ou Pedro Albizu Campos, em Porto Rico,
assinalam este segundo caminho. Os movimentos cristãos
simpáticos ao franquismo, ao hispanismo, ao corporativismo
anticomunista. indicam o primeiro caminho. De qualquer
maneira, figuras como a de Alberto, Hurtado, no Chile, Pedro
Velásquez, no México, ou Gustavo Franceschi, na Argentina,
não podem deixar de ser lembradas como significativas deste
período.

Richard Buhler, A History of the Catholic Church in the Belize, BISRA, Belize, 1976;
John Harricharan, "The Catholic Church and the english-speaking Caribbean", in
HGIAL, t. IV (em preparo); J. Vemooy, "La Iglesia católica romana del Surinam", in
HGIAL, t. IV (em preparo) etc.

38
II.

RENOVAÇÃO DA IGREJA
SOB O SIGNO DE MEDELLÍN (1959-1972)

Este segundo período será delimitado por dois


acontecimentos. O anúncio do Concilio Vaticano II, em janeiro
de 1959, e a realização em Sucre (Bolívia) da XIV Assembléia
Ordinária do CELAM, que muda a estratégia não só deste
órgão, mas também da Igreja, em uma de suas importantes
instituições funcionais. A II Conferência Geral de Medellín
(1968) é seu centro de convergência, que continuará
incentivando grandes setores da Igreja por dezenas de anos.

1. A Igreja na década do desenvolvimento e sua crise

A escolha de João XXIII, no dia 28 de outubro de


1958, não deixou pressentir que, em janeiro de 1959, ele
convocaria um Concílio.33 No dia 19 de janeiro, no Caribe,
triunfa a revolução castrista. Se lembrarmos que Stalin morreu
em 1953, que o XX Congresso do Partido, em 1956, enterrou
com Krutschev unia época na URSS, e se acrescentarmos que,
em 1961, foi eleito John Kennedy nos Estados Unidos,
poderemos compreender que foi época de distensão e fim da
"guerra fria". Na América Latina, a "Aliança para o
Progresso" (1961), no meio da chamada "Década do
Desenvolvimento" (1955-1965), indica um momento de
otimismo do capitalismo dependente. 0 papa João XXIII
lançava Mater etMagistra (1961) e Pacem in Terris (1963)
que deram lugar a uma renovação nos com-
33. Cf. bibliografia geral das histórias da Igreja na Europa ( nota 3 acima).

39
promissos políticos na América Latina. 0 próprio papa falava
da "Igreja dos pobres".34
Junto com o desenvolvimentismo, uma corrente
revolucionária percorria a América Latina. Camilo Torres
morre em 15 de fevereiro de 1966 e, em 1967, "Che" Guevara.
Nesse ano Paulo VI (1963-1978) lança Populorum Progressio,
onde fala do "imperialismo internacional do dinheiro". Um ano
antes, 17 bispos dos países pobres tomam pública a
"Declaração dos bispos do Terceiro Mundo" em 31 de Julho de
1966, que terá uma longa história. É nesta época que a "teoria
da dependência" começa a colocar em questão teoricamente o
"desenvolvimentismo" mostrando a necessidade não de
reformas, mas de libertação estrutural continental.
A Revolução Cultural chinesa de 1966, a rebelião
juvenil mexicana, afogada em sangue em 2 de outubro de 1968
em Tlatelolco, as manifestações anteriores, em Berkeley,
contra a guerra do Vietnam, o "maio" de Paris, fizeram deste
ano (expressão da crise do capitalismo em 1967) um momento
central. 0 "córdoba 30" em 1969 também será histórico.
Salvador Allende ganha as eleições no Chile, em 1970, e o
papa lança Octogesima Adveniens (197 1) onde se admite um
socialismo democrático.

2. Fases dos momentos colegiais

A Igreja latino-americana passou por duas fases que


são emolduradas dentro de grandes reuniões, encontros,
conferências, seminários. A primeira fase (1959-1968) é como
que a grande renovação preparatória dos grandes
acontecimentos. 0 Concílio Vaticano II começa dia 11 de
outubro de 1962. Comparecem 601 bispos latino-america
34. Expressão adotada pelo papa João XXIII e pelo Concilio Vaticano II(cf. Ecclesia
Christi Lumen Gentium, 8, Coleção de Encíclicas, BAS, Madri, t. 1, 1967, p. 2.493).

40
nos (22,23%) contra 849 europeus (31,60%). 0 cardeal A.
Caggiano de Buenos Aires foi um dos cinco que presidiram a
abertura.35 Quando o Concílio se encerrava em dezembro de
1965, havia-se produzido um movimento profundo na Igreja
desde o México até a Argentina. 0 CELAM realizou várias
assembléias anuais em Roma presididas por Mons. M. Larraín
(presidente do CELAM de 1963 a 1966)
De imediato houve alvoroço em certos grupos
minoritários, mas proféticos. Primeiro, o Encontro Episcopal
Latino-americano de Bafios (Equador), em junho de 1966,
com os responsáveis pelas comissões de educação, apostolado
secular, ação social e pastoral de conjunto. Depois vem a X
Assembléia do CELAM em Mar del Plata, sobre "0 papel da
igreja no desenvolvimento e na integração da América Latina"
(em outubro do mesmo ano), onde o governo ditatorial de
Ongania impediu a presença de Dom Hélder Câmara. 0
Encontro de Pastoral Universitária em Buga (Colômbia), em
1967, propõe a reforma nas universidades católicas,
permitindo a reestruturação de importantes centros intelectuais
(no Chile significou greves, passeatas, manifestações
estudantis, assim como em outros países). O Encontro
Latino-americano de Vocações (Lima, 1967) planeja a reforma
dos seminários teológicos. O I Encontro Pastoral de Missões
Indígenas em Melgar (Colômbia, abril de 1968) faz penetrar
na Igreja a questão indigenista. Por último, o Encontro da
Pastoral Social em Itapoã (Brasil) em maio de 1968. Tudo isto
preparou o caminho para o acontecimento fundamental da
Igreja latinoamericana do século XX: a II Conferência do
Episcopado Latino-americano em Medellín36 sobre a
"Presença da Igreja na atual transformação da América
Latina".

35. Sobre esta questão, cf. minha HI, op. cit., pp. 219-223.
36. Cf. Hernán Parada, Crónica de Medellín, Indo-American Press, Bogotá, 1975;
minha MP, pp. 67ss.

41
A partir desse momento, segunda fase (1968-1972),
começa o trabalho de renovação de toda a Igreja, partindo do
CELAM. O IPLA (Instituto Pastoral) de Quito, de onde sairão
mais de 500 agentes de pastoral - entre eles o padre Rutilio
Grande SJ, mártir de El Salvador, e tantos outros - o Instituto
de Catequese (Manizales), de Liturgia (Medellín), de
Juventude (Bogotá), realizam trabalho de aprofundamento e
extensão. Os Encontros de Renovação Episcopal que
causaram mudanças profundas em muitos bispos (o de
Medellín em julho de 197 1, com a participação de 56
prelados, desde Adalberto Almeida, arcebispo de Chihuahua,
até Mons. Jorge Enrique, de La Paz, e Mons. Oscar A.
Romero, de El Salvador).
Por outro lado, nos sínodos romanos de 1967 e 1969
as vozes latino-americanas se fizeram ouvir, sendo que no III
Sínodo de 1971 os bispos latino-americanos tiveram peso
significativo. Naquestão de "Justiça no mundo" mostraram
uma clara posição de libertação exposta pelo secretário
Executivo do CELAM, Mons. Eduardo Pirônio. E no seio da
Espanha, ainda franquista, organiza-se no Escorial, de 8 a 15
de julho de 1972, o encontro "Fé Cristã e Transformação
Social na América Latina", onde mais de 30 teólogos da
Libertação expõem, na Europa, a experiência vivida pela
Igreja latino-americana durante esses anos.37

3. Os grandes desarios

Os grandes desafios da Igreja neste período parecem


ser três. Primeiro, o desafio dopovo latino-americano, como
sujeito histórico da formação social concreta, histórica, como
bloco social dos oprimidos, cuja "memória" remonta até antes
da chegada dos espanhóis ou portugueses

37. Cf. Fe cristiana y cambio social en América Latina, Sígueme, Salarnanca, 1972, com
versão para o inglês (Orbis Books, Nova York), o italiano, o francês etc.

42
à América Latina. É toda a questão da cultura popular, a
religião do povo (o catolicismo popular), o protagonismo
político desse povo com o qual a Igreja institucional estava
acostumada a "conviver", mas que tinha deixado de animar de
dentro. Agia sobre ele, mas não era ele mesmo como cristão. 0
Movimento de Sacerdotes para o Terceiro Mundo, na
Argentina - desde 1966 - é o primeiro movimento que se insere
no popular (não exclusivamente classista e devendo evitar o
desvio populista). As "Comunidades Eclesiais de Base" - que
surgem em muitas partes da América Latina, mas
principalmente no Nordeste do Brasil - serão a resposta para a
organização cristã do povo como "Povo de Deus" (Lumen
Gentium do Concilio Vaticano II). Esta corrente impõe-se no
catolicismo latino-americano (tanto o progressista quanto o de
libertação) a partir de meados da década de 70.
O segundo é o desafio de optar só pela reforma ou
também pela revolução. A revolução cubana de 59 colocou aos
cristãos a possibilidade do triunfo imediato através dos
"focos". O caminho das armas foi encarado política e
eticamente possível. Por outro lado, pela primeira vez se
discutiu seriamente a "opção socialista". Foi no Chile, desde a
crise do ILADES, em 1969, e a fundação do MAPU, que
"Cristãos para o socialismo" (1972) começam o longo caminho
histórico de encontro entre cristãos e marxistas. A época da
"guerra fria" e dos antimarxismos dos anos 30 ficou para trás,
mas nem por isso findaram as disputas, em todos os níveis,
entre cristãos reformistas, progressistas, que esperam o
desenvolvimento do capitalismo dependente, e os que lutam
pela utopia da superação desse capitalismo. O desafio fica
ainda mais profundo no período seguinte.
O terceiro se refere ao próprio "modelo" da Igreja, ou
seja o modo de entender a função da Igreja na sociedade
política e civil. 0 modelo de cristandade, que se apoiava no

43
Estado para realizar as suas atividades (educação religiosa nas
escolas do Estado, capelães militares, subvenções para templos
etc.) entra em crise, abrindo o caminho para o modelo de
Igreja dos pobres. Trata-se, como pensa o CELAM (1963-
1972) de irradiar o testemunho cristão diretamente ao povo, ao
pobre. O "pobre" se transforma no lugar de todas as opções,
discussões e ações. A "Teologia da Libertação" (TL) - reflexão
de uma geração inteira de teólogos latino-americanos que não
se deve atribuir a pessoas - chega a formular esta opção
histórica pelo pobre que transforma a Igreja em "Igreja dos
pobres" e que entrega ao povo, como sujeito protagônico
histórico, a responsabilidade de sua própria evangelização: a
"Igreja servidora" da libertação do povo dos pobres, no espírito
de João XXIII.

4. Renovação das estruturas eclesiais

Neste período os bispos deixam de ser ilhas solitárias


e se unem até constituírem verdadeiros movimentos. Um dos
sinais dos novos tempos foi a atitude tomada diante da questão
da terra, a reforma agrária. Em 1961 o padre Antônio Melo
está à frente de dois mil camponeses que ocupam terras. Dom
Hélder os apóia, assim como o cardeal Motta. Enquanto que
D. Geraldo P. Sigaud se opõe e publica um "Catecismo
anticomunista", na linha do movimento "tradição, família e
propriedade" (Fiducia). Dia 11 de março de 1962 Mons. M.
Larraín entrega os 342 hectares de Alto Las Cruces para que o
INPROA (Instituto para a Reforma Agrária) organize os
camponeses como proprietários das antigas terras da Igreja. 0
cardeal Silva Henríquez entrega 1.213 hectares a seus
camponeses em Las Pataguas. Da mesma forma o arcebispo
de Cuzco, Mons. Jurgens Byrne. entrega, em 1963, 15.000
hectares da Igreja aos camponeses. Em 1969 Mons. Leônidas
Proaflo faz o mes

44
mo com a estância Tepeyac de 3.000 hectares entregues a
CESA. Estes atos de empobrecimento voluntário da Igreja são
seguidos de ações concretas, não mais como ajuda, mas como
promoção do próprio movimento popular. Dom Hélder no
Brasil; Mons. Larraín no Chile; Mons. A. Devoto, de Nevares;
Enrique Angelelli na Argentina; Sérgio Méndez Arceo em
Cuernavaca - que assiste ao 1 Encontro de Cristãos para o
Socialismo, Santiago, 1972; Mons. Antúlio Parrilla
Bonilla-que em Porto Rico presencia a queima de cadernos
militares como ato de protesto; Mons. Gerardo Valencia, em
Buenaventura, a favor da população negra; o cardeal J.
Landázuri que doa o milhão de pesos recebido do governo para
reformar a catedral, para consertar a prisão e um novo hospital,
e tantos outros como Mons. Jorge Manrique em La Paz, Felipe
Benítez em Villarica, Carlos Parteli no Uruguai, não podem ser
esquecidos.
Mas ao mesmo tempo há profunda renovação na
estrutura sacerdotal. Movimentos como o dos Sacerdotes para
o Terceiro Mundo na Argentina (desde 1965) que começam
pensando em questões como o celibato sacerdotal e acabam
optando pela "revolução popular"; o movimento ONIS (1968)
no Peru; Golconda (1968) na Colômbia; Sacerdotes de
Guatemala (COSDEGUA, 1969); o grupo dos "80" no Chile
(1970); "Sacerdotes para o povo" no México (1970); o grupo
SAL na Colômbia; o "Movimento Nacional Cristão de
Libertação" (MNCL) no Equador; "Êxodo" na Costa Rica;
ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina) na Bolívia e
tantos outros, demonstram que o sacerdote deixa de ser apenas
um profissional do culto, do ritual, para transformar-se em
profeta social, real, histórico.
As ordens e congregações religiosas também. Como
já dissemos, nasce a CLAR (Conferência Latino-americana de
Religiosos), cuj a I Assembléia Geral se realiza em Lima
(1960). As comunidades femininas, principalmente (que

45
chegam a ter quase 40 mil membros) abraçam a "opção pelos
pobres". De 15 a25 de agostode 1968, com apresença do geral
da ordem, padre Constantino Koser, os franciscanos - de tão
longa história no continente - realizam o I Encontro Latino-
americano Franciscano. De 25 dejaneiro a 2 de março de 1972
organiza-se em Medellín o I Curso de Provinciais Religiosos
da América Latina. Certamente, a renovação deste decênio
(1962-1972) não tem parâmetro igual na história das ordens
religiosas no nosso continente.
Do seu lado, os movimentos de leigos também
mostraram vitalidade igual e de forma crescente. No começo
foram invasões de templos e protestos pedindo a reform a da
Igreja (como a de Corpus Domini de Buenos Aires, em 4 de
abril de 1966, ou a tomada da Catedral de Santiago por 300
leigos, no dia 11 de agosto de 1968, ou a ocupação pacífica de
igrejas, como em Lima em 1970). A Ação Católica estava em
profunda crise, principalmente depois da crise da JUC
brasileira. Por outro lado, o sindicalismo cristão seculariza-se e
o militante cristão começa a "confundir-se" com a massa de
líderes que lutam pela classe trabalhadora ou camponesa num
sentido estritamente elassista.
A encíclica Humanae Vitae (1968), sobre moral no
casamento, de fato concede mais autonomia à consciência do
casal cristão que percorre seu caminho no Movimento
Familiar Cristão (Montevidéu, 1961).
O compromisso reformista político canaliza-se
através da Democracia Cristã. Expande-se a partir do Chile
em 1947 até a Venezuela (COPEI); no mesmo ano surge a
Organização Democrática Cristã da América (ODCA), que em
1954 éfundada na Argentina e Bolívia, em 1956 no Peru e
Guatemala, em 1960 em El Salvador, Paraguai e Panamá, em
1961 em Santo Domingo, em 1962 no Uruguai e Brasil, em
1964 no Equador e Colômbia. Quando em 1964 Eduardo Frei
chega ao poder no Chile, ou em 1968 Rafael Caldera

46
na Venezuela, a DC começa seu afastamento da juventude
cristã revolucionária.

5. A Igreja perante a realidade do socialismo na América


Latina

Em 19 de janeiro de 1959, com o triunfo de Fidel


Castro em Cuba,38 começa a primeira fase da relação entre
Igreja e revolução que é o "desconcerto", como indica R.
Gómez Treto. No dia 29 dejaneiro o episcopado lança uma
circular "Diante dos fuzilamentos" agudamente crítica. De 13 a
18 de fevereiro defende o ensino privado. Em 17 de maio alerta
sobre o socialismo nas leis da reforma agrária. Por último,
organiza o Congresso Católico Nacional que culmina em 29 de
novembro diante da venerada imagem da Virgem Maria da
Caridade do Cobre. Mons. Enrique Pérez Serantes, que em
1953 defendeu Fidel Castro no ataque ao quartel Moncada,
salvando-lhe a vida, presidia o ato com a presença do próprio
comandante Castro. Gritava-se "Cristo sim, outro não", "Cuba
sim, Rússia não". Era época de "guerra fria" ainda. O próprio
CELAM na IV Assembléia de Fómeque (Colômbia), em 19 de
novembro, condenava "os enganos do comunismo" e a
"incompatibilidade do comunismo com o cristianismo". Em 7
de agosto de 1969 a circular coletiva do episcopado declara
que "a maioria absoluta do povo cubano, que é católica, só por
engano poderia ser conduzida a um regime comunista". Os
poucos bens da Igreja foram afetados pela Reforma Urbana de
14 de setembro, quando foram confiscadas as propriedades e
reduzidos os aluguéis a favor das massas empobrecidas.
A segunda fase de "confronto" começou com o
discurso de Fidel. Castro no dia 2 de junho de 1969, quando

38. Cf. nota 30 acima. Também Aldo Bünting, "La Iglesia en Cuba. Hacia una nueva
frontera", in Revista de CIAS, 193, Buenos Aires, 1970, pp. 21 ss.; minha MP, pp. 84ss.

47
declarou "Quem for anticomunista será anti-revolucionário".
Os cristãos dirigentes da pequena e alta burguesia passaram
em massa para a oposição. Começou a emigração para Miami
e o envolvimento de muitos em ações conspiratórias contra o
governo. Em 6 de junho de 1961 o ensino é nacionalizado, a
moeda anulada, os cemitérios confiscados, reprime-se a
procissão da Caridade do Cobre e tudo culmina com a
expulsão de cento e trinta e três sacerdotes em 12 de setembro,
entre os quais estava o futuro arcebispo de Havana, Mons.
Francisco Oves Martínez. Dos 745 sacerdotes que havia em
1960, em 1969 ficam apenas 230; de 2.225 religiosas, em
1970 ficam umas 200.
A terceira fase (1962-1967) será de "evasão", do
silêncio, da reflexão. Chegam os novos ventos do Concílio, a
presença do delegado apostólico Mons. César Zacchi com
experiência em países socialistas do leste, cujo secretário é o
padre Pietro Sambi, que veremos em 1979 na Nicarágua. Dia
21 de dezembro de 1964 falecia, com honras de comandante
morto em campanha, o padre Guillermo Sardinas, que tinha
participado da guerra junto com Castro, obtendo o grau de
comandante, e que desde 1959 se havia reintegrado como
pároco de Cristo Rei em Havana. Em 1966 abriu-se o novo
seminário maior San Carlos e San Ambrosio. A Ação Católica
foi dissolvida e foi reorganizada na FLAC (Formação,
Liturgia, Apostolado, Catequese), que se preparou para que
Cuba estivesse presente em Medellín (1968), embora o
impacto desta Conferência tenha sido muito limitado em Cuba.
A quarta fase (a partir de 1968), de "reencontro",
foi iniciada pelo próprio Castro, que no Congresso de
Intelectuais em Havana, na presença de 500 dirigentes do
mundo inteiro, exclamou: "Estes são os paradoxos da história:
quando vemos setores do clero que se tomam forças
revolucionárias, como resignar-nos a ver setores do marxismo
se tomarem forças eclesiásticas?"39

39. Citado por Alain Gheebrant, La Iglesia en América Latina, Siglo XXI, México,
1970, p. 194.

48
Em 20 de abril de 1969, através de um Comunicado, o
episcopado condena o bloqueio econômico e político realizado
pelos Estados Unidos. Em 9 de julho Mons. Oves é sagrado
arcebispo. Dia 8 de setembro é lançado outro Comunicado:

"Devemos aproximar-nos do homem ateu com todo o respeito e


caridade firaterna... Na empresa do desenvolvimento, na promoção de
todos os homens e do homem total há um campo enorme de empenho
comum entre todas as pessoas de boa vontade, sejam elas crentes ou
atéias".40

De 23 a 30 de abril de 1971 realizou-se o Congresso


Nacional de Educação e Cultura. Fidel Castro esteve no Chile
de 5 de novembro a 4 de dezembro e manteve o "Diálogo" com
os "80" sacerdotes que visitariam Cuba em fevereiro de 1972.
Uma delegação cubana esteve presente em Santiago do Chile
para o I Encontro Latino-americano de Cristãos para o
Socialismo.
No Chile,41 de 1959 a 1968 ocorre uma etapa de
renovação "desenvolvimentista" inspirada pelo Centro
Belarmino. O cardeal Raúl Silva Henríquez ocupa em 1961 o
arcebispado de Santiago. Em 1960 fora realizada uma
"Semana pastoral" com a presença do cônego Boulard. Em
1962 élançado o I Plano de Pastoral de Conjunto. As dioceses
de Talca e Santiago, como já dissemos, realizam a reforma
agrária em algumas terras que a Igreja ainda possuía (196 1).
Cinco mil jovens fazem uma peregrinação a Maipu, dia 7 de
outubro, para orar pelo êxito do Concílio. O episcopado lança
a carta pastoral sobre "O dever social e político do momento
atual". A revista Mensaje dedica um número às "Reformas
revolucionárias na América Latina".

40. Obra citada de Raul Gómez Treto (inédita), p. 37.


41. Cf. Femando Aliaga, "História de Ia Iglesia en Chile”, in HGIAL, t. IX (em
preparo); in MP, pp. 92ss; cf. HI, pp. 257ss.

49
Pode-se dizer que a Igreja chilena foi a mais ativa da América
Latina no Concílio, por sua organização, seus teólogos, pelo
projeto levado em consideração para o texto Sobre a Igreja.
Além disto em 1963 foram organizadas as "Semanas Sociais",
a Grande Missão de Santiago e em 1967 os Sínodos de
Santiago, Concepción e Talca. O Chile foi também fator
essencial na realização da Conferência de Medellín.
No entanto, desde que Eduardo Frei assumiu o
governo (1964-1970) começou o declínio da liderança latino-
americana da Igreja chilena. A Democracia Cristã reprime um
movimento camponês realizado em Puerto Montt em 1967.
Alguns cristãos começam a mostrar descontentamento. 0
episcopado publica o último grande documento dentro da linha
criativa, não condenatória: "Chile: vontade de ser" (1968).
Pouco depois a "Igreja jovem" toma a catedral de Santiago
pedindo reformas, no dia 11 de agosto. O grupo de direita
Fiducia ("Tradição, Família e Propriedade") toma-se mais
ativo. Começa a crise fundamental - para entender todo o
desenvolvimento posterior da Igreja latino-americana - no
Instituto Latino-americano ILADES. Pierre Bigo e Roger
Vekemans da linha "desenvolvimentista", como dizem os
outros, acusam Gonzalo Arroyo e Franz Hinkelammert de
"marxistas" (os três primeiros são jesuítas e somente Arroyo
échileno). Em 1969 a situação se toma insustentável e o
ILADES se divide em dois. Vekemans irá mais tarde para a
Venezuela (1970) e chegará a Bogotá onde incentivará o
presbítero Alfonso López Trujillo em sua meteórica carreira
(bispo auxiliar de Bogotá, arcebispo e cardeal de Medellín).
Gonzalo Arroyo fundará mais tarde "Cristãos para o
Socialismo", como veremos.
Enquanto isso, no mesmo ano de 1969, a Democracia
Cristã se divide, sendo fundado o Movimento de Ação
Popular Unitária (MAPU) que integrará o governo socia-

50
lista da Unidade Popular, que ganha as eleições no dia 4 de
setembro de 1970.42
Em 16 de abril de 1971, como resultado do encontro
de "80" sacerdotes sobre "Participação dos cristãos na
construção do socialismo no Chile", aparece uma declaração
pública onde se anuncia: "Como cristãos não vemos
incompatibilidade entre cristianismo e socialismo". No dia 27
de maio o episcopado replica com a carta pastoral sobre
"Cristãos, política e socialismo", precedida por outro
documento (22 de abril) dirigido aos sacerdotes.
De 23 a 27 de março de 1972 realiza-se em Santiago
o 1 Encontro de Cristãos pelo Socialismo. Gonzalo Arroyo
diz:

"A análise objetiva darealidade política latino-americana leva à


convicção de que os repetidos fracassos da esquerda em atrair as
massas para a luta decidida contra as forças nacionais e
internacionais do capitalismo, exige a incorporação maciça dos
cristãos no processo revolucionário".

Nas conclusões toma-se mais explícito:

"A construção do socialismo é um processo criativo que combate


qualquer esquematismo dogmático e qualquer posição acrítica ...
Nestas condições, a religião perde seu caráter de ópio dopovo ...
constituindo-se em mais um fator de inspiração na luta pela paz, pela
liberdade e pela justiça".

Em 11 de setembro de 1973, Augusto Pinochet


enterra esta experiência da Igreja com uma repressão nunca
vista.
A relação cristianismo-socialismo começou a ser
colocada explicitamente nos grupos estudantis cristãos,
principalmente a partir de 1959, e pela revolução cubana. O

42. Cf. Pablo Richard, Cristianos por el socialismo, Sígueme, Salamanca, 1976, onde
constam os acontecimentos de 1970 a 1973.

51
antecedente mais longínquo aconteceu no Brasil, onde a JUC,
por proposta do padre Almery Bezerra e partindo da
problemática do "Ideal Histórico" do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB), analisou o tema no "Congresso
pelos 10 anos" da sua fundação. 0 pensamento do padre T.
Cardornnel. e principalmente de Henrique de Lima Vaz será
praticado como "compromisso político" na "Ação Popular",
agrupamento político, cujo "Documento de Base" admite uma
ação revolucionária e marxista. Em junho de 1968 o Congresso
Nacional da JOC-ACO condena o capitalismo e constata a
"luta de classes", admitindo a análise marxista da realidade
social. Dezenas de grupos cristãos na América Latina aceitam
a estratégia revolucionária dos "focos" de "Che" Guevara,
como o caso da "Guerrilha do Teoponte" de Néstor Paz
Samora (1970, Bolívia), cujo caso mais conhecido foi o do
padre Camilo Torres (morto em 15 de fevereiro de 1966). Com
o fracasso da teoria dos "focos", a Unidade Popular chilena
constituiu novo modelo democrático. Mas da mesma forma,
com a sua derrota pelo golpe militar, outros caminhos serão
tentados no futuro.

6. A Igreja perante o "desenvolvimentismo" do Cone Sul

- Brasil
No Brasil este período tem três fases.43
A primeira termina sem dúvida em 1964. Dom
Hélder Câmara, que havia trabalhado na LEC, que foi assessor
nacional da Ação Católica desde 1947, fundou a CNBB; isto
graças a duas pessoas: o núncio Dom Armando Lombardi
(que só será substituído em 1964) e Mons. Montini
(colaborador em Roma de Pio XII). Foi a época da

43. Cf. SEDOC (Serviço de Documentação) desde 1964; a obra de TH. Bruneau, já
citada; minha MP, pp. 193 -211.

52
liderança carismática da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Nesta época foram fundadas 43 dioceses novas
(com 109 bispos novos), 11 novas arquidioceses (com 42
arcebispos), 16 prelazias. Estes bispos jovens, progressistas
serão fundamentais a partir de 1968. Além disto a CNBB nesta
época estava nas mãos dos bispos do Nordeste.44
De 1959 a 1961 a Igreja enfrentou a questão do
ensino, fazendo pressão sobre o governo através da Associação
de Educação Católica (AEC). A lei de "Diretrizes e Bases para
a Educação Nacional", de 20 de dezembro de 196 1, aceitou os
pontos de vista da Igreja. Ao mesmo tempo vai acontecendo
lentamente a ruptura da Igreja com a oligarquia agrária. As
declarações de Natal, em 1951; de Campina Grande, em 1956;
e de novo em Natal, 1959 que apóiam os camponeses, o
sindicalismo rural - abrem o caminho da transformação
social.45 Em julho de 1962 é o próprio Comitê Central da
CNBB que declara que "ninguém pode ignorar o clamor das
massas que estão sendo martirizadas pela fome".
A partir da experiência colombiana na emissora
Sutatenza, começa no Brasil um enorme movimento de
educação radiofônica. Pouco a pouco surge no Recife, ao
redor de Paulo Freire, o Movimento de Educação de Base
(MEB) em 1961. Enquanto isto, a Ação Católica,
principalmente a JEC-JUC e a JOC (nasceu também a
Juventude Agrária Católica - JAC) vão se radicalizando e
assumem posições classistas e políticas. O dominicano
Thomas Cardormel é um dos iniciadores teóricos desse
movimento em direção àesquerda desde 1959. Em 1961, Aldo
Arantes, militante da JUC é eleito presidente da União
Nacional de Estudantes (UNE).

44. Cf. Th. Bruneau, op. cit., p. 198.


45. Cf. Emanuel Kadt, Catholic Radicals in Brazil, Oxford Univ. Press, Londres, 1970.

53
A Igreja não precisa mais ser aliada do Estado,
como no modelo de nova cristandade, para realizar a sua
função na sociedade civil; ela mesma possui agora instituições
para realizarem diretamente sua ação no mundo. Esta ação, no
entanto, é desenvolvimentista, efetuada por minorias
proféticas que agem "sobre" o povo.

A segunda fase (1964-1968). Com o golpe de estado


militar, esta fase é retrocesso a posições já superadas. Na
assembléia da CNBB em 1964, realizada em Roma pelo
Concilio, são eleitos: o cardeal Agnelo Rossi como presidente,
D. Scherer como responsável pelos leigos e D. Brandão Vilela
como vice-presidente. O Plano de Conjunto (1964), que devia
cumprir o Plano de Emergência (1962), ficou nas mãos de uma
CNBB - sem Hélder Câmara - que não tinha liderança nem
vontade de dirigir. Além disto começa a perseguição aos
membros da AC, JOC e Ação Popular. O MEB é desarticulado
e grandes líderes são presos ou saem do país para o Exílio.
Começa o regime de Segurança Nacional que alguns anos
depois se expande por toda a América Latina.

A terceira fase (1968-1973) começa quando, nas


eleições de 1968 da CNBB, D. Aloísio Lorscheider é eleito
secretário geral: ele mostra imediatamente grande capaci~
dade de organização e vontade de mudança. E aqui que
germina lentamente, no meio das perseguições e do martírio
(o padre Antônio Henrique Pereira Neto será assassinado,
depois de torturado, no dia 27 de abril de 1969; tinha 28 anos,
era assessor da JUC de Recife e secretário de Dom Hélder)466 a
Igreja que vai substituir a chilena, mostrando o caminho e o
modelo de ação cristã na América Latina no final do século
XX.

46. Cf. minha HI, pp. 234-243 e 287ss.

54
- Argentina

Na Argentina47 deste período (1955-1976), dos 18


anos entre o segundo e o terceiro governo de Perón, de caráter
desenvolvimentista e da volta de Perón o peronismo, a Igreja
se divide rapidamente em duas posições altamente
radicalizadas: uma que opta pela aliança com as classes
dominantes (primeiro desenvolvimentista com Frondizi,
depois militarista a partir de Onganía) e outra que se
compromete com as classes populares (cujos principais
expoentes serão os 850 "Sacerdotes para o Terceiro Mundo",
com uma opção popular e até socialista latino-americana em
alguns casos). Diante de uma hierarquia conservadora (cuja
cabeça foi o cardeal Antonio Caggiano, também bispo das
Forças Armadas), o clero jovem teve que carregar o peso da
renovação eclesial durante o Concilio, em Medellín e daí até o
começo da mais violenta repressão sofrida pela Igreja
argentina (já em mãos da direita peronista desde 1973).
A partir da queda de Perón, alguns puseram suas
esperanças na jovem Democracia Cristã, que rapidamente
demonstrou suas limitações nas eleições de 1957. Por outro
lado reaparece a JUC nas reuniões nacionais de Lavallol, de
Santa Fé (1961), Embalse (1962), Tandil (1963). Do
"Humanismo" universitário e a Democracia Cristã,
assumem-se posições mais radicais de esquerda, o
"socialcristianismo"; alguns destes grupos participarão mais
tarde do movimento Montoneros, da esquerda peronista. Em
1965 Mons. A. Podestá, bispo de Avellaneda, setor operário de
Buenos Aires, instaura uma Igreja que se compromete com os
oprimidos.
No ano de 1966, com o golpe militar de Onganía, o
clero jovem começa a se opor ao catolicismo de direita

47. Além da bibliografia da nota 11 acima, cf. Pablo Richard, Morte das cristandades e
nascimento da Igreja, Ed. Paulinas, São Paulo, 1982, pp. 117ss.; MP, pp. 106-162; HI,
pp. 243ss.; 293ss.

55
pró-militar (que reúne no governo muitos participantes dos
"Cursilhos de Cristandade").' Em 28 de junho de 1965, 80
sacerdotes, juntamente com o bispo Podestá e Antonio
Quarracino, reúnem-se para refletir sobre o Concilio. O I
Encontro Nacional é efetuado em Córdoba de 1 a 2 de maio de
1968, do movimento que se chamará Sacerdotes para o
Terceiro Mundo (MSPTM). O II Encontro realizou-se em maio
de 1969; o III, em maio de 1970. Na Declaração de São
Miguel elaborada pelo episcopado durante sua reunião anual de
21 a 26 de abril de 1969, para adaptar Medellín à Argentina,
encontra-se o ponto máximo de avanço da Igreja. Em
Cristianismo y Revolución (revista fundada em setembro de
1966) atinge-se a abordagem mais crítica do ponto de vista
teológico-político do período. Serão anos de profunda
polarização, com o nascimento de um modelo de "Igreja dos
pobres", que serárnuito reprimido posteriormente.48
No Paraguai,49 governa Alfredo Stroessner desde
1954. Entre 1966 e 1976 a Igreja adquire certo distanciamento
do governo e começa uma defesa ativa dos direitos humanos.
Isto faz com que o ano de 1969 tenha sido especialmente
difícil. Mons. Felipe S. Benítez declara que "a Igreja não pode
calar diante da violação dos direitos humanos". O bispo de
Villarica apóia alguns operários em greve; o governo acusa-o
de comunista; seus 75 sacerdotes defendem o bispo. O próprio
Mons. Aníbal Mena Porta chega a excomungar o chefe de
polícia pelas prisões e torturas, em 26 de outubro. A revista
Comunidad é desapropriada em 31 de outubro. O padre
Francisco de Paula Oliva SJ é expulso da Universidade
católica. Em 1971, ainda, o padre Uberfil. Monzón é preso e
torturado. A Igreja, então, se afasta do regime.

48. Cf. HI, pp. 299ss.


49. Sobre o Paraguai, cf. HI, pp. 248ss., 296ss., 316ss.; MP, pp. 220-225.

56
- Uruguai

No Uruguai,50 desde 1955 o modelo populista de


exportações é esgotado pelo domínio norte-americano. A
sociedade civil na sua totalidade entra em crise. A Igreja,
perseguida pelos liberais, num país profundamente leigo, tinha
levado vida discreta. Em 1962 é fundado o Movimento de
Libertação Nacional (MLN Tupamaros); muitos jovens
cristãos entram em suas fileiras.
Na época do Concílio, a Igreja se renova. Em 1968, 27
sacerdotes de Tacuarembó e seu bispo assinam uma carta sobre
"os sofrimentos, aflições e esperanças dos homens de nossa
região". O padre Juan C. Zaffaroni SJ lidera a marcha de
cortadores de cana de açúcar. Mons. Carlos Parteli, no
documento final do Encontro Sócio pastoral de Montevidéu,
em dezembro de 1968, depois de descrever a "época de ouro"
do modelo uruguaio de exportações agropecuárias, conclui:
"Hoje descobrimos tudo o que havia de aparente neste
desenvolvimento da sociedade uruguaia". Em 1969 começa a
perseguição aos Tupamaros e com isto inicia-se também a
repressão contra a Igreja. Em 12 de agosto de 1970, o
provincial dos jesuítas intercede pelo padre Justo Asiaín e pelo
pastor Emílio Castro (atualmente, 1984, autoridade máxima do
Conselho Ecumênico de Igrejas em Genebra) por estarem
presos. Há encarcerados, torturados, assassinados: leigos,
mulheres, religiosas, sacerdotes; Mons. Parteli, no sermão do
dia 25 de agosto de 1972, fala dos "assassinatos, detenções e o
terror imperante".

50. Sobre o Uruguai, cf. MP, pp. 212; HI, III, p. 317.

57
7. A Igreja na área de Bolívar

- Peru
No Peru51 a Igreja atravessa um processo de profunda
mudança de orientação. As "Exigências Sociais do Catolicismo
no Peru" é o tema da I Semana Social de 1959, em Lima, que
já está descobrindo o compromisso da ação social da Igreja. Na
II Semana, sobre "propriedade" em Arequipa, segue-se dentro
da mesma linha. Nesse mesmo ano, o episcopado lança a carta
pastoral sobre "Os católicos e a política", tema ao qual volta
em 1963: "Política, dever cristão". O cardeal Juan Landázuri
Ricketts (sagrado em Lima desde 1962) é o homem da
renovação do Concílio principalmente no que se refere
àliturgia e catequese. Tudo isto desemboca no IV Congresso
Eucarístico Nacional de Huancayo em 1965. Em 1966 o
episcopado declara que "estamos especialmente preocupados
com a situação social e econômica da população camponesa da
serra". Em 1967 é organizada a Missão Conciliarem Lima.
Chegamos assim a 1968 e ao golpe militar de Velazco
Alvarado, de caráter nacionalista e populista, e à II
Conferência de Medellín. No mês de julho, em Chimbote, o
padre Gustavo Gutiérrez expunha a um grupo de sacerdotes o
que seria o ponto de partida da Teologia da Libertação.
Quando o governo dita a lei da reforma agrária, o cardeal e a
Igreja felicitam o governo - afastando-se assim da oligarquia
agrária -e a diocese de Cuzco realiza a reforma nas terras que a
Igreja ainda possuía. Apóia-se o governo por ocasião da
nacionalização do petróleo de Brea e Pariñas. A lei industrial
de 1970 também é apoiada. Mas com a reforma urbana,
quando um grupo de marginalizados ocupa alguns terrenos,

51. Cf. Catalina Romero, "Cambios en la relación Iglesia-Sociedad en el Perú, 1958-


1978", in Debates en Sociología, n.7, Lima, 1979, pp. 115-141; e do mesmo autor, a
parte correspondente ao Peru in HGIAL, t. VIII (no prelo).

58
o bispo auxiliar Mons. Bambarén celebra uma missa pelos
"invasores", e isto provoca confronto com o governo que vai se
encaminhando lentamente para a direita.
Para o Sínodo romano de 1971, a Igreja peruana
apresenta o documento mais avançado talvez, onde chega a
dizer, depois de uma análise da miséria na América Latina,
que "poristo tantos cristãos hoje em dia reconhecem nas
correntes socialistas certo número de aspirações que levam
dentro de si mesmos em nome da fé".

- Bolívia

Na Bolívia52 como em muitos lugares, a renovação


veio de "fora" - do Concílio Vaticano II. Na década de 60 cabe
destacar as experiências de "Igreja aymará" conduzidas no
final do período por Mons. Adhemar Esquivel (auxiliar de La
Paz desde 1969). Em 1965 começa a renovação teológica no
seminário de Cochabamba (com padres espanhóis da
OCSHA). Da JEC e JOC surgem alguns dirigentes sempre
expulsos do país.
A experiência de "Che" Guevara na guerrilha de
Nancahuazu (1967) será continuada no Teoponte pelo místico
cristão Néstor Paz (1970)53 Igreja e Sociedade na América
Latina (ISAL) desde 1969 toma-se elemento de compromisso
no mundo mineiro e rural; sua III Assembléia Nacional, de
Cochabamba, em fevereiro de 1971, representa um momento
fundamental. Nesse ano Mons. Manrique faz declarações que
não eliminam a opção socialista para os cristãos; em 25 de
julho de 1971 o próprio cardeal Maurer declara: "tachamos de
comunistas aqueles que defendem direitos legítimos". No
entanto o núncio Gravelli faz pressões, desde julho de 1971,
para condenar a linha do

52. Cf. Josep Barnadas, op, cit. (inédito).


53. Cf. Hugo Assmann, Teoponte, una experiencia guerrillera, Oruro, ISAL, 1971.

59
Secretariado de Ação Social. O golpe de estado de Hugo
Banzer representa o fim deste período, e começa uma
perseguição frontal contra a Igreja que se comprometeu com
os pobres.

-Equador

No Equador54 no verão de 1964, o Instituto Pastoral


itinerante (ISPLA) começa a renovação de uma Igreja
profundamente tradicional. Mais tarde é organizado o Instituto
Nacional de Pastoral (INPE) com um grupo de sacerdotes que
se reúnem como "Grupo de reflexão". Sendo Mons. Leônidas
Proaño, bispo de Riobamba, o presidente do departamento de
pastoral do CELAM, é fundado em 1967 o Instituto Pastoral
Latino-americano (IPLA) em Quito, instituição fundamental
no processo de renovação latino-americana em seu conjunto
(será fechado pelas novas autoridades do CELAM em 1973). O
padre Rafael Espín, diretor do IPLA, mobiliza um movimento
sacerdotal de extensão nacional. O Encontro Nacional
érealizado em abril de 1971. Enquanto isto, a diocese de
Riobamba, protótipo por muitas ações proféticas, lança seu
"Plano pastoral" que transforma as paróquias em diaconias em
1969.

- Colômbia

Na Colômbia,55 o Concílio causa sensação mais pela


forma que pelo conteúdo. A reforma das rubricas em liturgia,
a nova catequese, o abandono do hábito e da batina etc. Não
foi este o caso do sacerdote Camilo Torres Res

54. Cf. José Moreno Alvarez, "La Iglesia en el Ecuador desde 1962", in HGIAL, t VIII
(no prelo); minha MP, pp. 146- 151; HI, pp. 295ss., 316ss.
55. Cf. Rodolfo de Roux, "La Iglesia colombiana desde 1962", in HGIAL, t. VII, pp.
559ss.; MP, pp. 170-180; HI, pp. 258ss., 295ss. Sobre a Igreja na Venezuela, cf. A.
Micheo-L. Ugalde, in HGIAL, t. VII, pp. 632ss.; MP, pp. 180-184; HI, pp. 315ss.

60
trepo (1929-1966), de família conservadora e oligárquica,
sociólogo de renome, um dos fundadores da "sociologia latino-
americana", que estudou em Louvain e marcou época:

"Abandonei o sacerdócio -escreve em 1965 -pelas mesmas razões


que me levaram a abraçá-lo. Descobri o cristianismo como uma vida
totalmente voltada para o amor ao próximo... No entanto
considero-me sacerdote até a eternidade e entendo que meu
sacerdócio e seu exercício são cumpridos na realização da revolução
colombiana, no amor ao próximo, na luta pelo bemestar da maioria".

Sua morte, no dia 26 de fevereiro daquele 1966, teve


muitas conseqüências. Foram expulsos os diretores da revista
El Catolicismo (8 de setembro), sendo que um dos seus
diretores, o padre Mário Revollo, que é hoje arcebispo de
Bogotá e presidente do episcopado colombiano em 1984.
Depois veio o XXXIX Congresso Eucarístico Nacional de
Bogotá, em agosto de 1968, com a presença do papa Paulo VI;
pela primeira vez na história um papa visitava a América
Latina. A Igreja colombiana, seu episcopado ("um dos mais
conservadores da América Latina", no dizer de um
comentarista) impugna o Documento de Base redigido em
janeiro do mesmo ano. A II Conferência Geral realizada em
Medellín, a partir de 24 de agosto, repercutiu menos na
Colômbia que em outros países pela oposição que o episcopado
sempre manifestou, chegando a críticas frontais sobre as
orientações da XXIX Assembléia de dezembro de 1973, Justiça
e exigências cristãs, das quais Mons. López Trujillo será
fervoroso e obediente cumpridor. O grupo Golconda tornará
públicos os seus pontos de vista em julho de 1968, encabeçado
por Mons. Gerardo Valencia Cano, bispo dos negros da diocese
de Buenaventura.

61
8. A Igreja no México, América Central e Caribe

- México

No México56 vive-se este período claramente dividido


em duas fases. A primeira até 1968, começa com a fundação
tardia da JOC, em 1959. Em 1961 é institucionalizada a
Conferência de Organizações Católicas Nacionais (CON), que
coordena as mais dinâmicas instituições leigas, sacerdotais e
religiosas do país; seu coordenador foi o padre Pedro
Velásquez (que, como vimos, era o diretor do Secretariado
Social Mexicano - SSM - desde 1946 até sua morte em 1968).
Mons. Samuel Ruiz, bispo de Chiapas, está ligado à origem da
CON, da UMAE, da pastoral indigenista, sendo um dos
protagonistas em Medellín, pessoa fundamental neste período,
sem dúvida. Em 1962 reúne-se a I Conferência dos Sacerdotes
Sociais, que já eram mais de 30 (e que nos anos 70 chegarão a
ser 150). Enquanto isto, organiza-se uma União (UMAE) entre
os bispos, retinindo os mais progressistas (desde 1964), sendo
que em 1967 coordenava 25 prelados. Transformou-se em
grupo mobilizador do episcopado e fundou a Comissão
Episcopal de Pastoral de Conjunto. Por sugestão da CON, em
maio de 1964 organiza-se o I Congresso sobre
"desenvolvimento e integração".
Partindo dabase surgem experiências como o Centro
Nacional de Ajuda das Missões Indígenas (CENAMI, 1961);
o Centro Nacional de Comunicação Social (CENCOS), este
último fundado durante o Concílio por Álvarez Icaza, que
rompe com o episcopado em 1970 para continuar sua função
cristã de forma independente. Nestes anos na dio-

56.Cf. Jesus García, "La Iglesia mexicana desde 1963", in HGIAL, t. V, pp. 361-493;
MP., pp. 158-170; HI, pp. 256ss., 312ss.; Edward Larry Mayer, La política social de Ia
Iglesia católica en México, 1964-1974, tese de doutoramento, UNAM, México, 1977
(inédito).

62
cese de Cuernavaca acontecem dois confrontos com Roma. O
caso do convento beneditino fundado por Gregório Lemercier
(onde utilizavam a psicanálise, 1966-1967) e o conflito com o
CIDOC de Mons. lvan Illich (que viveu seu momento crítico
entre 1968 e 1969).
O fato é que 1968, em virtude dos acontecimentos de
Tlatelolco (2 de outubro), abre a segunda fase. Trinta e sete
sacerdotes definem-se publicamente e começam a discernir
opções. No I Congresso Nacional de Teologia "Fé e
Desenvolvimento", realizado de 24 a 28 de novembro de 1969,
vislumbram-se as primeiras pistas da Teologia da Libertação,
com a presença de padres como Luis del Valle ou Javier
Lozano, que nesta época estavam entre os teólogos
progressistas.
0 documento apresentado por uma comissão ad hoc
sobre "Justiça no mundo", para o sínodo de 1971, pelo
episcopado mexicano, foi um dos mais avançados da época,
mostrando uma linha de compromisso com os pobres.

- América Central

Na América Central,57 o episcopado centroamericano


ditou sua I Carta Pastoral, em Manágua em 1956, dentro de
uma linha anticomunista militante.

"Muito pouco conhecem dos fundamentos filosóficos do


comunismo ateu os que pensam que sua finalidade suprema e
melhorar as condições econômicas do operário e do camponês".

A renovação será lenta. Na Guatemala58 só em 1959 é


organizada a conferência episcopal. É fundada a emissora
Metropolitana e a conferência de religiosos (CONFREGUA).
Ainda em 15 de agosto de 1962 o epis-

57. Sobre a América Central, cf. P. Richard-C. Meléndez, La lglesia de los pobres en
América Central, 1960-1982, DEI, San José, 1982; e o t. VI da HGIAL, 1985.
58. Cf. Ricardo Bendaña, op. cit.; MP, pp. 226ss.

63
copado alerta contra o perigo comunista através de campanha
pela "justiça social". Quando em 1964 morre Mons. Rossell,
sucede-o Mons. Mário Casariego - uma das épocas mais
obscuras de tão importante sede episcopal. Em 1966 começa
grande repressão contra as organizações populares da Igreja;
há mártires, assassinatos, torturas.59
Só em agosto de 1968, 800 agentes de pastoral
realizam a I Semana de Pastoral de Conjunto, onde começa a
renovação pós-conciliar da Igreja guaternalteca. Os sacerdotes
fundam um movimento (COSDEGUA) que chega a ter 594
membros.

- Nicarágua

Na Nicarágua60 também foi de importância decisiva o


I Encontro Pastoral realizado de 20 de janeiro a 1º de fevereiro
de 1969, sob a direção de Mons. Julián Barni. Participaram
258 agentes (bispos, sacerdotes, religiosos, leigos). O padre
Noel Garcia SJ declarou que "a Igreja da Nicarágua carece da
verdadeira liderança espiritual dos seus pastores". Os padres
Paulo Antonio Vega e Florián Ruskamp tiveram importante
atuação. Ernesto Cardenal já havia fundado sua comunidade
contemplativa de Solentiname seguindo as diretrizes de
Thomas Merton; e o padre Fernando Cardenal SJ era
presidente de uma comissão do episcopado para organizar a
pastoral juvenil. No dia 29 de junho de 1971 os bispos
lançaram uma carta pastoral "Sobre o dever do testemunho e
da ação cristã na ordem política".

59. Cf. Thomas Melville, Guatemala, The Politicis of Land Owership, Free Press, Nova
York, 1971.
60. Cf. Jorge E. Arellano, op. cit.; MP, pp. 235ss.

64
- Honduras

Em Honduras61 as Escolas Radiofônicas começaram


seus programas em 1961. 0 padre Pablo Ghuillet expandiu o
programa para o sul e só na paróquia de El Corpus havia 160
grupos de camponeses que se mobilizaram através desses
programas. Em 1963, em Comayagua, são redefinidos os
objetivos das escolas radiofônicas, adotando-seo sistema
brasileiro já imposto por Paulo Freire. O padre Molina Sierra é
o iniciador desta renovação. Deste movimento surgirá a Ação
Cultural Popular hondurenha, dentro do setor camponês. É em
1969 que se começa a ver o fruto da renovação inspirada pelo
Concílio e por Medellín.

- El Salvador

Em El Salvador62 os Encontros de Atualização


(1958-1962), pregados pelo padre italiano Lombardi,
prepararam o caminho. O Secretariado Social Arquidiocesano
promove a carta dos bispos "Sobre o compromisso temporal
do leigo" em 1960. A renovação, no entanto, começa
propriamente no I Seminário Nacional de Pastoral de
Conjunto realizado em 1970, sob a direção de Mons. Chávez
y Rivera y Damas. Em 1970 o padre Inocêncio Alas é
seqüestrado em virtude do I Seminário de Pastoral e em
dezembro do mesmo ano é assassinado o padre Nicolás
Rodríguez, tendo início assim uma nova época.

- Panamá

No Panamá63 o seqüestro e desaparecimento do


padre Héctor Gallegos (1938-1971) marca a Igreja do
61. Cf. Marcos Cajías op. cit.; MP, pp. 233ss.
62. Cf. Rodolfo Cardenal, op. Cit,; MP, pp. 231ss.
63. Cf. MP, pp. 151-157.

65
istmo. Organizador das Comunidades de Base, promoveu o
povo em suas lutas, opôs-se à injustiça. Quando o episcopado
se dirige ao Sínodo de Roma, através de comunicado em 20 de
agosto de 1971, afirma:

"Sacerdotes panamenhos e estrangeiros têm sofrido


intimidações pessoais ora por seu trabalho no meio dos pobres, ora
por terem falado no púlpito as mesmas coisas que declaramos sobre o
caso do padre Héctor Gallegos ...”.

- Caribe

No Caribe, em Santo Domingo,64 a Igreja não


desempenhou papel saliente desde a morte de Trujillo (30 de
maio de 1961). A Igreja adotou a posição antipopular de se
opor sistematicamente a Juan Bosch, acusando-o de comunista,
e até organizou um "Comitê Cívico anticomunista" que não viu
com bons olhos a anulação do contrato com a Esso. O próprio
Mons. Polanco Britos, em seu sermão de 8 de setembro de
1963, talvez por sua ambigüidade, abriu caminho para o golpe
de 25 de setembro. A Igreja permaneceu em total silêncio no
tempo da ocupação norte-americana e, embora tenha sofrido o
assassinato do padre Arthur Mackinmon, não se opôs nem
condenou a ocupação da ilha pelos Estados Unidos; assim
como não opôs resistência ao novo reinado de Joaquim
Balaguer (1966-1978).

- Haiti

No Haiti,65 François Duvalier dominou totalmente a


Igreja durante este período, com dura repressão e com o

64. Cf. W. Wipfler, op. cit.; MP, pp. 238ss.


65. Cf. William Smarth, "L'Eglise concordataire sous Ia dictadure des
Duvalier, 1957-1980", in HGIAL, t. IV (em preparo). No t. IV dessa obra do
CEHILA pode ser consultado o material sobre Porto Rico e as Antilhas
Britânicas, francesas e ex-holandesas

66
consentimento do Vaticano - que aceitou seus caprichos. Tudo
começou em maio de 1959, com aoposição à nomeação de
Mons. Maurice Choquet como bispo de Cap Haitien. Chega
até a expulsar o arcebispo de Port-au-Prince, Mons. François
Poirier, em 24 de novembro de 1960. Daí em diante expulsa os
sacerdotes estrangeiros e depois também os haitianos que
tanto defendera, seqüestrando e assassinando leigos e
realizando sistemática repressão.

9. Do "desenvolvimento" à "libertação"

Durante este período observamos a passagem de um


modelo de "Nova Cristandade" (Ação Católica, Democracia
Cristã são os melhores expoentes) ao compromisso da Igreja
com o próprio povo explorado dos pobres (Comunidades
Eclesiais de Base, compromisso político não-confessional e
freqüentemente em linha radical e até revolucionária, diálogo
com o socialismo etc.): um modelo de "Igreja dos pobres". Já
em 1963 Juan Luis Segundo colocava esta mudança de modelo
em seu trabalho "O futuro do cristianismo na América
Latina";66 nós mesmos em nossa Hipótesis para história de la
Iglesia en América Latina (1964) apontávamos a crise do
modelo, partindo da experiência de Nazaré com Paul Gauthier
(1959). No entanto, será preciso esperar até 1968, quando os
trabalhos de Gustavo Gutiérrez (La pastoral de la Iglesia en
América Latina, Lima, 1968), de Richard Shaull67 de Rubem
Alves (Religión: ópio o instrumento de liberación,
Montevidéu, 1968) abrem o caminho para o movimento da
Teologia da Libertação.

66. Lettre, n. 54, Paris, 1963, pp. 7-12.


67. Cf. a história da teologia no apêndice final de minha obra A History of the Church in
Latin America, Eerdmans, Grand Rapids, 1982, na etapa posterior a 1968.

67
1

O atrito, então, não será mais Igreja conservadora,


tradicionalista e modernizadora; mas entre progressistas,
modernizadores ou "desenvolvimentistas" -com apoio dos
tradicionalistas - mas ainda não organizados suficientemente,
e os movimentos comprometidos com a libertação. De
qualquer maneira, a igreja deixa de ser uma instituição
àmargem da história latino-americana, que ficava na defensiva
diante dos acontecimentos externos, transformando-se, em
protagonista histórico partindo da vida real, política,
econômica, cultural e religiosa do povo dos pobres explorados.

68
III.

A IGREJA, OS REGIMES DE SEGURANÇA


NACIONAL E A REVOLUÇÃO
CENTRO-AMERICANA (1972-1984)

Este terceiro período começa com a XIV Assembléia


do CELAM em Sucre, realizada de 15 a 23 de novembro de
1972, e com os golpes militares que lançam sombra sobre a
América Latina (desde o golpe brasileiro, em 1964, até o
argentino, dez anos depois, suas conseqüências ainda se
estendem até 1984, pois em dezembro desse ano voltam as
autoridades eleitas pelo voto no Uruguai, mas no Chile, por
exemplo, ainda não).

1. A Igreja na conjuntura e as três fases

Sob os governos de R. Nixon (1969-1974) e G. Ford


(até o ano de 1977), com a direção do Departamento de
Estado em mãos de Henry Kissinger, a América Latina viveu
momentos de terror.68
Na primeira fase (1972-1976), fins do pontificado de
Paulo VI (que morreria em 1978), a Igreja latinoamericana
sofreu repressão nunca imaginada em outras épocas. Os
sínodos romanos de 1974 (o IV), o de 1977 (o V) e de 1980 (o
VI), já não tiveram a importância dos anteriores. O Papa
lançou uma grande encíclica reunindo os temas da
evangelização e libertação: Evangelii Nuntiandi, no dia 8 de
dezembro de 1975. Os jesuítas realizavam em Roma sua
XXXII Congregação extraordinária, concluindo que "a
Companhia deve estar a serviço da Igreja neste período de
rápidas mudanças no mundo e deve responder ao desafio

68. Cf. MP, pp. 245-295.

69
que esse mundo coloca". Sua opção pela justiça foi prioridade
decidida naquele ano de 1973.
A segunda fase (1976-1979) começa com a
nomeação de J. Carter (1977-1981) que, inspirado pela
Comissão Trilateral, pressionado pela crise iniciada em 1967,
mas que atingiu seu ponto de "estagflação" em 1974-1975, teve
que produzir alguma "abertura" e parar de apoiar as ditaduras
militares. A queda de Balaguer e a eleição de Guzmán, em
Santo Domingo, indicavam mudança. É a época do interregno
de Paulo VI a João Paulo I e depois de João Paulo II (desde
1978).
A terceira fase (a partir de 1979) abre-se com dois
acontecimentos: a III Conferência Geral de Puebla, no início
de 1979, e o triunfo da Revolução Sandinista em 19 de julho
do mesmo ano. Mas ao mesmo tempo, a eleição de R. Reagan
(1981-1989) e o plano de incluir os problemas religiosos corno
problemas políticos na região ("Declaração de Santa Fé em
1979, e o "Instituto de Religião e Democracia", coordenado
por Michael Novak),69 tornam de novo a situação
extremamente tensa. Na América do Sul acontece a
"abertura", mas na América Central e Caribe continua a
política tradicional do "garrote". João Paulo II faz-se presente
no México em 1979 e lança a encíclica Laborem exercens
(1981) de grande transcendência, mas ao mesmo tempo
incentiva uma política contrária, em sua visita à Nicarágua, no
dia 4 de março de 1983, especialmente pela "Instrução sobre
alguns aspectos da Teologia da Libertação" (3 de setembro de
1984) e o diálogo com Leonardo Boff no Santo Ofício (no dia
7 do mesmo mês).

69. O catolicismo conservador norte-americano mostrou-se extremamente ativo. Cf. o


"Documento de Santa Fé", in DIAL, Paris, D 757, 1981. O Instituto de Religião e
Democracia nasceu em Washington em abril de 1981 (cf. DIAL, 38, 1982, pp. 1 ss).

70
2. Os grandes desafios

Pensamos que são três os grandes desafios que de


certa m aneira aprofundarn as respostas já dadas no período
anterior.
O primeiro desafio é entroncar com a vida do povo,
mas o povo sofredor, que suporta a mais violenta repressão já
vista na América Latina, talvez, desde o tempo da conquista.
Mas o povo vive em resistência ativa, sabe festejar no meio do
martírio. As Comunidades Eclesiais de Base, que haviam
surgido no período anterior, têm enorme expansão a partir de
1972. Além dos encontros nacionais (cinco no Brasil e doze no
México) aconteceram verdadeiros "Concílios" da base. O I
Encontro Latino-americano de Comunidades Eclesiais de Base
foi realizado no Brasil em 1980. O II Encontro, de 23 a 28 de
julho de 1984, com 220 delegados de 12 países, tornou
públicas as suas "Conclusões" em quatro partes: "A prática
profética de nossas comunidades; a comunidade como
alternativa de serviço, a CEB e a organização popular; nossa
espiritualidade como Igreja dos pobres".
As CEBs indicam no item 28:

"Em nosso caminho em prol da libertação encontramos outros


irmãos que também estão organizados e procuram a libertaçáo do
povo, querem ser uma alternativa para este sistema de opressão. É
motivo de ação de graças a Deus, saber que contamos com outras
organizações que, embora não tenham nascido à luz da fé, procuram,
no entanto, uma nova sociedade, justa e humana."70

Como se pode observar, a Igreja não vai ao povo;


agora é o próprio povo-igreja que fala de si mesmo. Este
modelo de Igreja faz tremer o conceito clerical ou elitista de
Igreja e daí as tensões existentes na América Latina.

70. DIAL 185, 28 de setembro de 1984, p. 3.

71
O segundo desafio foi lançado a partir da defesa dos
direitos humanos, o lado negativo da repressão, ou a
resistência como exigência de respeito diante da tortura, morte
e exílio (são milhares os cristãos exilados)." A Igreja abandona
a posição narcisista anterior de lutar em defesa de seus
próprios direitos (de ensino, de culto etc.), para defender os
direitos do outro, do pobre, do indefeso, do que não tem voz.
Através de centenas de pastorais dos episcopados, declarações
de sacerdotes, religiosos, comunidades de base, associações de
"Justiça e Paz", de "Vicariato da Solidariedade" etc., a
"instituição" eclesial mostra sua função histórica contra os
regimes de Segurança Nacional. É um passo qualitativo para a
frente.
O terceiro desafio, não mais junto ao povo
martirizado, mas no povo protagonista, é o dos processos
revolucionários, especialmente o centro-americano desde 1979.
Desta vez a Igreja não chega "tarde" para condenar ou aprovar;
por meio de suas bases participa plenamente nos processos
revolucionários -não sem contradições internas e críticas
violentas dos grupos cristãos conservadores. O II Encontro de
Cristãos pelo Socialismo, em Quebec, em outubro de 1974, o
III Encontro, em Roma, em janeiro de 1977, o IV, em
Barcelona, em 1983, mostram que este movimento segue seu
curso tornando-se mundial. Mas na realidade seu curso mais
profundo se efetua na vida cotidiana da Nicarágua, E1
Salvador, Guatemala, dentro dos movimentos populares. Por
isto, a questão marxista permanece de pé. O Geral dos Jesuítas
dizia em sua intervenção no IV Sínodo Romano de 1977:

"A catequese não pode fazer caso omisso do marxismo


especialmente em uma época que, com toda razão, inclui a dimensão
política da vida e obrigações do cristão."72

71. Cf. por exemplo, II Encontro de Cristãos Latino-americanos no exílio, Bruxelas,


abril de 1984 (in Servicio de Información Religiosa - Servir, Bogotá, n. 10, 1984, na
íntegra).
72. Servir n. 25, 1977, p. 1.

72
Esta ordem, que, como outras, tem tantos mártires na
América Latina, pela voz de seu novo Geral, o padre Piet
Hans Kolvenbach, reafirma:

"Para que a oração sobre as Bem-aventuranças seja verdadeira,


deve basear-se na comunhão de vida e de morte, a exemplo do
Senhor, com os pobres e com os que choram, com as vítimas da
injustiça e com os que têm fome". 73

3. Crescimento da Igreja e tensões internas

Por um lado, a Igreja dos pobres, que expressa


claramente seu modelo de Igreja na declaração dos bispos do
Nordeste brasileiro "Ouvi o clamor do meu povo" (1973), vai
crescendo em todos os países. Uma pastoral popular que
trabalha partindo da religiosidade do próprio povo, que não
utiliza mais a crença do povo, mas o mobiliza a cumprir os
seus próprios interesses. Uma Igreja que tem seus mártires em
bispos como Enrique Angelli na Argentina e Oscar Arnulfo
Romero em El Salvador, porque não podemos relacionar as
dezenas de sacerdotes e religiosos e os milhares de membros
do povo cristão martirizados ao longo destes anos. Uma
Igreja que tem sua teologia como reflexo de sua própria
práxis; que tem sua memória na História da Igreja que vai
relatando os seus passos.
Por outro lado, como o Memorandum do grupo mais
representativo de teólogos alemães contemporâneos indicava
em 1977, há toda uma corrente contra a opção pelos pobres e
a Teologia da Libertação, que desconfia das comunidades
eclesiais de base e tenta desmembrar (trocar programas,
professores, lugares etc.) os institutos do CELAM cuja "força
propulsora desta campanha é o padre Roger Vekemans"; "por
parte do episcopado latíno-ame

73. Homilia de outubro de 1983 em Roma (ibid. n. 28, 1983, p. 1).

73
ricano esta campanha tem o apoio dos bispos colombianos A.
López Trujillo e Dario Castrillón".74 O certo é que em Sucre,
no dia 23 de novembro de 1972, foi escolhido Mons. Alfonso
López Trujillo como secretário geral do CELAM; em 1970 foi
escolhido presidente e reeleito em 31 de março de 1979 em
Los Teques (Venezuela) por mais um período. Quando na
assembléia do Haiti (1983) precisou abandonar os cargos de
direção, Mons. López Trujillo estivera durante onze anos
dirigindo o CELAM, deixando em seu lugar Mons. Dario
Castrillón corno secretário executivo e Mons. Antonio
Quarracino como presidente, pessoas de sua confiança. A
partir desta alta instância foram modificados os institutos do
CELAM, foram lançadas campanhas em nível
latino-americano contra os teólogos da libertação, contra a
revolução nicaragüense, contra as Comunidades Eclesiais de
Base. A escolha da nova comissão da CNBB (Brasil) em
1983, dentro de uma linha exatamente contrária, serviu para
contrabalançar a situação de constante tensão intraeclesial. A
unidade da Igreja é vivida na contradição.

4. Desdobramento da Teologia latino-americana

Certamente um dos aspectos mais originais da


história recente da Igreja latino-americana é sua novidade
teológica. Na história da teologia latino-americana 75 podese
detectar de 1959 a 1968 uma etapa de preparação,
amadurecimento, entre o ConcÍlio e Medellín, do tipo
desenvolvimentista ou como "teologia da revolução". Só em
1968, como já dissemos, aparecem as primeiras obras de
Teologia da Libertação propriamente ditas, como as de

74. Veja-se o texto completo em Uno más uno de 26 de dezembro de 1977, México, p.
3.
75. Veja-se meu trabalho "Hipótesis para una historia de Ia teología en América Latina",
"Hipótesis de Ia teología en América Latina", DEI, San José, 1981, pp. 401-452.

74
Rubem Alves, Richard Shaull, Gustavo Gutiérrez, Hugo
Assmann em 1970 ou Lúcio Gera. Durante esses anos são
realizados numerosos encontros e congressos de teologia no
México, Bogotá, Buenos Aires etc. De 1968 a 1972 é a época
da grande expansão da Teologia da Libertação, que se toma a
teologia do CELAM, de seus encontros, seminários, institutos.
A partir de 1972 em Sucre começa-se a colocar em questão a
Teologia da Libertação, mas é agora que ela passa a
aprofundar suas teses iniciais. O Encontro de Teologia no
Escorial (Espanha, 1972) e o I Encontro de Teologia Latino-
americana no México (agosto de 1975)76 dão ao movimento
uma implantação continental. Pouco depois, em Theology in
the Americas (Detroit, 1975) se dá a conhecer essa teologia
nos meios negros, porto-riquenhos nos EUA, e outros grupos
minoritários. Em 1976 começam os encontros da Associação
Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (EATWOT): o
primeiro em Dar-es Salaam (Tanzânia) em 1976; o segundo
em Acra (Ghana) 1977; o terceiro em Wennappywa (Sri
Lanka) em 1979; o quarto em São Paulo em 1980; o quinto em
Delhi em 1981 e o sexto em Genebra em 1983.77 A reunião
realizada em Bogotá pelo cardeal J. Ratzinger, de 26 a 30 de
março de 1984, com as comissões teológicas de 22 países
latino-americanos,78 a já mencionada "Instrução" romana de 3
de setembro e o já referido diálogo com Leonardo Boff pouco
depois, estão encaminhados a limitar os efeitos desta teologia
latinoamericana.

76. Cf. a obra coletiva do encontro Cautiverio y Liberación, Publicação do I


Encontro, México, 1976.
77. Cf. meu artigo "Teologia da periferia e do centro" in Concilium, n. 191, janeiro de
1984, pp. 141-154, com bibliografia.
78. Cf. SIAL n. 8, Roma, 30 de abríl de 1984, pp. 12-15. Veja-se meu artigo "Sobre Ia
Teología de la Liberación" in Le Monde Diplomatique, n. 73, México, janeiro de
1985, p. 27.

75
5. A Igreja perante os regimes de Segurança Nacional

O capitalismo dependente não é possível sem


repressão popular. Trata-se do modelo antiinsurrecional e de
Segurança Nacional proposto por Kissinger a Richard Nixon e
Henry Ford. As datas-chave para o início dos regimes de força
são: 31 de março de 1964, golpe de estado no Brasil (Castello
Branco); 21 de agosto de 1971 na Bolívia (Hugo Banzer); 27
de junho de 1973, dissolução do congresso no Uruguai; 11 de
setembro de 1973 no Chile (Augusto Pinochet); 28 de agosto
de 1975 no Peru (F. Morales Bermúdez); 13 de janeiro de
1976 no Equador (G. Rodríguez Lara); 24 de março de 1976
na Argentina (Jorge Videla). Cabe lembrar que no dia 12 de
agosto de 1976, de volta do II Encontro Intereclesial de
Comunidades de Base em Vitória (Brasil), 17 bispos de
diversos países (4 deles "chicanos" dos Estados Unidos) foram
presos em Riobamba (Equador), exclamando um deles:

"Se isto acontece conosco que somos gente conhecida, que acontecerá com
os camponeses, operários ou indígenas que forem presos?"79

-Brasil

No Brasil80 a Igreja recebeu ataque frontal a partir do


golpe de 1964 e principalmente a partir de 1968 pelo Ato
Institucional nº 5. Foram seqüestradas, torturadas e até
assassinadas centenas de militantes cristãos. Tito de Alencar e
Frei Beto padeceram quatro anos de prisão (com alguns anos
de torturas, o que levou o primeiro ao suicídio mais tarde). Os
padres Rodolfo Lunkenbein (15 dejulho de

79. R. Concagliolo - F. Reyes Matta, Iglesia, prensa y militares, ILET, México,


1978, p. 9 1.
80. Cf. MP, pp. 297-326. A publicação SEDOC fornece informação permanente sobre a
Igreja brasileira de grande valor documental.

76
1976) e João Bosco Penido Bumier (11 de outubro do mesmo
ano) foram assassinados. Em 22 de junho de 1982 ainda eram
condenados os padres Aristides Camio e François Gouriou a
15 e 10 anos de prisão, por seus compromissos com os
camponeses em São Geraldo do Araguaia. 0 cardeal Paulo
Evaristo Ams - defendido em 24 de agosto de 1984 por 3.000
professores de ensino médio público, não-católico, contra
ataques da imprensa de direita - lidera a presença da Igreja no
mundo operário industrial, urbano e intelectual universitário.
As greves metalúrgicas receberam total apoio da Igreja
paulista. D. Pedro Casaldáliga conduz o movimento camponês
do sertão pobre e faminto que, no V Encontro Intereclesial das
Comunidades de Base em Canindé (de 4 a 8 de julho de 1983),
declarava:

"A fome generalizada no nosso povo nunca foi tão grande em toda
nossa história".81

Dom Tomás Balduíno, presidente do CIMI (Conselho


Indigenista Missionário) alenta e defende a frente indígena
onde a Igreja se tomou a única força de defesa das etnias do
Brasil. Assim, trata-se de uma Igreja que enfrentou o estado
militarista de Segurança Nacional. Dom Luiz Fernandes era
coordenador das mais de 80 mil Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs) que realizaram seu I Encontro Intereclesial em
sua diocese de Vitória (1975). O III Encontro foi em João
Pessoa (1978); o IV em Itaici (1981). Milhares de delegados,
com a presença dos bispos (33 no V Encontro) expressam uma
nova experiência da Igreja. O documento do I Encontro teve
repercussão latino-americana: "Uma igreja que nasce do
povo".
Dom Hélder Câmara continua sendo o profeta da
denúncia. D. Aloísio Lorscheider foi presidente do CE
81. DIAL 111, 1983, p. 2.

77
LAM, hoje é cardeal de Fortaleza. D. Ivo Lorscheiter,
presidente da CNBB, conduz esta Igreja que tem novo
"modelo". Com efeito, em 6 de maio de 1973 os bispos do
Nordeste, no documento "Ouvi o clamor do meu povo"
definem o modelo claramente:

"Somente ele, o povo dos sertões e das cidades na união e no


trabalho, na fé e na esperança, pode ser essa Igreja de Cristo que
convida, essa Igreja que trabalha pela libertação. E é somente na
medida em que entramos nas águas do evangelho que nos tomamos
Igreja, Igreja-povo, Povo de Deus".82

-Argentina

Na Argentina,83 um episcopado cuidadosamente


escolhido na linha conservadora (aqui não houve um Hélder
Câmara nem um núncio como Armando Lombardi, somente os
Pio Laghi) não soube resistir ao ataque do exército e da grande
burguesia agrária. Na realidade os bispos justificaram a
repressão como meio para aniquilar os movimentos
guerrilheiros:

"Quando se vivem circunstâncias excepcionais... (podem) ser


sacrificados, se for necessário, direitos individuais em benefício do
bem comum. Mas deve-se proceder sempre dentro da lei e sob seu
amparo para uma legítima repressão... forma de exercício da
justiça."84 E tudo isto porque "o bem comum (foi) ferido pela
guerrilha terrorista".85Também se deve discernir entre a justificação
da luta contra a guerrilha e os métodos empregados... A repressão
86
ilegítima também enlutou a Pátria."

82. ¿Brasil: milagro - engaño?, CEP, Lima, 1973, p. 110.


83. Cf. MP, pp. 352ss.
84. Documento da XXXV Assembléia Plenária da Conferência de Bispos da Argentina,
7 de maio de 1977, in Servir n. 6, 1977, p. 3.
85. Ibid. p. 5.
86. Documento do episcopado "Iglesia y comunidad nacional" da XLII Assembléia do
dia 30 de junho de 1981, in Servir, 1981, p. 5. O episcopado "justifica" claramente "a
repressão legítima" contra a guerrilha; mas os métodos usados pelos militares a tornam
ilegítima. Já a guerrilha não tem nenhum tipo de legitimidade.

78
Em 20 de junho de 1973, com a matança da juventude
em Ezeiza, começa a repressão contra as forças populares.
Com a morte de Perón acelera-se a conjuntura em 1974; a
repressão aumenta sob o governo que López Rega de fato
exercia, para culminar com o golpe militar de 1976. 0 padre
Carlos Mugica (do MSPTM) é assassinado na porta de sua
igreja de bairro pobre no dia 11 de maio de 1974; foi um entre
tantos. A 4 de agosto de 1976 é assassinado o bispo de La
Rioja, Mons. Enrique Angelli, profundamente compromissado
com seu povo, quando estava voltando de uma reunião em que
examinou a situação do assassinato de dois sacerdotes de sua
diocese;87 os responsáveis eram membros da Força Aérea do
Chamical. A causa de tanto martírio deve ser procurada no
modelo econômico de dependência do capitalismo norte-
americano, dirigido em sua etapa mais opressora pelo ministro
Martínez de Hoz, que endividou tremendamente o país. Mas o
triste é que a Igreja em sua instância hierárquica, por seu
modelo de Cristandade, realiza aliança com o Estado
militarista e com as classes dominantes e condena a guerrilha
sem atenuantes. O movimento de defesa dos direitos humanos
como "Justiça e Paz" dirigido pelo Prêmio Nobel Adolfo Pérez
Esquivel, cristão militante, e as "Mães da Praça de Maio",
também cristãs, entre as quais estavam as duas religiosas
francesas torturadas e assassinadas em 13 de dezembro de
1977, representam o outro rosto da Igreja. Por isto na XLVII
Assembléia do Episcopado, em 12 de novembro de 1983,
quando se pede ao povo que perdoe, os bispos já não têm
autoridade, porque a justiça para os torturadores e assassinos é
a condição do perdão e da reconciliação.

87. O "Dossiê" Angelli in DIAL 114,1983, e 152,1984, pp. 1-6. No dia 18 de julho
foram assassinados os padres Gabriel Longueville e Carlos Murías.

79
- Chile

No Chile88 o golpe sangrento de 11 de setembro


instaura repressão nunca vivida no país andino. Uma
verdadeira "teologia do massacre" justifica a ação dos
militares.89 Em 13 de setembro, apenas dois dias depois de
estabelecida a ditadura de A. Pinochet, o episcopado condena
os Cristãos pelo Socialismo com o documento "Fé cristã e
atuação política", quando muitos dos envolvidos estavam
mortos, estavam sendo torturados ou aprisionados, ou
encaminhavam-se para o exílio. O episcopado, ao condenar a
opção socialista e ao não aprovar o golpe, deixava sempre a
porta aberta para a solução preferida: a Democracia Cristã cujo
caminho agora estava definitivamente fechado. Certos bispos
como Tagle em Valparaíso, Fresno (futuro arcebispo de
Santiago) de La Serena, Vicuña de Puerto Montt, Valdés de
Osorno, manifestaram-se a favor da junta. Ao contrário outros
como Hourton, Aristía, González, Pieñera etc., opuseram-se. O
cardeal Silva H. primeiro adotou posição eqüidistante. O
"Comitê de Cooperação pela Paz", presidido por Mons.
Aristía, defendeu o povo reprimido. Quando o comitê é
suprimido por pressão do governo, aparece o "Vicariato da
Solidariedade". A Igreja permaneceu como a única instituição
que fez frente ao Estado militarista. Por isso o secretário do
Partido Comunista chileno no exílio, Luis Corvalán, escreve
em Moscou:

"Nestas condições a religião perde seu caráter de ópio do povo e,


ao contrário, na medida em que a Igreja se compromete com o
homem, pode-se dizer que em vez de alienante torna-se fator de
inspiração na luta pela paz, liberdade e justiça."90

88. Cf. F. Aliaga. op. cit.; MP, pp. 334ss.


89. Cf. F. Hinkelammert, Ideología del sometimiento, EDUCA, DEI, San José,
1977, pp. 41 ss.
90. Excelsior, México, 2 de junho de 1977, p. 1; e 3 de junho de 1977 pp, 2ss.

80
Neste caminho a Igreja descobre novas dimensões,
entre elas a problemática da "cultura popular",91 o problema
indígena.92 De qualquer maneira, a repressão continua; a
recente morte do padre André Jarlán, num bairro de extrema
pobreza, pouco depois de ter sido assassinado um jovem
amigo do padre,93 mostra a situação desta Igreja nacional. Em
25 de março de 1984, o arcebispo Juan F. Fresno Larraín faz
um apelo ao governo para abrir caminho a uma saída
democrática de união nacional.

- Bolívia

Na Bolívia,94 depois do golpe de Banzer, no dia 23 de


outubro de 1971, cai assassinado pela repressão o padre
Maurício Lefevre que fora decano da faculdade de sociologia
na universidade nacional. O movimento havia surgido do
ECN (Exército Cristão Nacionalista), fascista, perante o qual
o núncio Gravelli expressava que "as relações de Igreja e
Estado são cordiais".95 Em novembro o núncio acolhia os
participantes da XIV Assembléia do CELAM em Sucre - que
mudaria a história da Igreja em toda a América Latina. São
expulsos os membros de ISAL, fechase a emissora Pio XII,
todo cristão progressista é perseguido, os camponeses do Vale
de Cochabamba são massacrados em 25 de janeiro de 1974
("Vimos montanhas de cadáveres de camponeses amontoados
como lenha" disse um soldado).96 Pouco antes, em 20 de
janeiro de 1973, 99 sacerdotes publicam documento sobre
"Evangelho e violência". Quando acontece a abertura
democrática, nova

91. Carta do Comitê Permanente "Caminar juntos em Ia Iglesia" de 16 de julho de 1982,


item 3.4.2, in Servir n. 22, 1982, p. 15.
92. A Igreja programou especialmente trabalhos entre os Mapuches (antigos araucanos).
93. Foi assassinado em 4 de setembro de 1984 (c£ DIAL 186, 1984, pp. 1-4).
94. Cf. MP, pp. 128ss. e pp. 319ss; também o texto de J. Barnadas, op. cit.
95. Informations Catholiques Internationales, 401, 1972, p. 56.
96. Signos de lucha y esperanza, CEP, Lima, 1969, p. 25.

81
mente é ensangüentada pelo golpe de 17 de julho de 1980; em
12 de abril era assassinado o padre Espinal. Nem por isto
diminui a crise que sofrem "todos os cidadãos, mas
particularmente as classes populares, que foram duramente
castigadas pela crise econômica" (diz o episcopado em 26 de
novembro de 1983).

- Uruguai

No Uruguai,97 embora os bispos se opusessem à


dissolução do parlamento em 27 de junho de 1973, no dia 23
de novembro falam de "Esforço de Reconciliação". Este tema
(reconciliação) aparece freqüenternente repetido nas
declarações dos episcopados desses anos na América Latina.
Em 30 de abril de 1975 é aprisionado Héctor Borrat, sendo
fechada a revista Víspera. Em valente documento de 12 de
outubro do mesmo ano a Igreja afasta-se do governo repressor,
ultradireitista, antipopular:

"A Igreja não recebe sua liberdade como dádiva dos homens, mas
como atributo essencial que o próprio Deus lhe dá. Por outro lado,
esta liberdade é reconhecida pelas leis dos povos civilizados cristãos
ou não."98

Em 1º de abril de 1984, na homilia de Mons. Carlos


Parteli sobre "A Boa Notícia da dignidade do homem" fruto
de tanta defesa do "Serviço de Justiça e Paz" contra as ações
dos militares durante mais de dez anos sob a alegação de luta
contra os Tupamaros - anunciando a democracia que se
aproxima com as eleições, indica:

"Nosso povo encontra-se na vigília de um novo período histórico,


de restabelecimento de um estado onde serão definidos

97. Cf. MP, pp. 326ss.


98. Signos de lucha y esperanza, p. 199.

82
corretamente e defendidos os direitos, deveres e garantias de todos,
dentro do âmbito legal e coerente com a tradição nacional".99

- Paraguai

No Paraguai,100 ao contrário de outras épocas, em 8


de março de 1975 o episcopado declara:

"A Igreja, profundamente identificada com a alma e as aspirações


do povo paraguaio, está sempre procurando o bem de todo o país...
Durante os últimos anos, em virtude de diversos acontecimentos, foi
sendo provocada a deterioração da comunidade nacional... Queremos
elevar uma oração... para que a Igreja seja fiel à sua missão
evangelizadora e defensora do homem e sua dignidade".101

6. A Igreja em situações de menos repressão

- Peru

No Peru102 a Igreja apóia os últimos atos reformistas


de Velazco Alvorado:
"A missão libertadora da Igreja, que é anúncio eficaz do evangelho,
significa opção esperançosa por todos os homens, como irmãos, mas
especialmente pelos que sofrem a injustiça, pelos pobres e
oprimidos... É evidente que a solidariedade com os pobres e
oprimidos leva à ação pela mudança das estruturas injustas que
mantêm a situação de opressão" - declara a XLII Assembléia do
episcopado em janeiro de 1973.103

99. SIAL VII, 8, 1984, p. 8


100. Cf. MP, pp. 330ss.
101. Práxis de los padres de América Latina, Ed. Paulinas, Bogotá, 1979, pp. 682-683.
Seria preciso acrescentar aqui urna descrição da Igreja no Haiti, Santo Domingo,
Guaternala, Honduras, El Salvador e Nicarágua sob o projeto de Segurança Nacional. Cf.
para eles MP.
102. Cf. MP, pp. 365ss.; também os textos inéditos de Catalina Romero e Jeffry Klaiber
em HGIAL, t. VIII (no prelo).
103. Práxis de los padres de América Latina, op. cit., p. 496.

83
Quando a situação de pobreza do povo aumenta em
virtude das medidas adotadas pela ditadura de Morales
Bermúdez, a partir de agosto de 1975, a Igreja tem mais
espaço para sua ação junto ao povo e se afasta do Estado. Os
bispos do planalto, a 10 de julho de 1977, denunciam a
miséria dos camponeses: "Recolhendo o clamor e as
aspirações dos pobres... o sofrimento de nosso povo... A
constante elevação do custo de vida, o congelamento dos
salários, por tudo isto denunciamos a violência da repres-
são... "104
Um pouco antes, em 4 de outubro de 1976, diante da
crítica de certos setores conservadores a respeito da renovação
eclesial que surgiu a partir de 1968, o episcopado reafirma:

"Renovamos esta lealdade e fidelidade precisamente quando as


orientações de Medellín correm o risco de serem esquecidas"105

E, em março de 1984, quatorze meses depois que a


Congregação da Fé romana havia sugerido ao episcopado
peruano que condenasse a Teologia da Libertação, os bispos
abstiveram-se de fazê-lo e, embora o cardeal J. Landázuri seja
chamado até de marxista, não se efetuou nenhuma
condenação contra o teólogo Gustavo Gutiérrez; isto indica
que a Igreja mantém sua tradição de autonomia.

- Equador

No Equador106 a figura de Mons. L. Proaño, de


Riobamba, se realça no que se refere à clareza dos problemas
e soluções para o povo pobre dos indígenas da serra.
104. Signos de lucha y esperanza, pp. 39-40
105. Práxis de Ias padres de América Latina, p. 847.
106. Cf. MP, pp. 371-378.

84
Embora receba uma "visita" enviada por Roma, por pressão de
grupos interessados, seu trabalho continua. O documento mais
importante e amplo do episcopado, em todos estes anos,
"Justiça Social", de agosto de 1977, 107 é lançado tendo em
vista a III Conferência de Puebla e pareceria ter sido escrito
visando aos confrontos que ocorrerão naquela Conferência
(condenação de Cristãos pelo Socialismo, que não havia no
Equador, embora houvesse antecedentes na exortação de 25 de
setembro de 1976 sobre "Integridade da mensagem cristã").
Em geral, a maioria da Igreja hierárquica não rompeu sua
antiga relação com a burguesia agromercantil. conservadora.

- Colômbia

Na Colômbia108 a polarização na Igreja se acentua.


Por um lado, a 20 de fevereiro de 1974 morre o padre
Domingo Laín na guerrilha do ELN. Por outro lado, o cardeal
de Bogotá recebe a Ordem Antonio Nariño do exército
colombiano, no dia 26 de junho de 1975, quando é decretado
o estado de sítio, sendo nomeado com o grau de general do
exército colombiano em junho de 1976 (durante uma greve
bancária, em que o cardeal reprova os sacerdotes e religiosos
que estavam a favor dos empregados em greve). O documento
onde consta o maior número de condenações aos membros da
Igreja, centros de estudos, revistas - todos com seus títulos e
nomes – é publicado pelo episcopado em 21 de novembro de
1976: "Identidade cristã na ação pela justiça". Como indica o
Memorandum da Rand Corporation, trata-se do episcopado
mais conservador da América Latina.
Em 10 de novembro de 1984 foi assassinado o padre
Álvaro Ulcue Chocue, primeiro sacerdote autenti

107. Práxis de los padres..., pp. 920-966.


108. Cf.Rodolfo de Roux, op. cit, in HGIAL, t. VII, pp. 583ss.

85
camente indígena do grupo étnico Páez. Em 9 de junho desse
ano os Cabildos Indígenas do Cauca haviam declarado que
lutavam pela ocupação de suas próprias terras. Um grupode
proprietários de terras é responsabilizado pela morte do padre
Álvaro, que liderava seus irmãos. O próprio episcopado, em
declaração de 15 de novembro, exprime:

"Com este crime foi silenciada a voz de um apóstolo valente que


pregou com seu testemunho e com sua palavra o Evangelho,
expondo-se aos riscos implícitos no anúncio da salvação conforme a
palavra do Senhor: "Felizes os que são perseguidos por causa da
justiça porque deles será o reino dos céus' (Mt 5, 10)"109

- México
110
No México, o episcopado lançou um documento
optando claramente pelas classes populares: "O compromisso
cristão diante das opções sociais e políticas". De qualquer
maneira, a carta pastoral não teve muitas conscqüências por
falta de movimentos operários ou camponeses da Igreja. Com
efeito, em virtude dos constantes conflitos entre Igreja e
Estado, aquela encarregou-se de suprimir qualquer movimento
cristão que se tomasse incômodo ao Estado. Somente a
questão educacional do "texto obrigatório", no começo do
governo de Luis Echeverria, produziu certo confronto - e
conseqüentemente os textos foram modificados. Por outro
lado, em 1976, a rápida construção da nova basílica àVirgem
de Guadalupe, onde o governo e os bancos tiveram
participação muito ativa, levou à reconciliação entre Igreja e
Estado.
Como em outros países, o assassinato, em 21 de
março de 1977, do padre Rodolfo Aguilar, que trabalhava

109. Servir, 29,1984, p. 5. Cf. DIAL, 173 e 184 (1984), Sobre a Venezuela, MP, pp.
444ss.
110. Cf. Jesús García, "La Iglesia mexicana desde 1962", in HGIAL, t. V, pp. 361-493.

86
num bairro pobre de Chihuahua, demonstra que há grupos de
poder que se opõem ao trabalho da Igreja entre os pobres.
Com efeito, importante movimento de vários milhares de
Comunidades Eclesiais de Base aumenta em número em todo
o país. No X Encontro Nacional de CEBs em Tehuantepec, em
outubro de 1981, o bispo Arturo Lona manifestou:

"Por toda parte desafio e sofrimento; é que este caminho não se faz
sem conflitos: repressões, suspeitas, torturas, prisão e morte... São
muitos milhares os camponeses, os indígenas e operários da América
Latina que estiveram presos por seu compromisso com as
Comunidades Eclesiais de Base. "111

No XI Encontro Nacional das CEBs em Concórdia


(Cohauila) com representação de militantes de 38 dioceses,
cinco bispos escreveram comovente carta aos demais membros
do episcopado em 9 de outubro de 1983. É evidente, por outro
lado, que a visita do papa João Paulo II em 1979 -por ocasião
da III Conferência de Puebla mobilizou a consciência cristã e
mostrou a importância da Igreja nesse país.

7. A Igreja na revolução da América Central e Caribe

O Secretariado Episcopal da América Central


(SEDAC) declarava em 24 de junho de 1977:

"Lamentamos profundamente que, para silenciar os que com


fidelidade a Cristo e ao Evangelho realizam seu compromisso no
campo social, se recorra ao expediente fácil de tachá-los de
comunistas, subversivos e seguidores de doutrinas exóticas tudo em
flagrante violação dos direitos humanos".112

111. Servir, 21, 1981, p. 4.


112. Práxis de los padres, p. 858.

87
-Nicarágua

Na Nicarágua,113 em março de 1972, Mons. Obando y


Bravo declarava que "o socialismo avança a grandes passos na
América Latina; a socialização deve ser realizada em todos os
níveis e não de maneira unilateral".114 A carta pastoral de 19
de março "Sobre os princípios da atividade política da Igreja"
é como ato de independência em relação ao governo de
Somoza. Nos meses posteriores ao terremoto de 1972, um
grupo de jovens cristãos (entre eles Luis Carrión, Roberto
Gutiérrez, Joaquín Cuadra, Mônica Baltodano, alguns mortos
e outros atualmente comandantes da revolução) deixava a
paróquia Santa Maria de Ios Ángeles, cujo pároco é o padre
Uriel Molina OFM, para integrar-se à Frente Sandinista, para
grande escândalo da comunidade cristã da época. No ano de
1972, Ernesto Cardenal. escreve sua obra En Cuba y Ia
santidad en la revolución.
No dia 18 de julho de 1979, Uriel Molina conta o
encontro com os jovens cristãos de sua paróquia, que
encabeçavam o exército sandinista, depois de derrotar o
ditador Somoza:

"De repente fiquei paralisado. Era Roberto Gutiérrez com Emílio


Baltodano, Oswaldo Lacayo e Joaquín Cuadra que marchavam para
Manágua. Demos um abraço. 'Lá em Mosaya deixamos a morte...
Aqui viemos encontrar a vida'... Era um imenso grito de triunfo."115

A primeira fase pós-revolucionária da Igreja vai da


vitória de 19 de julho de 1979 até o Comunicado "Sobre a
religião" de 7 de outubro de 1980. Nesta primeira etapa a

113. Cf. MP, pp. 380ss.


114. Inform. Cath. Intern., 406, 1972, p. 26.
115. Uriel Molina, "El sendero de una experiencia", in Nicaragua n. 5, Manágua, 1981,
pp. 37. Cf. Meu trabalho "Lá Iglesia em Nicaragua, 1979-1983", in Historia de Ia
Iglesia en América Latina, 1983, pp. 429-447.

88
Igreja em conjunto apoiou o processo sandinista; a CONFER,
a Universidade Católica e o próprio episcopado que, em sua
carta pastoral de 17 de novembro "Compromisso cristão por
uma nova Nicarágua", declarou:

"Ouve-se dizer, às vezes com aflição e temor, que o atual processo


nicaragüense se encaminha para o socialismo... Não poderíamos
aceitar um socialismo que, saindo dos seus limites, pretendesse
arrancar do homem o direito às motivações religiosas de sua vida...
Se, ao contrário, socialismo significa o predomínio dos interesses da
maioria dos nicaragüenses... um projeto social que garanta o destino
comum dos bens e recursos do país... uma crescente diminuição das
injustiças... se significar participação... do trabalhador no produto de
seu trabalho... não há nada no cristianismo que contradiga este
projeto".

Na Cruzada Nacional de Alfabetização, que


praticamente erradicou o analfabetismo da Nicarágua em
poucos meses, o padre Fernando Cardenal SJ - diretor da
campanha- fez com que se usasse o método da pedagogia da
libertação de Paulo Freire (cristão do Nordeste do Brasil);
seguiu-se a técnica pedagógica do salesiano, Mario Peressón
da Colômbia e, no capítulo 22 da Cartilha de Alfabetização,
empregou-se o exemplo "Iglesia" para praticar as sílabas gla,
gle, gli, glo, glu: "Glória aos heróis e mártires".
Logo o "campo religioso" se tornou lugar de
conflitos; por isto a FSLN emitiu Comunicado "Sobre a
religião":

"Nós sandinistas afirmamos que nossa experiência demonstra que


quando os cristãos, apoiando-se em sua fé, são capazes de responder
às necessidades do povo e da história, suas próprias crenças os levam
à militância revolucionária... não há contradição insuperável entre
ambas as coisas".

A segunda fase começa quando o CELAM e Roma


fazem pressão para a renúncia dos ministros sacerdotes
Ernesto e Fernando Cardenal e Miguel D'Escoto, em 1º de
89
junho de 1981.Reagan assume o podere começa a luta
antirevolucionária dos antigos somozistas nas fronteiras com
Honduras. O episcopado vai assumindo posição cada vez mais
crítica perante a revolução, acentuando-se os conflitos internos
na Igreja.
A terceira fase termina com a carta enviada pelo papa
João Paulo II, no dia 29 de junho de 1982, onde indica os
riscos que a Igreja corre em virtude de sua divisão interna,
optando por diversos projetos concretos. O Papa pede
obediência aos bispos. Ao contrário, em 10 de março de 1980,
escrevera em outra carta:

"Formulo os melhores votos para que o amado povo da Nicarágua


viva um futuro de paz, de concórdia, solidariedade, de acordo com
sua secular tradição cristã".

Em 1980 o Vaticano era informado pelo delegado


apostólico Piero Sambi; mais tarde será nomeado um núncio
definitivo.
A quarta fase, até a visita do Papa em 4 de março de
1983, é de incremento dos conflitos internos. A oposição toma
o "campo religioso" como o único que pode enfrentar a
revolução. Por outro lado, os cristãos comprometidos com a
revolução resistem. O bispo italiano Betazzi, no relatório de
Pax Christi sobre a situação na Nicarágua, escreveu:

"O arcebispo permite que o transformem em líder de uma oposição


que não tem outro perfil senão o de se opor ao regime. O CELAM, a
CLAT e os partidos democráticos cristãos latinoamericanos e
europeus deveriam parar de sonhar e aceitar esta simples realidade: o
processo revolucionário é irreversível."116

A visita do Papa pedindo o apoio irrestrito ao


arcebispo abre a quinta fase depois do triunfo sandinista. A
partir de 4 de março alguma coisa aconteceu na Nicarágua.

116. Nuestro Diario, Manágua, 12 de novembro de 1982.

90
As posições são mais firmes. O episcopado, por exemplo,
opõese ao serviço militar obrigatório (29 de agosto de 1983),
suscitando grande número de réplicas (da comunidade de
jesuítas, dominicanos, comunidades de base etc), que
destacam as omissões cometidas na análise da realidade vivida
no país. Conflitos como o dos indígenas misquitos, a expulsão
do padre Timóteo Merino (a 13 de maio de 1983), dos dez
sacerdotes estrangeiros (a 9 de julho de 1984), mostram o
caminho da Igreja nicaragüense num processo revolucionário,
em que os cristãos agem de maneira jà bem diferente de como
agiram em Cuba a partir de 1959. Vinte anos não passaram em
vão.

- El Salvador

Em El Salvador117 a população camponesa foi


massacrada durante anos a fio: em 1974, em San Francisco
Chinamequita, La Cayetana, Tres Calles, Santa Bárbara, Plaza
de la Libertad na própria capital. O arcebispo Chávez
exclamava: "aqui o café devora os homens", indicando que os
proprietários de terras exploravam os trabalhadores em suas
fazendas. A pessoa símbolo desses anos é o padre Rutílio
Grande, assassinado em 12 de março de 1977. O pároco de
Aguilares não foi o único mártir sacerdote. A 11 de maio do
mesmo ano caía o padre Alfonso Navarro; a 28 de novembro
de 1978, o padre Barrera Motto; em 20 de janeiro de 1979
morre Octávio Ortiz.
Em 22 de fevereiro de 1977 assume a arquidiocese
Mons. Oscar Arnulfo Romero que rapidamente demonstra
sensibilidade especial para ligar-se ao povo pobre e oprimido.
Os bispos declaram, em 5 de março de 1977, que "esta
situação foi qualificada como situação de injustiça coletiva e
violência institucionalizada".118 Isto não nega as

117. Cf. Rodolfo Cardenal, op. cit., in HGIAL, t. VI, 1985.


118. Práxis de los padres, p. 967.

91
contradições. Enquanto Mons. Romero preside uma procissão
que enfrenta a baioneta do exército no dia da morte de Rutílio
Grande, em sua própria paróquia de Aguilares onde foram
assassinados mais de 200 militantes das Comunidades
Eclesiais de Base até 1983 - Mons. Pedro Aparício apóia o
governo e critica os leigos no Sínodo Romano de 1977. Tudo
culmina em 24 de março de 1980, quando assassinos
profissionais ligados ao exército matam Mons. O. A. Romero
durante o sacrifício da missa. Monsenhor dissera em 20 de
janeiro que havia um projeto que pesava sobre o destino de E1
Salvador:

"0 projeto oligárquico pretende empregar todo seu imenso poder


econômico para impedir o avanço das reformas estruturais que
afetam seus interesses mas favorecem a maioria dos
salvadorenhos"119

Cinqüenta mil assassinatos, dezenas de sacerdotes,


religiosas (entre as quais, quatro norte-americanas) e o
próprio arcebispo nos falam de uma Igreja que não se afasta
de seu povo. O massacre do rio Sumpal, em maio de 1980
-onde perderam a vida mais de 600 homens, mulheres e
crianças - ficará gravado para sempre na memória da
história. A CONIP (Coordenadoria Nacional da Igreja
Popular) organiza seu trabalho nas "zonas libertadas", onde
os cristãos vivem um dia-a-dia que vai além do sistema
opressor vigente. Mons. Rivera y Damas, de longo tirocínio
desde antes de Medellín, tem pela frente uma época difícil
de lutas fratricidas.

- Guatemala

Na Guatemala120 cresceu muito o movimento


denominado "Delegados da Palavra", militantes cristãos

119. Servir, 1, 1980, p. 1.


120. Cf. MP, pp. 382ss; Pablo Richard - Guillermo Meléndez, op. cit.

92
camponeses que lideram suas comunidades pobres,
especialmente nas dioceses de Huehuetenango,
Quezaltenango, Verapaces e Izabal. No final de 1973
realizase o I Congresso Nacional de Religiosos
(CONFREGUA) que coordena mais de 996 religiosas e 551
religiosos do país. Em 25 de julho de 1976 o episcopado,
sob a presidência de Mons. Juan Gerardi, publicou um
documento "Unidos na esperança" - que o cardeal Casariego
não quis assinar -onde manifesta que "Guatemala vive há
longos anos sob o jugo do temor e da angústia".121 Como
exemplo entre milhares, veja-se este testemunho do Comitê
cristão de solidariedade:

"A comunidade da aldeia de San Francisco vivia tranqüila. Plantava


seu milho e colhia, cuidava das galinhas e do gado... No dia 17 de
julho de 1981 apareceu o exército, agarrou os integrantes das
patrulhas civis - instituídas pelo próprio governo -e matou-os. Cercou
a aldeia e acabou corn tudo. Mataram crianças, anciãos, mulheres,
homens. Todos morreram. Dos 350 moradores, somente doze pessoas
conseguiram sobreviver, por milagre... Chamar isto de bestialidade
seria uma ofensa para as bestas. As mulheres foram violadas, as
pessoas eram trancadas em galpões onde foram torturadas e
assassinadas. As crianças foram arremessadas contra as árvores... e
logo depois comiam seus miolos ainda mornos... "122

Seria muito longo contar os horrores vividos pela


Igreja na Guatemala. O certo é que, por exemplo, no dia 13
de junho de 1980,123 tanto o bispo como os sacerdotes e
religiosas abandonaram a diocese de El Quiché em virtude
da perseguição que ali viviam, sendo que o próprio Mons. J.
Gerardi fora objeto de atentado em 19 de

121. Práxis de los padres, pp. 792-817.


122. "La bestia apocalíptica de la represión", in DIAL 36, 1982, p. 1.
123. No dia 16 de junho declaravam; "Foram assassinados três sacerdotes, um
seqüestrado, vários sacerdotes e religiosas estão sob ameaça de morte" in Servir, 9, 1980,
pp. 2-3.

93
julho de 1979. O comunicado do episcopado também
manifesta:

"Assassina-se, seqüestra-se e tortura-se, sendo profanados com


sanha irracional até os cadáveres das vitimas... "124

O padre Luis Eduardo Pellecer SJ foi seqüestrado


violentamente diante de testemunhas, em 8 de junho de
1981. No dia 30 de setembro, depois de ter ficado totalmente
incomunicável, tendo sofrido torturas e "lavagem cerebral",
foi obrigado a realizar um depoimento por televisão contra a
Igreja. Depois, nunca mais apareceu. Dúzias de sacerdotes
assassinados, entre eles o padre Augusto Ramírez OFM,
pároco de San Francisco em Antigua Guatemala. "Seu corpo
estraçalhado apareceu abandonado em uma rua da cidade da
Guatemala".125 Era o dia 7 de novembro de 1983.

- Honduras

Em Honduras126 Mons. Héctor Santos - arcebispo de


Tegucigalpa desde 1962 - não deixou de orientar a presença
da Igreja nas organizações camponesas. Além do
CONCORDE e Caritas surgiu um movimento operário e
camponês de inspiração cristã, tanto na Confederação Geral
dos Trabalhadores quanto na União Nacional de
Camponeses. Os "Celebrantes da Palavra" foram
aumentando a partir de 1975, sabendo ler a realidade social
àluz do evangelho. Os proprietários de terras começaram a
fazer pressão contra os líderes de base, acusando-os de
marxistas. Em 25 de janeiro de 1975 foram assassinados em
Olancho o padre Ivan Betancourt
124. Servir, 14, 1980, p. 1.
125. DIAL 134, 1984, p. 1.
126. Cf. C. Carías, op. cit.; Richard-G. Meléndez, op. Cit.

94
e o padre Casimiro Zephyr, juntamente com outros cristãos.
0 padre Betancourt fundara o Instituto Santa Clara para
capacitação camponesa e sabia que sua vida corria perigo.
Por isto pegou mal a atitude do CELAM ao informar sobre
infiltração marxista entre os sacerdotes, em 23 de junho de
1982, opondo-se ao estudo realizado por Pax Christi a favor
das forças populares (nesse estudo o italiano Mons. Betazzi
criticava e considerava equívoca a política do CELAM para
a América Central).

- Costa Rica

Na Costa Rica127 o semanário Pueblo, dirigido por


Javier Solís, provocou grande impacto. Em 1972 é fundado
o Instituto Teológico da América Central (ITAC) e a Escola
Ecumênica de Ciências da Religião (EECR), únicos órgãos
teológicos em uma universidade nacional da América
Latina. O Departamento de Estudos e Pesquisas (DEI)
fundado por Hugo Assmann em 1974 -onde colaboram
Franz Hinkelammert, Pablo Richard, Guillermo Meléndez
etc. - vem cumprindo importante tarefa de reflexão e
publicações.

8. A Igreja no Caribe

- Cuba
Em Cuba128a crise passou, mas a Igreja continua
isoladada renovação da Igreja dos Pobres, da Teologia da
Libertação. Em 27 de março de 1974 Mons. Agostino
Casaroli faz uma visita à ilha; Mons. César Zacchi
énomeado núncio - em 1975 será substituído por Mons.
Mário Tagliaferri. Em dezembro de 1975 realiza-se o I

127. Cf. M. Picado, op. cit.; P. Richard-G. Meléndez, op. cit.


128. Cf. MP, pp. 456ss.;Raúl Gómez Treto, op. cit, pp. 45ss. (Datilografado, inédito).

95
Congresso do Partido Comunista Cubano que, embora
manifeste certa abertura ao diálogo, continua afirmando sua
posição "dogmática": "ciência e religião opõem-se
irremediavelmente". O artigo 35 da Constituição Socialista
afirma: "É livre a profissão de todas as religiões... A Igreja
ficará separada do Estado; este não poderá subvencionar
nenhum culto".
Dois fatos: a condenação do terrorismo contra a linha
aérea cubana por parte do episcopado - em Granma no dia
16 de novembro de 1976 - e o diálogo com pastores cristãos
em Jamaica em 29 de outubro de 1977 por parte de Fidel
Castro, demonstram a situação de mútua abertura. Por isto,
no XI Festival Mundial da Juventude, em julho de 1978,
Mons. Oves pôde dizer:

"O ideal de uma sociedade sem classes antagônicas, econômicas


nem sociais está mais de acordo com a exigência evangélica de
fratemidade em Cristo, mas me pergunto: como ajudarnos a tomar
viável o compromisso dos cristãos na realização progressiva desse
ideal se a fé cristã é apresentada como sendo necessariamente
hostil?... Gostaríamos de fundamentar esta nova consideração
partindo dos princípios da própria ciência social marxista, que não se
desliga da teoria da realidade".129

A revolução sandinista, que aconteceu depois,


começará a mostrar a Cuba um caminho para o
relacionamento entre Igreja e revolução.
De 26 de fevereiro a 3 de março de 1979 realizou-se
em Matanzas uma reunião histórica de 77 teólogos de países
socialistas (da Europa, Ásia e África) e da América Latina
que dialogaram sobre a possibilidade da Teologia da
Libertação em seus respectivos âmbitos.

129. El Heraldo Cristiano, XXIV, 9-10, pp. 16-18, Havana, 1978.

96
- Haiti
No Haiti130 até o final de 1980, manteve-se a situação
de legitimação incondicional do governo de Jean Claude
Duvalier. Como a repressão se generalizou no país, a
Conferência Haitiana de Religiosos publicou um comunicado
em 24 de outubro de 1980:

"A CHR considera seu dever fazer um chamado do senso cristão e


patriótico... queremos mais uma vez elevar nossas próprias vozes a
favor do respeito pelos Direitos do Homem em nosso país, o respeito
pelos Direitos de nossos irmãos e irmãs desterrados e desterradas,
aprisionados ou aprisionadas... A Igreja não pode se calar quando se
trata de tornar a vida mais humana e de conscientizar a população".131

O próprio núncio Luigi Conti apoiou os religiosos. O


episcopado, sob a presidência do arcebispo François Wolf
Ligondé, também se pronunciou nesse sentido em 21 de
dezembro.
De 2 a 6 de dezembro de 1982 é realizado um
simpósio por motivo do Congresso Eucarístico Mariano.
Pode-se perceber que a Igreja anuncia clara opção pelos
pobres, pelos camponeses, pelos negros que constituem a
massa total do povo. Quando em 27 de janeiro de 1983 o
episcopado e a conferência de religiosos se dirigem ao povo
haitiano para preparar a chegada do papa João Paulo II,
colocam como condição ao governo a liberdade do líder
Gerard Duclerville, que fora preso em 28 de dezembro
quando coordenava um encontro de "Igreja e Comunidades
Eclesiais de Base". E começa uma renovação nunca vista no
país caribenho francês. A 2 de fevereiro de 1984, em Pilate,
realiza-se o I Encontro Nacional das Comunidades de Base.
Em seu comunicado dizem os líderes leigos:
130. Cf. W. Smarth, op. cit., in HGIAL, t. IV, (em preparo).
131. Servir, 3, 1981, pp. 10-12.

97
"Aqui, há dez anos atrás, algumas paróquias do Haiti começaram a
viver urna experiência totalmente novana Igreja com o que nós
chamamos Ti Léglis ou Fraternidades... Esta reunião nacional
deixou-nos, antes demais nada, aconvicção deque as comunidades
eclesiais; de base, nas aldeias e nos bairros, são necessidade urgente
para nós. As comunidades de base não são moda passageira, mas a
figura que a Igreja assume e que se parece àquela que tinha nos
tempos dos Apóstolos (At 2,4247)".132

A visita do papa ao Haiti, em 9 de março de 1983,


teve efeito completamente diferente do causado na Nicarágua
...
Não desejamos terminar sem antes lembrar a carta
pastoral lançada pela Conferência Episcopal das Antilhas (dos
bispos das Antilhas menores britânicas e holandesas, com a
presença também dos francófonos), em 21 de novembro de
1975, onde dizem:

"A ação da Igreja não pode ser reduzida à sacristia ou ao


santuário... Deus revelou-se como libertador do oprimido e defensor
do pobre... A Igreja não deve condenar indiscriminadamente todos os
tipos de socialismo... Nenhum sistema socialista é aceitável se ele
destrói os direitos fundamentais do indivíduo... Longe de destruí-los,
o verdadeiro socialismo aceitável para o cristão deve combater para
defender estas liberdades e inclusive para ampliar seu campo".133

9. História de meio século da Igreja latino-americana

Durante este meio século (1930-1984) a Igreja latino-


americana percorreu um longo caminho. O que era uma Igreja
conservadora no século XIX e princípios do século XX
-embora, fato que se esquece, estivesse ao mesmo tempo junto
ao povo em sua religiosidade tradicio-

132. DIAL 147,1984 p. 1; Sobre Santo Domingo, Porto Rico e os hispanos


nos Estados Unidos, cf. MP, pp. 411 ss, 540ss.; Fronteras, ed. cit., pp. 339ss.
133. Práxis de los padres, pp. 518-528.

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nal, povo esse que resistia aos ataques do liberalismo
secularizador e antipopular - começa a modernizar-se a partir
de 1930. Estamodernização concretizou-seno modelo de
"Nova Cristandade", através do qual a Igreja realizou a aliança
com o Estado populista (exceto o México, por algum tempo),
usando as suas mesmas táticas. Esta Igreja, renovada "para
dentro" e defendendo os "seus direitos", pôde lançar-se (a
partir de 1959) à renovação dos seus compromissos "para
fora". Isto significou a crise do modelo de "Nova Cristandade"
e os primeiros passos para uma "Igreja dos Pobres". A opção
pelos pobres, pelo povo em si, tem como centro a II
Conferência de Medellín (1968), certamente o ato eclesial
mais importante do século XX cristão latino-americano. No
entanto, no novo período (a partir de 1972) por um lado se
recompõe o setor tradicionalista, conduzido por um grupo
progressista e modernizador (a partir da assembléia do
CELAM em Sucre), mas a Igreja, embora com contradições
internas crescentes, consegue dar mais um passo. Agora é o
próprio povo cristão que realiza sua protagonização. As
Comunidades Eclesiais de Base - que o padre José Marins
tanto incentivou - e a Teologia da Libertação (as primeiras
como organização do povo em si e a outra como sua teoria
cristã) são duas vertentes da vitalidade eclesial atual. Em
setembro de 1984 134 descobre-se que agora talvez "tenha
chegado a hora de uma responsabilidade missionária mundial".

134. No Encontro do Departamento de Missões do CELAM fala-se de responsabilidade


latino-americana na África e Ásia, mas não mais referente ao envio de pessoal
missionário, como era tradicional no passado, mas para compartilhar o "modelo" dc
Igreja como serviço cri cristão no Terceiro Mundo (cf. Servir, 23,1983, pp. 1-19).

99
ÍNDICE

5 Siglas e abreviaturas
9 Nota introdutória

11 I. A IGREJA NA ERA DOS POPULISMOS (1930-1959)

11 1. A Igreja na conjuntura mundial


13 2. As duas fases deste período
14 3. Os grandes desafios
17 4. A modernização do aparelho eclesial
20 5. A Igreja no Cone Sul
25 6. A Igreja na região de Bolívar
29 7. A Igreja no México e América Central
34 8. A Igreja no Caribe
38 9. Tensões no modelo de "Nova Cristandade"

39 II. RENOVACÃO DA IGREJA SOB 0 SIGNO


DE MEDELLÍN (1959-1972)

39 1. A Igreja na década do desenvolvimento e sua crise


40 2. Fases dos momentos colegiais
42 3. Os grandes desafios
44 4. Renovação das estruturas eclesiais
47 5. A Igreja perante a realidade do socialismo na América
Latina
52 6. A Igreja perante o "desenvolvimentismo" do Cone Sul
58 7. A Igreja na área de Bolívar
62 8. A Igreja no México, América Central e Caribe
67 9. Do "desenvolvimento" à "libertação"

69 III. A IGREJA, OS REGIMES DE SEGURANÇA


NACIONAL E A REVOLUÇÃO
CENTROAMERICANA (1972-1984)

69 1. A Igreja na conjuntura e as três fases


71 2. Os grandes desafios
73 3. Crescimento da Igreja e tensões internas
74 4. Desdobramento da Teologia latino-americana
76 5. A Igreja perante os regimes de Segurança Nacional
83 6. A Igreja em situações de menos repressão
87 7. A Igreja na revolução da América Central e Caribe
95 8. A Igreja no Caribe
98 9. História de meio século da Igreja latino-americana
A História da Igreja na América Latina - desde a
década de 30 até a década de 80 - vem aqui tratada em três
períodos, para tornar mais inteligível um processo bastante
complexo que, embora apresente grandes diferenças nacio-
nais, mantém certa hornogeneidade latino-americana. As
principais vertentes históricas percorridas pela Igreja La-
tino-americana, Portanto, vêm assim apresentadas: 1) A
Igreja na era dos populismos (1930-1959); 2) Renovação da
Igreja sob o signo de Medellín (1959-1972); 3) A Igreja, os
regimes de segurança nacional e a revolução centro-
americana (1972-1984).
Este texto nos permite uma boa retaguarda histórica
da Igreja na América Latina para entrar no terceiro milênio
já às portas, às vésperas da IV Conferência Episcopal
Latino Americana (1992).

Enrique Dussel é licenciado em filosofia (Mendoza) e Teologia (Paris);


doutorado em filosofia (Madri), história (Sorborme) e Teologia (Friburgo
/ Suíça). Professor de história da Igreja e de Teologia (ITES, México), de
ética e filosofia política (UNAM, México). E presidente da Comissão de
Estudos de História da Igreja na América Latina. Com vasta obra
publicada, da qual destacase a série "Caminhos de Libertação Latino-
Americana", editada em português por Paulus Editora.

ISBN 85-349-0380-8

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