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I - Escravidão, Ilustração e Abolicionismo
Origem do tráfico
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Ainda que a escravidão não fosse desconhecida na África, pois a compra
e venda de aprisionados era praticada havia muito tempo entre os traficantes
árabes e os sobas, régulos e outros chefes tribais africanos, foi com a descoberta
da América, no final do século XV, que o tráfico negreiro atingiu dimensões de um
grande negócio, vindo a se tornar um dos maiores do mundo de então, em sua
primeira fase de globalização.
Os padecimentos do tráfico
Mercadejando escravos
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Dados sobre a Escravidão:
Fonte: Hugh Thomas The Slave Trade. Nova York: Simon & Schuster, 1997.
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Iluminismo e Escravidão
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Louis de Jaucourt (1704-1779), homem sábio, de múltiplos
conhecimentos, encarregado do verbete “Tráfico de Negros” da Encyclopedie,
edição de 1776, condenou-a com veemência, denunciando-a como uma aberta
violação “da religião, das leis naturais e de todos os direitos da natureza
humana”. Voltaire (1696-1778), por sua vez, no verbete “Escravidão”, do
Dictionnaire Philosophique, de 1764, afirmou ironicamente que bastava
perguntar, mesmo ao mais miserável dos reduzidos ao cativeiro, ao mais
carcomido deles, se preferiam a liberdade ou não, para se ter uma posição
definitiva sobre o problema. A Razão, portanto, repudiou a continuidade da
escravidão, sendo que coube a ele aclarar para o mundo, como se fora um
potente farolete, as condições bárbaras que imperavam nos porões dos
negreiros e nas senzalas das lavouras americanas.
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Nas vésperas da Revolução, Jacques Brissot, futuro deputado girondino,
funda a Société des amis des Noirs, a Sociedade dos Amigos dos Negros, em
1788, que contava em seu quadro com personalidades como Mirabeau,
Condorcet, La Fayette, Étienne-Charles de Loménie de Brienne, o abade Henri
Grégoire, o duque Dominique de La Rochefoucauld, Louis Monneron, Léger-
Félicité Sonthonax e Jérôme Pétion de Villeneuve. A abolição da escravidão,
todavia, apesar do empenho parlamentar do abade Gregoire e o do filósofo
Condorcet, somente foi aprovada em 4 de fevereiro de 1794, na época da
Convenção, e não quando se deu a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, em agosto de 1789. (*)
(*) O principal porto atlântico francês com “vocação negreira” foi o de
Nantes, no país do Loire: de 1703 a 1831, armou 756 “negreiros”, e entre 1703 a
1793, foram 1.336, que transportaram 450 mil escravos embarcados da costa da
África (7.5% de um total de 6 milhões traficados no século XVIII). Napoleão,
quando cônsul-geral, atendendo ao pedido dos colonos franceses das Antilhas,
especialmente os da Martinica e de São Domingo (Haiti), centros produtores de
açúcar, resolveu reinstituí-la pela lei de 20 de maio de 1802, o que provocou uma
grande rebelião de ex-escravos, liderada por Toussaint-Loverture.
Bibliografia
Condorcet - Réflexions sur l'esclavage des nègres. Neufchatel: Société
Typographique, 1781.
Davis, David Brion - Slavery and Human Progress. Nova York: Oxford University
Press,1986.
Dorigny, Marcel Gainot, Bernard - Société des Amis des Noirs (1788-1799) Paris:
Edition UNESCO-EDICEF, 1998.
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Smith. Adam Teoria dos sentimentos morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
(*) Nem o argumento moral, nem o utilitarista frearam o ímpeto dos comerciantes
negreiros ingleses, visto que, se em Londres e Bristol, em 1746, apenas 46 navios
dedicavam-se ao tráfico, entre 1772-5, eles eram 161.
Não deve, assim, causar nenhuma surpresa, o fato de os dois países que
se colocaram na liderança da abolição no Século das Luzes, a França e a Grã-
Bretanha - os mais avançados do mundo daquela época no que tange à
tecnologia -, assumirem a vanguarda da luta contra o tráfico negreiro e, em
seguida, no engajamento que iria pôr um fim na escravidão (ainda que muitos dos
negociantes de escravos, ingleses e franceses, envolvidos no “comércio do
diabo” amealhassem fortunas).
Enquanto isso, os Estados Unidos da América e o Império do Brasil,
países eminentemente agrícolas do Novo Mundo, que viviam da larga exploração
do braço cativo (empregado nas lavouras de tabaco, algodão, açúcar, café, e na
mineração, respectivamente), só se converteram ao abolicionismo bem mais
tarde, quase um século depois. Todavia, esse exercício da historiografia
socialista, ressaltando a plena articulação entre o interesse econômico e o
movimento a favor da liberdade dos escravos não consegue explicar o
emocionante empenho de milhares de homens e mulheres comuns, daqueles
dois países, que se dedicaram com ardor à causa da abolição sem ter nenhuma
ligação ou vantagem econômica, direta ou indireta, com o fim do trabalho cativo.
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O fato foi decorrente de uma enorme revolução moral, contando com o
apoio de escritores, cientistas, reverendos e pastores das mais diversas seitas
cristãs, espalhando-se por todo o século XVIII, e parte do XIX, e que conseguiu
enfim libertar para sempre o trabalho dos estigmas da servidão e da escravidão.
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(*) Halévy, no seu livro History of the English People in the
Nineteenth Century (1912), descreve a situação da Inglaterra, em 1815,
procurando explicar qual o motivo dela não ter conhecido uma violenta mudança
social como ocorrera, por exemplo, na França de 1789. Comentou, então, que “se
os fatos econômicos explicam o curso tomado pela raça humana, a Inglaterra do
século dezenove, acima de qualquer outro país, estava seguramente destinada à
revolução, tanto politicamente como religiosamente. Nem a Constituição
Britânica nem a Igreja estabelecida eram fortes o suficiente para manter o país
unido. Halévy encontrou a resposta do porquê da ausência da revolução sócio-
política naquele tempo na ascensão da religião não-conformista: segundo ele: “O
Metodismo foi o antídoto ao Jacobinismo”.
Metodistas em ação
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John Wesley (1703-1791)
(*) Sociedade filantrópica fundada em 1787, por Granville Sharp e seu amigo
Thomas Clarkson, ambos anglicanos, sendo que nove outros integrantes da
direção central eram quakers, obtendo ainda a adesão de pregadores
metodistas como John Wesley e reformadores sociais como Josiah Wedgwood
(ele foi quem concebeu o selo da sociedade que ficou mundialmente famoso, o
qual continha a frase dita por um africano em algemas: “Eu não sou um homem?
Um irmão?”.
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Reflexões sobre a escravidão
“... e isso diz respeito igualmente a cada mercador que está envolvido
com o Tráfico de Escravos. É você que induz o vilão africano a vender seus
conterrâneos e, em conseqüência disso, a roubar, assaltar, assassinar uma
infinidade de homens, mulheres e crianças. Ao permitir ao vilão inglês pagar para
que ele aja desse modo, é sobre você que recai esse execrável trabalho. É do seu
dinheiro que brota tudo...assim sendo qualquer coisa que o africano faça, decorre
de atitudes suas. Como sua consciência se concilia com isso? Ela nunca o
repreende? Teria o ouro cegado completamente seus olhos e endurecido o seu
coração? Não pode ver nem sentir nenhum mal nisso?.... Não tenha mais
nenhuma participação nesse negócio, o mais detestável. Largue-o
imediatamente para os que não têm sentimento. “Quem pode rir da natureza
humana e da compaixão...você é um ser humano? Não seja um lobo devorando
as espécies humanas.”
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Que não viessem com argumentos de que as plantações das colônias
somente podiam prosperar com o suor africano e que os brancos não tinham a
aptidão necessária para lavrar, no sol a pino, como os negros o faziam nos
trópicos. Mesmo se assim fora, a produção gerada desta forma não podia ser
justificada pelas práticas desumanas que a acompanhavam. Radicalizando,
afirmou então que:
[“Era melhor que aquelas ilhas ficassem sem cultivo para sempre; sim,
era mais desejável que elas afundassem nas profundezas do oceano, do que se
verem cultivadas por um preço tão alto que implicava a violação da justiça, da
misericórdia e da verdade”].
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Instrumentos usados pelos traficantes de escravos: a canga ou libambo;
correntes; anel de ferro; presilhas de ferro, elmo para mordaça; açoite de
couro de rinoceronte.
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Secretário das Relações Exteriores, deram sustentação à demanda de
Wilberforce. Grenville conseguiu dobrar a resistência da Casa dos Lordes depois
de fazer um veemente discurso denunciando a escravidão como “contrária aos
princípios da justiça, humanidade e sã política”.
A Abolition of the Slave Trade Bill foi acatada pelos Lordes por 41 votos
contra 20, e na Casa dos Comuns, por 114 a 15, tornando-se lei em 25 de março
de 1807. Os donos de barcos ingleses que fossem pegos envolvidos na
ilegalidade seriam multados em 100 libras, caso fossem encontradas a bordo
evidências da prática nefanda. O efeito dela não foi imediato, mas
gradativamente, nas décadas seguintes, devido ao controle dos mares e oceanos
exercido pela Royal Navy, a marinha britânica, os cruzadores de Sua Majestade
foram se impondo sobre os traficantes, caçando-os tanto no litoral africano como
em alto mar.(*) A abolição definitiva da escravidão nos territórios controlados pela
Grã-Bretanha somente ocorreu em 1833, com a adoção do Slavery Abolition Act,
uma espécie de epílogo dos esforços de Wilberforce e de todos os abolicionistas
que lutaram com ele. Naquele mesmo ano, o parlamentar, o grande combatente
da liberdade, foi enterrado com todas as honras na Abadia de Westminster, pouco
depois do 29 de julho de 1833, dia do seu falecimento.
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(*) O Brasil, maior território escravista do mundo desde o fim do Império Romano,
resistiu à determinação britânica. Desde os tempos em que a Corte Portuguesa
estava sediada no Rio de Janeiro, os traficantes e proprietários de escravos
conseguiram protelar ao máximo as medidas que visassem coibir o comércio
negreiro. Isso forçou a que o Parlamento Britânico aprovasse o Aberdeen Act, a
Lei Aberdeen, de 9 de agosto de 1845, que procurou regular a suspensão
definitiva do tráfico. O ato, segundo a Convenção assinada entre Sua Majestade
e o Imperador do Brasil (D.Pedro II), dava autoridade para que qualquer navio
brasileiro suspeito fosse abordado em alto mar por uma nave britânica dotada de
autoridade policial. Comprovado o delito, os cativos seriam recambiados de volta
para a África, enquanto o navio ficaria apreendido. Mesmo assim, no biênio de
1846-7 chegaram, aos portos brasileiros, 100.496 africanos. O Aberdeen Act foi
complementado, no Brasil, pela aprovação da Lei Eusébio de Queirós, de 4 de
setembro de 1850, que proibiu definitivamente a importação do braço africano;
abolição final da escravatura somente se daria 38 anos depois, com a
promulgação da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, no dia 13 de maio de
1888.
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Abolicionismo cronologia
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Bibliografia
Binghan, Derick William Wilberforce: the freedom fighter. Londres: Christian
Focus Public, 1997.
Halévy, Elie History of the English People in the nineteenth century. Londres.
ERNEST BENN LIMITED, 1949. vol I.
Smith, Adam Teoria dos Valores Morais. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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