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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Nº 72/13 – MJG

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 115986/ES


RECTE: VERA LUCIA QUEIROZ GOMES RAMOS
PROC.: THIAGO PILONI - DEFENSOR PÚBLICO
RECDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATOR: EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE


VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ART. 184, § 2º
DO CÓDIGO PENAL. VENDA DE CD'S E DVD'S
PIRATEADOS. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL DA
CONDUTA. .IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA
NORMA PENAL INCRIMINADORA. PRECEDENTE
DO STF. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL
LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO
INCIDÊNCIA. ALTO GRAU DE REPROVABILIDADE
DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
- Parecer pelo conhecimento parcial da recurso e, nessa
medida, pelo seu desprovimento, e, acaso conhecido em
sua totalidade, pelo desprovimento do recurso ordinário
em habeas corpus.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos autos


em epígrafe, diz a V.Exa. o que segue:
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Nº 72/13 - MJG

Trata-se de recurso em habeas corpus interposto pela


Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, em favor de Vera Lúcia
Queiroz Gomes Ramos, contra contra acórdão da Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao agravo regimental
interposto contra decisão monocrática proferida nos autos do HC nº
162.467/ES, nos termos da seguinte ementa:

“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.


EFEITO DEVOLUTIVO DO RECURSO DE
APELAÇÃO. LIMITES NAS RAZÕES RECURSAIS.
PLEITOS NÃO ANALISADOS PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NEGATIVA
DE SEGUIMENTO. AUSÊNCIA DE MANIFESTA
ILEGALIDADE NO ACÓRDÃO OBJURGADO.
CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO.
INVIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal
encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em
respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos
previstos no âmbito do processo penal pátrio, por meio do
qual se permite o exercício do contraditório pela parte
detentora dos interesses adversos, garantindo-se, assim, o
respeito à cláusula constitucional do devido processo legal.
2. Não basta que a parte se limite a taxar o pleito como
matéria de ordem pública para exigir do Poder Judiciário a
análise de questões que, ordinariamente, se encontram
dentro de um universo de inúmeras teses defensáveis de
acordo com as provas produzidas nos autos, seja por parte
da acusação ou da defesa, e que devem ser alegadas no
momento oportuno, para que se privilegie o indispensável
contraditório.
3. Na ausência de ilegalidade manifesta no acórdão
objurgado, inviável a almejada concessão de habeas
corpus de ofício.
4. Agravo regimental improvido.”(fl. 86 – volume III)

Consoante se extrai dos autos, a recorrente foi


condenada à pena de 2 (dois) anos de reclusão, substituída por 02 (duas)
penas restritivas de direitos e 10 (dez) dias-multas, como incurso na sanção
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do art. 184, § 2º, do Código Penal1, porque, em 11/05/06, adquiriu, para
fins de comercialização, 100 (CD's) e 20 (DVD's) produzidos com violação
do direito autoral.

Interposta apelação pela defesa, o Tribunal de Justiça


do Estado do Espírito Santo negou provimento ao recurso.

Dessa decisão, a defesa impetrou habeas corpus ao


Superior Tribunal de Justiça, sendo que o Ministro Relator em decisão
monocrática, negou seguimento ao mandamus.

Inconformada, a defesa manejou agravo regimental, o


qual restou desprovido pela Quinta Turma do referido sodalício, dando
ensejo ao presente recurso ordinário.

Nesta via, sustenta a recorrente a atipicidade da


conduta, ante a aplicação dos princípios da insignificância e da adequação
social, ao entendimento de que a conduta da recorrente é materialmente
atípica, já que foi insignificante a lesão ao bem juridicamente protegido e
“é socialmente adequada, pois a coletividade, de uma maneira geral, não
recrimina o vendedor de CDs e DVDs reproduzidos sem a autorização do
titular do direito autoral, mas, ao contrário, estimula a sua prática em
virtude dos altos preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos
por grande parte da população. Como se sabe, a partir do princípio da
adequação social, uma conduta socialmente aceita ou adequada não deve

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Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses
a 1 (um) ano, ou multa.
§ 2º- Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui,
vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou
cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do
direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda,
aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos
titulares dos direitos ou de quem os represente.
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ser considerada como ou equiparada a uma conduta criminosa.” (fl. 111 –
volume III).
Requer, ao final, a concessão da ordem, a fim de que
seja absolvida a recorrente.

Contrarrazões do Ministério Público Federal acostadas


às fls. 122/135 – volume III, vieram os autos a esta Procuradoria Geral da
República para emissão de parecer.

É o relatório.

A tese respeitante ao princípio da insignificância não


foi objeto de apreciação do Tribunal Local, razão por que não deve essa
Corte Suprema dela conhecer, sob pena de indevida supressão de instância
e afronta à repartição constitucional de competências.

De toda sorte, caso essa Corte Suprema entenda de


modo diverso, e decida conhecer dessa parte do recurso, no mérito, a ordem
deverá ser denegada.

Em que pese o inconformismo do recorrente, não


merece censura o decisum impugnado, devendo ser mantida a condenação
do recorrente, diante da inaplicabilidade dos princípios da insignificância e
da adequação social.

A conduta se enquadra na hipótese prevista no art.


184, § 2º, do Código Penal, não sendo possível afastar a incidência da
norma incriminadora, que não foi revogada por outra lei, mormente sob o
singelo argumento de que a conduta descrita no tipo penal é aceita pelo
meio social.
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Não se ignora que parte da população adquira produtos


denominados “piratas”, no entanto, isto não revela a concordância ou o
apoio popular ao cometimento de crimes contra a propriedade intelectual,
como se vê na espécie.

O mesmo se diga em relação às autoridades públicas e


policiais. É de longa data a fiscalização e repressão à prática de violação de
direito autoral e comercialização de produtos “piratas”, que, em certas
épocas foi mais efetiva, em outros momentos menos intensa, mas sempre
foi considerada conduta ilícita, e objeto de medidas repressivas. Tanto é
verdade que quem vende CD's e DVD's piratas assim age com apreensão e
temor de perda das mercadorias e até mesmo de prisão, buscando sempre
ações que possam antever ou iludir a ação fiscal e policial. Daí, portanto,
quem age escondido e com receio de ser preso ou ter seus produtos
apreendidos não o faz com a complacência social.

Por outro lado, não se pode considerar socialmente


tolerável uma conduta, como a descrita nos autos, que causa enormes
prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria
fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente estabelecidos.

Aqueles que optam deliberadamente pela atividade


comercial ilícita não podem lograr privilégios não concedidos àqueles que
cumprem com suas obrigações legais, derrogando-se, ainda, a norma penal
incriminadora e estimulando, em última análise, a concorrência desleal.

É evidente a ocorrência de efetiva lesão ao bem


jurídico protegido pela norma penal, no caso, o direito autoral, que é
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garantido constitucionalmente àqueles cujos trabalhos artísticos foram
objeto de cópia ilegal.

Claro está, que, ao contrário do que assevera o


postulante, a conduta da recorrente se mostra socialmente inadequada,
apresentando, ainda, um grau de reprovabilidade que não se coaduna com o
princípio da insignificância.

Diferentemente não tem sido o entendimento dessa


Corte Suprema, que em hipótese semelhante afastou a aplicação do
postulado da adequação social, nos seguintes termos:

“EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.


HABEAS CORPUS. CRIME DE VIOLAÇÃO DE
DIREITO AUTORAL. VENDA DE CD'S 'PIRATAS'.
ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA POR
FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL.
IMPROCEDÊNCIA. NORMA INCRIMI-NADORA EM
PLENA VIGÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A
conduta do paciente amolda-se perfeitamente ao tipo penal
previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal. II - Não ilide a
incidência da norma incriminadora a circunstância de que a
sociedade alegadamente aceita e até estimula a prática do
delito ao adquirir os produtos objeto originados de
contrafação. III - Não se pode considerar socialmente
tolerável uma conduta que causa enormes prejuízos ao
Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria
fonográfica nacional e aos comerciantes regularmente
estabelecidos. IV - Ordem denegada”2.

Ademais, demonstrado que o desvalor da ação e do


resultado não podem ser tidos como indiferente penal, também descabida a
aplicação do princípio da insignificância. Os interesses tutelados pela
norma penal, e violados no caso concreto, cujo juízo coube ao legislador no
ato de editar a lei, são juridicamente relevantes, situação muito peculiar não
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(HC 98898, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em
20/04/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-04
PP-00778)
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se apresentando na hipótese que pudesse determinar atuação judicial no
sentido de operar descriminalização do acontecido.

Assim, comete o delito previsto no art. 184, § 2º, do


Código Penal o agente que, com intuito de lucro, tem em depósito, vende
ou expõe a venda CD’s ou DVD’s reproduzidos com violação dos direitos
dos autores, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de
quem os represente. E essa é a situação dos autos em apreço.

Ante o quanto exposto, opina-se pelo conhecimento


parcial da recurso e, nessa medida, pelo seu desprovimento, e, acaso conhecido
em sua totalidade, pelo desprovimento do recurso ordinário em habeas corpus.

Brasília, 8 de março de 2013.

MARIO JOSÉ GISI


Subprocurador-Geral da República

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