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Através deste instrumento, autorizo a utilização gratuita da obra “Estudo


aberto: um ensaios sobre o não-obejto como um mergulho na teoria
neoconcreta” para download, assim como para cópia, distribuição, exibição do
trabalho protegido por direitos autorais. Os trabalhos derivados feitos com base
nele, deverão possuir crédito à autora e propósitos não comerciais.

Rio de Janeiro, 06 de agosto de 2013.

Jorge Soledar
Jorge Soledar

ESTUDO ABERTO:
Um ensaio sobre o não-objeto como um mergulho na teoria neoconcreta

Projeto de Gradução apresentado à Universidade


Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Artes Visuais, com a ênfase na História, Teoria e
Crítica da Arte.

Orientador:
Profa. Dra. Ana Maria Albani de Carvalho

Banca Examinadora:
Prof. Dr. Alexandre Santos
Profa. Dra. Mônica Zielinsky

Porto Alegre, primavera de 2008.


Ao mestre Henrique Leo Fuhro
In memorian

i
AGRADECIMENTOS

Este trabalho de conclusão representa quase uma


década de percurso inconcluso: da biologia à arte.
Por isso, agradeço a muitas pessoas que
colaboraram neste caminho.

Minha família, Lourdes, Jorge, Patrícia, Viviane,


Eduardo, Felipe, Amanda e Laura que respeitam e
admiram meus estudos.

Minha orientadora, Ana Maria Albani de Carvalho,


pela oportunidade, pelo zelo e estímulo com o
exercício da escrita.

Ao Mergulho, Camila Mello, Manuela Eichner, Ali


Khodr e Zé Vicente, pela troca afetiva e intelectual
que me estimula a entender e questionar as
ordenações.

Cristiane Schmidt, Joubert Vidor, Mayra Redin e


Pilar Prado pela amizade e disponibilidade ao
encontro e à experiência.

Daniela Fuhro que me acompanha ao longo deste


percurso inconcluso, percurso de força e luz.

Úrsula Rocha pelo carinho e respeito desde os


tempos de colégio.

ii
RESUMO

“Não-objeto” é um conceito criado por Ferreira


Gullar, através do ensaio “Teoria do Não-Objeto”
(1959), de modo a especificar o sentido da obra
ou da experiência vivida pela arte neoconcreta.

O corpus teórico ensaiado no texto, ainda pouco


estudado, destaca certos trabalhos de Lygia
Clark (1958) e de Amilcar de Castro (1959) como
motivações desta formulação.

Aqui, estudo como o conceito do não-objeto está


proposto no ensaio acima referido, e também
como a teoria de arte neoconcreta pode ser
caracterizada de “hermenêutica”, segundo critério
proposto por Anne Cauquelin (2005).

...............................................................................
Palavras-chave:
não-objeto, teoria da arte e neoconcretismo.

iii
SUMÁRIO

I. Abrindo o estudo 1

II. Teoria hermenêutica 2

III. Olhares cruzados 8

IV. Eixo 1: “Morte da Pintura” 10

V. Eixo 2: “Obra e Objeto” 13

VI. Eixo 3: “Formulação Primeira” 18

VII. Estudo aberto 21

VIII. Bibliografia 23

Anexo A. Resumo Biográfico: Ferreira Gullar 24

Anexo B. Cópia de “Teoria do Não-Objeto” (1959) 25

Anexo C. Publicações de Ferreira Gullar 30

iv
LISTA DE FIGURAS

Fonte: TASSINARI, 2001

Figura 12: Georges Braque


Telhados em Céret, 1911.
Óleo sobre tela, 88 x 65cm
Col. Particular
Fonte: TASSINARI, 2001

Figura 13: Piet Mondrian


Broadway Boogie Woogie, 1942-3.
Óleo sobre tela, 127 x 127cm
Col. The Museum of Modern Art (NY)
Fonte: http://www.lichtensteiger.de
(acesso em 23.11.2008)

v
1. Ver resumo
I. Abrindo o estudo (1985, p. 11), que atribui ao biográfico em
conceito não-objeto a “ANEXO A”.
O conceito “não-objeto” “especificidade da
experiência neoconcreta”. 2. O objeto
proposto pelo teórico de estudo está
1
brasileiro Ferreira Gullar publicado em
(1930-), no ensaio “Teoria Durante o levantamento “Experiência
Neoconcreta” (2007).
do Não-Objeto” (1959)2, é bibliográfico realizado3, Ver cópia do
localizei muitos trabalhos ensaio em
muito citado e pouco “ANEXO B”.
estudado. Partindo disto, o sobre o assunto
objetivo desse ensaio é “neococretismo”, mas 3. A busca dos
assuntos “teoria do
apresentar uma perspectiva nenhum sobre “teoria do não-objeto”,
de análise sobre o corpus não-objeto”. “GULLAR, Ferreira',
“neoconcretismo”,
teórico do não-objeto, “concretismo”
extraindo-se dele uma Desse modo, este trabalho (incluindo as
seleção de temas segue a seguinte hipótese: expressões “arte
neoconcreta” e
relevantes ao campo da se a teoria do não-objeto “arte concreta”)
História, Teoria e Crítica de pode ser o fundamento visou resumos e
Arte, em especial, uma teórico do neoconcretismo textos completos
nas bases de dados
perspectiva de estudo e o seu autor, Ferreira da UFRGS, da PUCRS,
enfocando a teoria de arte Gullar, “principal teórico da UFRJ, do Portal
de Periódicos da
no país. desse movimento”, de CAPES (Web of
acordo com Ronaldo Brito Science, Art Full
Grosso modo, a teoria do (1985, p. 50), por que então Text, editores
Jstor e Scopus)
não-objeto não se destaca não produzir um estudo que e do Google
nos discursos sobre a arte destaque o não-objeto Acadêmico.
geométrica brasileira,
como a própria teoria da
especialmente, a
neoconcreta. Contudo, arte neoconcreta?
Frederico Morais (1995, p.
247) assinala a teoria do Para tanto, discuto como
não-objeto como a “base seus argumentos estão
teórica do movimento concatenados ao longo dos
neoconcreto”, concordando três eixos do ensaio: “Morte
com a posição de Gullar da pintura”; “Obra e objeto”

1
4. Para uma leitura
e “Formulação primeira”. II. Teoria hermenêutica historiográfica do
Considerando os limites assunto, recomendo
deste projeto de graduação Como fundamento teórico AMARAL (2003) e
COCCHIARALE &
e a complexidade que dessa “abertura de estudo”, GEIGER (1987).
caracteriza o assunto caracterizo a teoria da arte
5. Ver referência
proposto, que parte de uma neoconcreta a partir do completa no item
perspectiva pouco modelo “hermêutico” em Bibliografia.
desenvolvida, não será proposto por Anne
possível abarcar a profusão Cauquelin, em “Teorias da
teórica do tema. Limito-me Arte” (2005).5 Este modelo
a considerar aspectos que visa caracterizar um
julguei chave para uma panorama ou uma
compreensão geral deste “topografia” (p. 15) das
corpus. Como já existe uma teorias de arte que,
série razoável de distintamente, propõem
historiografias do assunto4, significados tanto ao
opto por “abrir” espaço ao processo quanto à
estudo da estrutura e dos recepção de obras.
aspectos do ensaio de
1959. As teorias caracterizadas
como “hermêuticas”
Também não será possível pertencem, de acordo com
investigar o importante a autora, a um conjunto
papel que a fenomenologia maior, denominado
atua no caso “não-objeto”, “teorizações secundárias”,
visto que exigiria trabalhar que
noutra direção: tempo maior
de reflexão e escrita cujos ...podem ser reagrupadas
lastros teóricos mais ao longo de dois eixos.
Um nos leva a questionar
profundos, estão além o sentido das obras e do
desses limites.

2
trabalho artístico. Sentido Um não-objeto, seja um
entendido, no caso, tanto poema espacial, seja um
como significação quando “Bicho” (Fig. 1), está imóvel
direção: a obra 'abre um diante de você, mas à
mundo', ela visa o espera de que o manuseie
invisível (direção), ela tem e assim revela o que traz
um sentido, semelhante oculto em si. Depois de
assim à linguagem manuseá-lo, você o devolve
(significação). à situação anterior [...] Por
Fenomenologia,
isso, defini assim naquela
hermenêutica, psicanálise
época: o não-objeto é uma
e história da arte se
situam sobre esse eixo... imobilidade aberta a uma
A divisão segundo sobre mobilidade aberta a uma
esses dois eixos é, imobilidade aberta. (GULLAR,
2007, p. 59) Figura 1. Lygia Clark
evidentemente, muito Bicho, Relógio do Sol, 1960.
sumária; existem
numerosas passagens Assim, sua teoria do não-
entre as teorizações, objeto promove uma nova
todas fazendo interpretação da arte e
emprésticos entre si. como deve ser “entendida”
(CAQUELIN, 2005, p. 94-95)
a arte neoconcreta (pelo
Para Ferreira Gullar (1985), uso do conceito do não-
objeto). Essa visão sugere
o ensaio “Teoria do Não-
que ela pode ser
Objeto” assinala a criação
caracterizada a partir do
ou a teorização de um novo critério “hermenêutico”.
conceito, cujo significado
visa compreender a Para Cauquelin,
especificidade da obra de caracteriza-se uma teoria e
arte neoconcreta. Caráter um teórico de arte, levando-
especial que envolve, para se em conta a(s) sua(s)
ele, a necessidade da capacidade(s) de
experiência sensorial do “construção, transformação
público na recepção do ou modelagem do campo
“objeto neoconcreto”. da arte” (2005, p. 16). E
Melhor nas suas palavras: torna-se evidente a

3
Figura 2. Hélio Oiticica
participação da teoria e do Correntes periféricas do,
téórico do não-objeto na esquema geral... 1967.
“modelagem” do campo da
arte geométrica, pois,
embora seja minimizado o
conceito neoconcreto, o
seu campo decorre de
obras/artistas cuja “base
teórica” (Morais, 1985) foi
criada por Ferreira Gullar,
considerado por Ronaldo
Brito (1985, p. 50) “o
principal teórico do
neoconcretismo”. Portanto,
a teoria do não-objeto
como argumento estético Figura 3. Hélio Oiticica
Neste texto, Oiticica
do neoconcretismo é parte Parangolé I, 1964.
concorda com a posição
fundamental desta
de Gullar sobre a
modelagem.
démarche que representa
o processo de Lygia Clark,
Outro aspecto que revela o quando em 1954, ela
“peso” da teoria no campo passa a “desintegrar o
geométrico é o da sua quadro convencional”
participação no (1997, p. 311), e mais
pensamento de Hélio tarde, o plano, o espaço
Oiticica, em “Esquema pictórico, etc.”. Oiticica
geral da nova objetividade” segue dizendo que
(1967), texto em que se
...no movimento
destacam, por exemplo, neoconcreto dá-se essa
as experiências dos formulação
“Parangolés” (Fig. 3). (desintegração do
quadro) pela primeira vez
e também a proposição
de poemas-objetos
(Gullar, Jardim, Pape),

4
Figura 4. Lygia Clark
que culminaram na teoria dois deles, a composição
Composição 5, 1954.
do não-objeto. (OITICICA, geométrica extravasava
1997, p. 311) da tela para a moldura, Figura 5. Lygia Clark
incluindo-a, por assim Casulo, 1958.
Ainda sobre a visão de dizer, no espaço virtual
da obra... (Fig. 4 e 5) era Figura 6. Lygia Clark.
Hélio Oiticica, o Bicho. 1960.
neoconcreto está entre as como se toda a “pintura”
evoporara-se... Esta
“correntes periféricas” observação, que está
(Fig.2) que ele julga registrada no texto de
colaborar no processo apresentação da mostra,
constitutivo de suas me levará a uma nova
“estruturas objetivas” leitura do processo da
arte contemporânea,
(1997, p. 312), em grande dando origem, mais
parte, pela inovação tarde, à “Teoria do Não-
trazida das práticas de Objeto”. (GULLAR, 2007, p.
Lygia Clark, antes de 26)
“Bicho”, processo
Desse modo, Gullar e
fundamental à teoria do
Oiticica concordam sobre a
não-objeto, como relata o ligação do surgimento da
próprio Ferreira Gullar: teoria neoconcreta aos
experimentos que
Em 1958, Lygia Clark foi
convidada a realizar uma
culminaram nos “Bichos”
exposição individual na (Fig.6) de Lygia. O teórico
Galeria de Arte das estende o sentido do não-
Folhas, em São Paulo, e objeto, igualmente, aos
pediu-me para escrever trabalhos de Lígia Pape,
a apresentação das Franz Weissmann,
obras que mostraria ali... Reynaldo Jardim e Theon
Mostrou-me os trabalhos
desde 1951... Ao vê-los
Spanúdis, que, “liderados”
percebi que alguns por ele (Morais, 1995, p.
quadros tinham moldura 247-248), comporão o
larga e no mesmo nível “Grupo Neoconcreto”, que
da tela, sendo que, em irá “romper” com o

5
Figura 7.Ivan Serpa
movimento concreto, em construtiva, “liderada”, Pintura nº 178, 1957.
21 de março de 1959, ao sobretudo, por Waldemar
publicar o artigo Cordeiro (Fig.8). Vale
“Manifesto Neoconcreto” destacar agora, o
no Jornal do Brasil. esquema histórico
proposto por Gullar em
De acordo com Frederico “Etapas da arte
Morais (1991, p. 117-118), contemporânea” (1985):
o núcleo do grupo era
As idéias de Ulm
composto Pape, Clark, vieram através de
Gullar e Weissmann, e já Buenos Aires e foram
adotadas,
atuara antes, entre 1954- demasiadamente ao pé Figura 8. Waldemar Cordeiro
Movimento, 1951.
6, no conjunto do Grupo da letra, pelo grupo de
Frente, organizado por artistas paulista
liderados por Waldemar
Ivan Serpa (Fig.7) e Cordeiro no começo da
constituído, em geral, década de 50. No Rio,
essas idéias sofreram
pelos seus alunos no uma inflexão, graças a
Museu de Arte Moderna seu principal defensor,
Mário Pedrosa, que
(RJ), destacando-se, partira delas para
Aloísio Carvão, Décio indagações originais
Vieira, Hélio e César acerca do fenômeno
estético e que
Oiticica, João José, valorizavam, a par da
Vincent Ibberson, Carlos arte geométrica
construtiva, as
Val e Elisa Martins da manifestações
Silveira). artísticas das crianças
e dos doentes mentais.
Tal visão abrangente
Voltando ao relato de refletir-se-ia no trabalho
Gullar (1985), a maioria dos artistas de
destes artistas vanguarda que, por
influencia de Mário
mencionados orientou Pedrosa, voltaram-se
seus trabalhos durante a para o concretismo,
década de 50, rumo à como Ivan Serpa, Almir
arte “geométrica” Mavignier, Aluísio
Carvão, Franz

6
Weissmann, Amílcar de integrando conjunto de
Castro, Lygia Clark e publicações de Gullar, que,
outros. As diferenças
entre os dois grupos entre março de 1959 e
Figura 9. Amílcar de Castro
ficaram evidentes quando outubro de 1960, editou a Projeto gráfico no SDJB, 1958-9.
eles se juntaram na I série “Etapas da arte
Exposição Nacional de
Arte Concreta em contemporânea”. Em 1985,
dezembro de 1959, em ele reúne estas publicações
São Paulo, e janeiro de em livro de mesmo título,
1957, no Rio, dando onde, na apresentação,
margem a divergências
que culminaram na cisão Aracy Amaral diz que o
do movimento. Em função SDJB promovera a estética
disso, os cariocas, mais da época, permitindo um
intuitivos, foram ousado projeto gráfico
estimulados a aprofundar
teoricamente sua assinado por Amílcar de
experiência, dando-se Castro. (Fig.9)
conta do que ela continha
de original e suscetível de
desdobramento autônomo Até aqui, destaquei alguns
com respeito às idéias e aspectos que permitem
obras importadas. Essa configurar a teoria do não-
tomada de posição está
expressa no Manifesto objeto como uma teoria de
neoconcreto, que dá arte hermenêutica.
início ao movimento. Destaquei ainda que Hélio
Novos conceitos acerca Oiticica concorda com
da obra de arte, de sua
significação, de sua Ferreira Gullar sobre a
natureza, foram propostos importância das
por nós na tentativa de experiências de Lygia Clark
apreender o caráter nesta teorização. Por isso,
específico da arte
neoconcreta: era a Teoria não aprofundei o contexto
do Não-Objeto. (GULLAR, “concreto-neoncocreto”,
1985, p. 10)
enfoque valorizado por
Ronaldo Brito (1985), que,
A teoria neoconcreta foi de certo modo, representa
publicada dois dias antes a visão geral dos estudos
(Morais, 1995), em que obscurescem,
19.03.1959, do seu curiosamente, este corpus.
manifesto no Suplemento
Dominical do Jornal do
Brasil - SDJB (21.03.1959),

7
III. Olhares cruzados Essa perspectiva “seqüencial”
destaca o contexto do
Ronaldo Brito escreveu um concretismo brasileiro como
importante texto sobre o tema causa da “ruptura” dos artistas
“concretismo-neoconcretismo”. neoconcretos. Sem refutar
Entretanto, em agora essa tese, limito-me a
“Neoconcretismo: vértice e questionar o status da teoria
ruptura do projeto construtivo do não-objeto nesse trabalho,
brasileiro” (Brito, 1985), não há pois somente no trecho:
menção sobre a teoria do não-
objeto, i. é, o “caráter Com Merleau-Ponty, para
Gullar o principal teóricos
específico” e a “base teórica”
de suas manobras anti-
do neoconcretismo, segundo concretas, vinhas não
afirmam, respectivamente, apenas a fenomenologia,
Ferreira Gullar e Frederico mas até um certo
Morais. A tese proposta por existencialismo. (BRITO,
Ronaldo Brito é que “o 1985, p. 50)
Neoconcretismo foi o último
movimento de tendência Ronaldo Brito descreve o
construtiva no país, “teórico” Ferreira Gullar a partir
encerrando um ciclo” (1985, p. de suas “manobras”, sem
49), sendo ainda uma investigar adiante, o corpus
“manobrado” pelo teórico:
...seqüência do movimento objetivo do meu estudo. Por
concreto, e mais isso, nos tópicos seguintes:
amplamente como (IV) “Morte da Pintura”, (V)
seqüência da penetração “Obra e Objeto” e (VI)
das estéticas “Formulação Primeira”, abro
construtivas... Grosso uma perspectiva de estudo
modo, o Concretismo seria que visa destacar estes eixos
a fase dogmática, o teorizados por Gullar ao longo
Neoconcretismo a fase de do referido ensaio de 1959.
ruptura, o Concretismo a
fase de implantação, o De fato, o nome “neoconcreto”
Neoconcretismo os deriva de “concreto”, porém,
choques da adaptação como afirma Gullar (2007, p.
local. (BRITO, 1985, p. 49) 90), o não-objeto ou o conceito

8
da obra de arte neoconcreta Voltando ao relato de Ferreira
surge da sua leitura sobre as Gullar, em “Experiência
transformações pictórico- Neoconcreta” (2007), o não-
espaciais do processo de objeto representou o resultado
Lygia Clark, sobretudo, dos de sua
seus gestos de “desintegração
do quadro convencional” ...análise sobre a arte
(como concordou Oiticica). moderna, notadamente, do
Nas primeiras linhas de processo que ela
“Etapas...” (1985, p. 10), o experimenta a partir do
teórico apresenta que “o surgimento da pintura não-
movimento neoconcreto não figurativa, ou seja, quando
deve ser visto como uma se exclui da pintura a
dissidência do concretismo”, imagem dos objetos
mas como uma “atitude de (GULLAR, 2007, p. 45).
autonomia estética”, cuja
matriz está ligada aos gestos Nesse relato posterior, o
desta artista. teórico refere-se em geral, ao
conteúdo do primeiro eixo de
Por contraste, o pensamento sua teoria: tema do próximo
de Ronaldo Brito reforça o item (IV).
nosso estudo, cuja perspectiva
concorda com a afirmação de A perspectiva por mim adotada
Santaella (1995, p. 17) sobre a
opõe-se, parcialmente, da
“tendência de confudir arte
com história da arte”. Em usada por Ronaldo Brito
“Panorama das Artes Plásticas (1985), pois sua perspectiva
Século XIX e XX” (1991), e, oculta o corpus do texto de
“Cronologia das Artes Gullar. Isto não retira o seu
Plásticas no Rio de Janeiro” valor: realizar uma importante
(1995), Frederico Morais análise do tema “concreto-
configura uma exceção, pois, neoconcreto”. A seguir, avanço
embora não vise um estudo noutra direção: observo os
sobre o conceito do não- termos do eixo 1, “Morte da
objeto, contempla-o, Pintura”, cujo propósito é o de
divulgando alguns fatos enunciar a tradição artística
importantes, como já foi dito,
que Gullar critica para
na publicação de “Teoria do
Não-Objeto” dias antes de contextualizar a inovação da
“Manifesto Neoconcreto”. sua teoria hermenêutica.

9
IV. Eixo 1: “Morte da os objetos representados:
pintura” a tela e a moldura seriam
objetos à contemplação,
Ferreira Gullar propõe no e, portanto, funcionais e
primeiro eixo da sua restritivos ao olhar.
teoria, uma breve história
da ruína ou da “morte” da A obra tradicional ou o
representação de objetos objeto de arte figurativa é Figura 10. Claude Monet

(2007, p. 90-91), considerada por ele, Water-Lilies, 1897-9.

anunciada desde o ...um objeto que fixa


impressionismo de Monet pela cor a
(Fig.10). Nessa visão, sua representação de outros
pintura visaria "apreender objetos do mundo,
o objeto imerso na representando "objetos
luminosidade natural". que perdem a
Assim, ela marcaria a significação aos olhos",
passagem dos gestos de quando dispostos no
interior de um recorte de
objetivação (fundados na
realidade delimitado
teoria albertiana) aos de pela moldura. (GULLAR,
impressão pictórica dos 2007, 91)
objetos da realidade: o
início da “morte” do objeto O eixo discorre sobre o
no espaço de problema do significado
representação. E ainda imposto pela tela, dado
um processo que assinala que ela daria sentido à
ao teórico uma restrição corporal e
consciência crítica, perceptiva imposta pela
corporal e perceptiva da representação: restrição à
arte. percepção humana, onde
a pintura canônica
Os objetos que restringieria-se, assim, a
interessam Gullar não são uma mera tela de visão.

10
Estes elementos (tela e no sentido restritivo da Jasper Johns
Figura 11.
Tela, 1955.
moldura) permanecem moldura, e, de outro,
temas do debate Tassinari, e com a tese
contemporâneo, como de uma segunda fase da
demonstra Alberto arte moderna, cujo marco
Tassinari, em “O espaço seria a moldura
moderno” (2001). Sua resignificada por Johns
tese defende uma (em obra do mesmo
perspectiva da “arte período de Clark). Em
contemporânea” como ambos, a moldura é
uma “segunda fase” da chave.
arte moderna, da qual
“Tela” (Fig.11), de Jasper Alberto Tassinari (2001)
Johns marcaria o seu ainda discute sobre a
início (p. 91). importância do cubismo
nos movimentos
Percebe-se que, modernos: Figura 12. Georges Braque
distintamente, Jasper Telhados em Céret, 1911.
Johns e Lygia Clark A formação da arte
moderna por volta de
“incorporaram” a moldura 1870, está ligada à
ao interior dos espaços oposição do
de criação, resignificando naturalismo de matriz
assim, sua função renascentista... O
anterior, tradicionalmente, cubismo de 1911
ligada aos limites do (Fig.12) é o momento
mais importante da arte
espaço artístico e real. moderna. Nenhum
Essa aproximação, que outro movimento se
não é feita por Tassinari, espalhou tão
justifica a aproximação rapidamente quanto o
de distintas teorias: de cubismo. Mais ainda os
movimentos passam a
um lado, a de Gullar com se conceber como
o problema vanguardas. A sua
“hermenêutico- importância reside na
vanguardista”, baseado sua concepção de

11
espaço em abertura. história cujo processo
Há nela uma fusão das demonstra, ao teórico,
coisas com o espaço.
(TASSINARI, 2001, p.17- tentativas e fracassos de
34) suas próprias questões
(tão variadas que
Essa visão, que assinala rumariam a outro
o espaço cubista como estudo) guiadas pelos
démarche do início da movimentos
arte moderna, difere por abstracionistas
óbvio, da que teoriza europeus: a destruição
Ferreira Gullar sobre a dos objetos da pintura,
démarche neoconcreta: sobretudo, pelo gesto da
o espaço impressionista representação, sendo a
é indício da “morte da tela e a moldura os
pintura”. Contudo, os elementos-chave,
primeiros "gestos de totalmente, refutados ao Piet Mondrian
Figura 13.
eliminação do objeto" longo do próximo e Broadway Boogie Woogie,
(2007, p. 91-92) seriam 1942-43.
segundo eixo, “Obra e
vistos por Gullar Objeto”.
somente nas obras de
Mondrian e de
Malevitch. E sobre
Modrian, em “Broadway”
(Fig.13), ele observa
...o sentido mais
revolucionário do
cubismo, dando-lhe
continuidade através
de uma atitude radical
(em ”Broadway”).
(GULLAR, 2007, p. 91)

O eixo de Gullar propõe


uma perspectiva
esquemática de uma

12
V. Eixo 2: “Obra e envolvimento de todos
Objeto” os sentidos da
Figura 14. Kurt Schwitters
percepção humana, e Merzbau, 1933.
O problema da moldura não, somente, o da
como elemento que dá visão. Nas suas
sentido à obra palavras:
tradicional é visto por Quando a pintura
Gullar, no segundo eixo, abandona
como “metafórica do radicalmente a
mundo do pintor representação - como
tradicional” (p. 91-92), e no caso de Mondrian,
por isso, deve ser Malevitch e seus
seguidores - a moldura
refutado pela arte perde o sentido. Não
neoconcreta. se trata mais de
erguer um espaço
Ele argumenta que os metafórico num
gestos da arte cantinho bem
contemporânea (a sua protegido do mundo, e
sim de realizar a obra
arte neoconcreta) devem
no espaço real mesmo
passar da representação e de emprestar a esse
de objetos do mundo espaço, pela aparição
aos de apresentação/ da obra - objeto
experimentação, de especial -, uma
modo a ampliar as significação e uma
possibilidades sensoriais transcendência.
(GULLAR, 1959, p. 92)
do público. Esse é,
talvez, o traço mais Gullar destaca nas
crítico que a teoria do atitudes de Kurt
não-objeto investe Schwitters, em
contra a estética “Merzbau” (Fig.14), essa
convencional da ousadia, que se forma
contemplação, pois pela ação direta do
considera o corpo sobre os objetos,

13
gestos que envolveriam foi então que concebi a
todos os sentidos e, ao nova arte, a que
mesmo tempo, configura chamo suprematismo... Figura 15. Vladimir Tatlin
o quadrado dos Relevo suspenso no canto,
uma poética crítica aos 1914-1915.
valores e gestos suprematistas... pode
tradicionais ser comparado aos
símbolos dos homens
(contemplativos) da
primitivos. Sua
pintura e escultura. intenção não é a de
produzir ornamentos
Além de Schwitters, mas de expressar
outros exemplos são sensações de ritmo.
trazidos à luz do Para o suprematista,
neoconcretismo, como os fenômenos visuais
do mundo objetivo são
os “contra-relevos” de
desprovidos de sentido
Tatlin (Fig.15) e em si mesmo; o que é
Rodchenko e as significativo é a
arquiteturas de Malevitch sensação, como tal, Figura 16. Kasimir Malevitch
(Fig.16), pois, além de bastante destacada do Architectona,1924-1926.
atuarem diretamente no meio ambiente... O
espaço, são, para o suprematista não
observa e não toca,
teórico (2007, p. 92), ele sente. (MALEVITCH,
“uma evolução coerente 1959, p.67-84)
do espaço real, das
formas representadas Percebe-se nesse relato
para as formas criadas". uma estética da
sensação, ou seja, uma
Aparentemente, pode estética que não envolve
parecer estranho ao nem observação, nem
leitor do não-objeto não toque. Se na estética da
encontrar uma defesa às teoria do não-objeto,
premissas suprematistas como foi dito, investe-se
relatadas por Malevitch: numa “tomada de
consciência”
Eu sentia apenas a percepctiva, envolvendo
noite dentro de mim, e todos sentidos, justifica-

14
Figura 17.Vladimir Tatlin
se nela uma crítica sobre mantivessem no espaço", Monumento para a III
os limites da percepção como afirma o teórico, Internacional, 1924-1926.
suprematista. Para Gullar, servindo de exemplo para
a estética geral não- estabelecer uma analogia
figurativa ou crítica aos elementos
abstracionista, embora refutados no segundo
importante, não “passou eixo: a moldura da pintura
adiante” pelas suas tradicional. Nesse
questões, conforme foi sentido, ele observa e
dito, seus gestos não exemplifica que
interviram diretamente
nos objetos do mundo ao há mais afinidade entre
estilo de Schwitters. as obras dos pintores e
dos escultores
Desse modo, a sensação construtivistas do que
com as de Millol, de
na teoria suprematista é Rodin ou Fídias, e o
refutada pela teoria mesmo poderia ser dito
neoconcreta, cuja sobre um quadro de Lygia
recepção da obra de arte e uma escultura de
deve ser um meio de Amílcar de Castro
ação direta: a experiência (Fig.18). (GULLAR, 2007, p. Figura 18.Amilcar de Castro
93) Escultura em ferro, 1959-60.
neoconcreta, para Gullar,
tem latente o estado de O autor sugere uma
ser não-objeto, mediante "convergência da pintura
participação de todos os e da escultura a um ponto
sentidos por parte do comum, afastando-se
público-participante. cada vez mais das suas
origens” (da sua matriz
A escultura construtivista albertiana), deixando de
(Fig.17), que lado a tradição da
refuncionaliza a representação e as
tradicional base da categorias "pintura” e
escultura, extrai do seu "escultura". O conceito
volume a estrutura para não-objeto é visto como
um novo conceito que
"realizar obras que se serve a uma nova

15
categoria: assinalar um tipo representação de objetos
de arte que não reconhecíveis. O que em
corresponde ou não se princípio abandonou foi a
enquadra nestas categorias representação da espécie
de espaço que os objetos
canônicas. reconhecíveis e
tridimencionais podem
A teoria neoconcreta ocupar. O Abstracionismo,
defende então uma nova ou não-Figurativismo,
categoria caracterizada ainda não se afirmou
como um momento
tanto pelo gesto não- inteiramente necessário
figurativo quanto pela na autocrítica da arte
recepção experimentada pictórica, mesmo que
pelo seu público, tornando- artistas eminentes como
se assim, participante. No Kandinsky e Mondrian
assim tenham pensado. A
entanto, não há na teoria, representação não
promoção ou enfraquece a univocidade
sistematização da da arte pictórica; o que o
linguagem da pintura, faz são as associações
como, por exemplo, na das coisas representadas.
Todas as entidades
teoria de Clement reconhecíveis existem
Greenberg, sobretudo, em (incluindo as próprias
“A Pintura Moderna” (1965), pinturas) existem em
na qual ele defende os espaço tridimensional, e a
elementos especiais da simples sugestão de uma
entidade reconhecível é
categoria pictórica: a suficiente para evocar
planaridade e o associações daquela
antiilusionismo. Cabe espécie de espaço... O
destacar um trecho do espaço pictórico da
ensaio de Greenberg que bidimensionalidade da
pintura como arte é a
defende o espaço da garantia da sua
sugestão de objetos na independência.
representação das pinturas: (GREENBERG, 1976, p. 97)

Não é por princípio que a Greenberg e Gullar


pintura moderna, em sua
última fase, abandonou a
assinalam, distintamente,

16
Mondrian e Malevitch, o especialidade dos objetos
primeiro, em razão da de arte que visariam,
defesa do espaço segundo Gullar, “diluir” os Figura 19. Kenneth Noland
bidimensional de limites da tradicional Turnsole,1961.
representação como representação pictórica e
escultórica.
“garantia da sua
independência” (sem
A conclusão do teórico
desconsiderar, contudo, a
brasileiro neste segundo
importância do
eixo indica uma “diluição”
abstracionismo, mas
clara das categorias
dizendo que este não teria
canônicas:
se “afirmado”,
suficientemente, como ...a pintura (Clark) e a
autocrítica da arte escultura (Castro) atuais
pictórica”), já o segundo (1959) convergem para
(Gullar), assinala-os como um ponto comum...
artistas que se limitaram Tornam-se objetos
especiais, não-objetos...
ao espaço interno da (GULLAR, 2007, p. 93).
moldura, restingindo-se
aos sentidos da visão. Nessa perpectiva, a
moldura da pintura e a
A crítica greengergiana, base da escultura são
que influenciou a escola análogas e refutadas,
pictórica de Nova York porque significam,
(1945-1962) criou, “comodismos” das artes
consigo, novos conceitos tradicionais, albertianas.
para fortalecer a categoria Estas seriam, de acordo
“pintura”, tais como: action com ele, limitadas ao
painting (Pollock), campos olhar, promovendo um
de cor (Newman, Rotkho tipo de recepção passiva
e Kelly) e abstração pós- e contemplativa do objeto
pictórica (Nolland (Fig.19),
da arte: problema que
Olitsky e Louis). E o
estimulará a conclusão da
conceito do não-objeto
caracteriza-se pela teoria do não-objeto,

17
VI. Eixo 3: “Formulação Mondrian e Malevitch, mas
Primeira” que não “responderam” (p.
94) a sua própria estética.
No último eixo, Gullar Pois seus gestos, em geral,
apresenta uma crença no não trocaram a tela
papel subversivo da arte, (pintura) e a base
cuja negação dos gestos (escultura) pela experiência
que mantém a moldura e a na realidade, e, por isso,
base, permitiriam um “Merzbau”, de Kurt
rompimento dos próprios Schwitters é exemplar.
limites da “cultura
convencional” da arte, para O conceito do não-objeto
ele, contemplativa e não é uma atribuição
distante da realidade física negativa, segundo o autor
do mundo. Estas apresenta, mas sim, o
convenções estariam significado de um tipo de
ligadas tanto ao processo objeto cuja experimentção
do artista quanto à seria “real”.
recepção “assistida” do
público. Segundo o teórico, Para o autor,

...não se percebia que a Pode-se dizer que toda


própria obra de matriz obra de arte tende a ser
não-figurativa colocava um não-objeto e que esse
problemas novos e que nome só se aplica, com
ela procurava escapar, precisão, àquelas obras
para sobreviver, ao que se realizam fora dos
círculo da estética limites convencionais da
tradicional. (GULLAR, 2007, arte, que trazem essa
p. 94) necessidade de deslimite
como a intenção
fundamental de seu
A matriz não-figurativa,
aparecimento. (GULLAR,
representada no primeiro 2007, p. 94)
eixo da teoria, é, sobretudo,
destacada pelas obras de Essa visão reforça uma

18
aproximação téorica a partir lápis, a pêra, o sapato,
do modelo “hermenêutico” etc. Nessa condição, o
proposto por Cauquelin objeto se esgota na
referência de uso e de
(2005), visto que o conceito sentido. Por contradição,
do não-objeto representaria podemos estabelecer
o significado da experiência uma primeira definição do
neoconcreta: a não-objeto: o não-objeto
particularidade ou a razão não se esgota nas
de sê-la, em outras referências de uso e
sentido porque não se
palavras, aplicaria-se “com insere na condição do útil
precisão, àquelas obras que e da designação verbal.
se realizam fora dos limites (GULLAR, 2007, p. 94)
convencionais da arte”
(2007, p. 94). Voltando ao terceiro e
breve eixo de “Teoria do
O que está nas entre-linhas Não-Objeto”, Ferreira Gullar
desta teoria é antes, uma defende o ineditismo de
atitude subversiva frente ao sua crítica, afirmando que
processo e à recepção da “o problema da moldura e
arte legitimada pela tradição da base, na pintura e na
moderna. Isto porque, escultura, respectivamente,
Gullar confunde, nunca tinha sido
propositalmente, noutro examinado...” (2007, p. 93).
texto, “Diálogo sobre o não- Creio que uma avaliação
objeto” (1959), uma dessa afirmação requer
definição de arte uma retrospectiva além
convencional como objeto deste trabalho, pois
comum. Melhor nas suas percorriria o modo pelo qual
palavras: o problema da moldura e
da base teriam sido vistos
(Objeto comum) É a coisa pela crítica nacional e
material tal como se dá a internacional.
nós, naturalmente, ligada
às designações e usos
cotidianos: a borracha, o Finalmente, Gullar

19
apresenta no eixo
conclusivo, “Formulação
Primeira”, uma “reafirmação
da arte como formulação
primeira do mundo” (2007,
p. 95): pensamento que
concorda, de certo modo,
com a utopia do espaço
desértico vislumbrado pelo
Kasimir Malevitch
Figura 20.
suprematismo de Malevitch Black Square,1913.
(Fig.20).

20
VII. Estudo aberto brasileiros de peso, como
Ferreira Gullar, Lygia Clark,
Como foi visto, “pintura” e Hélio Oiticica e outros não
“escultura” são categorias enfocados. Práticas que se
que não fazem sentido aos mantém visíveis em parte,
propósitos hermenêuticos nas diversas experiências
da teoria neoconcreta. O contemporâneas que em
conceito do não-objeto geral expõem o corpo em
serve como nova categoria situações de uma
da arte que visa “diluir” “realidade” física e social.
esses limites “canonizados”
pela tradição de Alberti. Os limites desse trabalho
implicaram numa grande
Desse modo, justifica-se o dificuldade de dominação
caráter subversivo dessa dos aspectos trazidos pelo
teoria de arte brasileira que ensaio de Ferreira Gullar.
refuta a representação, a Então, destaquei aqueles
tela, a moldura e a base em julgados importantes ao
prol de uma recepção entendimento da estrutura e
estética baseada na do conteúdo geral do
experiência do corpo: tema corpus teórico neoconcreto.
grosso modo, constante no Isto significou rumar noutra
escopo das discussões da perspectiva de estudo, ou
arte contemporânea. seja, não investir numa
reflexão do tema
Inserido num complexo (visadíssimo) historiográfico
lugar de artista e estudante acerca do concreto-
de história, teoria e crítica, neoconcreto.
propus um trabalho não
menos complexo, pois visa Durante o levantamento
uma teoria curiosamente, bibliográfico, percebi que as
pouco estudada, embora perspectivas de caráter
tenha sido praticada por historiográfico tendem a
artistas e intelectuais encobrir, de modo geral,

21
fatos e conteúdos dessa objeto”, conceito criado pelo
teoria brasileira com a teórico que se confundiu
exceção de dois textos de em outras figuras (poeta,
Frederico Morais já citados. intelectual, revolucionário,
reacionário etc.). Contudo,
O ensaio escrito por Gullar o legado teórico e artístico
em 1959 é curto e rico, que figura a obra de José
porque dialoga com a Ribamar Ferreira
crítica de arte, a filosofia exemplifica a relevância
existencial e que a teoria dos artistas
fenomenológica, ao mesmo pode ter sobre o complexo
tempo, que difunde uma campo da cultura, ao
teoria de arte brasileira. mesmo tempo, que dá
Figura 21. Jorge Soledar
Relações importantes que matéria ao fazer reflexivo Estudo Aberto na Usina do
denotam a relevância de da crítica contra a alienação Gasômetro, 2008.
prosseguir no tema da da conformidade do
teoria de arte no país. pensamento.

Finalmente, os argumentos
teorizados por Ferreira
Gullar são pessoais e
fragmentados, próximos de
uma liberdade percebida
nos ensaios de Montaigne.

O texto que dá título à


teoria neoconcreta articula-
se a partir de três eixos que
discutem definições de
objetos entre os tipos
comuns e contemplativos,
especiais e experimentais.
Aos últimos, experimentais,
caberia a categoria “não-

22
VIII. Bibliografia realidade. Porto Alegre, v. 29, n. 1,
p. 27-43, 2004.
BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e MORAIS, Frederico. Cronologia das
ruptura do projeto construtivo brasileiro. artes plásticas no Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985. 1816-1994. Rio de Janeiro: Top-books,
1995.
CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São _________. A vocação construtiva da
Paulo: Martins, 2005. arte latino-americana. In:
Continente Sul Sur. Revista do
CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Instituto Estadual do Livro, nº6,
Moderna. 2ªed. São Paulo: Martins 1997.
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COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna nova objetividade. In: Continente
Bella (org.). Abstracionismo geométrico e Sul Sur. Revista do Instituto
informal: a vanguarda brasileira nos anos Estadual do Livro, nº6, 1997.
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1987. PINTO, Regina Célia. O Movimento
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COTRIM, Cecília & FERREIRA, Glória PINTO, Regina Célia. Quatro
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Rio de Janeiro: Zahar, 2006. mulheres importantes, arte e
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GREENBERG, Clement. A Pintura Moderna. 415p.
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Arte. São Paulo: Perspectiva, 1975. SANTAELLA, Lucia. (Arte) & (Cultura):
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GULLAR, Ferreira. Etapas da arte Cortez, 1995.
contemporânea: do cubismo à arte
neoconcreta. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, TASSINARI, Alberto. O Espaço
1998. Moderno. São Paulo: Cosac &
________. Manifesto Neoconcreto. In: Naify Edições, 2001.
Experiência Neoconcreta: momento-
VILLA, Dirceu. O ensaísmo, grosso
limite da arte. São Paulo: Cosac Naify,
modo. In: BAUDELAIRE, Charles.
2007.
Escritos sobre arte. São Paulo:
________. Ferreira. Teoria do Não-Objeto.
Hedra, 2008.
In: Experiência Neoconcreta: momento-
limite da arte. São Paulo: Cosac Naify, ZIELINSKY, Mônica. La critique d´art
2007. contemporaine au Bresil: parcours,
enjeux et perspectives. Paris:
LARROSA, Jorge. A operação ensaio: sobre
o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, Universite de Paris 1, 2003. 360 f.
na escrita e na vida. Educação & Tese (doutorado).

23
1959, escreve o "Manifesto 6. Fonte: http://portalliteral.
Anexo A. Resumo terra.com.br/ferreira_gullar
Neoconcreto", que, publicado no (acesso em 30.09.2008)
Biográfico6: Ferreira Gullar mesmo Jornal, foi também
assinado por, entre outros, Lígia
José Ribamar Ferreira, mais Pape, Franz Waissman, Lygia
conhecido por Ferreira Gullar, Clark, Amilcar de Castro e
nasceu no dia 10 de setembro Reynaldo Jardim. Ali também foi
de 1930, em São Luiz. Muda-se publicado "Teoria do não-
para o Rio de Janeiro, em 1951, objeto”. Figura 22: Ferreira Gullar
trabalhando na redação da Foto: NortesteWeb.com
"Revista do Instituto de Criou o "livro-poema",
Aposentadoria e Pensão do construído na casa do pai do
Comércio". Torna-se amigo do artista plástico Hélio Oiticica.
crítico de arte Mário Pedrosa. Em 1969, lança o ensaio
Em 1954, lança "A luta "Vanguarda e
corporal", que estimula o subdesenvolvimento". 1970
envolvimento com Augusto e marca sua entrada na
Haroldo de Campos e Décio clandestinidade. Passa a
Pignatari. Engaja-se no projeto dedicar-se à pintura. Somente
"Suplemento Dominical do em 10 de março de 1977
Jornal do Brasil".
desembarca no Rio. No dia
seguinte, é preso pelo
A convite deste trio, participa da
I Exposição Nacional de Arte Departamento de Polícia
Concreta, no Museu de Arte Política e Social, órgão sucessor
Moderna de São Paulo, em do famoso "DOPS”. Retorna,
1956. Gullar discorda da aos poucos, às atividades de
publicação do artigo "Da crítico, poeta e jornalista. Lança,
psicologia da composição à em 1993, "Argumentação contra
matemática da composição", a morte da arte", que provoca
escrito pelo grupo concretista de polêmica entre artistas plásticos.
São Paulo. Redige resposta Em 2002, é indicado ao Prêmio
intitulada "Poesia concreta: Nobel de Literatura por nove
experiência fenomenológica". professores titulares de
Os dois textos são publicados
universidades de Brasil,
lado a lado na mesma edição do
"Suplemento Dominical". Com Portugal e Estados Unidos.
seu artigo, Gullar marca sua Atualmente, é colunista da
ruptura com o movimento. Em Folha de São Paulo.

24
Anexo B. Cópia do ensaio em “Experiência Neoconcreta”, 2007.

25
26
27
28
29
Anexo C. Publicações de O menino e o arco-íris, 2001
Ferreira Gullar Memórias
Rabo de foguete - Os anos de
Poesias exílio, 1998
Um pouco acima do chão, 1949 Biografia:
A luta corporal, 1954 Nise da Silveira: uma psiquiatra
Poemas, 1958 rebelde, 1996
João Boa-Morte, cabra marcado para
morrer (cordel), 1962
Quem matou Aparecida? (cordel), Ensaios
1962 Teoria do não-objeto, 1959
A luta corporal e novos poemas, 1966 Cultura posta em questão, 1965
História de um valente, (cordel, na Vanguarda e subdesenvolvimento,
clandestinidade, como João 1969
Salgueiro), 1966 Augusto do Anjos ou Vida e morte
Por você por mim, 1968 nordestina, 1977
Dentro da noite veloz, 1975 Tentativa de compreensão: arte
Poema sujo, 1976 concreta, arte neoconcreta - Uma
Na vertigem do dia, 1980 contribuição brasileira, 1977
Crime na flora ou Ordem e progresso, Uma luz no chão, 1978
1986 Sobre arte, 1983
Barulhos, 1987 Etapas da arte contemporânea:
O formigueiro, 1991 do cubismo à arte neoconcreta,
Muitas vozes, 1999 1985
Indagações de hoje, 1989
Antologias Argumentação contra a morte da
Antologia poética, 1977 arte, 1993
Ferreira Gullar - seleção de Beth Brait, "O Grupo Frente e a reação
1981 neoconcreta", 1998
Os melhores poemas de Ferreira Cultura posta em
Gullar - seleção de Alfredo Bosi, 1983 questão/Vanguarda e
Poemas escolhidos, 1989 subdesenvolvimento, 2002
Rembrandt, 2002
Contos Relâmpagos, 2003
Gamação, 1996
Cidades inventadas, 1997 Literatura infanto-juvenil
Fábulas, La Fontaine, 1997
Crônicas Um gato chamado Gatinho, 2000
A estranha vida banal, 1989 O rei que mora no mar, 2001

30

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