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Agrupamento de Escolas de Ribeira de Pena

FICHA DE AVALIAÇÃO FORMATIVA- OS MAIAS DE EÇA DE QUEIRÓS

1 Mas nessa noite teve o regozijo de encontrar aliados. Craft não admitia também o naturalismo, a
realidade feia das coisas e da sociedade estatelada nua num livro. A arte era uma idealização! Bem:
então que mostrasse os tipos superiores duma humanidade aperfeiçoada, as formas mais belas do
viver e do sentir... Ega horrorizado apertava as mãos na cabeça - quando do outro lado Carlos
5 declarou que o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos, a sua pretensiosa
estética deduzida duma filosofia alheia, e a invocação de Claude Bernard, do experimentalismo, do
positivismo, de Stuart Mil e de Darwin, a propósito duma lavadeira que dorme com um carpinteiro!
Assim atacado, entre dois fogos, Ega trovejou: justamente o fraco do realismo estava em ser
ainda pouco científico, inventar enredos, criar dramas, abandonar-se à fantasia literária! a forma pura
10 da arte naturalista devia ser a monografia, o estudo seco dum tipo, dum vício, duma paixão, tal qual
como se se tratasse dum caso patológico, sem pitoresco e sem estilo!...
- Isso é absurdo, dizia Carlos, os caracteres só se podem manifestar pela acção...
- E a obra de arte, acrescentou Craft, vive apenas pela forma...
Alencar interrompeu-os, exclamando que não eram necessárias tantas filosofias.
15 - Vocês estão gastando cera com ruins defuntos, filhos. O realismo critica-se deste modo: mão no
nariz! Eu quando vejo um desses livros, enfrasco-me logo em água-de-colónia. Não discutamos o
excremento.
- Sole normande? perguntou-lhe o criado, adiantando a travessa.
Ega ía fulminá-lo. Mas, vendo que o Cohen dava um sorriso enfastiado e superior a estas
20 controvérsias de literaturas, calou-se; ocupou-se só dele, quis saber que tal ele achava aquele St.
Emilion; e, quando o viu confortavelmente servido de sole normande, lançou com grande alarde de
interesse esta pergunta:
- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão do empréstimo era grave.
25 Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...
O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o
empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os emprestamos em Portugal constituíam hoje uma
das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação
mesmo dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de
30 continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e
lindamente para a bancarrota.
- Num galopezinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso,
ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da fazenda!... A bancarrota é
35 inevitável: é como quem faz uma soma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem! E todos escutavam o Cohen. Ega,
depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as
palavras.
- A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela - continuava o Cohen - que seria
40 mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o país...
Ega gritou sofregamente pela receita. Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionária
constante; nas vésperas de se lançarem os empréstimos haver duzentos maganões decididos que
caíssem à pancada na municipal e quebrassem os candeeiros com vivas à República; telegrafar isto
em letras bem gordas para os jornais de Paris, Londres e do Rio de Janeiro; assustar os mercados,
45 assustar o brasileiro, e a bancarrota estalava. Somente, como ele disse, isto não convinha a ninguém.
(Cap. VI)

1. Identifica o episódio a que pertence este excerto, inserindo-o numa das intrigas de Os Maias.
1.1. Comenta a sua importância para o desenvolvimento da narrativa.
2. Diferentes visões da corrente literária “Naturalismo” são expostas neste excerto.
2.1. Enuncia as principais diferenças das perspetivas apresentadas.
3. “Ega ia fulminá-lo.” (l. 19).
3.1. Indica o alvo da fúria de Ega e os motivos que a justificam.
3.2. Explicita os motivos que o levam a desistir das suas intenções.
4. Expõe sucintamente a situação financeira do país.
5. Comenta as diferentes posturas- de Carlos e de Cohen- em relação à situação económica de
Portugal.
6. “Olha que brincadeira, hem!” (l. 36).
6.1. Avança uma interpretação para esta exclamação de Ega.
7. Indica três marcas do estilo queirosiano, ilustrando-as com segmentos textuais.
8. Na frase “…estatelada nua num livro” (l. 2) o termo sublinhado pode ser substituído por…
a) discreta.
b) disfarçada.
c) exposta.
d) aliviada.
9. Na frase “…Cohen dava um sorriso enfastiado…” (l. 19), o significado do termo sublinhado opõe-se
a…
a) exagerado.
b) aborrecido.
c) deselegante.
d) satisfeito.

BOM TRABALHO!!!!
A PROFESSORA: Lucinda Cunha

PROPOSTA DE CORREÇÃO( ficha e respostas retiradas do manual “Outros Percursos 11º ano” da Asa,
cad. de atividades- adap. nas questões 7 e 9):
1. O excerto faz parte do episódio do jantar no Hotel Central que é um pretexto para homenagear
Cohen e apresentar Carlos à sociedade lisboeta. É também apresentada uma perspetiva crítica de
alguns problemas e Carlos da Maia vê Eduarda pela primeira vez.
1.1. Carlos interessa-se pela “deusa” que viu no hall do Hotel, de quem é irmão, com quem virá a ter um
romance, o que porá a nu a temática do incesto.
2.1. Para Craft, a arte deveria ser uma idealização, o que não se verificava no Naturalismo, já que esta
corrente literária “estatelava” num livro “a realidade feia da sociedade”. A Carlos o que mais lhe
desagradava eram “os grandes ares científicos” do realismo, bem como as suas bases filosóficas. Para
Alencar, o realismo fedia. Ega, o grande defensor desta corrente literária, argumentava sozinho que o
realismo era ainda pouco científico, uma vez que ainda cedia à estética. Segundo ele, “a forma pura da
arte naturalista devia ser a monografia, o estudo seco dum tipo, dum vício, duma paixão, tal qual como
se se tratasse dum caso patológico, sem pitoresco e sem estilo!”
3.1. O alvo da fúria de Ega era o criado, pois vinha interromper a discussão, trazendo uma nova
travessa de “sole normande”.
3.2. Ega pretendia também homenagear Cohen e como lhe pareceu que este estava um pouco entediado
com a discussão literária, achou preferível dar-lhe um pouco de atenção.
4. O país caminhava para a bancarrota. Em Portugal vivia-se de empréstimo e da cobrança de impostos.
5. As posturas são opostas: enquanto Cohen pensa que é inevitável- e natural- a bancarrota, Carlos acha
que pedir empréstimos é uma atitude inconsciente.
6.1. Esta exclamação de Ega pretenderá mostrar a sua indignação perante a atual situação económica do
país e a total falta de empenho dos homens das finanças para a mudar.
7. Marcas do estilo queirosiano (entre outras):
-adjetivação (“Os emprestamos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão
indispensável, tão sabida como o imposto.” –ll.27-28)- este exemplo serve, também, para ilustrar as
repetições, tão próprias do estilo de Eça;
-utilização expressiva do advérbio : “tinha de se realizar absolutamente” (l.27); “o país ia alegremente e
lindamente para a bancarrota.“ (ll. 31-32);
-estrangeirismos que marcam a época: “Sole normande” (l. 21);
- verbos expressivos: “Ega trovejou” (l. 8); “para lhe beber melhor as palavras.“ (ll. 37-38;
- discurso indireto livre como manifestação da focalização interna: “A arte era uma idealização! Bem:
então que mostrasse os tipos superiores duma humanidade aperfeiçoada, as formas mais belas do viver e
do sentir...” (ll. 2-4);
-a ironia/ o sarcasmo: “O realismo critica-se deste modo: mão no nariz! Eu quando vejo um desses
livros, enfrasco-me logo em água-de-colónia. Não discutamos o excremento.“ (l. 15-17);
- o uso do diminutivo: “Num galopezinho muito seguro e muito a direito” (l. 33)
8. c)
9. b)

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