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FACULDADE DE DANÇA ANGEL VIANNA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
PREPARAÇÃO CORPORAL NAS ARTES CÊNICAS

Análise de Espetáculos para a disciplina “Sensibilização Estética”, ministrada pela


profª. Ana Bevilaqua.

Caio Picarelli Figueiredo Edmundo

Rio de Janeiro
2018
1001 Platôs – Taanteatro Companhia (2018)

Ficha Técnica

Direção: Wolfgang Pannek


Direção coreográfica: Maura Baiocchi
Roteiro, cenografia e textos adaptados: Wolfgang Pannek, Maura Baiocchi
Performers: Maura Baiocchi, Isa Gouvea, Wolfgang Pannek, Mônica Cristina, Janina Arnaud,
Gustavo Braunstein, Oz Ferreira, Hiro Okita
Bailarino convidado: Jorge Armando Ndlozy (Mozambique)

Sinopse:

A relação com a Terra, a organização social e do poder, a noção do saber e a luta pela liberdade
são os temas de 1001 PLATÔS.

O disparador desse novo espetáculo da Taanteatro Companhia é Mil Platôs – Capitalismo e


Esquizofrenia 2, livro da autoria do filósofo Gilles Deleuze e do psicanalista Félix Guattari
publicado na Franca em 1980
Com a proposta de ser um espetáculo cênico que mescla a dança com o teatro, o espetáculo “1001
Platôs” acaba sendo uma grande performance. Com bailarinos-performers extremamente bem
capacitados, vê-se um acompanhamento e desenvolvimento corporal extremamente bem atinado.
Por exigir da voz junto ao corpo, é notado que há uma grande carga de tensão na musculatura dos
bailarinos, sendo esse, um mecanismo de acesso para estados de prontidão ao longo da peça.
Todos destacam-se de maneira uniforme e há um grande entrosamento entre os artistas.
Compartilhamento de transferências de peso e execuções de movimentos.

Vale notar que há uma entrega constante e linear no estado de presença dos artistas, ressaltando
a forte preparação corporal realizada pela coreógrafa, bailarina, atriz e diretora Maura Baiocchi,
que brilhantemente atende as próprias demandas corporais do que chama de “estados de tensão”.
O estudo da tensegridade muscular em combinação com o controle respiratório fazem do
espetáculo um grande ponto de intensidade. Não há leveza, apenas crueza e rudeza. Vê-se fortes
influências de aspectos do Teatro Físico de Etiénne Decroux e de Tadashi Suzuki, mas o que se
sobressai é o Teatro de Tensões de Maura Baiocchi, que se fundamenta essencialmente através
da tensegridade corporal e de movimentos extremamente sólidos. Impressiona a dinâmica entre
os bailarinos em relação à cenografia multimídia e com o intercâmbio artístico entre os bailarinos
brasileiros e o bailarino moçambicano Jorge Amando Ndlozy.

O espetáculo cênico “1001 Platôs” acaba surpreendendo pela forte demanda física dos bailarinos,
que necessitam estar em um grande estado de entrega onde o corpo exerce as demandas solicitadas
sem mostrar resquícios de cansaço, demonstrando um grande foco na preparação de corpos
plurais, com idades variadas.
Gritos – Cie Dos à Deux (2018)

Ficha Técnica

Concepção, dramaturgia, cenografia, coreografia e direção: Artur Luanda Ribeiro e André Curti

Interpretação: Artur Luanda Ribeiro e André Curti

Pesquisa e realização objetos/bonecos: Natacha Belova e Bruno Dante

Assistente de realização objetos/bonecos: Cleyton Diirr

Sinopse:

O espetáculo “Gritos”, da companhia franco-brasileira Dos à Deux, marca o retorno aos palcos
da dupla de diretores André Curti e Artur Luanda Ribeiro após 18 anos. A peça é formada por
três poemas gestuais metafóricos criados a partir de um tema: o amor. Os poemas – os três gritos
– são permeados pelas pessoas invisíveis na sociedade, o preconceito, o desprezo e os refugiados
da guerra, e são revelados por meio de uma partitura gestual sutil e minuciosa.
“Gritos” acaba sendo o tipo de espetáculo cênico que reforça a capacidade do artista de se
transmutar em mais forte fogo líquido, a grande alquimia corporal e espiritual que a arte consegue
transformar.

Bebendo fortemente das influencias artísticas do Théâtre du Soleil, Artur Luanda Ribeiro e André
Curti exploram fisicamente todas as potências do teatro físico da mímica corporal. A incorporação
com os elementos cênicos, a solidez da rítmica respiratória e neutralidade em seus rostos acabam
por deixar claro o intenso volume de trabalho corporal realizado por ambos. Através da integração
com a cenografia, os corpos se transformam em aspectos de devir. Percebe-se certa influência das
práticas de danças orientais (arriscaria dizer balinesa) pela transformação que ocorre junto dos
bonecos, o corpo se transforma em objeto e o conto, através da mudeza, explode em um som
interno. A potência dos corpos se revela dotada de consciência corporal e uma busca para romper
com os limites desse corpo.

Ao mesmo tempo em que os aspectos intensos da entrega física da mimica corporal se faz
presente, fica claro certos elementos dos Viewpoints de Mary Overlie e Anne Bogard na
composição com a arquitetura. Há uma presentificação intrínseca com o decorrer do espetáculo,
há a entrega máxima dos dois corpos em cena, e eles sabem disso. Nós sabemos disso. Através
da estória contada naqueles corpos, o tempo se ressignifica, e eles conseguem passar essa
presentificação para a plateia, que incorpora através de uma osmose gestual.
Tom na Fazenda – ABGV Produções Artísticas (2018)

Ficha Técnica

Texto: Michel Marc Bouchard


Tradução: Armando Babaioff
Direção: Rodrigo Portella
Elenco: Kelzy Ecard, Armando Babaioff, Camila Nhary, Gustavo Vaz
Cenografia: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurino: Bruno Perlatto
Concepção Sonora: Marcello H.
Preparação Corporal: Lu Brites

Sinopse:
O espetáculo é baseado no original Tom à la Ferme, do autor canadense Michel Marc Bouchard.
Na história, após a morte do seu companheiro, o publicitário Tom (Armando Babaioff) vai à
fazenda da família para o funeral. Ao chegar, ele descobre que a sogra (Kelzy Ecard) nunca tinha
ouvido falar dele e tampouco sabia que o filho era gay. Nesse ambiente rural austero, Tom é
envolvido numa trama de mentiras criada pelo truculento irmão (Gustavo Vaz) do falecido,
estabelecendo com aquela família relações de complicada dependência. A fazenda, aos poucos,
vira cenário de um jogo perigoso, onde quanto mais os personagens se aproximam, maior a
sombra de suas contradições.
Trabalhar em um texto denso pode ser um grande desafio para um preparador corporal ou
diretor de movimento justamente por possíveis relutâncias dos atores.

Com um elenco curto, Tom na Fazenda é uma obra-prima. É revelada uma grande preparação
corporal nos atores. Cada um exprime sensações completamente diferentes e conseguem se
manter completamente dentro de suas personagens. Os atores são essas personagens. Não é uma
mera interpretação, é um completo devir-entrega.

Lu Brites, que possui uma longa trajetória com Ioga, certamente fez um trabalho intenso com a
respiração nos atores. É visível como a respiração acabou sendo um mecanismo de
presentificação para as ações das personagens dentro dos diálogos.

Ressalto a entrega do ator Gustavo Vaz, que através de um gestual visceral, acaba transportando
as emoções de sua personagem para a plateia. Truculento e largo, Gustavo expande sua
musculatura ao máximo, dando um forte aspecto rude e sólido para suas ações. Ele não
interpreta sensações ou emoções, ele as traz de dentro.

Kelzy Ecard é uma atriz que certamente teve uma preparação específica para a composição da
sogra de Tom. Ela capta a amargura de uma senhora mais velha com tanta intensidade, que
durante a peça, faz a plateia acreditar que é muito mais velha do que realmente o é.

Mais do que uma direção de movimento, Lu Brites conseguiu preparar os corpos internos de
cada ator. A presença dos atores acaba sendo muito mais impactante e necessária do que o
gestual físico.
Caminhos Pelos Quais – Ana Medeiros (2018)

Ficha Técnica

Direção e coreografia: Ana Medeiros

Bailarinos: Ana Medeiros e Hiroshi Nishiyama

Sinopse:

"Trago comigo o corpo que encontro no Japão e que é resultado de todos os caminhos que
trilhei. Yoshito Ôno diz que o Butô acontece em três tempos: dançamos no presente, damos voz
ao passado e caminhamos rumo ao futuro. Neste espetáculo, trago a minha visão para os muitos
estados do corpo, passamos pela água, o vento, o fogo, a pedra. Tudo isso está enraizado na
devoção milenar que a cultura japonesa preza por todos os fenômenos da natureza. O corpo
daquele que dança Butô vai se transformando, trazendo em si percepções que condensam a
beleza da flor, o canto dos pássaros, o barulho do vento"
Ana Medeiros possui uma extensa trajetória com a dança moderna, tendo se especializado no
Martha Graham School of Dance em Nova Iorque. Em “Caminhos Pelos Quais”, no entanto,
Medeiros explora as intensidades sombrias dos seus corpos não virtuosos através da profundidade
da micromovimentação do Butô.

Dançando ao lado de Hiroshi Nishiyama, Ana conta através de poesia abstrata sua trajetória pelo
oriente e os atravessamentos gerados em seu corpo. Com delicadeza, força e uma doação extrema
à filosofia de seu próprio corpo, assistir o corpo de Ana Medeiros dançar em sua própria lama é
como sentir um sorriso do Mestre Yoshito Ôno.

O corpo de Nishiyama seduz a plateia através de seus gestuais. Sua entrega junto da tesoura de
cortar grama presentifica sua alma e dilacera seu corpo que se expande em entrega muscular. A
respiração de ambos é inaudível, cada poro urra um grito, há uma grande dominância dos corpos.
Não é uma dominação lógica nem premeditada. O corpo conduz e sabe. O Butô transforma os
corpos em pássaros.

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