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| aot PALAVRA-CHAVE Tz BIBLIOTECAS PARA QUE? Utilidade & prazer.. Editorial...... 3 ALCEU AMOROSO LIMA 4 A biblioteca de cada um, 5 guns textos... ANTONIO A. BRIQUET DE LEMOS; para onde vao as bibliotecas piblicas...11 LEILA MERCADANTE: biblioteca universita- CECILIA ANDREOTTI: a legislago sobre bi- bliotecas no Brasil..ssesseeeseseees 15 HAGAR ESPANHA GOMES: informagao cient’ fica no Brasi MARLENE SANTOS/LEA FISS lar brasileira instead Cesee. ane nee es eee 23 Palavra-chave 1 UTILIDADE E PRAZER ‘Afirmar que 0 Brasil vive miltiplos tempos histéricos no ‘chega a ser uma afirmativa polémica ou de impacto, Hé muito aqueles que se debrugam sobre o pafs e suas contra digées repetem isso. Um exemplo claro disso pode ser en- ‘contrado nos limites de Sao Paulo: a exuberncia do século viinte de uma avenida Paulista encontra 0 seu oposto em algum vilarejo situado a distincia de poucos quilémetros. Se nio fosse pelas antenas de televisio ¢ pela presenca estranha de alguns automéveis, nio seria injusto afirmar ‘que a localidade nio saira do século dezenove. O exemplo é Paulista. Se fosse ampliado para todo o Brasil, 0s contrastes seriam maiores. Sobrepondo-se a esse panorama estende-se uma Biblio- economia multifacetada: se antes os profissionais eram preparados para exercer atividades em bibliotecas — e pon- to final — hoje € oferecido um leque de opsdes profis- *sionais. Os préprios estudantes durante o curso vaio dando ‘uma diregio de acordo com os seus interesses. E mais: até 0s cursos apresentam enfoques variados. E dificil preparar um bibliotecério polivalente, ou seja, aquele que saiba con- duzir adequadamente uma biblioteca escolar € a0 mesmo tempo tenha condigSes de gerir um centro de informacdo ‘com 0 rigor indispensével. E tarefa complexa formar um profissional para trabalhar numa empresa multinacional da avenida Paulista com todas as suas exigéncias técnicas e, 20 mesmo tempo, preparé-lo para atuar na biblioteca muni- cipal da cidadezinha situada logo adiante. ois ai esti: 0 bibliotectrio e o pais apresentam-se em fragmentos. A multiplicagto das partes resultard no ni- mero de faces do bibliotecdrio necessério para o Brasil hoje. Tragar © perfil do usuario é uma saudével e crescente preocupagdo dos biblioteeérios, Agora € preciso parar um pouco e descobrir 0 nosso perfil, descobrir a nossa carae ver qual é a nossa fungio e 0 que representamos nessa tessitura social complexa. Talvez.jé tenham tragado o perfil do bi- bliotecario brasileiro, mas falta ainda um espelho perma nente para podermos conferir. A causa desse perfil difuso ¢ até mesmo distorcido talvez seja motivada pelo desconhe- cimento que existe do meio social: 0 piiblico e as suas condigdes. 0 bibliotecério s6 ird se entender como profis- sional quando tiver um conhecimento amplo do meio onde atua. Aiesté: 0 piblico € 0 seu espelho. Um perfil téenico ¢ frio do usuario tem a sua utilidade, mas af ndo se esgota 0 ‘conhecimento necessario do piblico. E preciso ir além, identificando o usuério e as suas circunstancias. A Hist6ria 6 uma fonte para a compreensio de nossas atividades. Vez ‘ou outra é necessirio ficarmos atentos & Historia dos usué- rios, saber compreender as suas grandezas e misérias. bliotecério que nao tem uma compreensto profunda de seu piiblico, formagdo e caracteristicas, por mais hébil classi- ficador e catalogador que seja, esté destinado a ficar aquém de suas possibilidades. Hoje quando se pede um retrato do bibliotectrio, aparece ‘como o traco mais saliente a eficiéncia, Para a desordem da informago s6 mesmo um profissional assim: organizado e capaz de criar sistemas que possam facilitar a vida daqueles que se alimentam de informagies. Afinal, 0 desenvolvi- ‘mento tecnoldgico s6 existe em fungio da eficiéncia, da rapidez, da precisto. Time is money foi a frase que 0 Macunaima nao fez. O bibliotecério dos trépicos que se adapte as novas exigéncias sociais, pedem. O ensino da Biblioteconomia esté af e dé a sua resposta: € preciso for- ‘mar jovens que, na pritica, sejam precisos, répidos, efi- cientes. Talvez dai derive a acusagio freqlente que fazem ‘a0 profissional: € um téenico. Ele é treinado para servir cficientemente a uma causa que ele quase sempre desco- hece. ‘Afinal, bibliotecérios para qué? Mirio de Andrade em Os filhos da Candinha, falando sobre a Biblioteconomia combate essa eficiéncia que ele via progressiva na vida moderna. Diz ele que é preciso ““tornar 0s jovens mais lentos e iniciar no Brasil 0 combate as yelocidades'de espirito”. E conclue: “E pelo préprio habito de fichar, de examinar 0 livro em todos 0s seus aspectos, @ biblioteconomia rallenta os seres e acode a0s perigos do tempo, tornando para nés completo o livro...” Essas afir- mativas no slo, de forma alguma, uma contribuicho & ineficigncia, mas o esforgo para contrabalancar o tecni cismo seco, sem beleza que o humano confere e que pode estar ligado a interesses que nem sempre interessa a nés defender, O bibliotecério nto é um ser adestrado ou a ex- tensio de um computador. Ele vai além., Ele ndo deve ser 0 engenheiro que apenas constréi uma ponte que nio caia, ‘mas sabe porque esté construindo a ponte ¢ dando um sentido a ela. © bibliotecario é um ser politico que atua ‘numa das éreas mais importantes da vida contemporfinea: a informagio. Se o sentido da eficiéncia é importante, no ‘podem ser esquecidas as dimensbes da utilidade, da beleza ‘edo prazet que a profissio confere. (Lufs Augusto Milanesi) Palavra-chave 6 uma publicaclo da Associagao Paulista de Bibliotecérios e da Associagdo Profissional de Bibliotecérios do Estado de Sto Paulo. Enderego: Rua 13 de Maio, 1100, qj. 32 — 01327 — Sto Paulo — SP. Fone 285-3831. Edi- tores: Amélia Maria Moreira (APB), Johanna W. Smit, Lufs Augusto Milanesi, Oswaldo F. de Almeida Junior (APBESP), Tania Rodrigues Mendes. Conselho Editorial: ‘Ana da Soledade Vieira (MG), AntOnio A. Briquet de Le- ‘mos (Brasilia), José Domingos Brito (SP), Judith Schleyer (PB), Maria Almeida Salles Tramonti (SP). Colaboragdo especial: José Coelho Sobrinho (diagramagio); Evandro Jardim (desenho da capa); Clatdia N. Balby (secretaria de, produto). Jomalita reponsévl: Sandra M Am brésio. Palavra-chave 1 3 EDITORIAL BIBLIOTECA MUNICIPAL eAPORA DO B. JESUS — SP Palavra-chave 1 AS FORMIGAS DESCONHECIDAS O classico triingulo lterdrio, autor, critico leitor,exige aexisténcia de uma quarta figura, nem sempre suficiente- ‘mente reconhccida, em seu valor intrin- secoe nio simplesmente acidental. Essa figura, como se sabe, é 0 bibliotecario. Sua fungdo ndo € apenas instrumental. E igualmente participante da fungio criadora da literatura. Se o autor € a obra (dentro do meio) é que representa ‘essa funcio criadora em sentido estrito, 4 funcdo da critica eda biblioteconomia compietam a criatividade em sentido lato e integral. Cada pega, nesse jogo sutil da criagdo de um mundo novo, que ohomem acrescenta ao mundo natural e social, &indispensivel, a seu modo, para que essa tarefa capital de um desdo- bramento, COM QUE 0 HOMEM COMPLETA, pela arte, a obra cria- dora de Deus. 0 bibliotecario costu- ma ser pega esquecida ou marginal ada, nessa re-eiagdo, com que as cria- {uras completam ou deformam a obra do Criador. ‘O bibliotecétio deve, acima de tudo, amar oslivros. E tera consciéncia de que sua tarefa, longe de ser apenas catalo- sgadora, éuma tarefa para-criadora, que completa a agio do autor, do critico e do Ieitor. Livro, disco ou filme, meros ins- trumentos materiis, nfo se confundem com a funglo estimativa e ordenadora dobiblioteeério. ‘Para isso, amar esses instruments (sobretudo 0 livro, que esta hoje pas- sando por uma série crise tecnol6gica), € condigdo primordial. Selecioné-los ¢ classificé-los, com bom gosto e inteli- ‘géncia, éfungao, ao mesmo tempo, téc- nica €’ afetiva. Mas essa tarefa exige outra qualificagao especial, o respeito. Respeito fundamental pela obra que Ihe ésubmetida, sem qualquer interferéncia qualificativa, no sentido da qualidade docontedido. A observancia dessa fideli- dade aos textos, qualquer que seja sua qualidade, écapital. Quantas vezes, du- ante o meu professorado universitario, verifiquei a inexisténcia de livros, revis- {as ou folhetos do movimento moder- nista, por exemplo, por terem as biblio- tecas invadido a seara dos eriticos e lei- tores, recusando registro a obras por eles consideradas sem valor literério. Ora, toda arte criadora, no seu inicio, vem habitualmente choear o gosto consagra- do, na distingao do que é literatura au- téntica do que & falsa literatura. Essa distingao existe eé mesmo capital para a tarefa da critica e da leitura. Acontece, porém, que a tarefa de fazer essas dis- tingBes no pertence aos bibliotecdrios. Isso nfo diminui, em nada, a impor. tincia de sua intervengiono processo da edigio literéria. Todo elo da cadeia de criagdo tem sua importincia propria, que 86 deve ser exercida pelo elo desti- nado a determinada fungio. De modo ‘que o dever de admitir com estética a ‘TRISTAO DE ATHAYDE cobra que Ihe éfornecida, para selecionar eclassificar, qualquer que seja seu juizo ccularmente 2 importante missao dos bi Dliotecérios. Isso 6 tio fundamental ‘como 0 amor pela tarefa, j& de si bas- tante ardua, de preservar, classificar, cordenar, promover 0 arquivamento da produg2o intelectual, como instrumento de trabalho para criticos, letores € os réprios autores. Approfissio de bibliotecdrio tem sido, ao longo da Hist6ria, um verdadeiro indice de civilizagio. A preservacao, em nossa civilizagdo ocidental, como alias em todas as civlizagdes, do patriménio 40 passado é um mérito e uma gratidao que a Historia deve a esses silenciosos obreiros do progresso do espirito. Lem- ‘bremo-nos dos humildes monges medie- vais que preservaram, no siléncio dos mosteiros, todo 0 pattiménio literdrio, cientifico ¢ filos6fico do mundo classico. Esse é um exemplo capital da dignidade edo mérito intrinsecos da fungao biblio- teeta il acentuar, portanto, a impor- tancia que representa, para a dignifica G0 da fungdo bibliotestria, « publica So de uma revista, como esta, que pre- fende ser um ponto de encontro cont nnuo, entre trabalho slencioso, honesto ¢ geralmente tio mal apreciado, dessas {ormigas, que garantem o canto das c- sgarrasintelectuais. OBRAS PRINCIPAIS DE ALCEU AMOROSO LIMA. 1 Comtribuido a hstra do modernisme: opr ‘modernismo. Rio de Janeiro, Jose Olimpio, 1539 2A critica itera no Bruil. Rio de Janeiro, “Ministrio da Edueasao, 1959 3 Oespiritouniversitério. Rio de laneiro, Ast, 1958 (Ensalos, 3.) 4 Europa e América: das euturas. Rio de J nero, Agi, 1962 (Ensaos, . 11.) S Brolugdo intelectual do Brasil. Riode Janeiro, Grito, 1971 6 0 existencialiomo © outros mitos do. nosso tempo. Rio de Janeiro, Agit, 1986. (Obras Completa, v.18.) 7A experincia reacondria. Rio de Janeiro, ‘Tempo Brasileiro, 1968, (Temas de Todo Tempo, 14) {8 Humanismo pedagégico: estado de flosofia de educardo, Rio de Janeiro, Stela, 1944 (Presenga, v.11.) 9 Ldade, sexo e tempo: wés aspectos da pico Tia humane. Rio de Janeiro, Jose Olimpio, 1936, 10 A Tera € 0 Novo Mundo, Rio de Janeiro, 1943, (Problema de Cultura Contempordnes, vl) 11 Introducdo dtteratura rasa. Rio de Ja nero, Agir, 1956, (Obras Completa, v. 7 12.0 jomalismo como género tteririo. Rio de Janeiro, Abit, 1960. Esai, v. 8.) 13 Quadro sintéico da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Agir, 1986. (Obras Completas, 3) 14 A realidade americana: ensaio de interpre ‘tacao dos Estados Unidos. 28 ed. Rio de Ja aeio, Agi 1955, (Obras Completss, v.35.) 18 Revolupdo, reagdoou reforma? 28 ed. rev. Rio 4e Janeiro, Tempo Brasileiro, 1964. (Brasil Hoe. v8), 16 Revolupdo sucida:tetemunho do tempo pre- sente. Rio de Janeiro, Ed. Braslia, 1977 (Peasamento Brasileiro) 17 0 teatro cloudeliano, Rio de Janeiro, Asie, 1989. (Bnsaios, v1) 18 0 trabalho no. mundo moderno. Rio de Je: nero, Asie, 1989. Ensaio, v2.) Palavra-chave 1 Em que medida a biblioteca foi significativa para asua formagdo? Qual a funcao que a biblioteca tem para yocé hoje? A partir destas questdes alguns brasileiros deram o seu depoimento, cada um fazendo uma breve reflexao sobre a sua experiéncia. No préximo nimero de Palavra-chave esta série tera seqiiéncia. A BIBLIOTECA DE CADA UM EZEQUIEL THEODORO Ezequiel Theodoro da Silva — Pro- fessor — UNICAMP: ‘‘Tentando fazer um trabalho de meméria e recuperando alguns dos momentos mais significativos de minha formaco, posso dizer que penetrei no mundo da biblioteca através do estimulo dado pelo meu professor de Histéria, nos tempos do gindsio. Lem- bro-me que 0 Prof. Carmelo exigia a elaboracio de dois cadernos de pesqui- sa: um de esquemas e outro de resumos. ‘Apés as exposiges em aula, tinhamos de ir & biblioteca da escola a fim de trabalhar 0s textos indicados na bibl grafia. Por incrivel que parega, os ca- dernos eram recolhidos no final do més parao"‘visto” ea avaliaco. Minha terra natal — Santa Cruz do Rio Pardo — no possuia biblioteca piblicae quase todoo incentivo para a leitura provinha do contextoescolar. Complementava as influéncias esco- lares, o exemplo dado pelo meu pai ¢ pelo meu irmio mais velho, que eram Ieitores assiduos, compravam livros e se Preocupavam com a formagao e orgat zago da nossa biblioteca familiar. In: dente interessante ¢ inesquecivel; certa vez fui atacado pela caxumba nos dois, ados do rostoe tive que permanecer em repouso absoluto... devorei uma colegio todinha do escritor Paulo Setibal (ro- ‘mance hist6rico). Meu pai tinha o cos- tume de escrever “dividas e esclareci- ‘mentos” nas paginas das obras filoséfi- cas ¢ historicas que lia; eu gostava de erscrutar aqueles caminhos anterior- ‘mente rabiscados. Meu irmio mais ve- Iho assinava 0 “Reader's Digest” e eu, por tabela, também lia aqueles trechos curtose faceis de literatura informativa, Tais exemplos familiares foram também fundamentais na minha formagaio de lei- tor, pois abriram-meas portas para dife- rentes tipos de literatura. J4 nos tempos de curso colegial, con- sigo rever muito bem a figura do Prof. ‘Teétilo de Queiréz Junior, que minis- trava a disciplina Sociologia da Educa- do. Esse mestre, hoje no Departamento de Antropologia da FFLCH da USP, esmerou as minhas habilidades de leitor ‘ medida em que agucava a capacidade de anilise: a realidade apontada pelo texto era sempre equiparada, contraba- langada com a realidade concreta vivida em nossa cidade. Dessa forma, seus alu- nos tinham a oportunidade de ver a tworia na priticae, através da discussto, complementar os aspectos da teoria. Apés as leituras recomendadas, feitas na biblioteca da escola, partiamos para ‘um estudo significative do meio circun- dante. Devo muito a0 Prof. Te6filo, principalmente porque a sua orientaclo influenciou muito a minha forma de co- mhecer o mundo. A biblioteca da Faculdade Sto Bento no exerceu grande influéncia durante 0 meu curso de graduagao. Em verdade, ‘eu tinha muito pouco tempo para visitar ou freqiientar a biblioteca da faculdade, pois trabalhava em dois periodos. Com: rava ou emprestava os livros e/ou apos- tilas © os lia nos fins de semana, Apesar de ter feito um curso de lingua e lite- ratura, no me recordo de nenhum grande incentivo para que dinamizésse- ‘mos 0 acervo existente na bibliotecs Havia, isto sim, um estimulo muito ‘grande para que compréssemos os livros € forméssemos a nossa biblioteca pro- ional. Por outro lado, jé comecava a despontar, nessa época, o império das apostilas... Aprendi a manejar e usufruir 20 mé- ximo dos recursos da biblioteca durante ‘omeu curso de mestrado (Universidade de Miami, Fl6rida, EEUU). Os alunos inham direito a uma sala privativa e individual para realizar suas pesquisas e ‘trabalhos, ea maior parte do meu tempo eu passava na biblioteca; era um am- te delicioso — tho delicioso que até trabalhei como auxiliar na portaria do local... Posso até afirmar que meu amor pela biblioteconomia nasceu no con- texto da Universidade de Miami, princi palmente devido ao respeito que se dedi- cava informagtoc aos livros. Depois desta breveretrospectiva, acho que posso refletir sobre a pergunta que me foi colocada, Eu diria, primeira- mente, que tornei-me um habitante da biblioteca por necessidades académicas, quase sempre estimulado e orientado or um professor. Jamais fui um ‘‘rato de biblioteca” — procuro esse contexto ‘quando quero respostas as minhas inda- gages; minhas iniciativas de ir a biblio- Palavra-chave 1 res, mas esporiiicos. Porém, devo dizer que, mesmo sendo um habito espord- ico, despontando irregularmente no ‘rajeto da minha vida, a presenga a bi- blioteca foi altamente significativa para ‘4 minha formagao (no confundir com essencial” a minha formagio). Efeti- ‘yamente, algumas das respostas que eu procurava para delinear e sustentar minha postura na sociedade, eu as con- segui consultando 0s catélogos de dife- rentes bibliotecas. Por outro lado, por ter conseguido respostas no contexto da | biblioteca, conhero a importincia da sua existéncia e sei quando procuré-la, 6 toca jamais se tornaram hibitos regula- Finalizando, gostaria de dizer que a . biblioteca piblica sempre foi, para mim, uma realidade distante. Temos . um imenso trabalho a fazer nessa area as bibliotecas piblicas, por serem alimentadas também por verbas pébli- cas, sofrem as maiores injusticas em ‘termos de atualizagio e funcionamento. Poucas sto as cidades deste pais que ossuem “bibliotecas”, na real acepgio do termo. Em todo caso, continuo lu- tando para que a comunidade tome cconsciéneia do valor da leiturae tendo a certeza de que a politica que esta ai no vvaicontinuar para sempre...” ANTONIO CANDIDO Anténio Candido — professor univer- sitirio: “Em nossa cast havia a boa biblioteca de meus pais. Mordvamos no interior de Minas e desde pequeno me habituei lidar com aqueles livros, mes- ‘mo antes de os ler. Meu pai era médico € extremamente culto. Quando freqden- tou 0 ginésio do Estado em Campinas, até 1903, comprou muito lro na exce- lente Casa Genoud. Depois continuou a comprar no Rio, onde se formou, e na Europa, onde fez entre 1911 ¢ 1912 um primeiro estigio de aperfeigoamento ¢ conde sempre teve um liveiro correspon- dente, que fazia a assinatura de revistas ea remessa de livros encomendados por catilogo. ‘Além da medicina predominante, h via filosofia, historia, literatura, pol tica, estudos sociais. Sem contar que ‘minha mle tinha os seus livros pr6- prios, onde avultavam biografias, me- { mérias, difrios, —correspondéncias. (Quando i mais tarde o verso para al- guns misterioso de Manuel Bandei “Abaixo Amiel e munca lerei o didrio de ‘Maria Bashkirtsef” — fiquei a vontade, porque em casa ambos eram lidos © ‘comentados.) Outra biblioteca particular que me valeu muito (depois de 1930) foi a de minha grande professora Dona Mari Ovidia Junqueira, que me orientou para certos clissicos da juventude e diversos autores ingleses, inclusive Shakespeare, cuja obra possuia numa bela edigto em 15 ou 16 pequenos volumes. Como em nossa casa dominavam os livros fran- ceses, foiuma experiéncia nova eestimu- lante a familiaridade com aqueles livros diferentes, cartonados, e suas sobreca- pascoloridas. ‘Quanto a bibliotecas pablicas, a pri- meira que freqientei foi a Municipal de Pogos de Caldas onde moramos a partir e 1930). Ocupava uma sala da Prefei- turae tinha uma bibliotecdria encarre- gada sobretudo de outras tarefas buro- créticas; de modo que me confiavam a chave e eu ficava 86, — porque nfo me embro de ter visto outro consulente en- tre 1932 1934. Ai, precisaram instalar na sala um desenhista de obras pabli- cease as consultas foram suspensas. Essa biblioteca era notivel e tinha pertencido a um médico ilustre, de imensa cultura, até hoje o homem de maior relevo que a cidade teve: Pedro Sanches de Lemos. Além de medicina, havia nela colegdes de filosofia, psicolo- ‘ia, histéria, sociologia, antropologia, politica, literatura, muitas com uma ‘bela encadernagaio especial trazendo as iniciais do possuidor. Ele morrera fazia mais de vinte anos, mas naquela altura a biblioteca, doada pela famflia, ainda cestava mais ou menos intacta. Deveria ter sido iniciada nos anos de 1870 e con- tinha o que se poderia querer de melhor. (Pedro Sanches de Lemos aparece trans- posto para a ficyo como o Dr. Lino, em Agua de Juventa, de Coelho Neto). ‘Quando vim para Sto Paulo, em 1936, freqiientei duas bibliotecas. Ni antiga Municipal, Rua Sete de Abril, entre outras coisas Ii 0s cldssicos gregos em tradugdes francesas que ja tinham folheado na de Pogos de Caldas. Na da Faculdade de Direito, lembro que travei conhecimento sistemético com a critica francesa tradicional: Sainte-Beuve, Tai- ne, Brunetiére, Faguete outros. ‘Na da Faculdade de Filosofia, onde primeiro estudei e depois ensinei, num total de trinta e nove anos, li intensa- mente a partir de 1939 filosofia, socio- logia, hist6ria e literatura, em especial nos livros da excelente doagao feita pelo ‘governo francés em 1934. Depois de 1944 lidei na Colegio Lamego, para 0 preparo de uma tese e a seguir do meu livro Formaeao da Literatura Brasileira. Com o mesmo fim trabalhei durante ‘anos na nossa Municipal (jé na Conso- Iago) e na Nacional do Rio, sobretudo nas respectivas secgdes de Livros Raros. Em Sao Paulo, com o gentil auxilio das bibliotecdrias Dona Rose e Dona Au- E af estio as bibliotecas que me aju-

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