Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1 A
BUSCA DE UMA IDENTIDADE CULTURAL
2
Professor Leslie Carlos Khervald de Moura
RESUMO:
Este artigo tem a finalidade de defender a tese de que o ensino da disciplina de Literatura, a ser
desenvolvido pelo professor paranaense, do Estado do Paraná, deve ter significativamente
incluído em seu currículo, o ensino da literatura paranaense através da leitura de narrativas litero-
históricas. Este ensino deve considerar que, ainda mais importante do que a história da literatura
paranaense, é a história dos paranaenses através da literatura. O resultado a ser obtido com um
trabalho nesta direção, em sala de aula, por professores e alunos, priorizando a pesquisa sobre
nossa literatura e história, e principalmente sobre as narrativas literárias históricas sobre o Paraná
e dos paranaenses, é a construção de um conhecimento objetivo sobre a identidade cultural do
paranaense.
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Em seguida, faz uma bela defesa do nosso estado, realçando nossos valores e
significados, como o caldeamento das raças, o significado da terra, do homem,
as nossas lendas do primitivismo, nossa intelectualidade, terminando por abordar
a significação do Paraná, quando não deixa de mostrar uma visão crítica sobre a
origem de nossa educação, “fictícia e estranha”:
O compromisso de valorizar nossa história e nossa cultura não é uma tarefa para
poucos e nem deve ser encarada como modismo, com respostas momentâneas
e sem continuidade. Por isso mesmo, é uma tarefa extraordinária para a
Educação. A responsabilidade inadiável de criar a demanda que a Literatura
paranaense merece, embora deva ser devidamente repartida entre vários
setores, e inclusive com o apoio de outras disciplinas, é tarefa prioritária do
professor de Literatura e do professor de Português, não importa a esfera ou
nível de ensino. Pode parecer óbvia a afirmação acima, mas muitas vezes o
óbvio não fica tão transparente em meio a tantas idéias não aprofundadas. Por
esse mesmo motivo, no artigo do livro Ler e Escrever: Compromisso de Todas as
Áreas, o professor Paulo Coimbra Guedes, referindo-se ao ensino da Literatura,
lembra que:
Por isso é importante voltar-se aos nossos textos criticamente. Tanto para
valorizá-los socialmente, quanto para criticá-los, mas sem a obsessão pura e
simples em julgar o nível de sua qualidade literária. Acompanhamos nossos
alunos pagando caro para ler “best-sellers”, produzidos em escala industrial,
visando agradar a um público determinado, previamente selecionado através de
pesquisas de mercado. O mercado os convence a comprar estes livros-produto.
Enquanto isso, a escola pública paranaense, através de seus profissionais,
omite-se de catalogar e propagar os seus clássicos literários. Fica aqui uma
indagação: A escola tem autoridade para definir sobre a literariedade ou não de
alguns textos? Ou teríamos, nós, professores da rede pública que esperar pela
definição de setores especializados, como a crítica literária, a intelectualidade, a
universidade e a academia, para que nos digam o que é bom para formar nosso
aluno-cidadão? Esta é uma reflexão que Marisa Lajolo, doutora em teoria
literária, pela USP, faz em seu livro da série brasiliense, O que é literatura:
Não basta apenas constatar que se faz necessário resgatar, reforçar, ou muitas
vezes iniciar um modelo inovador de trabalho com a literatura local e
principalmente sobre o local. É preciso produção coletiva de material didático-
pedagógico e adequada socialização do mesmo para uma verdadeira intervenção
no ensino-aprendizagem. Neste tipo de trabalho, aqui proposto, a colocação da
pesquisa como foco central do processo, exige postura do professor e
compromisso com a leitura, sua e de seus alunos. As aulas de literatura
transformam-se, em resumo, num processo contínuo de formação de leitores, e,
neste caso, de leitores potencialmente escritores, cada vez mais comprometidos
em conhecer para transformar a sua realidade.
As aulas de Literatura nas escolas paranaenses devem configurar um processo
em que seres históricos, humanizando-se, através do diálogo com outros
humanos, de seu tempo e de outros tempos, acabam humanizando o próprio
mundo com o qual interagem. É o que Paulo Freire sempre propôs, e que está
destacado em seu livro Pedagogia da Autonomia, principalmente no capítulo
Ensinar exige o reconhecimento e assunção da identidade cultural:
Às vezes a ficção narrativa é um meio melhor de tornar bem clara uma idéia
– seja ela política, econômica ou moral – do que uma obra expositiva que
defenda a mesma idéia. Animal Farm e 1984, de George Oswell, são
poderosos ataques ao totalitarismo. Admirável mundo novo, de Aldous
Huxley, é uma eloqüente diatribe contra a tirania do progresso tecnológico.
O primeiro círculo de Soljenitsin nos diz mais a mesquinha crueldade e
desumanidade da burocracia soviética do que uma centena de estudos e
reportagens factuais. (IDEM, P. 208)
Quando voltamos nossos olhos para o passado, é o presente que nos interessa.
E é no presente que praticamos as ações que mudarão o futuro. Assim, através
do trabalho com estes textos selecionados estaremos contribuindo7 para a
construção propositada dos monumentos históricos a que Vigotski já se referia:
“Tem se dito que a verdadeira essência da civilização consiste na construção
propositada de monumentos de forma a não esquecer fatos históricos.” (Vigotski,
Lev Semenovich. P. 68, 2003.)
Antonio Candido, em seu livro, Literatura e sociedade, explicita o que seria a arte
da agregação; “(...) se inspira principalmente na experiência coletiva e visa os
meios comunicativos acessíveis. Procura incorporar-se a um sistema simbólico
vigente, utilizando o que já está estabelecido como forma de expressão de
determinada sociedade.” (CANDIDO, Antonio. P. 27, 1975).
Nesse aspecto, a que se refere Antonio Candido, é que se encontra uma grande
lacuna em nosso estado. Embora o Paraná só tenha se desmembrado da província
de São Paulo em 29 de agosto de 1853, através do decreto imperial nº. 704,
tratando-se, portanto, de um Estado recente, nada justifica o descaso com a sua
história e cultura. Com certeza a motivação para o desmembramento não foi
apenas o medo do regente em perder espaço político para as idéias republicanas
que batiam nas fronteiras. O grito de “Co ivi oguerecó yara!” (Esta terra tem dono)
– já era um sentimento de pertencimento dos primeiros povos que aqui habitavam
e que lutaram para defender sua cultura. Esse sentimento popular é que
certamente foi decisivo na luta argumentativa pela conquista da nossa
emancipação. Ocorre que o eco dessa e de outras lutas repousam no profundo
silêncio do esquecimento. Ao invés de o conhecimento objetivo sobre as mesmas ir
se acumulando, fortalecendo uma forma de expressão própria e diferenciada do
povo paranaense. Onde está esse conhecimento? Nos relatos de viajantes, nos
relatos de guerra, em contos, romances, na crônica jornalística, nas histórias de
vida dos paranaenses, etc. A proposição é a busca coletiva das fontes, a produção
coletiva de material, e o diálogo entre o que foi, o que está sendo e o que
planejamos para o futuro, durante um processo dialético de construção do saber.
Os primeiros relatos sobre a nossa terra não foram feitos por moradores daqui.
Se bem que a terra não era nossa ainda.8 O primeiro relato conhecido é o da
viagem de Álvar Nuñes Cabeza de Vaca , numa época em que os moradores
dessa terra, eram nossos antepassados, que viviam em tribos e não dominavam
a escrita. É importante destacar, contudo, que num trabalho de valorização da
História e Literatura de um povo nada pode ser desconsiderado, inclusive os
relatos orais preservados que constituem as narrativas indígenas e que nos
ajudam a compreender melhor nossas origens, antes do processo de
miscigenação.
Estes primeiros europeus a pisar em solo paranaense, utilizaram os chamados
“peabirus”, caminhos de índios, entre 1541 e 1542. De acordo com os relatos,
essa viagem foi iniciada na então Ilha de Santa Catarina, em 29 de março de
1541. Com 250 homens de armas, 36 cavalos, alguns índios, seguiram pelo rio
Itapocu, atravessaram a serra do mar, à margem oriental de Campo do Tenente,
chegando ao Iguaçu nas proximidades de Araucária. Quando passou por aqui, as
terras teoricamente pertenciam à coroa espanhola. Denominou-as,
primeiramente, de “Província de Vera”. Seguiu viagem para o norte em direção
aos rios Ivaí e Piquiri, chegando ao Iguaçu, onde descobriu as cataratas. Foram,
então, olhos espanhóis que primeiro viram e relataram sobre nossa terra e nossa
gente. Essas narrativas são materiais de muito significado para o trabalho a que
nos propomos.
Os segundos olhos que se puseram de maneira crítica e observadora sobre
nossa terra, produzindo um relato histórico, muito rico e detalhado, ainda não
eram olhos brasileiros, nem paranaenses, e sim franceses. Numa época em que
as terras do Paraná pertenciam à Província de São Paulo. Trata-se de um
segundo relato de viagem pela então Província de São Paulo e pela 9
Comarca de
Curitiba, entre 1816 e 1822, do francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853).
Esse relato é muito mais detalhado e descreve não apenas a geografia da época,
mas faz referência aos costumes locais, tece comentários sobre o modo de ser
do homem e mulher locais, brancos, negros e índios, além de fazer comparações
que os distinguem das populações de outras regiões do Brasil. A viagem de
Saint-Hilaire por estas terras principiou pelo norte, entrando na Fazenda
Jaguariaíba, continuando pelos Campos Gerais, Vila de Castro, Vila de Curitiba,
Serra de Paranaguá, até Guaratuba.
Cassiana Lacerda Carollo, tradutora desta obra, bem colocou como introdução
um capítulo intitulado Auguste de Saint-Hilaire – Olhar poético de um cientista.
Citando José Guilherme Merchior, em seu livro De Anchieta a Euclides; breve
história da literatura brasileira, ressalta que essas narrativas “servem de auxílio à
compreensão do fundo espiritual de que nasceu a experiência histórica do Brasil
e, dentro dela, a literatura.” Temos, portanto, nesses relatos, irrefutável valor
histórico e literário, embora sejam matérias ignoradas por grande parte dos
professores de Literatura. Muitas vezes o professor conhece os textos, mas não
os inclui como material pedagógico em suas aulas. Selecionamos alguns trechos
de grande valor para trabalho em sala de aulas, em que é descrita a
hospitalidade do povo local, além das relações entre “patrão” e escravo,
observações sobre os índios, sobre a cultura, folclore e religiosidade do povo,
além de reflexões sobre o próprio eu do autor:
Passei cinco dias em Caxambu, retido pelas chuvas contínuas. (...) desde
Sorocaba eu não havia encontrado em nenhum outro lugar um passadio tão
bom. Era servido pelo capataz ou chefe das tropas, que na ausência do
dono administrava a fazenda, e que no entanto não passava de um
escravo. Esse homem não tinha, certamente, nada do que se queixar do
patrão, pois parecia muito satisfeito. Era cortês sem ser servil, e embora
dirigisse aos outros escravos com autoridade, demonstrava para com eles
uma bondade extrema. O Sr. Xavier da Silva ( dono da fazenda ) não devia
ser um homem muito comum (...) criou no meio do deserto uma morada que
deveria ser considerada muito aprazível mesmo num país civilizado (...)
Desnecessário é dizer que este fazendeiro era “português europeu”. Os
habitantes da região (...) são indolentes, têm muito pouco gosto, pouca
noção de simetria para fazer algo semelhante. (...) (SAINT-HILAIRE,
Auguste de. P. 53-54, 1995. )
(...) considerando-se tudo o que eu disse até aqui sobre os Coroados dos
Campos Gerais, tribo dos bugres, é mais que evidente que em seu estado
selvagem eles são superiores em inteligência, engenhosidade e previdência
a muitas outras populações indígenas, e talvez o sejam também em beleza
física: por conseguinte, devia ser feito todo o possível para aproximá-los
dos homens da nossa raça e estimular os casamentos entre eles e os
paulistas pobres, que não se envergonhassem do sangue indígena, pois há
muito tempo esse sangue corre nas suas veias. (...) (SAINT-HILAIRE,
Auguste de. P. 61, 1995. )
Ali (Curitiba e região) não é o calor excessivo que causa preguiça nos
homens, eles se tornam indolentes porque têm poucas necessidades e não
conhecem o luxo; além do mais, a fecundidade da terra, bem como a
doçura do clima, exige deles poucos esforços. (...) (SAINT-HILAIRE,
Auguste de. P. 120.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências bibliográficas:
Bibliografia crítica:
ADLER, Mortimer Jerome, DOREN, Charles Van. A arte de ler. Rio de Janeiro.
Editora Agir. 1974
FIORIN, José Luiz / SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto – leitura e
redação. São Paulo. Editora Ática, 1991
NEWTON, Sampaio. Uma visão literária dos anos 30. Curitiba. Fundação Cultural
de Curitiba, 1979.
RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos
empregos e a redução da força global de trabalho. Makron Books do Brasil, São
Paulo, 1995.
VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. 6ª. ed. São Paulo.
Martins Fontes, 2003.
Bibliografia ficcional-histórica:
4 EXAME Nacional do Ensino Médio – ENEM. INEP. 2006. Disponível em: < http://www.inep.gov.br/
download/imprensa/2007/tabelas. Acesso em 26 jul. 2007.
6 NAGEL, Lizia Helena.Um Programa de pesquisas: resultados e expectativas. Disponível em: <
http://www.educacaoonline.pro.br/um_programa_de_pesquisas.asp?f_id_artigo=247. Acesso em 26 jul. 2007.