Você está na página 1de 19

NARRATIVAS LITERÁRIAS HISTÓRICAS PARANAENSES:

1 A
BUSCA DE UMA IDENTIDADE CULTURAL
2
Professor Leslie Carlos Khervald de Moura

RESUMO:

Este artigo tem a finalidade de defender a tese de que o ensino da disciplina de Literatura, a ser
desenvolvido pelo professor paranaense, do Estado do Paraná, deve ter significativamente
incluído em seu currículo, o ensino da literatura paranaense através da leitura de narrativas litero-
históricas. Este ensino deve considerar que, ainda mais importante do que a história da literatura
paranaense, é a história dos paranaenses através da literatura. O resultado a ser obtido com um
trabalho nesta direção, em sala de aula, por professores e alunos, priorizando a pesquisa sobre
nossa literatura e história, e principalmente sobre as narrativas literárias históricas sobre o Paraná
e dos paranaenses, é a construção de um conhecimento objetivo sobre a identidade cultural do
paranaense.

Palavras Chave: Identidade cultural. Literatura. Narrativas paranaenses.

ABSTRACT

In the work of teaching Literature, which might be developed in Parana by its


teachers, must be significantly included teaching Literature from Parana. This work
have to consider that, despite the importance of the story of the Literature from
Parana, the story of the people from Parana through literature is more important
indeed. The efficiency of such work developed in class by the teacher and their
students, directly depend on the commitment they would have with the research
about our literature and history. The historical literary narratives about Parana e its
people, which many times are something new to many people, are indispensable for
a work which the aim is to significantly contribute to the development of an objective
knowledge about the cultural identity of people from Parana.

Key Words: Cultural Identity. Literature. Narratives from Parana.

INTRODUÇÃO

A primeira constatação feita pelos professores paranaenses, em especial os


professores de Língua e Literatura, é a de que, apesar de tantas discussões
pedagógicas e apesar de tantas tentativas programáticas, as estatísticas não
apontam resultados satisfatórios com relação aos índices de leitura. Fato esse
comprovado a partir das freqüentes análises dos resultados dos vestibulares.
Nesse caso, o problema do Paraná não é diferente do problema do Brasil. 3
Números estatísticos publicados a partir da Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil
relatam que hoje o índice de leitura dos brasileiros, é de 1,8 livros por habitante/
ano. Segundo essa pesquisa, realizada em âmbito nacional, a qual mostra os
hábitos de leitura no País e fornece informações essenciais para o estabelecimento
de políticas públicas, esse índice é considerado muito baixo, até mesmo em
relação aos países vizinhos, latino-americanos. Na Colômbia, por exemplo, o
índice de leitura é de 2,4 livros por habitante/ano. Nos Estados Unidos e Inglaterra
– de cinco livros por habitante/ano e, na França, sete livros por habitante/ano.
A falta de leitura é fator determinante da deficiência discursiva dos nossos
alunos. Faltam argumentos, não só para que expressem coerentemente a
realidade presente, como também para 4
um entendimento crítico da história. Os
dados do Exame Nacional do Enem , em 2006, analisando o desempenho médio
na redação, deixam claro que o desempenho do Paraná está abaixo daquele
alcançado pelos estados vizinhos, mais ao sul. Segundo essa tabela, a média
geral do Paraná é de 53,77, enquanto Santa Catarina tem média geral 54,22 e o
Rio Grande do Sul tem média geral 57,09.
A leitura e a arte da literatura não representam, ainda, um hábito significativo nem
na cultura brasileira, nem na paranaense. No Paraná existem poucas livrarias e
bibliotecas. Algumas cidades paranaenses não têm nenhuma livraria, incluindo
algumas da Região Metropolitana de Curitiba.
Os livros, nos grandes e médios centros urbanos paranaenses, além de serem
vendidos em livrarias, também podem ser encontrados em sebos, bancas de
jornal e revista e, curiosamente, até em grandes redes de supermercado.
Contudo, o setor de literatura paranaense é um dos mais pobres, quando existe
algum espaço reservado para o mesmo dentro desses espaços de
comercialização.
Em alguns grandes supermercados, em nosso Estado, que agora vendem
compensadores livros, como os “best-sellers” e os de auto-ajuda, encontram-se
estantes cheias de livros de literatura regional gaúcha, por exemplo. Vendedores
de conceituadas livrarias afirmam que não fazem pedido de autores
paranaenses, ou de literatura regional paranaense simplesmente porque não há
demanda.
A falta de uma percepção clara do povo paranaense sobre a sua real importância
histórica, cultural e política para o Brasil, e para si mesmo, cria uma lacuna que
vai sendo preenchida, através da história, quando não com ações políticas que
ferem nossos direitos de maneira direta, vai sendo preenchida com opiniões
precipitadas sobre o Paraná e sobre o paranaense que não correspondem à
realidade. A permanência dessa lacuna, em tempos de inquestionável
democratização da informação, possibilita, muito mais do que em qualquer outro
tempo, uma perda de espaço político, cultural e econômico.
Muitos exemplos podem ser lembrados para demonstrar que no Estado do
Paraná, há, historicamente falando, uma enorme distância entre discurso, quando
se apregoa a importância da valorização da cultura paranaense, e a prática. Há,
apenas, algumas iniciativas isoladas, muitas vezes sem continuidade, fruto do
esforço individual de alguns personagens da nossa história. Recentemente
algumas políticas de governo voltaram-se para esse setor, investindo algum
recurso. Entre algumas iniciativas, estão as publicações de escritores
paranaenses para as bibliotecas do projeto “Farol do Saber”, em Curitiba, e os
títulos de autores e pesquisadores paranaenses recentemente adquiridos pelo
Governo do Estado e encaminhados às escolas públicas. Não é suficiente,
porém, apenas desembocarem essas obras nas escolas. É preciso o
desenvolvimento de projetos específicos que capacitem e incentivem professores
e alunos, a fim de que esse material tão significativo saia das prateleiras e seja
explorado produtivamente nas aulas.
É tarefa inadiável do professor paranaense de Literatura do Ensino Médio ensinar
literatura paranaense, assim como é tarefa urgente do professor de português,
ensinar literatura paranaense no ensino fundamental. E por que ainda não se
ensina? Ou mal se ensina? Ou porque não existe em quantidade e qualidade,
como argumentam alguns, e, portanto, há pouco o que se ensinar, ou porque não
é suficientemente conhecida, devido a uma falta de priorização, resultado de uma
falta de visão estratégica por parte do Estado, da Universidade e da própria
Escola.
É preciso admitir que a tarefa de ensinar Literatura, desenvolver o hábito pela
leitura de obras literárias e até mesmo a tarefa de orientar novos escritores, é,
prioritariamente, dos professores de Literatura e de Língua Portuguesa. Portanto,
o aumento da demanda pelos livros da estante paranaense e a conseqüente
ampliação do conhecimento sobre nossa identidade cultural, a partir da leitura de
obras de cunho regionalista, só será possível a partir de uma mudança do atual
comportamento dos principais agentes envolvidos com a educação paranaense.
É nas narrativas literárias históricas que os elementos de identidade de um povo
ficam mais salientes. Um trabalho coletivo, urgente, de pesquisa e levantamento
de narrativas literárias históricas sobre o Paraná e de autores paranaenses,
focalizando aspectos da identidade cultural do paranaense através da história,
envolvendo o diálogo entre educadores, autores e educandos, abrirá novas
possibilidades para o ensino de Literatura no Paraná. Os textos pesquisados, que
podem ser contos, romances, ou até relatos de viajantes, devem ser
acompanhados de propostas de trabalho pertinentes ao estudo da Literatura,
elaboradas, estas, contínua e criticamente pelos professores paranaenses em
sua práxis diária de sala de aula. Todos são chamados a contribuir nesta direção,
haja vista que o principal objetivo é apontar caminhos para diminuir a lacuna que
existe não apenas na história da nossa literatura, mas, prioritariamente, na
história dos paranaenses através da nossa literatura.

DA CONSTATAÇÃO A UMA NECESSIDADE DE AÇÃO INTEGRADA

Bento Munhoz da Rocha Neto, (1905-1973), ilustre cidadão paranaense,


professor, político, ainda muito pouco conhecido nas escolas paranaenses,
coletou o seguinte texto, escrito por Brasil Pinheiro Machado, em uma revista
carioca, provavelmente de cunho positivista, denominada A Ordem:
O Paraná é um Estado típico desses que não têm um traço que faça deles
alguma coisa notável, nem geograficamente como a Amazônia, nem
pitorescamente como a Bahia ou o Rio Grande do Sul. Sem uma linha
vigorosa de história como São Paulo, Minas e Pernambuco, sem uma
natureza característica como o Nordeste, sem lendas de primitivismo como
o Mato Grosso e Goiás. Por isso o Paraná forma nessa retaguarda
característica de incaracterísticos. (...) E mais adiante: “O paranaense não
existe”! E conclui categórico, o articulista: “O Paraná é um Estado sem
relevo humano”. (NETO, Bento Munhoz da Rocha. P. 41).

Sob o ponto de vista de tal jornalista, o paranaense não existia. De qualquer


forma, tal ponto de vista não pode ser ignorado, assim como não o foi por Bento
Munhoz, que não deixou sem resposta este tipo de afirmação. Em artigo
publicado no livro O Paraná, ensaios, este professor, engenheiro, político,
defensor da democracia e do nosso Estado, afirma:

O Sr. Brasil Pinheiro Machado, no número de fevereiro da revista “A


Ordem” do Rio, estudando o desnorteante da União Brasileira, fixa
instantâneos paranaenses, entrevistos não sei por que prisma, que os torna
negativos, mesquinhos, humilhantes e – sobretudo – falsos. (NETO, Bento
Munhoz da Rocha. P. 41).

Em seguida, faz uma bela defesa do nosso estado, realçando nossos valores e
significados, como o caldeamento das raças, o significado da terra, do homem,
as nossas lendas do primitivismo, nossa intelectualidade, terminando por abordar
a significação do Paraná, quando não deixa de mostrar uma visão crítica sobre a
origem de nossa educação, “fictícia e estranha”:

(...) o Paraná é, sobretudo, o encanto da terra que nos


absorve, nos prende e nos fascina. É a terra única, de tantas
gerações, esquecida, quando a nossa preocupação era cantar
a Marselhesa e ler Rousseau. É a terra que venceu a nossa
educação fictícia e estranha, e nos fez compreender que temos
de ser nós mesmos, criar uma expressão humana nossa, uma
modalidade nossa, uma civilização nossa. (NETO, Bento
Munhoz da Rocha. P. 48)

É importante salientar que o reconhecimento desta necessidade de valorizar a


nossa Literatura não é uma preocupação apenas nos dias de hoje. Outros
escritores, historiadores, críticos literários, já demonstravam através do tempo a
mesma preocupação. Newton Sampaio (1913-1938), em seu livro Uma visão
literária dos anos 30, publicado em 1979, enfatiza a dificuldade de formação de
leitores para uma literatura paranaense existente:

Há uma verdade dura que precisamos considerar. Existem, no Paraná,


cultores das letras. Em proporção, porém, não há leitores. Ou melhor. Há
deles apenas um número bem ridículo. Está ainda por formar-se entre nós
um ambiente literário. Por formar-se ou por reviver. Porque, ao que parece,
já houve melhores tempos à literatura paranaense (...) (SAMPAIO, Newton,
P. 15).

O compromisso de valorizar nossa história e nossa cultura não é uma tarefa para
poucos e nem deve ser encarada como modismo, com respostas momentâneas
e sem continuidade. Por isso mesmo, é uma tarefa extraordinária para a
Educação. A responsabilidade inadiável de criar a demanda que a Literatura
paranaense merece, embora deva ser devidamente repartida entre vários
setores, e inclusive com o apoio de outras disciplinas, é tarefa prioritária do
professor de Literatura e do professor de Português, não importa a esfera ou
nível de ensino. Pode parecer óbvia a afirmação acima, mas muitas vezes o
óbvio não fica tão transparente em meio a tantas idéias não aprofundadas. Por
esse mesmo motivo, no artigo do livro Ler e Escrever: Compromisso de Todas as
Áreas, o professor Paulo Coimbra Guedes, referindo-se ao ensino da Literatura,
lembra que:

A tarefa de ensinar a ler (...) um texto de história é do professor de História


e não do professor de Português. A tarefa de ensinar a ler (...) um texto de
Educação Física é do professor de Educação Física (...) A tarefa do
professor de Português é ensinar a ler a Literatura Brasileira. (GUEDES,
Paulo Coimbra. P. 145-161, 1991).

Compete, obviamente, ao Estado, criar as políticas de estado, a partir de novas


políticas públicas, que viabilizem publicações e reedições de livros da estante
paranaense, além de desenvolver as políticas de apoio e incentivo aos novos e
aos atuais escritores de nosso estado. O PDE, Programa de Desenvolvimento
Educacional, em parte, poderá responder a esta demanda. Ao propiciar
condições especiais de estudo e pesquisa aos professores da rede pública
paranaense, configura-se em um excelente programa que permitirá a criação e
execução de projetos voltados para essa temática, possibilitando um alinhamento
entre as ações que competem ao estado e as ações que competem à
universidade e à escola.
Há, paralelamente, uma preocupação nacional sobre a necessidade de formação
de leitores de livros. Entre as políticas de governo federal, figuram as ações que
integram o PNLL, as quais incluem a implantação de bibliotecas públicas, a
distribuição de livros, os financiamentos para a cadeia produtiva do livro, o projeto
de formação de mediadores de leitura e a criação de outros espaços de leitura. É
fundamental que em nosso estado essa política seja mais palpável, sendo
desenvolvida da maneira mais ampla possível, envolvendo os mais diversos
setores da sociedade.
O resgate e valorização da identidade cultural do Paraná é uma das diretrizes da
Política Cultural da Secretaria Estadual de Cultura do Paraná. Reconhecendo a
urgência de trabalhos nesta linha, o projeto prevê ações que destaquem as
características que tornam o paranaense um tipo cultural passível de
diferenciação perante os demais brasileiros. Contando com a utilização de
recursos tecnológicos atuais, a Secretaria de Cultura pretende não só fazer
coleta de dados da área cultural, mas desenvolver atividades voltadas à
preservação das diferentes manifestações culturais que se apresentam em nosso
Estado.
A proposta de pesquisa da identidade cultural paranaense, através da leitura
crítica de narrações literárias históricas, se enquadra perfeitamente nesta
proposta mais ampla acima exposta, que é atualmente política de governo.
Nesse sentido, a proposta aqui colocada é uma ação possível, entre muitas
outras ações possíveis da sociedade e das instituições como a escola e a
universidade, para que a política de estado torne-se uma política pública e que
tenha continuidade independentemente do partido do governo. Devem ter em
comum essas ações, como resultado mais importante a ser buscado, o próprio
fomento à discussão da cultura paranaense, a partir das bases, com a
conseqüente formação de novos agentes culturais, tanto na área pública, como
na sociedade.

POR UMA NOVA PRÁXIS DO PROFESSOR PARANAENSE DE LITERATURA


Na prática, muitas vezes o professor de literatura se perde no trabalho a partir de
uma das possibilidades do ensino de5 Literatura: a que, segundo As Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná , se prende unicamente à linha do tempo da
historiografia. Essas diretrizes são muito claras quando fazem críticas a esse
procedimento. Porém, devido a uma série de fatores histórico-político-culturais, e
devido à inexistência de material didático apropriado, muitos acabam se
restringindo ao que já está pronto, deixando pouco ou nenhum espaço para
inovações.
Considerando essas dificuldades, neste momento histórico, este trabalho sugere
novos olhares e, sob certo aspecto, novos olhares sobre perenes olhares para
com o ensino da nossa literatura, priorizando uma busca do valor do regional,
como forma de contribuir para ampliar o conhecimento de nossa literatura e, por
conseguinte, ampliar o nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo,
que é o fim mesmo da arte da literatura.
A compreensão mais abrangente sobre o mundo e sobre a humanidade, deve
partir da construção de um saber próprio, objetivo, que valorize e afirme a
identidade cultural de um povo. É o que Dermeval Saviani, em suas reflexões,
registra:

Dizer que determinado conhecimento é universal significa dizer que ele é


objetivo, isto é, ele expressa as leis que regem a existência de determinado
fenômeno, trata-se de algo cuja validade é universal. E isto se aplica tanto a
fenômenos naturais como sociais. (SAVIANI, Dermeval. P. 58, 2005).

O trabalho de garimpagem da nossa história cultural, política, social, através dos


textos sobre o Paraná e dos paranaenses, não implica em desdenhar, é claro, do
ensino da literatura nacional e universal. Também não implica em deixar de lado
outra preocupação desta arte da Literatura, que é a de, conforme Antônio
Cândido, renovar o sistema simbólico, criando novos recursos expressivos,
mesmo que, para isso dirija-se a um número ao menos inicialmente reduzido de
receptores, o que ele chama de a arte da segregação.
A integração é o conjunto de fatores que tendem a acentuar no
indivíduo ou grupo a participação nos valores comuns da
sociedade. A diferenciação, ao contrário, é o conjunto dos que
tendem a acentuar as peculiaridades, as diferenças existentes
em uns e outros. São processos complementares, de que
depende a socialização do homem; a arte, igualmente, só pode
sobreviver equilibrando, à sua maneira, as duas tendências
referidas. (CANDIDO, Antonio. P. 27. 1975.)

Por isso é importante voltar-se aos nossos textos criticamente. Tanto para
valorizá-los socialmente, quanto para criticá-los, mas sem a obsessão pura e
simples em julgar o nível de sua qualidade literária. Acompanhamos nossos
alunos pagando caro para ler “best-sellers”, produzidos em escala industrial,
visando agradar a um público determinado, previamente selecionado através de
pesquisas de mercado. O mercado os convence a comprar estes livros-produto.
Enquanto isso, a escola pública paranaense, através de seus profissionais,
omite-se de catalogar e propagar os seus clássicos literários. Fica aqui uma
indagação: A escola tem autoridade para definir sobre a literariedade ou não de
alguns textos? Ou teríamos, nós, professores da rede pública que esperar pela
definição de setores especializados, como a crítica literária, a intelectualidade, a
universidade e a academia, para que nos digam o que é bom para formar nosso
aluno-cidadão? Esta é uma reflexão que Marisa Lajolo, doutora em teoria
literária, pela USP, faz em seu livro da série brasiliense, O que é literatura:

Entre as instâncias responsáveis pelo endosso do caráter


literário das obras que aspiram ao “status” de literatura, a
escola é fundamental. A instituição escolar é das que há mais
tempo e com maio eficiência vêm cumprindo o papel de
avalista e fiadora da natureza e valor literários dos livros em
circulação. (LAJOLO, Marisa. P. 19, 1985 )

É preciso que nós, professores de literatura, nos assumamos enquanto seres


históricos, a fim de que melhoremos nossas propostas de intervenção nesta
mesma história, que se constrói coletivamente. Dermeval Saviani, afirma o
seguinte:

Os conteúdos históricos sempre são importantes e, de certo ângulo,


determinantes, porque é pelo caminho deles que se apreende a perspectiva
histórica, o modo de situar-se historicamente. De fato, como posso proceder
segundo o método histórico fazendo abstração da história? Algo
semelhante acontece com as demais disciplinas. (SAVIANI, Dermeval. P.
145, 2005)

Uma postura crítica no ensino da literatura paranaense, amparada pela


fundamentação teórica buscada através da pesquisa, levará a uma reflexão
importante sobre a práxis. Todo professor pode e deve refazer num movimento
contínuo sua prática pedagógica. Evitando dessa maneira que haja acomodação,
principalmente quando, muitas vezes, o trabalho com a literatura restringe-se a
privilegiar a leitura apenas fruição, sem critérios críticos de escolha, ou a leitura
preferencial dos textos dos livros didáticos, muitas vezes fragmentados e que não
dialogam de maneira intensa com a realidade social do nosso aluno, e nem com
a do próprio professor. Nós, professores de Literatura, quando não assumimos
nossa responsabilidade histórica, corremos o risco de perder a objetividade, a
clareza do nosso papel enquanto sujeitos importantes na construção da teia do
conhecimento, na construção da teia das relações sociais e no alicerçamento de
um projeto democrático de sociedade. Estaremos então, por comodismo ou
desconhecimento, ocupando o espaço de tempo das nossas aulas para
privilegiamos a subjetividade, no sentido de fortalecer o individualismo, já tão
exacerbado pela nossa sociedade, orientada pelo mercado e suas cotidianas
táticas de aumento irresponsável do consumo. Portanto, nossa atitude não pode
ser neutra. Dermeval Saviani, refletindo sobre a objetividade-neutralidade, coloca
assim essa questão:

(...) a questão da neutralidade (ou não-neutralidade) é uma


questão ideológica, isto é, diz respeito ao caráter interessado
ou não do conhecimento, enquanto a objetividade (ou não-
objetividade) é uma questão gnosiológica, isto é, diz respeito à
correspondência ou não do conhecimento com a realidade à
qual se refere. Por aí se pode perceber que não existe
conhecimento desinteressado; portanto, a neutralidade é
impossível. (IDEM. P. 57)

Estudos do comportamento humano feitos por Vigotski, apresentados em seu


livro A formação social da mente, contribuem para a reflexão e se constituem em
argumentos para a defesa de uma perspectiva em que o professor deixe de uma
postura de omissão, ou de acomodação, para se revestir de autoridade na
proposição de um trabalho que tenha como fim a construção coletiva e dialética
de um projeto de sociedade. Para esse autor: “O mecanismo de mudança
individual ao longo do desenvolvimento tem sua raiz na sociedade e na cultura.”
(VIGOTSKI, L. S. P. 10, 2005).
Uma sociedade planejada para o futuro, depende de uma mudança de atitude
com relação à valorização do passado. Não se planeja sobre o que não existe.
Mas essencialmente sobre o que já aconteceu. Neste contexto, os professores
que ensinam literatura têm compromisso inadiável em exercer cada vez mais seu
protagonismo frente à história. Da mesma forma, através da discussão sobre a
história em comum de sua comunidade e de seus alunos, o professor tem o
compromisso de alicerçar os valores que despertarão a verdadeira cidadania. Em
um tempo em que parece prevalecer o determinismo e fatalismo histórico, em
que a flexibilização é sinônimo de precarização, globalização é sinônimo de
exclusão, e em que o lucro passa a ser o centro de interesse e objetivo final, não
podemos deixar que a educação também se corrompa, passando apenas a
atender os interesses do capital. A tese defendida pó Domenico de Masi, em O
ócio criativo, reforça a idéia de que as imposições da globalização devem ser
repensadas, principalmente considerando o fato de que, segundo ele: “a
globalização achata a diversidade cultural. (...) a globalização atual representa
somente o êxito mais elaborado de uma tendência perene do homem, de explorar
e depois colonizar todo o território que ele pensa que exista, até construiu uma
única aldeia.” (MASI, Domenico de. P. 136, 2000).
Um exemplo importante de trabalho semelhante à proposta 6
aqui desenvolvida, é
o trabalho proposto pela professora Lizia Helena Nagel (UEM), esclarecido em
seu artigo Um programa de Pesquisas: Resultados e Expectativas, intitulado A
Educação que não conhecemos, que em suma, parte de discussões feitas a
partir de afirmações registradas sobre a história em Manuais de História e de
Filosofia da Educação. A importância deste exemplo, é que o programa acima,
trabalha aliando conhecimentos históricos com a leitura de obras literárias, como
fica claro abaixo:

Para tal, toma como parâmetro avaliador dessas assertivas os debates e as


controvérsias instauradas no interior da própria Antiguidade. Assim,
recuperando as lutas desencadeadas nos períodos de desenvolvimento e
de decadência da sociedade grega, trazendo os personagens no seio de
conflitos que lhe dão contornos, precisando a origem e o conteúdo das
preocupações e/ou questões dessa época é que se organiza o referencial
sobre o qual os discursos contemporâneos são analisados. (...) Nessa
perspectiva, torna-se fundamental para os pesquisadores o retorno às
fontes primárias ou o aprofundamento das obras da Antiguidade Clássica.
Homero, Hesíodo, Teógnis, Sólon, Ésquilo, Píndaro, Aristófanes, Sófocles,
Eurípides, Isócrates, Demóstenes, Mênandros são considerados tão
importantes quanto os historiadores ( Heródoto e Tucídides) ou quanto os
Pré-Socráticos (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Pitágoras, Heráclito,
Anaxágoras, Demócrito, entre outros) ou, mesmo, Sócrates, Platão e
Aristóteles. A literatura, nesse caso, torna-se aliada inseparável da filosofia
e da história para melhor entendimento da prática social de um definido
período histórico. (NAGEL, Lizia Helena.)

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODO

Não basta apenas constatar que se faz necessário resgatar, reforçar, ou muitas
vezes iniciar um modelo inovador de trabalho com a literatura local e
principalmente sobre o local. É preciso produção coletiva de material didático-
pedagógico e adequada socialização do mesmo para uma verdadeira intervenção
no ensino-aprendizagem. Neste tipo de trabalho, aqui proposto, a colocação da
pesquisa como foco central do processo, exige postura do professor e
compromisso com a leitura, sua e de seus alunos. As aulas de literatura
transformam-se, em resumo, num processo contínuo de formação de leitores, e,
neste caso, de leitores potencialmente escritores, cada vez mais comprometidos
em conhecer para transformar a sua realidade.
As aulas de Literatura nas escolas paranaenses devem configurar um processo
em que seres históricos, humanizando-se, através do diálogo com outros
humanos, de seu tempo e de outros tempos, acabam humanizando o próprio
mundo com o qual interagem. É o que Paulo Freire sempre propôs, e que está
destacado em seu livro Pedagogia da Autonomia, principalmente no capítulo
Ensinar exige o reconhecimento e assunção da identidade cultural:

Uma das tarefas mais comuns da prática educativo-crítica é


propiciar as condições em que os educandos em suas relações
um com os outros e todos com o professor ou a professora
ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se
como social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador (...) A experiência histórica, política,
cultural e social dos homens e das mulheres jamais pode se
dar “virgem” do conflito entre as forças que obstaculizam a
busca da assunção de si por parte dos indivíduos e dos grupos
e das forças que trabalham em favor daquela assunção.”
(FREIRE, Paulo. P. 46, 1996.)

É um privilégio dos professores de Língua e Literatura poder trabalhar com uma


disciplina que dialoga com tantas outras, e que dialoga tão intimamente com a
disciplina de História. Devido à complexidade do texto literário, ele só pode ser
aproveitado integralmente, se isso é possível, por leitores que tenham uma
formação mais integral, nas mais diversas áreas do conhecimento humano, como
a filosofia, sociologia, história, psicologia, só para citar algumas. Roland Barthes,
muito incisivo nesta questão, afirma que:

A literatura é, por certo, um código narrativo, metafórico, mas


também um lugar onde se encontra engajado, por exemplo, um
imenso poder político. É por isso que afirmo paradoxalmente
que só se deve ensinar literatura, pois através dela se poderia
abordar todos os saberes. (BARTHES, Roland. P. 336, 2004)

Ao se trabalhar com literatura, prestando atenção nas marcas implícitas nos


textos que possam caracterizar uma identidade paranaense, estaremos
trabalhando, sob uma perspectiva também transdisciplinar, na construção de um
discurso próprio, fundamentado em valores e conhecimentos que reforcem e
ampliem essa identidade comum entre os paranaenses. O trabalho com
pesquisa, que corresponde à busca das fontes literárias históricas locais, a ser
realizado pelos professores e pelos alunos, deverá estar intimamente articulado
ao trabalho reflexivo sobre estes textos. Essa prática de pesquisa e discussão
proporcionará a oportunidade de surgimento de novas e variadas metodologias
de ensino. É um método que objetiva a formação não apenas dos alunos, mas,
também, continuamente, do próprio professor. Paulo Freire considera o
professor, que age sob influência dessa visão do ato de educar, como um
ensinante-aprendente: “Não há docência sem discência, as duas se explicam e
seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição
de objeto, um do outro. Quem ensina, aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender.” (FREIRE, Paulo. P. 23, 1996).
Resgatando os conteúdos importantes em Literatura para os paranaenses,
através da pesquisa em nossa história, os professores estarão priorizando uma
forma dialética de trabalho, em que o aluno possa compreender os diferentes
pontos de vista, ou foco narrativos, em que possa analisar através do tempo, as
mudanças de comportamento e pensamento daqueles que o precederam. O
ensino direcionado nesta linha será capaz de prover, como afirma Saviani: “Os
meios necessários para que os alunos não apenas assimilem o saber objetivo
enquanto resultado, mas aprendam o processo de sua produção, bem como as
tendências de sua transformação.” (SAVIANI, Dermeval. P. 9, 2005).
Discorrendo sobre o modo de avaliação deste processo de ensino-aprendizagem,
é importante salientar que a avaliação também tem que ser entendida como um
processo. Todos estão em processo de amadurecimento enquanto leitores e
enquanto escritores. Precisam também ter seu conhecimento avaliado dentro de
uma visão histórico-crítica. Para Saviani:

(...) o saber que diretamente interessa à educação é aquele que emerge


como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho
educativo. Entretanto para chegar a esse resultado a educação tem que
partir, tem que tomar como referência, como matéria–prima de sua
atividade, o saber objetivo produzido historicamente. (IDEM. P. 7)

TRABALHANDO COM AS NARRATIVAS LITERÁRIAS HISTÓRICAS

Este trabalho defende a importância da focalização do trabalho dos nossos


professores de literatura em algumas narrativas históricas paranaenses. É lá que
podemos buscar alguns indícios de nossa formação cultural, social e política.
Através delas poderemos suscitar as pesquisas necessárias para ampliar nosso
entendimento sobre nossa própria identidade. O trabalho com narrativas literárias
históricas na escola visa ampliar o conhecimento da própria história,
considerando que esta ciência não consegue explicar todas as situações e
preencher todas as lacunas. Por mais criterioso que seja uma pesquisa de
história, o fato é que é inegável a impalpabilidade dos fatos históricos. A
liberdade que tem o escritor de ficção permite ir além da história-ciência, no seu
sentido mais tradicional, desvelando novas possibilidades, criando novas
versões, visualizando melhor a plenitude daquele momento histórico,
enriquecendo-o com seus conhecimentos, tornando-o mais vivo e carregado de
emoção. Em A arte de ler, Mortimer J. Adler e Charles Van Doren dissertam
sobre a impalpabilidade dos fatos históricos e sobre o universal em história:

Classificamos a História, a estória do passado, mais freqüentemente como


ficção do que como ciência – se é que há necessidade de filiá-la a uma ou a
outra (...) Se não há (...), então é de admitir que História está mais próxima
da ficção do que da ciência. (ADLER, Mortimer Jerome, Doren, Charles
Van. P. 227, 1974)

Os mesmo autores, ainda afirmam sobre as narrativas literárias:

Às vezes a ficção narrativa é um meio melhor de tornar bem clara uma idéia
– seja ela política, econômica ou moral – do que uma obra expositiva que
defenda a mesma idéia. Animal Farm e 1984, de George Oswell, são
poderosos ataques ao totalitarismo. Admirável mundo novo, de Aldous
Huxley, é uma eloqüente diatribe contra a tirania do progresso tecnológico.
O primeiro círculo de Soljenitsin nos diz mais a mesquinha crueldade e
desumanidade da burocracia soviética do que uma centena de estudos e
reportagens factuais. (IDEM, P. 208)

Quando voltamos nossos olhos para o passado, é o presente que nos interessa.
E é no presente que praticamos as ações que mudarão o futuro. Assim, através
do trabalho com estes textos selecionados estaremos contribuindo7 para a
construção propositada dos monumentos históricos a que Vigotski já se referia:
“Tem se dito que a verdadeira essência da civilização consiste na construção
propositada de monumentos de forma a não esquecer fatos históricos.” (Vigotski,
Lev Semenovich. P. 68, 2003.)
Antonio Candido, em seu livro, Literatura e sociedade, explicita o que seria a arte
da agregação; “(...) se inspira principalmente na experiência coletiva e visa os
meios comunicativos acessíveis. Procura incorporar-se a um sistema simbólico
vigente, utilizando o que já está estabelecido como forma de expressão de
determinada sociedade.” (CANDIDO, Antonio. P. 27, 1975).
Nesse aspecto, a que se refere Antonio Candido, é que se encontra uma grande
lacuna em nosso estado. Embora o Paraná só tenha se desmembrado da província
de São Paulo em 29 de agosto de 1853, através do decreto imperial nº. 704,
tratando-se, portanto, de um Estado recente, nada justifica o descaso com a sua
história e cultura. Com certeza a motivação para o desmembramento não foi
apenas o medo do regente em perder espaço político para as idéias republicanas
que batiam nas fronteiras. O grito de “Co ivi oguerecó yara!” (Esta terra tem dono)
– já era um sentimento de pertencimento dos primeiros povos que aqui habitavam
e que lutaram para defender sua cultura. Esse sentimento popular é que
certamente foi decisivo na luta argumentativa pela conquista da nossa
emancipação. Ocorre que o eco dessa e de outras lutas repousam no profundo
silêncio do esquecimento. Ao invés de o conhecimento objetivo sobre as mesmas ir
se acumulando, fortalecendo uma forma de expressão própria e diferenciada do
povo paranaense. Onde está esse conhecimento? Nos relatos de viajantes, nos
relatos de guerra, em contos, romances, na crônica jornalística, nas histórias de
vida dos paranaenses, etc. A proposição é a busca coletiva das fontes, a produção
coletiva de material, e o diálogo entre o que foi, o que está sendo e o que
planejamos para o futuro, durante um processo dialético de construção do saber.

UM EXEMPLO PRÁTICO DE BUSCA DA IDENTIDADE PARANAENSE NAS


NARRATIVAS

Os primeiros relatos sobre a nossa terra não foram feitos por moradores daqui.
Se bem que a terra não era nossa ainda.8 O primeiro relato conhecido é o da
viagem de Álvar Nuñes Cabeza de Vaca , numa época em que os moradores
dessa terra, eram nossos antepassados, que viviam em tribos e não dominavam
a escrita. É importante destacar, contudo, que num trabalho de valorização da
História e Literatura de um povo nada pode ser desconsiderado, inclusive os
relatos orais preservados que constituem as narrativas indígenas e que nos
ajudam a compreender melhor nossas origens, antes do processo de
miscigenação.
Estes primeiros europeus a pisar em solo paranaense, utilizaram os chamados
“peabirus”, caminhos de índios, entre 1541 e 1542. De acordo com os relatos,
essa viagem foi iniciada na então Ilha de Santa Catarina, em 29 de março de
1541. Com 250 homens de armas, 36 cavalos, alguns índios, seguiram pelo rio
Itapocu, atravessaram a serra do mar, à margem oriental de Campo do Tenente,
chegando ao Iguaçu nas proximidades de Araucária. Quando passou por aqui, as
terras teoricamente pertenciam à coroa espanhola. Denominou-as,
primeiramente, de “Província de Vera”. Seguiu viagem para o norte em direção
aos rios Ivaí e Piquiri, chegando ao Iguaçu, onde descobriu as cataratas. Foram,
então, olhos espanhóis que primeiro viram e relataram sobre nossa terra e nossa
gente. Essas narrativas são materiais de muito significado para o trabalho a que
nos propomos.
Os segundos olhos que se puseram de maneira crítica e observadora sobre
nossa terra, produzindo um relato histórico, muito rico e detalhado, ainda não
eram olhos brasileiros, nem paranaenses, e sim franceses. Numa época em que
as terras do Paraná pertenciam à Província de São Paulo. Trata-se de um
segundo relato de viagem pela então Província de São Paulo e pela 9
Comarca de
Curitiba, entre 1816 e 1822, do francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853).
Esse relato é muito mais detalhado e descreve não apenas a geografia da época,
mas faz referência aos costumes locais, tece comentários sobre o modo de ser
do homem e mulher locais, brancos, negros e índios, além de fazer comparações
que os distinguem das populações de outras regiões do Brasil. A viagem de
Saint-Hilaire por estas terras principiou pelo norte, entrando na Fazenda
Jaguariaíba, continuando pelos Campos Gerais, Vila de Castro, Vila de Curitiba,
Serra de Paranaguá, até Guaratuba.
Cassiana Lacerda Carollo, tradutora desta obra, bem colocou como introdução
um capítulo intitulado Auguste de Saint-Hilaire – Olhar poético de um cientista.
Citando José Guilherme Merchior, em seu livro De Anchieta a Euclides; breve
história da literatura brasileira, ressalta que essas narrativas “servem de auxílio à
compreensão do fundo espiritual de que nasceu a experiência histórica do Brasil
e, dentro dela, a literatura.” Temos, portanto, nesses relatos, irrefutável valor
histórico e literário, embora sejam matérias ignoradas por grande parte dos
professores de Literatura. Muitas vezes o professor conhece os textos, mas não
os inclui como material pedagógico em suas aulas. Selecionamos alguns trechos
de grande valor para trabalho em sala de aulas, em que é descrita a
hospitalidade do povo local, além das relações entre “patrão” e escravo,
observações sobre os índios, sobre a cultura, folclore e religiosidade do povo,
além de reflexões sobre o próprio eu do autor:

Passei cinco dias em Caxambu, retido pelas chuvas contínuas. (...) desde
Sorocaba eu não havia encontrado em nenhum outro lugar um passadio tão
bom. Era servido pelo capataz ou chefe das tropas, que na ausência do
dono administrava a fazenda, e que no entanto não passava de um
escravo. Esse homem não tinha, certamente, nada do que se queixar do
patrão, pois parecia muito satisfeito. Era cortês sem ser servil, e embora
dirigisse aos outros escravos com autoridade, demonstrava para com eles
uma bondade extrema. O Sr. Xavier da Silva ( dono da fazenda ) não devia
ser um homem muito comum (...) criou no meio do deserto uma morada que
deveria ser considerada muito aprazível mesmo num país civilizado (...)
Desnecessário é dizer que este fazendeiro era “português europeu”. Os
habitantes da região (...) são indolentes, têm muito pouco gosto, pouca
noção de simetria para fazer algo semelhante. (...) (SAINT-HILAIRE,
Auguste de. P. 53-54, 1995. )

Parei numa fazenda (...) que se chamava Fazenda do Tenente Fugaça. O


proprietário estava ausente, mas fui muito bem acolhido por seus escravos.
Suas maneiras corteses e o contentamento que traziam estampado na face
me fez tomá-los inicialmente por homens livres. (...) me fizeram grandes
elogios ao seu amo (...) felizes e prestimosos para servir. Se os negros têm
muitas vezes um ar melancólico, sofredor e estúpido, e se chegam mesmo
a se mostrar desonestos e audaciosos, é porque são maltratados. (...)
(SAINT-HILAIRE, Auguste de. P. 56, 1995 )

(...) considerando-se tudo o que eu disse até aqui sobre os Coroados dos
Campos Gerais, tribo dos bugres, é mais que evidente que em seu estado
selvagem eles são superiores em inteligência, engenhosidade e previdência
a muitas outras populações indígenas, e talvez o sejam também em beleza
física: por conseguinte, devia ser feito todo o possível para aproximá-los
dos homens da nossa raça e estimular os casamentos entre eles e os
paulistas pobres, que não se envergonhassem do sangue indígena, pois há
muito tempo esse sangue corre nas suas veias. (...) (SAINT-HILAIRE,
Auguste de. P. 61, 1995. )

É importante salientar a preocupação de Saint-Hilaire com a simplicidade do


nosso povo, não apenas em suas atitudes diárias, mas, e aqui fica bem clara a
crítica do francês, com relação à intelectualidade, conforme podemos observar no
trecho abaixo:

O que me causava melancolia era a profunda solidão em que


eu vivia habitualmente. A conversa dos meus empregados era
muito pouco divertida (...) se lhes desse muita atenção logo
começavam a mostrar muita familiaridade e a me faltar com o
respeito. (...) a maioria das pessoas em cujas casas eu me
alojava tinham idéias tão restritas que eu não conseguia
conversar com elas mais do que quinze minutos; via-me, pois,
forçado a me alimentar com os meus próprios pensamentos.
(...) (SAINT-HILAIRE, Auguste de. P. 91, 1995.)

Esse sítio (Ferraria ,arredores de Curitiba) pertencia ao Sr. Inácio de Sá


Sottomaior, coronel da milícia de cavalaria (...) Ele era europeu, quer dizer,
era mais ativo e tinha o espírito mais empreendedor do que os seus
vizinhos. Ele havia plantado ao redor de sua casa diversas variedades de
uvas, e fazia alguns anos vinha fabricando um vinho bastante razoável. (...)
Várias pessoas de Curitiba vieram à na casa do coronel; sua mulher e sua
filha participaram da reunião, o que não teria ocorrido em Minas. (...) Falou-
se também das inúmeras superstições praticadas na região, de almas-de-
outro-mundo, de duendes, de lobisomens, em que todos acreditavam. Os
dogmas do cristianismo eram confundidos com as mais absurdas fantasias.
(...) (SAINT-HILAIRE, Auguste de. P. 100, 1995.)

Em nenhuma outra parte do Brasil encontrei tantos homens


genuinamente brancos quanto no distrito de Curitiba. Os
habitantes da região pronunciam o português sem nenhuma
das alterações que já mencionei antes e que são sinais da
mistura da raça caucásica com o indígena. (...) são altos e bem
constituídos, tem os cabelos castanhos e a pela rosada; suas
maneiras são afáveis, sua fisionomia é franca. (...) As mulheres
têm os traços mais delicados do que as de outras regiões do
império. (...) são menos arredias e conversam agradavelmente.
(...) têm alguma semelhança com seus vizinhos, os habitantes
do Rio Grande do Sul. (...)(SAINT-HILAIRE, Auguste de. P.
118-119, 1995.)

Ali (Curitiba e região) não é o calor excessivo que causa preguiça nos
homens, eles se tornam indolentes porque têm poucas necessidades e não
conhecem o luxo; além do mais, a fecundidade da terra, bem como a
doçura do clima, exige deles poucos esforços. (...) (SAINT-HILAIRE,
Auguste de. P. 120.)

Nessa obra-referência sobre nosso passado histórico, o autor demonstra uma


preocupação com o registro de falares, observando diferenças regionais inclusive
na fala dos índios. Chegou a produzir um pequeno dicionário com palavras da
língua falada pelos índios da região de Curitiba. A observação dos falares levou
Saint-Hilaire a concluir que a miscigenação era causa direta do surgimento de um
novo falar regional. Surgido a partir do interior, onde a relação com o índio
tornava-se mais próxima. A formação de famílias entre brancos e índios
acontecia geralmente entre os pobres. Todas essas informações são importantes
para se estudar e compreender a formação de nossa cultura. Também servem de
ponto de partida para investigações mais profundas.
Esses relatos têm inegável valor histórico e possuem um viés literário. Também
têm força narrativa para justificar a sua leitura e debate em nossas escolas!
Senão, como se justifica a carta de Pero Vaz de Caminha, constar como
conteúdo de português e literatura em tantos livros didáticos. Considerada, essa,
em muitos livros, como literatura de informação. Nessa categoria, pelo menos,
ninguém poderá objetar que esses relatos de Saint-Hilaire sobre nossa gente, se
encaixam, justificando sua leitura e estudo-pesquisa. São, portanto, documentos
imprescindíveis para constar em qualquer projeto de trabalho que resgate e
valorize a literatura paranaense.
Embora Saint-Hilaire várias vezes tenha se referido a certa preguiça do
paranaense e, em geral, do brasileiro de 1820, em seu relato sobre os
paranaenses é muito mais freqüente o elogio. O paranaense de 1820, ainda
segundo o mesmo autor, numa visão mais otimista, não estava preocupado com
a riqueza, mas com a subsistência. Não se preocupava em produzir excedente
pra lucrar. Sob certo aspecto, são idéias precursoras da tese do italiano
10
Domenico de Masi, em O ócio criativo, em que, citando Jeremy Rifkin , autor de
O fim do trabalho, defende que: “A sociedade de tempo livre produz hospitalidade
e solidariedade! (...) A sociedade do tempo livre estará empenhada em atividades
que não produzam riqueza, mas solidariedade.” (MASI, Domenico de. 2000. P.
79.)
Características essas, a solidariedade e hospitalidade, que saltam às vistas na
leitura da narrativa de Saint-Hilaire sobre o povo da região do Paraná naquela
época. Confirmando o senso comum que faz a maioria do povo acreditar que o
passado histórico foi melhor do que o presente. Provavelmente é essa sensação
de que o tempo passava mais devagar e de que havia mais tempo para cultuar
os vizinhos, os parentes, oferecendo e recebendo hospitalidade e, literalmente,
parando para conversar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos, através das justificativas deste trabalho, demonstrar que o mesmo


está de acordo com a proposta das Diretrizes Curriculares do Ensino de
Literatura no Estado do Paraná, que condena o abuso da prática de trabalhar a
Literatura apenas como História da Literatura. Propomos, antes de tudo, como
professores da rede pública do Paraná, trabalhar principalmente a história dos
paranaenses através da Literatura. Desta forma, o método aqui exposto se
enquadra dentro de uma visão histórico-crítica dos conteúdos.
Há na história do Paraná uma imensurável riqueza a ser encontrada e lapidada, a
partir da leitura dos textos narrativos com fundo histórico, a fim de que se
transforme em conhecimento essencial para contribuir na construção de uma
identidade cultural do paranaense. Incontáveis personagens, envoltos em
inéditos e mal-sondados conflitos, ocupando os mais impressionantes e
familiares ambientes, ainda estão lá, em algum lugar do passado, esperando ser
descobertos ou, simplesmente, redescobertos. O que pensavam? Como faziam
suas escolhas? Quais eram suas lutas? Acreditavam em quê? O resgate desse
passado histórico, através do trabalho crítico e valorizador das nossas narrativas
literárias históricas, promoverá mudanças essenciais na formação do cidadão de
nosso estado.
Esse é um trabalho trans-disciplinar, que o ensino de Literatura pode e deve
desempenhar com muita eficiência, dando sua contribuição para a construção de
um conhecimento objetivo sobre a identidade cultural do paranaense. Assim os
professores de literatura do Paraná estarão apresentando propostas para uma
efetiva mudança de comportamento nas atuais aulas de Literatura. O que
ensejará, na prática, uma profunda alteração do planejamento escolar. A
necessidade urgente e inadiável de eleger os nossos autores, por nós escolhidos,
por nós encontrados, não significa deixar de trabalhar a literatura nacional ou
universal. Significa antes que, a partir da valorização da literatura que primeiro
nos fala à razão e emoção, mais significado terá o estudo das outras literaturas.
Quem compreende bem o rio da sua aldeia, quem ama o rio da sua aldeia, com
certeza também verá com olhos ampliados os rios de outras aldeias. É o que,
através da poesia, Fernando Pessoa, em 11
poema assinado por Alberto Caeiro,
conhecido como O rio da minha aldeia , expressa, quando valoriza a sua aldeia,
dando um significado especial ao rio que passa por ela, mesmo quando
reconhece que o Tejo, rio que banha Portugal, é maior. Ao escritor que convive
mais de perto conosco precisamos aprender a dar importância, e às suas obras,
dar significado. Assim também deve ser em outras disciplinas: a geografia deve
valorizar a geografia do bairro, a história primeira deve ser a da família e
conterrâneos. Quando o aluno compreender melhor a sua aldeia, então sim
poderá dialogar com outras histórias, a partir de um ponto de vista próprio, o que
se tornará uma experiência muito mais enriquecedora.

Referências bibliográficas:

Bibliografia crítica:

ADLER, Mortimer Jerome, DOREN, Charles Van. A arte de ler. Rio de Janeiro.
Editora Agir. 1974

BARTHES, Roland. O grão da voz. São Paulo. Martins Fontes, 2004.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Cia. Editora Nacional,


1975.

FIORIN, José Luiz / SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto – leitura e
redação. São Paulo. Editora Ática, 1991

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. São Paulo. Paz e Terra, 1996.

LAJOLO, Marisa. O que é literatura. São Paulo. Editora Brasiliense, 6ª edição,


1985.

GUEDES, Paulo Coimbra. Ensinar literatura é tarefa do professor de Português.


V. 26, n. 3. Letras de Hoje. Porto Alegre. P.145-161, 1991.

MASI, Domenico de. O ócio criativo. Rio de Janeiro. Sextante, 2000.

NETO, Bento Munhoz da Rocha. O Paraná, ensaios. Curitiba. Coleção Farol do


Saber, 1995.

NEWTON, Sampaio. Uma visão literária dos anos 30. Curitiba. Fundação Cultural
de Curitiba, 1979.
RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos
empregos e a redução da força global de trabalho. Makron Books do Brasil, São
Paulo, 1995.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo. Cortez editora, 1991.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações.


Campinas. São Paulo. Autores associados, 2005

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. 6ª. ed. São Paulo.
Martins Fontes, 2003.

ZILBERMAN, Regina / SILVA, Theodoro da. Leitura: perspectivas


interdisciplinares. São Paulo. 5. ed. Editora Ática.

Bibliografia ficcional-histórica:

PESSOA, Fernando. Ode triunfal e outros poemas. Seleção e apresentação de


Luiz Roberto Benati. São Paulo: Global, 1988.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela comarca de Curitiba. Curitiba:


Fundação Cultural, 1995.

VACA, Alvar Nunes Cabeza de Vaca. Comentários. Curitiba. Coleção Farol do


Saber, 1995.
1 Artigo produzido para o PDE – Programa de Desenvolvimento da Educação do Estado do
Paraná, orientado pelo professor Wilton Fred Cardoso de Oliveira.
2 Professor de Português e Literatura do Ensino Médio do Estado do Paraná. Especialista em
Língua Portuguesa. Participante do PDE, Programa de Desenvolvimento da Educação do
Estado do Paraná.

3 ABRELIVROS, Associação Brasileira de Celulose e Papel – BRACELPA, Câmara Brasileira do Livro-CBL


e Sindicato Nacional dos Editores de Livros – SNEL. Pesquisa Retrato da Leitura no Brasil, 2001.

4 EXAME Nacional do Ensino Médio – ENEM. INEP. 2006. Disponível em: < http://www.inep.gov.br/
download/imprensa/2007/tabelas. Acesso em 26 jul. 2007.

5 DIRETRIZES, Curriculares do Estado do Paraná. Disponível em: < http://www8.pr.gov.br/portals/


portal/diretrizes/index.php Acesso em 26 jul. 2007.

6 NAGEL, Lizia Helena.Um Programa de pesquisas: resultados e expectativas. Disponível em: <
http://www.educacaoonline.pro.br/um_programa_de_pesquisas.asp?f_id_artigo=247. Acesso em 26 jul. 2007.

7 apud Vigotski, Lev Semenovich. P. 68, 2003.


8 Apud NÚÑES Cabeza de Vaca, Alvar. 1995.
9 Apud SAINT-HILAIRE, Auguste de. 1995.
10 apud RIFKIN, Jeremy. 1995.
11 apud PESSOA, Fernando. 1988. P. 33.

Você também pode gostar