Você está na página 1de 8

Anais do V Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”


ISSN:2175-9685

Licenciado sob uma Licença


Creative Commons

O PRINCÍPIO DE “REENCANTAR A EDUCAÇÃO” SEGUNDO HUGO


ASSMANN
Pedro Paulo Soares da Silva
Mestrando em Ciências da Religião
UMESP
prof.pedropaulosoares@yahoo.com.br
Bolsista CNPq

GT 01 -RELIGIÃO E EDUCAÇÃO

Resumo: O presente artigo busca apresentar a educação com o princípio de reencantar a vida
segundo o pensamento de Hugo Assmann. Educar para Assmann vai além da sala de aula,
envolve também a troca de experiências buscando uma solidariedade social, uma busca pela
superação das diferenças sociais opressoras. A educação tem o papel de reencantar a vida,
oferecer possibilidades, vencer desafios, envolver o princípio de solidariedade. Ele oferece em
seus trabalhos referentes a educação um diálogo com a melhor literatura cientifica mundial,
com isso presta inestimável trabalho a cultura brasileira. A boa nova consiste hoje, educar como
significado de defender a vida, não negando a lógica do mercado, mas dar maior ênfase a
tendência da inclusão do que a da exclusão. Em termos gerais, a análise que este artigo se
propõe é poder criar um diálogo entre teologia e educação, tendo como base os trabalhos de
Hugo Assmann onde o mesmo nos leva ao conceito de “reencantar a educação para reencantar
a vida”, e dessa forma propor uma nova maneira de se pensar esses dois eixos.

Palavras-chave: Reencantar, Educação, Vida, Solidariedade.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


Introdução:
Este artigo tem como tema reencantar a educação, segundo Hugo Assmann,
como forma de superação das diferenças sociais opressoras e do sistema econômico
que priva os mais pobres de sua dignidade, tomando-lhes a sua humanidade.
Pretendemos mostrar a partir da visão de Hugo Assmann, uma educação prática e um
modelo de ação para a superação das desigualdades sociais.
O que significa reencantar a educação? Segundo o dicionário Aurelio (1999:745)
seria encantar-se novamente, seduzir cativar, fascinar, causar satisfação, extasiar.
Dessa forma reencantar a educação seria voltar –se a encantar com ela, a seduzir-se,
cativar-se novamente e transformar mais uma vez. 1
Temos observado que a educação, na atualidade apresenta-se cada vez mais de
maneira oposta, gerando uma perda da auto estima, a uma apatia e a um desinteresse.
Diante desse contexto será possível reencantar a educação? Atualmente isso seria um
desafio ao mundo desvalorizado da educação.
1. Chaves de Leitura
As chaves de leitura para reencantar a educação, segundo Assmann, estão no
dialogo transdisciplinar, nos avanços das tecnologias da informação e da comunicação,
nas descobertas da biociência sobre o celebro humano, no cotidiano com suas rápidas
e de certa forma profundas transformações, latentes numa realidade da exclusão social
que deve ser superada.
Hugo Assmann parte da ideia que embora o panorama educacional brasileiro
seja desolador, em especial nas escolas públicas, a escola deve ser um lugar gostoso.
Se faz necessário somar esforços para que, em nossas escolas seja erigida em
sistema. Vai dizer que: “A luta pela valorização e redignificação salarial e profissional, dos docentes
adquiriu tal prioridade que muitos já nem se lembram de ancorá-la também no reencantamento do cerne
pedagógico da experiência educacional” (ASSMANN, 2012, pág. 23).

1
Hugo Assmann utiliza o termo reencantar a educação em seus livros Metáforas para reencantar a educação:
epistemologia e didática (1996), publicado pela Editora UNIMEP/Piracicaba e Reencantar a educação: rumo à
sociedade aprendente (1998), publicado pela Editora Vozes. Mas antes de Assmann, li a palavra reencantamento
em Prigogine, em seu livro escrito com Isabelle Stengers, A nova aliança (Editora UNB, 1991). Prigogine fala sobre o
reencantamento do mundo, que já não é mais o mundo silencioso e monótono, o mundo do relógio da física
clássica, mas o mundo da “escuta poética”, do diálogo, da abertura e do respeito à natureza.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


Com isso podemos ver que toda luta deve ancorar-se sempre no encantamento
pela educação e dessa forma ganhar força pelas consequentes conquistas. Há uma
certa necessidade de frentes de luta pela melhoria da educação, sem se esquecer que
a questão da qualidade na educação passa de maneira central pelo viés pedagógico.
Por detrás da tese de fundo de Assmann passa-se o questionamento se os educadores
não acabam perdendo pontos em suas lutas reivindicatórias quando não se explicitam
adequadamente esta opção clara pro- reencantamento da educação no plano
pedagógico.
De acordo com Assmann o sujeito de mero corporativismo já se alastrou. Não dá
para silenciar o fato de que, também nas instituições educativas, há uma grande
quantidade de pessoas encalhadas no mero negativismo. Diz ainda que somente
educadores entusiasmados com seu papel na sociedade conseguem criar uma opinião
favorável a seus reclames. (ASSMANN, 2012, pág. 23).
A militância e a intervenção política primordial deveria consistir numa luta pela
melhoria da qualidade pedagógica e socializadora dos processos de aprendizagem.
Com isso haveria um aumento de credibilidade para exigir atenção para os demais
reclames que devem estar ancorados em propostas pedagógicas.
Afirma ainda que o processo educacional, a melhoria pedagógica e o
compromisso social têm que caminhar juntos. A escola não deve ser concebida como
simples agencia repassadora de uma série de conhecimentos prontos, mas de uma
forma onde o contexto e clima organizacional seja propicio a iniciação em vivencias
personalizadas do aprender tendo em vista que a flexibilidade é um aspecto mais
imprescindível de um conhecimento personalizado e de uma ética social democrática,
uma sociedade aprendente.
2. Seria possível reencantar a educação?
De acordo com Assmann sim, desde que com a pratica da liberdade, autonomia
e da esperança segundo o referencial teórico da pedagogia do oprimido. De acordo
com ele, reencantar a educação significa vivenciar a vida aprendendo e aprender rumo
a uma sociedade aprendente, levando-se em consideração todas as suas implicações
pedagógicas. A educação deve abranger o sentido de todas as formas de vida, uma
vez que os processos cognitivos e os vitais, são no fundo a mesma coisa.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


Hugo Assmann sugere que a flexibilidade adaptativa é imprescindível na
sociedade do conhecimento, uma vez que processos vitais e de conhecimento são a
mesma coisa, sendo a própria vida uma persistência de processo de aprendizagem. Diz
ainda que a força da vida deve ser somada a do conhecimento e, dessa forma, há
necessidade de uma visão antropológica mais complexa, que tenha como viés
pedagógico, da realização dessa educação, promotora da vida. Para que essa guinada
ocorra no processo educacional os professores precisam abandonar mediocridade
pedagógicas e suas ingenuidades politicas num esforço de reencantamento do ato
educativo, encarando o cerne pedagógico da qualidade de ensino. (ASSMANN, 2003).
Em resumo, podemos dizer que Hugo Assmann, inter-relaciona o indivíduo com
todas as suas potencialidades para a solidariedade para a vida e não para a morte, com
a sociedade, todas as potencialidades para solidariedade e não para exclusão e
extermínio da massa sobrante. Não caminha sozinho, testemunha com outros
pesquisadores, a possibilidade de o homem redirecionar sua existência para mais vida,
não apenas para um pequeno grupo mas para todos, buscando administrar o caos local
e global, de forma inteligente, ético-político e solidário, numa sociedade aprendente.
Assmann apresenta os três eixos que compõe sua noção de reencantamento: a
epistemologia, depois uma postura de vida e um compromisso com a transformação da
sociedade em novas bases éticas e políticas. Podemos dizer que ele articula ao mesmo
tempo o aspecto sociopolítico, o subjetivo e a epistemologia.
Um dos questionamentos que ele faz no seu livro “Reencantar a Educação” é:
Será que ser educador é ainda uma opção de vida entusiasmante? Dá para falar em
reencantamento da educação sem passar por ingênuo? (ASSMANN, 1998, pág. 22).
Com tais questionamentos ele relaciona as noções de “entusiasmo” e
“reencantamento”. Se buscarmos no sentido etimológico, a palavra entusiasmo significa
“transporte divino”, algo como alguém cheio do Espirito de Deus. Nas religiões da
antiguidade era o espirito de exaltação divina (SUNG, 2006, pg124). Atualmente, por
extensão, entusiasmo designa o estado de fervor, de uma intensa emoção de origem
religiosa ou fervor, ou então estado de exaltação de alguém arrebatado pela inspiração
artística ou poética.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


Assmann de nenhuma maneira reduz, a questão ao seu aspecto subjetivo. Ele
ao mencionar o receio de passar-se por ingênuo, situa histórico e socialmente tal
entusiasmo: o “desencantado” capitalista, que reduz tudo ao cálculo econômico e vê o
entusiasmo de origem não econômica como algo sem sentido, irracional e ingenuidade
romântica fora do tempo. Ainda afirma que “no mundo de hoje, a privação da educação
é uma causa mortis inegável” (ASSMANN, 1998, pg22), demonstrando mais uma vez
que a sua preocupação fundamental é a mudança da postura ético política com a
finalidade de salvar vidas humanas em um mundo que cada vez mais, sacrifica, sem
muitos remorsos, milhões de pessoas.
3. De onde os educadores poderiam tirar tal entusiasmo?
Assmann não faz nenhuma referência a algum espirito divino ou a alguma
inspiração artística, tal entusiasmo seria fruto do reconhecimento que a educação é um
dos principais e mais eficientes meios de salvar vidas humanas. Ele, ao mesmo tempo,
tem plena consciência de que não basta uma boa educação sem mudanças estruturais
na sociedade e no Estado. Dessa forma, o entusiasmo precisa nascer também do
assumir uma causa maior: a luta por mudanças éticas, políticas e econômicas na
sociedade.
Sua proposta de reencantamento da educação não se refere a uma volta da
importância da religião ou da espiritualidade religiosa na vida das pessoas e da
sociedade. Não busca lutar contra a secularização, mas sim contra um tipo de
desencantamento que trouxe nosso mundo para uma situação insustentável: a
destruição do meio ambiente e a exclusão social de uma grande parcela da população
mundial. Dessa forma ele afirma: “a educação terá um papel determinante na criação
da sensibilidade social necessária para orientar a Humanidade” (ASSMANN, 1998, pg.
26).
Tratando dessa proposta, reencantar a educação para reencantar a humanidade,
aparece claramente a articulação entre a noção de reencantamento e o sentido da vida.
Um novo sentido da vida, uma nova orientação para a humanidade, exige um
reencantamento do ato de educar e de aprender, um processo que não pode ser
determinado apenas pelo que se dita pelo mercado e dos cálculos financeiros.
Reencantamento esse que desencanta o mundo do consumismo e da acumulação, pois

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


revela o “verdadeiro” sentido da vida, sentido esse que se funda na própria ação de
viver e de se realizar como ser humano nas relações de diálogo e no conhecimento um
do outro e do mundo que os cerca. Conhecimento que possibilita uma vida melhor e
com mais sentido humano.
Podemos dizer que a luta para reorientar a humanidade de salvar vidas gera
uma graça, um encanto que não podem ser comprados ou vendidos no mercado, tal
fato só pode ser experiência quando se assume um sentido da vida e lutas que
carregam marcas da gratuidade, algo que está além da relação de compra e venda.

4. Considerações finais.
Em resumo podemos dizer que, para Hugo Assmann reencantar significa o
entusiasmo dos educadores e dos educandos, a nova epistemologia e uma nova
postura ética-política diante da vida e do mundo. Dessa forma ele afirma que:
“reencantar a educação significa colocar ênfase numa visão da ação educativa como
ensejamento e produção de experiências de aprendizagem” (ASSMANN, 1998, pág.
29).
Para que tais experiências de aprendizagem sejam capazes de “salvar” vidas e
de reorientar a humanidade, “o reencantamento da educação requer a união entre
sensibilidade social e eficiência pedagógica. Portanto, o compromisso ético-político do/a
educador/a deve manifestar-se primordialmente na excelência pedagógica e na
colaboração para um clima esperançado no próprio contexto escolar” (ASSMANN,
1998, pág. 34).
Esperança, sensibilidade social, eficiência pedagógica, uma nova racionalidade e
compromisso ético-político são conceitos que circulam em volta e, ao mesmo tempo,
constituem a sua noção de reencantamento da educação (SUNG, 2006, pág. 126).
Podemos ver que Assmann não estabelece nenhuma relação explicita entre sua
noção de reencantamento, com as religiões ou com espiritualidade. Entretanto, isso não
significa que ele não veja nenhuma relação possível, entre a sua noção de
reencantamento e algum tipo de religiosidade ou então de espiritualidade. Até mesmo
porque ele produziu vários livros de teologia que refletem entre os anos 1970 a 1995,

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


sobre as lutas para a superação da exclusão social e criticou o que ele chamou de
“idolatria do mercado”.
É interessante esclarecer que para ele nem todas as formas de religião ou de
espiritualidade são compatíveis com sua noção de reencantamento e também com a
defesa da vida dos excluídos e marginalizados. Há muitas formas de religião e
espiritualidade servem para exigir e legitimar sacrifícios de vidas humanas.
Assmann deixa claro com sua reflexão, apesar de não dizer explicitamente, que
não há necessidade de se apelar para espiritualidade ou religião para propor e viver um
reencantamento da vida e da educação. Dessa forma, sua proposta é “universalizável”,
ou seja, pode ser assumida por todos, na medida em que não se coloca nenhuma
precondição de caráter espiritual ou religioso, a não ser o entusiasmo em defender a
vida humana e reorientar a humanidade.
Outro importante ponto para compreender de forma clara a sua proposta de
reencantamento é a sua antropologia. Hugo Assmann critica o neoliberalismo, uma vez
que o mesmo concebe o ser humano como um ser incapaz de solidariedade no âmbito
da economia e da sociedade e, com isso, depositar somente no mercado a tarefa da
solidariedade social.
Na visão de Assmann, “os seres humanos não são naturalmente tão solidários
quanto parecem supor nossos sonhos de uma sociedade justa e fraternal” (ASSMANN,
1998, pág. 20), não somos impregnados de “instintos naturais” adequados para isso.
Com isso ele afirma que não devemos colocar o complicado problema da educação
para solidariedade ou a conversão para solidariedade em segundo plano.
Assmann não está querendo dizer que os seres humanos sejam “naturalmente
perversos ou anti- solidários, mas alerta para uma ingenuidade antropológica que pode
nos levar a descuidar dessa importante tarefa de educar para a solidariedade, isso
dentro do grande objetivo de educar para um sentido de vida mais humano.

Referenciais
ASSMANN, Hugo & SUNG, Jung Mo. Competência e sensibilidade solidária: educar
para esperança. Petrópolis: Vozes, 2000.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125


ASSMANN, Hugo. Paradigmas educacionais e corporeidade. 3ªed.Piracicaba: UNIMEP,
1995.

ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação; epistemologia e


didática.3ª ed. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001.

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo a sociedade aprendente. 12ªed.


Petropolis, RJ: Vozes, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, 38ªed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

SUNG, Jung Mo. Educar para reencantar a vida. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

WEBBER, Max. Ética protestante e o espirito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967.

Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0125

Você também pode gostar