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Rio de Janeiro
2009
Marcos Fábio Coelho
Rio de Janeiro
2009
CATALOGAÇÃO NA FONTE/BIBLIOTECA - UNIGRANRIO
CDD – 658
Marcos Fábio Coelho
Banca Examinadora
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
1.1 CONTEXTO ..................................................................................................................10
1.2 SITUAÇÃO PROBLEMA ...............................................................................................14
1.3 DIMENSIONAMENTO DA PROBLEMÁTICA................................................................16
1.4 OBJETIVOS ..................................................................................................................17
1.4.1 Geral ........................................................................................................................17
1.4.2 Específicos ..............................................................................................................18
1.5 SUPOSIÇÃO INICIAL ...................................................................................................18
1.6 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO..........................................................................................19
1.7 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ...........................................................................................20
1.8 ORGANIZAÇÃO GERAL DO ESTUDO ..........................................................................22
3 METODOLOGIA................................................................................................................. 40
3.1 DELINEAMENTO E CLASSIFICAÇÃO...........................................................................40
3.2 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA.........................................41
3.3 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS.............................................45
3.4 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS ..................46
3.4.1 Categorias ...............................................................................................................47
3.4.2 Subcategorias ..........................................................................................................49
3.4.3 Dificuldade de interpretação ....................................................................................50
3.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ...........................................................................................50
3.5.1 Liberdade aos entrevistados: o que disseram e como interpretar ...........................51
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 77
ANEXO A - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Especialista) ......................... 80
ANEXO B - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Vítima) .................................... 81
ANEXO C - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Testemunha) .......................... 82
ANEXO D - Transcrição da sétima entrevista ................................................................... 83
10
1 INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTO
Neste ritmo acelerado, não há tempo para fazer novos vínculos ou estar
solidário ao outro, os interesses individuais prevalecem sobre os coletivos, o diálogo
entre os membros das organizações está cada vez mais empobrecido. Esta
característica da vida contemporânea é muito bem explicitada por Bauman (1998) no
que se refere ao processo de intensa individualização das relações humanas e,
conseqüentemente, a negação do sentido humano de solidariedade. A partir desta
idéia, o autor contribui para o presente estudo no que tange ao processo de
transformação relativo à precarização e a fragmentação dos “laços humanos” nas
diferentes esferas sociais, macadas pela solidão nas relações autônomas.
referida prática com outros colegas; e duas funcionárias civis, uma testemunha e
outra vítima e testemunha.
1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Geral
1.4.2 Específicos
Este autor considera que as perdas econômicas virão por duas vias: a
diminuição da produtividade e qualidade de trabalho e os custos que traz consigo, o
absenteísmo. Quanto às conseqüências humanas, além do desaparecimento do
sentimento de pertencer ao grupo, gerado pela insatisfação laboral que isto pode
acarretar; a tensão sofrida no trabalho afeta negativamente a saúde das pessoas
devido o surgimento de transtornos psicossomáticos (úlceras duodenais, crises
cardíacas, instabilidadede humor, etc.) e o consumo de álcool ou psicofármacos.
Outros autores como Hirigoyen (2006; 2007) e Barreto (2000) corroboram as
21
Leymann, que a utilizou para definir as formas severas de tratamento dentro das
organizações. Mais tarde, na década de 90, o surgimento da discussão do tema
reascendeu através da psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, que lançou um
estudo completo sobre o tema tendo como base de estudos casos reais. Sua
repercussão foi internacional, mobilizando países como França, Suécia, Noruega e
Itália, que criaram leis com o intuito de coibir o assédio moral no ambiente de
trabalho.
2. REVISÃO DA LITERATURA
Outra dúvida muito comum está entre distinguir estresse de assédio moral. O
primeiro refere-se ao excesso que pode se tornar cansativo e até destruidor, mas o
assédio moral é destruidor por si só. É possível que o estresse dê espaço para o
assédio moral, todavia, a partir deste, as conseqüências sobre a saúde se tornam
muito mais graves (HIRIGOYEN, 2006).
Ainda que não seja em absoluto um fenômeno novo, considerando que Pikas
(1975 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004) já fazia alusão a este termo
referindo-se a grupos escolares. Só recentemente se tem começado a estudar o
assédio moral também no ambiente de trabalho, sobretudo nos países anglo-saxões
e nórdicos. Estudos na Finlândia, Reino Unido, Países Baixos, Suécia, Bélgica,
Portugal, Itália e Espanha (EINARSEN, 2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ,
2004) reportam que 9% dos assalariados são vítimas de assédio moral. Podemos
supor, portanto, um incremento de um milhão de pessoas, segundo a Terceira
Pesquisa Européia sobre Condições no Trabalho (OIT, 2000).
Goffman (2007) aponta para uma divisão básica, que remete à idéia de
hierarquia quando refere-se às “instituições totais”. Segundo o autor, há um grande
grupo controlado e uma pequena equipe de suspervisão. Esta última tende a sentir-
se como superior e correta; enquanto o primeiro coloca-se como inferior, fraco,
censurável e culpado. Ficando assim, a mobilidade social entre os dois estratos
limitada pelo distanciamento social freqüentemente prescrito.
33
comparada com a violência física devido à distância psicológica que existe entre o
sujeito e a vítima.
outros contextos, mas sempre voltado para facilitar ou trazer satisfação e bem estar
ao trabalhador na execução de suas tarefas”.
3 METODOLOGIA
Pode-se afirmar o caráter exploratório deste estudo, uma vez que visa
“ganhar maior conhecimento sobre um tema, desenvolver hipóteses para serem
testadas e aprofundadas e questões a serem estudadas” (MALTA, 1999 apud
VERGARA 2004, p.78). Desta forma, o estudo se caracteriza por exploratório, tendo
em vista que objetiva ganhar maior conhecimento do tema.
Para isso, foram utilizados três tipos de roteiros, com perguntas semi-
estruturadas, para entrevistas individuais em profundidade. Estes roteiros foram
elaborados por meio de uma fase exploratória a esta pesquisa, possibilitando então,
novos ajustes à medida que as entrevistas eram realizadas, transcritas e analisadas.
perguntas para cada roteiro. Estes roteiros foram elaborados e validados com base
na revisão de literatura e nas entrevistas na fase exploratória.
Com essas duas entrevistas foi possível elaborar três tipos de roteiros de
entrevista específicos: para especialistas no tratamento de vítimas de assedio moral;
para vítimas de assédio; e para testemunhas.
3.4.1 Categorias
Logo após, foi enfocado “Como?”, no qual se explorou a forma em que foi
vivenciado o objeto de estudo, enquanto vítima e/ou testemunha; buscou-se
apreender os sentimentos e as reações dos atores envolvidos no processo de
assédio moral no trabalho.
Com a análise “Para quê?” buscou-se qual foi a intenção e a finalidade das
reações apresentadas pelos respondentes em relação aos fatos vivenciados.
Glaser e Strauss (1967 apud SILVA et al., 2006), chamam esta forma de
definição da amostra de “saturação”, onde o próprio pesquisador julga quantos
grupos de análise deverá compor cada ponto teórico. Ainda apontam como uma das
vantagens deste método de análise a confiança empírica de que não mais se
encontraram dados adicionais que possam contribuir ao desenvolvimento de uma
determinada categoria.
49
3.4.2 Subcategorias
De acordo com esta análise e crítica, foram elaborados novos roteiros. Assim
sendo, foi possível estabelecer conclusões preliminares relativas ao tema abordado.
Categorias Subcategorias
Adaptação Iniciantes
Membros antigos
Servidores civis
Afastamento
Naturalização do poder Impedimento da evasão
Status dentro das representações
Reféns do sistema
Caracterização de insubordinação
Desqualificação Isolamento
Exposição
Legitimação
Culpa
Sentimentos Vítima
Testemunha
Sintomas Especialista
Vítima
Estratégias
Quadro 3 - Categorias e subcategorias encontradas na análise dos dados
Fonte: Elaboração própria
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4.3.1 Adaptação
Iniciantes
Membros Antigos
Servidores Civis
Cabe ressaltar que devido ao fato de que nem todos os civis aspiravam
trabalhar em uma unidade militar, existe inicialmente um elemento dificultador para a
adaptação, que pode favorecer a ações de práticas inibidoras; e esta não-adaptação
conduz o indivíduo vítima de um assédio a ceder à pressão da não-adequação às
dinâmicas, culturas e políticas organizacionais e solicite o seu desligamento, ou
afastamento por meio de licença, ou transferência:
“A área militar não faz o meu estilo. Meu perfil não é militar” (E4)
Afastamento
Impedimento da Evasão
“Eles se importavam com o que era melhor para eles, mas não se
importavam se você estava bem ou não.” (E5)
“Eu sei qual é o meu lugar e qual é o lugar dele [...] missão dada é
missão cumprida [...] aquela subordinação que é normal.” (E3)
Reféns do Sistema
“[...] Na organização tinha uma médica [...] Quando eu fui falar pra
ela, quando eu fui explanar [...] Ela era casada com um Oficial.
Então, ninguém mexia com ela. E eu contei pra ela o que estava
acontecendo, e ela virou pra mim e falou: ‘-Mas o que você
esperava? O quê que você esperava?’” (E7)
Caracterização de Insubordinação
“[...] ele não falou do assédio que eu tinha sofrido, mas que eu tinha
tratado, como se eu tivesse assim, insubordinação. Como se eu
tivesse [...] tratado mal o meu chefe, que eu tivesse respondido, que
eu tivesse [...]” (E7)
“Eu lembro até que a vítima tinha guardado um pedaço de pau pra
dar no chefe [...] a pessoa perde a cabeça.” (E1)
4.3.3 Desqualificação
Isolamento
“Teve um colega que falava pra outros colegas: - ‘Você fala com o
ele ainda? O cara foi punido, é melhor se afastar dele.’” (E3)
“Eu não podia mais falar com ninguém porque a sensação que eu
tinha era que: - Não, eu não posso mais me aproximar de fulana,
senão vou ser prejudicado.” (E7)
Exposição
“O E7! Não tá bom ser só bonita, não? Sabe? Uma coisa pra dizer
assim, que tem que ser burra. Não tem que falar nada, fica quieta na
sua. (E7)
“No dia seguinte, na formatura, ele falou que isso não poderia
acontecer e disse que o menino não era confiável.” (E5)
Legitimação
“A reação que eu tive foi interna... Não que ia tomar alguma medida
em resposta. Não isso! Mas em relação a mim mesmo, o que eu
deveria mudar em mim mesmo com a minha vida dali em diante.”
(E3)
Culpa
4.3.4 Sentimentos
Vítima
“Acredito hoje que eu estou mais calma, que isso voltou porque teve
um dia que eu precisei faltar, até pra dar apoio ao meu marido,
porque ele estava doente. E o chefe ficou invocado, porque ele não
gostou. E no dia seguinte, ele me chamou na sala dele, no gabinete,
e eu fiquei trancada com ele no gabinete. Então, isso já me deixa
nervosa.” (E7)
“Acho até que eu já falei muito, mas olha, pra mim assim, eu estava
até falando o meu marido: - Será que eu vou conseguir falar nesse
assunto sem chorar? Que eu sempre que falava nisso, eu chorava.”
(E7)
Testemunha
“Como eu sempre me coloco no lugar das pessoas, que isso pra mim
é uma coisa horrorosa [...] fiquei até enojada dele. Revolta, sim. E em
relação ao menino, de pena.” (E5)
4.3.5 Sintomas
Especialista
Vítima
“[...] eu tive diarréia nervosa [...] Quando eu tinha que ir pro quartel,
eu sentia isso. Depois se tornou um pânico da cidade. De uma coisa
micro, se tornou macro. Eu saia de casa, ficava com dor de barriga.
Eu passei também a ter cólicas, com bastante intensidade. Meus
períodos menstruais se tornaram um transtorno, assim, muito forte.”
(E7)
“Fiquei abalado, minha pressão ficou alta, era muita irritação, muito
estresse. Descontrole emocional muito grande [...] Estresse extremo.
Afetou a minha família, eu vivia estressado em casa. Afetou meu
ministério, na Igreja [...] estava estressado, cansado mentalmente [...]
dava um branco [...] Cansaço mental, pressão alta, taquicardia,
problema de coração, coisa que nunca tive [...] Eu adquiri problemas
cardíacos [...]” (E6)
71
Estratégias
5.1 CONCLUSÕES
Este fato tem dois lados. Inicialmente me identifiquei com os relatos de alguns
entrevistados, mesmo que limitando o objeto de estudo e determinando o campo de
pesquisa. Assim, foi necessário ter um cuidado especial. Não pretendo aqui suscitar
a questão quanto à neutralidade absoluta do pesquisador quando imerso no campo,
mas é preciso ressaltar a sua função de interpretá-las sem misturar-se ao objeto de
estudo. Sendo assim, foi preciso analisar as falas sem tendenciar para o lado
pessoal ou para o universal, como uma verdade pré-concebida. De qualquer forma,
75
REFERÊNCIAS
AGUIAR, André L. Souza. Assédio moral nas organizações: estudo de caso dos
empregados demitidos e em litígio judicial trabalhista no Estado da Bahia.
2003. 188p. Dissertação (Mestrado em Administração Estratégica) UNIFACS,
Salvador, 2003. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/site>. Acesso em: 19
Maio 2007.
FREITAS, Maria Ester de. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso
nas organizações. RAE Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 41,
n. 2, p. 8-19, Abr./Jun.2001.
______. Quem paga a conta do assédio moral no trabalho? RAE Eletrônica, São
Paulo, v. 6, n. 1, Art. 5, Jan./Jun.2007.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6a. ed. São Paulo:
Atlas, 2006.
VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de pessoas. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2007
“Tinha que ser mulher!” Sabe? Ou “Não sei o quê essa menina está fazendo na
turma.” E assim vai. Quando eu me apresentei, eu me lembro de um episódio assim,
foi a primeira coisa que eu falei aqui: “Vai ser difícil aqui.” Tinha que colocar o DOM
[Distintivo de Organização Militar com a medida aproximada de 3x2 centímetros que
vai abotoado ou fixado na altura do peito esquerdo da camisa de alguns uniformes
militares] na canícula [camisa de botão de uniforme militar]. E eu na mesma hora
estendi a mão. Eu falei, “Ele não vai colocar o DOM na minha Canícula.” E ai ficou
aquela gargalhada no auditório todo, porque o cara quis colocar o DOM na minha
canícula e eu andei pra trás e peguei o DOM. Mas aí nisso já gerou piadas, já tem
todo um... É meio chato. Mas, bem...
A minha mãe, assim, meu pai e minha mãe passaram por um divórcio quando eu
tinha 16 anos. Um dos motivos de eu passar no concurso foi isso, a intenção de
conseguir um salário melhor aos 17 anos. E a minha mãe, no divórcio, ela
desenvolveu um quadro de depressão. E tinha sérias doenças. Desde desenvolver
furúnculo por todo o corpo, porque a imunidade baixava. Então, eu comecei a correr
atrás de um próprio nacional [imóveis destinados aos militares que possuem
dependentes declarados para residirem enquanto na ativa e naquela região], pra
levar a minha mãe pra ficar comigo. Porque eu não tinha condições de supri-la
assim, com relação à comida, os gastos da casa e pagar um aluguel em Brasília,
que é bem mais caro que no Rio de Janeiro. Então, fui procurar meu comandante,
pedi ajuda. A primeira vez ele disse: Tudo bem, vamos ajudar. Não tem problema.
Só que aí, não sei, as coisas no hangar foram ficando mais complicadas. Os
assédios, de “... Nossa que menina bonitinha! Que bom ter uma menina bonita agora
pra enfeitar o ambiente!”... Disso já foi se tornando um convite pra sair, já foi se
tornando aproveitar a oportunidade pra ficar trancado em um ambiente só comigo e
falar coisas pesadas como: “Quem tá te comendo?”..., sabe? “Você tá dando pra
pessoa errada!”, coisas do tipo. E isso começou pelos graduados mesmo...
Os Colegas? Os pares? Colegas. Não os da minha seção. Na minha seção eu não
tive problemas quanto a isso. Mas os das outras seções. Acho que pelo
distanciamento, não é? E eu não dava confiança, não falava mesmo, eu tinha medo,
sabe? Eu tinha sensação de medo mesmo. Eu me senti assim: uma menina, com
dezoito anos, chegando num ambiente totalmente diferente, a sensação que eu
tinha era mesmo essa. E não tinha nenhuma mulher pra eu contar isso. E eu não
tinha ninguém pra conversar e compartilhar. Ficou pior quando eu comecei a
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“Você esta se envolvendo com um sargento daqui.” Ai eu falei: “Sim, senhor!” Aí ele:
“Você está dando pra pessoa errada!” Aí eu fiquei apavorada naquele momento.
Levantei, eu falei: “O Senhor me desculpe, mas eu vou me retirar.” Aí eu levantei.
Ele passou por mim, trancou a porta e tentou me violentar. Eu tive que empurrar, eu
tive que chutar, eu tive que lutar mesmo pra conseguir sair. Gritava por socorro. Só
que num ambiente de manutenção no hangar, é motor girando, é uma barulheira,
não tinha nem como as pessoas escutarem. Então, assim, eu empurrei mesmo ele,
foi um momento desesperador. Eu consegui sair da sala, mas porque eu acho que
ele desistiu mesmo. Tipo: “Vou ter que acabar machucando ela e isso vai me trazer
problemas.” Porque, uma mulher contra um homem?
Ele era aviador? Aviador! Então era novo, não é? Eu só trabalhava com aviadores.
E consegui sair. Fui correndo para a sala de estar dos sargentos, que era o único
banheiro que eu podia usar, então eu tinha a chave. E fiquei lá chorando. Tinham
uns suboficiais lá que me tratavam como filha, e ficaram: “A gente não pode deixar
isso.” Tinha um que queria meter até a porrada mesmo.
E com toda razão. Ele ficou, assim, indignado, porque ele tinha uma filha. Então,
trouxe um pouco pro pessoal, não é? Claro! E ele ficou revoltado. Só que
começaram a prejudicar essas pessoas que ficavam do meu lado. E aí eu fui
perdendo a minha proteção. Esse suboficial que ficou mais nervoso, foi transferido
pro hangar do lado, sabe? O suboficial que era responsável pelo hangar, perdeu o
posto e passou a ser mecânico de novo. Isso porque foram demonstrando que
estavam junto comigo, não é? “Olha, a gente vai proteger a E7. A gente vai ficar do
lado dela.” E ai eles foram “cortando as asinhas”, não é?
Foi como tudo começou... [interrupção para condução da entrevista]
Tudo começou no Q1, começou como brincadeira entre os graduados [suboficiais e
sargentos] e daqui a pouco a coisa foi ficando mais séria... O capitão teve essa
atitude. Depois dessa atitude eu fiquei assim: eu não podia falar com ninguém, eu
não podia... É, a sensação que eu tinha era, e as pessoas também demonstravam
isso pra mim, “Não posso falar com a E7, porque senão eu estou roubado. Eu vou
ser prejudicado.” E na tentativa de conseguir um próprio nacional, procurei
novamente o meu comandante e falei: “Passou um tempo, o senhor ainda não me
deu a minha resposta. Porque se o senhor não me fala nada, eu vou alugar nem
que seja uma quitinete, mas vou trazer a minha mãe pra cá.
Isso com o comandante do Q1, não com o capitão?
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fazer. O que eu posso te aconselhar é que você peça baixa [desligamento do serviço
militar] e volte pro Rio.”
Qual era o posto dele?
Tenente R2 [do quadro de oficiais temporários].
Ele disse pra sair da Força, porque ele não sabia como me ajudar. Só que eu não
tinha como fazer isso, porque eu tinha pessoas que dependiam de mim. Então, voltei
pra lá. Tipo entrava em pânico quando... horário do expediente começou. A minha
vontade era de ficar no quarto, trancada, e não sair de lá de jeito nenhum.
No hotel de residentes que era dentro do quartel?
Era só atravessar a rua e tava no Q1. Então, o quê que acontecia: se eu me
atrasasse, porque eu passei a ter dor de barriga nervosa. Diarréia nervosa. Dava o
horário do expediente, eu ia correndo pro banheiro. Aí eu chegava 15 minutos
atrasada, chegava vinte [depois de uma formatura de início de expediente em que
todos estariam presentes]. Foram me buscar no meu quarto.
Quem?
O meu comandante e o vice-comandante. Um coronel e um major. Eles iam me
buscar no meu quarto.
Você ligou pra ele dizendo que não poderia sair porque estava se sentindo
mal?
Eu avisava pro pessoal da minha seção.
Que estava indo, não é?
É! Que estava indo. Eu avisava. Mas assim, às vezes, eram coisas de minutos
mesmo. De não dar tempo de entrar em forma. Mas eu já tava no expediente, no
horário, sabe? Mas assim... eles foram ao meu quarto, bateram na porta. Eu tava
com outras sargentos que ficaram me ajudando, porque eu chorava. Então, assim,
as meninas eram do Q2 [Quartel 2 - unidade militar que sediava o Q1], porque o Q1
fica dentro da Q2. E elas ficavam ali me apoiando. Eles abriram e... “Porque que
você esta no quarto? O quê que está acontecendo?” Mas assim, rispidamente, não
é? “Você está pensando o quê? Que vai receber seu salário sem trabalhar?” Sabe?
Começaram a me agredir verbalmente mesmo. E as meninas falando: “Ela não está
se sentindo bem! Ela não está se sentindo bem!” E aí eu desmaiei. Desmaiei. Aí, fui
pro psiquiatra de novo, fui pro hospital. Comecei a ter..., tive diversos sintomas.
Diarréia nervosa, no meu período menstrual tinha um fluxo intenso e muita cólica.
Muita mesmo, de eu me abaixar assim, no chão, e não conseguir me levantar. O
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médico disse que isso tudo era reflexo do sistema nervoso. Então, assim, quando eu
voltei no psiquiatra mais umas cinco vezes, pedindo “Pelo amor de Deus, me ajuda,
que eu não sei mais o quê que eu faço!” Ele falou: “E7, eu vou te internar.” Por que
assim, os assédios se tornaram cada vez mais freqüentes. Eu tava numa biblioteca
sozinha, catalogando, não é? Os manuais, tudo mais. Daqui a pouco entrava alguém
e fazia com que eu ficasse numa situação que eu não tinha como sair da sala.
E quem era esse alguém?
Todos os oficiais. Depois ficou assim, parecia que era uma brincadeira entre eles,
pra quem ia conseguir perturbar mais “essa menina”. Então, parecia que eu estava
doente. Eu não podia mais falar mais com ninguém, porque a sensação que eu tinha
era que “Não, eu não posso mais me aproximar da E7. Senão vou ser prejudicado.”
Então, assim, o meu chefe na biblioteca, ele até demonstrou querer me ajudar. Ele
era capitão, também. Ele era capitão. Ele até mostrou que queria me ajudar. Ele era
capitão novo [com pouco tempo no posto de capitão]. Quando que entrei, ele era
tenente, depois foi promovido a capitão. Mas chegou a um ponto que ele chegou pra
mim e falou: “E7, não tem o que fazer. Não tem como te ajudar! Sabe? Foge...”
Estava acontecendo com ele a mesma coisa que estava acontecendo aos
graduados?
Com os graduados. Então, pra mim, assim, quando chegou ao limite foi numa vez
que o coronel me chamou no meio do hangar. Eu estava na minha sala, na
biblioteca. Ele me chamou do meio do hangar, começou a falar, chamou dois
oficiais, pra servirem de testemunha, no meio do hangar e começou a falar alto: “Eu
tô falando aqui pra você não ir dizer que tá ninguém te assediando, pra você não
dizer que tá ninguém querendo te agarrar. Mas você vai sair da minha Unidade.
Porque eu não vou admitir isso. Uma sargento que não quer trabalhar. Uma
sargento que não quer cumprir os seus deveres.” E começou, sabe, a falar coisas
assim, no meio do hangar.
No meio do expediente ou no início do expediente?
No meio do expediente, no meio do expediente. Pessoas trabalhando, passando pra
um lado e pro outro.
Você nem imaginava?
De modo algum! Porque eu tinha saído pra ir ao banheiro, só que o banheiro do
cassino [tipo de sala de estar dos graduados] estava impossível de usar. Conforme
eu comecei a usar, outras pessoas quiseram, também, a chave. Então, quando eu
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entrava no banheiro, tava assim uma imundice, com essas pessoas usando. Então
eu fui ao do meu quarto. Avisei pro meu chefe que eu estava indo no meu quarto.
Atravessei a rua, fui ao meu quarto, voltei. E nesse meio tempo, ele disse que me
procurou e que não me encontrou. E daí começou. Eu não podia ir ao banco, eu não
podia, sabe? Eu não podia ir à cantina comprar um bolo. Eu não podia fazer nada.
Que estão dentro do quartel pra poder facilitar. Pra evitar sair.
E o banco era dentro do quartel. Aí o psiquiatra foi e falou que iria me internar, pra
me proteger. Porque ele estava com medo de um assédio, assim, de um assédio se
tornar um estupro. Se tornar uma coisa mais séria. Aí ele conversou com o diretor.
Nisso ele já tinha passado pro diretor do hospital a minha situação. O diretor do
hospital se sensibilizou. Eu fiquei internada durante 40 dias. E eu fiquei 40 dias
internada, como seu eu fosse maluca, não é? Só que eles não podiam me manter
internada lá, porque não tinha núcleo de psiquiatria.
Você toma algum remédio?
Tomei. Eles me dopavam mesmo, me dopavam mesmo.
E ai eu vim transferida pro H1 [hospital militar 1], aqui no Rio. E tinham alguns
psiquiatras, mas eram, na maioria, novos.
Você veio transferida do H2 [hospital militar 2]?
Do H2. Isso.
É pro H1, porque não tinha um Núcleo de Psiquiatria lá. Não existia?
Não, não tem. Só tinha um psiquiatra.
Só tinha um médico?
Eu fiquei numa, assim, dentro do hospital na área de psiquiatria.
E aqui tem o núcleo?
Porque no H1 tem, tem um núcleo. E tinha um dia da semana, que se não me
engano, era às quartas-feiras, tinha uma espécie de junta, pra mim, assim. Juntavam
vários médicos, numa mesa de reunião, me chamavam pra eu falar sobre o que
tinha acontecido, porque que eu surtei. Sabe? O quê que estava acontecendo. O
quê que acontecia comigo em Brasília. Só que sempre antes dessas reuniões, me
dopavam de remédio.
Como é que você ia falar?
Como é que eu ia falar alguma coisa? Como é que eu ia me defender? Porque eram
muitas acusações, mesmo dos psiquiatras.
Eles que faziam isso? Te acusavam? Como se fossem os oficiais lá do G.
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O quê que eles faziam? Porque o meu comandante, o coronel lá do Q1, ele ligava
pra saber como é que tava, o quê que estava acontecendo. Ele dizia que estava
“acompanhando” o caso, sabe? Isso eu só fui saber quando eu voltei.
Lá você chegou a surtar?
Surtei. Surtei assim, numa das vezes que eu voltei para prataria, em Brasília, eu
falei: Tenho que ir pro quartel.
Na internação ou não? Antes da internação?
Antes. Eu tenho que ir pro quartel. Peguei o ônibus errado, que não eu não tinha
carro, ia de ônibus, ai eu saltei no shopping e falei: “Gente, eu tô sem noção. O quê
que eu tô fazendo aqui?” Aí fui pro banheiro do shopping, tentar me acalmar e tal.
Só que, a partir daquele momento, parecia que, assim, tinham limpado a minha
memória e eu me sentia com 16 anos de idade.
Rio ou Brasília, você estava onde?
Em Brasília. Não, eu peguei o ônibus errado da Rodoviária de Brasília pra minha
casa, pro quartel. E eu assim: O quê que eu faço agora? Eu olhava pra carteira e
não entendia porque que eu tinha cartão de crédito. Era como se eu tivesse voltado
no tempo. Eu fui ao orelhão, meu pai já estava desempregado, porque ele já tinha
perdido o emprego, eu ligava pro trabalho dele que ele era empregado na época que
eu tinha 16 anos. E eu fiquei desaparecida pras pessoas, porque eu não sabia onde
buscar ajuda, porque os telefones não existiam mais, durante dois dias.
Eles queriam que eu dissesse que a culpa de tudo que estava acontecendo era
minha.
Então, na verdade o núcleo do H1 não estava te dando um tratamento, um
acompanhamento.
Não! Eles só me dopavam o tempo que eu tivesse que ficar lá, até que o H1 me
chamasse de volta.
É o major que é o chefe de novo.
Já era o major, na época. Já era o major.
E eu já fui atendido por ele. E ai? O quê que aconteceu com essa junta? A
gente esta na trajetória, ainda, profissional. Depois eu vou fazer algumas
perguntas.
E eu fiquei o tempo que determinaram, não é? Que foram os quarenta dias.
Lá em Brasília? Não! Aqui no H1?
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No H1. Depois desses 40 dias, eu voltei pra Brasília ainda desesperada. Porque eu
ficava assim: O quê vai me esperar agora lá?
E te deram que laudo lá? Qual foi a junta? O resultado da junta, aqui no H1?
Depressão. Que eu manipulava a verdade.
E te liberaram para o trabalho?
Aham! E me liberaram sem tirar serviço, sem contato com arma. E aí voltei pro H2. E
estava desesperada, não é? Aí no H2, o coronel... fiquei internada no H2.
Te levaram de ambulância?
Eu fui de aeronave e lá, quando cheguei a Brasília, eles me buscaram de
ambulância. Só que era assim: eu fui numa aeronave, então eu cheguei lá no
ambiente do Q1. Então, assim, no momento que eu desci, tinha uma enfermeira que
me acompanhou quando eu entrei na aeronave e quando eu saí, e ela olhava pra
mim e falava... Lembro o nome dela até hoje, porque teve muita coisa que eu
apaguei da minha memória.
Que era uma sargento, não é?
Uma sargento, a Maria. E ela me acompanhou. Porque assim, quando eu estava no
H1 ainda teve um enfermeiro, sargento, que me assediou. Como assim? Eu sei que
eu não sou nenhuma modelo.
Sabendo que você estava ali por causa daquilo?
É! E, assim, e ela ficou do meu lado, sabe? Falou... Porque quando você é
assediada, você tem uma sensação de culpa, sabe? Como se você fosse culpada
daquilo, como se você desse brecha para aquilo acontecer. O que não é verdade,
mas é essa a sensação que você tem. Como se você merecesse ser punida.
O constante assédio, ele te leva a pensar que você realmente é aquilo tudo que
eles dizem que você é. Exatamente! Quando você não é.
Então, assim, quando ele me assediou, quando o enfermeiro me assediou, era como
se fosse a culminância. “É, realmente, eu devo ser uma vagabunda. Eu não devo
valer nada. Eu tenho tudo isso de errado.” Então, a Maria, ela ficou sempre ali do
meu lado, falando: “Não é isso. Você vai voltar pra Brasília, você vai ter a sua vida
normal.” Sabe? Ela me ajudou muito. Ai, quando ela viu, quando eu cheguei a
Brasília, que ela me acompanhou até Brasília e depois ela voltou com a aeronave.
Quando eu cheguei a Brasília, que eu cheguei à Q2, e as pessoas que estavam lá
pra dar apoio ao co-piloto, pra aeronave, os mecânicos, os oficiais que estavam de
serviço, começaram a me tratar com ironia, começaram a: “Ah, você que é a
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sargento que está dizendo que todo mundo está te agarrando?” Sabe? Essas
coisas. Ela: “Eu to entendendo um pouco de tudo que você contou pra gente.”
Porque eu desabafava com ela, não é? Ai eu voltei pro H2 e no segundo dia o
diretor do hospital, que agora é diretor do H1, ele foi ao meu quarto. Aí, eu lembro
que ele entrou no meu quarto, me viu e falou: “Nossa, realmente, você é muito
bonita! Agora eu tô entendendo.” Eu lembro que ele falou assim. E não falou nada.
Saiu. E um tio avô meu, que mora em Brasília, me ajudou muito, foi um pai pra mim,
foi atrás dele, conversar com ele pra ver se conseguia uma ajuda. Aí conversando
com meu tio, ele falou: “Não, a sua sobrinha não vai mais voltar pro Q1. Eu já fiz um
acordo com eles, ela vai servir agora aqui no hospital.” E eu passei a servir no
hospital, na seção de informática. E pra mim foi tipo assim, foi um lugar de
descanso.
Alívio, não é?
Foi um alívio. Era pra eu esperar a transferência pro Rio.
E lá tinha outro ambiente, tinham outras meninas, não é?
Muitas mais mulheres. Eu ficava assim: “Gente, é tão bom ter mais mulher pra
conversar. É tão bom não ser o centro, não é?” Ser aquele “foco”, aquela coisa toda
em cima de você. E ai eu esperei o tempo pra voltar pro Rio. Vim pro Rio, tô hoje no
Q3 [Quartel 3]. Digamos que está bem mais tranqüilo.
Aquilo que acontecia no Q1 não aconteceu no H1? Perdão, no H2 e não esta
acontecendo hoje no Q3?
Aconteceu um pouco, mas também nada de mais, no período que eu trabalhei no
helicóptero.
Foi no Q3, não é?
No Q3. No hangar de helicópteros. Porque eu acho que o problema maior é o
ambiente de hangar, que é mais masculinizado. Então, eu entrei de novo no
ambiente de hangar e voltou um pouco o assédio. Mas eu já era mais madura, eu
sabia me impor. Então, assim, a pessoa vinha falar uma gracinha, eu já... Eu me
tornei até muito grossa, por culpa disso. Por culpa disso eu me tornei bem grossa.
Eu me tornei bem grossa por culpa disso, sabe? Mas foi um mecanismo de defesa
que eu criei. Eu não, simplesmente, hoje em dia, eu não consigo criar uma amizade
dentro do ambiente de quartel. Eu não consigo, entendeu? Eu posso até gostar das
pessoas, e gosto mesmo, mas eu não consigo assim: “Ah! Vamos lá em casa?” Não
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tinha aquele fundo de “Ah, parabéns por você estar aqui!” Não. Já que tem uma
mulher aqui, vamos homenagear por que...
Politicamente correto, não é? Exatamente!
E hoje, nas suas responsabilidades assumidas? É igual?
Não, totalmente diferente. Eu estou trabalhando com a parte burocrática, então é
confeccionar documentos para o diretor, que envolvam à direção, é recepcionar as
pessoas, atendimento de telefone.
Mas uma pressão acima do normal?
Tem pressão também, porque eu lido direto com o comandante do Q3, não é? Então
assim, se eu deixei de dar um aviso importante. O telefone vermelho tocou, o
comandante não estava lá. Às vezes um outro comandante, que esta do outro lado
da linha não está querendo falar com uma 3S [Terceiro Sargento]. Então, ele não vai
te tratar tão bem. Então, tudo isso você tem que ter jogo de cintura, não é? E nisso
tem uma pressão, sim. Eu chego, quando esta no expediente normal, eu chego ao
trabalho seis e meia da manhã, porque ele chega sete e vinte, e eu tenho que estar
com as coisas organizadas quando ele chegar. E tem dia que ele sai de lá 10 horas
da noite, oito horas.
Vou te fazer uma pergunta que me veio agora, porque na verdade é possível
isso acontecer. Não é uma pergunta especifica. E a sua transferência, agora lá
do Q3, lá do hangar para a secretaria, foi por quê?
Então, primeiro, quando eu fui pro Q3, eu fiquei...
Quanto tempo você esta no Q3?
Desde 2005. Só fiquei dois, três anos. Três anos em Brasília e vim pro Rio, por
interesse particular. E quando eu cheguei ao Q3, eu fiquei na seção de eletrônica,
mas assim, bancada. Só que eu sempre me saí bem, acho que por ter trabalhado
como secretaria antes, no meu civil, eu sempre me saí bem com computador, com
lidar com as pessoas, essas coisas assim. Então, até quando eu estava na seção de
eletrônica, na bancada, o meu antigo chefe em Brasília no H2, na intenção de me
ajudar, mas é obvio que era meu encarregado, ele ligou pro chefe da seção de
eletrônica e fez uma serie de propaganda. E nisso eu me tornei a secretária da
seção de eletrônica. E daí eu fui pro hangar, porque teve a modernização da
aeronave. E aí precisavam de eletrônica e eles foram remanejando. Aí eu fiquei na
área de manutenção. Quando começou a esfriar um pouco essa coisa de
modernização, já me jogaram pra secretaria da seção. Então assim, por eu ter certa
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facilidade as pessoas “ah E7, tem que mexer no sistema tal!” Como um sistema de
manutenção. “Coloca a E7 pra mexer, que ela faz mais rapidinho e depois a gente
volta pro helicóptero.” Então eu acabava indo pra parte burocrática sempre. Nisso
que eu me destaquei... Nisso de eu ficar sempre me destacando, a secretaria da
direção ficou interessada. Um suboficial, que já tinha trabalhado comigo, foi
convidado para trabalhar nesta secretaria. E aí pediram para ele indicar alguém, ele
então me puxou. Então não tem nada a ver com o assédio? Não, o assédio não.
voltar, até pra dar apoio ao meu marido, porque ele estava doente. E o diretor do Q3
ficou invocado, porque ele não gostou [referência a uma falta de expediente]. E no
dia seguinte ele me chamou na sala dele, no gabinete, e eu fiquei trancada com ele
no gabinete. Então, isso já me deixa nervosa. Você lembrou o que aconteceu.
E ele falou comigo mais rispidamente, incisivamente. Então, assim, me reportou pra
aquilo. Então eu acho que, assim, vai juntando a outros fatores também, não é? Da
nossa vida. Então aí eu acho que tive aquela recaída, sabe? Hoje, mais calma, eu
estou conseguindo enxergar isso. Voltou aquele episódio, então, eu acho que eu
fiquei deprimida de novo por culpa disso. Mas eu já estou me recuperando. Mas por
culpa disso, de eu ficar deprimida e ter recebido 30 dias de dispensa, o mesmo
oficial que me chamou... Agora, estou vivendo isso agora. Eu estou nos trinta dias
de dispensa. O mesmo suboficial que me convidou pra ir pra direção, já me
transferiu pra outra seção. E você não está lá ainda?
Não estou lá. Eu fui lá entregar a minha dispensa e ele não olhou pra mim, sabe?
Não demonstrou nada. E a gente sempre tratou um ao outro muito bem. Mas ele não
olhou pra mim e falou: “E7, isso aqui é o complemento das outras dispensa, não é?
Aproveitando que você apareceu, (sabe, aquela coisa!?) o diretor já me autorizou,
você não trabalha mais na direção. Eu vou pedir pra você desocupar a sua mesa.”
Não falou nada, não explicou nada. Então isso foi até o motivo de eu ficar “tristinha”
de novo... Eu acho que isso é compreensível. Mas já não estou na direção. Não sei
aonde eu tô agora. Não sabe? Não sei. Tá bom?
ele aquilo que tinha acontecido comigo. Então, ele sabe que eu tenho um histórico,
ele sabe que eu passei por isso. Mas que assim, independente disso, eu
desempenho bem o meu trabalho. Eu acho que prova disso é que eu fui convidada
para trabalhar na direção do Q3. Então, assim, foi ele que me convidou, então.
Assim, é porque eu estou num momento ruim mesmo. E foi frustrante assim. Poxa,
enquanto eu estou lá trabalhando de seis da manhã até dez da noite, está bom. Mas
aí no momento que eu estou com o meu problema, que eu estou precisando de
ajuda, que estou precisando de um apoio, eu não tenho nem um pouquinho disso?
Nem pelo menos um “Vou esperar você voltar e aí a gente vê o que a gente vai
fazer.” Não é?
Você em tal”, se eu falasse alguma coisa, era motivo de piadinha. “Ô, E7! Não tá
bom ser só bonita, não?” Sabe? Uma coisa pra dizer assim, que tem que ser burra.
Não tem que falar nada, fica quieta na sua. Ou então, ia mexer na aeronave e falava
uma gracinha entre outra, não é? Chamar a atenção um pouco. “Poxa, você não
janta aqui, não é? Um dia a gente podia sair pra jantar.” Isso enquanto estava
fazendo a manutenção. E aí eu vou mexer em alguma coisa: “Ah não. Pode deixar
que eu faço, pra não quebrar a sua unha.” Sabe? Eu não tinha mais unha. Como?
Não tinha mais. Mas os oficiais, eles sempre me tratavam com muita distância. Se
eles me chamavam, no início, eles me chamavam com toda uma tropa. Sabe? Era
“Vamos conversar com a E7? Então, ta! Vamos conversar com ela, mas vamos
chamar então toda a equipe de eletrônica.” Aí ia toda a equipe de eletrônica e os
meninos ficavam assim “Eu não sei o que eu estou fazendo aqui. Porque eu vi que
ele está querendo falar com você.” No início, eles chamavam todo mundo. Depois,
eu fui assim, as pessoas foram pedindo transferência, então, na parte de eletrônica
eu fui ficando uma das mais antigas. Porque ninguém quer ficar no Q1. Então,
moderno se torna antigo rápido. E começavam a me chamar pra reuniões, que eu
tinha que ir como responsável da parte de eletrônica mesmo. Só que aí nessas
reuniões, eu comecei a sentir que do chamar muita gente, eles começaram a ver
oportunidade de ter um assédio, de jogar uma piadinha e convidar pra conhecer o
novo restaurante que abriu no Eixo Monumental. Então, assim, eram desde... Eram
assim, quando eles só falavam comigo... Assim, eu me lembro de um major que
chegou pra mim, a gente o chamava de “cara de raquete”... Então, assim, eu tinha
virado a noite, eles tinham me acionado 11 horas, a aeronave só foi chegar as duas,
eu fiquei trabalhando na aeronave até sete horas da manhã. E aí o responsável pelo
hangar bateu nas minhas costas e falou assim: “Vai trocar de roupa, (porque eu
tinha que colocar o uniforme de educação física, porque tinha uma gincana no
hangar. Eu tava de macacão). Vai trocar de roupa e volta pro expediente.” Eu fiquei
pensando como eu ia ficar de pé no expediente, não é? Mas tudo bem. Fui lá,
troquei de roupa, porque eu não podia dar motivo, senão era um novo stress. E aí,
depois da gincana, que eu tive que jogar futebol, eu tive que jogar basquete com os
homens. Aí, depois daquilo, fui trocar de macacão e tal. Ai o major veio pra mim:
“Parabéns!” Aí eu fiquei, não é? [expressou cara de espanto] “Que parabéns?
Porque parabéns?” “Isso mesmo, parabéns! Segundão, 24 horas no ar!” Esse é tipo,
assim, o grito de guerra do esquadrão. É o segundo esquadrão, aí chama
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E os pares?
Também. Não tenho problema, hoje em dia, não tenho problema com ninguém não.
Gracejos acho que toda mulher escuta. Não tem o que esperar de diferente, não é?
Mas as pessoas me respeitam pelo meu trabalho, eu sinto isso. Os oficias
reconhecem que eu trabalho bem. Freqüentemente eu escuto: “Nossa, E7! Você
ainda esta aí?” Mas sempre rindo, mas sempre fazendo as coisas, sabe? Então, não
tenho que reclamar. Não tenho hoje em dia...
Os Oficiais, também?
Os oficiais. Os oficias que, eles chegam à seção e... “Nossa, ainda está aí?” Sabe?
“Poxa, ainda está aí? Está trabalhando muito. Por isso que eu gosto de você.
Qualquer coisa que a gente te pede você procura fazer. Você é uma ótima
funcionária.” Sabe? Hoje eu recebo elogios. Não do meu chefe, de quem está de
fora. O comandante mesmo não é de... Elogios... Faz uma gracinha ou outra assim,
fala uma coisinha ou outra, mas não é muito. Ele é mais “fechadão”.
provar que estava certa e que realmente tinha razão. Eu estava falando que o quê
eu senti mais a diferença em relação à gestão foi a parte humana. Que antes eu
tinha que, apesar de ser um trabalho coletivo, eu tinha que ser individualista. Não
podia demonstrar nada e não podia tentar melhorar o meu relacionamento com os
meus colegas de trabalho, com ninguém. E hoje em dia eu lido com todos, desde o
soldado ao oficial e eu procuro melhorar sim. Eu gosto de..., se eu vou fazer um
documento para um soldado que me pediu ajuda da seção ao lado, eu vou fazer
com a mesma dedicação do que pra um oficial ou o diretor me pedir. E eu gosto
disso, porque assim, isso é gestão. É reconhecer o trabalho das pessoas que
trabalham comigo. É falar: “Poxa, vamos comemorar porque a gente esta fazendo
um bom trabalho.” E eu senti assim, depois que eu fui pra direção, eu quebrei um
pouco isso. Eu posso dizer isso da minha experiência, de todas. Quando eu cheguei
à informática no Q2, eu consegui uma reforma na seção, porque a seção era muito
pequena para a gama de trabalho que tinha. Então, eu perturbei, perturbei os oficiais
da parte administrativa pra conseguir e eu consegui incentivar que os soldados
fizessem cursos, pra não estagnar, porque eles ficam muito no “Ah, to recebendo um
dinheirinho agora. Vou gastar, vou gastar.” Eu consegui, que um conseguiu um
serviço público em Brasília. Ele esta bem hoje, graças a Deus. O outro passou pra
sargento. Eu fico brincando que todos os soldados que trabalham comigo tem que
passar para alguma coisa, senão eu não fico satisfeita... Mas eu não trago pro
pessoal.
Como assim?
É, eu não convido pra minha casa. Não marco de ir ao shopping. Não marco de
almoçar fora. Então, a prática de gestão é sempre tornar o ambiente agradável,
não é? E antes era mais uma coisa mecânica. Meio que em grupo, mas cada
um com as funções. Cada um por si... E talvez até por conta da... E querendo ate
puxar o tapete. Eu acho que é mais comum dentro daquele ambiente. Dessa
área.
a minha pessoa ali dentro. Tente diminuir a minha função, que tente me colocar
como inferior a qualquer um ali.
assim de... Pra que isso? Sabe? O quê que vai acrescentar? E eu depois fui
assistindo e eu até me tornei, os meus colegas de turma me chamavam,
ironicamente, de Madre Teresa de Calcutá. Porque todo mundo que se machucava,
eu ficava ajudando. E isso pra mim foi uma válvula de escape. Eu achava aquilo, eu
via tantas coisas que eu considerava injustas, sabe? Uma pessoa que tinha
dificuldade de se adaptar a aquilo ali, não tinha a apoio de ninguém. E, por mais que
os sargentiantes [uma espécie de sargento encarregado] tivessem a obrigação de
estar ali pra ajudar a gente, não era isso que era a verdade. Então, não tínhamos
bebedouro no alojamento feminino, era só no masculino. E depois de certo horário, a
gente não tinha acesso ao alojamento masculino. Então, a gente tinha que beber
água da bica. Então, sabe? Essas coisinhas assim iam me frustrando. E eu busquei,
teve uma colega que se machucou logo nos primeiros dias, eu queria era carregar
as muletas, eu queria, sabe? Então, o que eu sentia era raiva, sabe? Inicialmente.
Só que como aquilo estava me fazendo mal, “Eu vou então tentar ajudar como eu
puder”. Pra amenizar? Isso. Foi a minha válvula de escape. No início pra mim era
indignação. Era raiva. Eu chorava, eu ligava pro meu pai e chorava, mas às vezes,
de raiva. Sabe aquela coisa bem de adolescente mesmo? Injustiça... Não é nem
injustiça, eu achava aquilo um absurdo. Como é que uma instituição de ensino não
dava apoio aos seus estudantes? Eu achava aquilo absurdo. Talvez até por isso que
eu tenha procurado a pedagogia. Mas quando começou a acontecer comigo, no
início era raiva, indignação. Depois foi se tornando medo, muito medo.
Do ponto de vista da vítima, que você presenciava lá, colega, o quê que ele
sentia? O que você acha que ele sentia?
Olha, teve um episódio logo no início, que eu cheguei. Um colega nosso tava
doente, aí eles moravam juntos, porque quando eles moram em outro estado, assim,
geralmente fazem isso, dois sargentos alugam uma casa, três sargentos alugam
uma casa e moram juntos. E esses dois colegas moravam juntos e um deles
começou a passar mal, o que tava bem ligou avisando que ia levar pro hospital e
tudo mais. Eles chegaram, ainda estava no horário de educação física, não foram
fazer educação física. Um não estava se sentindo bem e o outro foi na intenção de
fazer companhia, caso precisasse de alguma coisa. Por isso eles foram punidos e
ficaram presos durante cinco dias. Porque faltaram a educação física. Presos.
Presos mesmo? Na cadeia? Ou detidos? Detidos. Detidos. Sargentos? Isso!
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Ficaram dentro da Q2, não é? No caso, no hotel de trânsito, não é? Durante cinco
dias. E a minha seção, que esses dois sargentos eram da minha seção, a sensação
que eu tinha é que eu estava em meio a adolescentes revoltados. Porque todos eles
tinham uma sensação assim de, eu no início ficava até tentando mudar isso neles,
sabe? Era muita revolta. Porque era assim, trabalhar até tarde e no dia seguinte
estar ali de novo. Sem reconhecimento... Não ter reconhecimento. E quando
precisava, não é? Poxa, estava doente, o quê que ele podia fazer? Aí recebe uma
punição. Então, eles eram muito revoltados, muito mesmo.
Você já falou, mas como reagiu diante do assédio moral que você já
vivenciou?
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Eu fui me isolando. E hoje eu ainda me isolo muito. Assim, tenho muita dificuldade
em criar amigos. Mas eu fui me isolando, eu fui criando uma bolha envolta de mim,
eu não queria conversar com ninguém, porque a sensação que eu tinha é que
quando eu me abria pra alguém, quando eu falava o que eu estava sentindo essa
pessoa usava isso contra mim. Porque agiu dessa forma, não é? Porque as
pessoas usavam aquilo contra mim? E você se protegia delas. Foi o mecanismo de
defesa que eu criei. Eu me tornei mais agressiva. As pessoas quando me elogiam
hoje em dia, eu não consigo aceitar aquilo bem. Então, sabe? Se alguém... Como as
pessoas falam, as mulheres gostam quando passam pela rua e um homem faz um
elogio, mexe com o ego dela. Pra mim, é uma ferida. Então, pra mim, não mexe com
o meu ego. Pra mim, uma coisa é o meu marido chegar pra mim e falar: “Nossa,
você está linda!” Outra coisa é na rua falarem. Até porque não falam desse jeito com
a gente, não é?
Por quem já foi assediada? Você já falou que você foi assediada. Por quem?
Pelo chefe, não é?
Pelo chefe, pelo meu chefe imediato, no caso, que era o capitão responsável pelo
esquadrão. Pelos pares, também foi, inicialmente. Pelos pares, sargentos. Acho
que foi pelo hangar todo [risos]. Pelo médico, não é? Pelo enfermeiro. Pelo
enfermeiro, na época em que eu fiquei internada. E só!
Você acha que faltou alguma pergunta mais específica sobre assédio?
Não, eu acho que, assim, teve um episódio que eu vivi que eu não falei. Quando
começou o problema no hangar, ainda no mundo do Q1, que eu não estava e não
tinha ainda buscado o hospital. Tinha assim: O Q1, o esquadrão de manutenção,
que é o SM, e do lado tem o Q4 [Quartel 4], que também lida com aeronave. É o Q4
e o Q1 dentro do Q2. No Q4, tinha uma médica, que se tornou aeronavegante, que
viajava com o pessoal pra dar apoio médico. E tipo foi assim, “A gente não negou
assistência médica pra ela”, me encaminharam pra essa médica. E eu descobri que
existe machismo, nessa época pra mim foi uma descoberta, hoje eu já vi de vários
modos, existe também machismo vindo da mulher. Existe a ignorância, também,
vinda da mulher. Quando eu fui falar pra ela, quando eu fui explanar, só que já era
uma senhora, pra mim já era uma senhora, não é? Hoje em dia não tão senhora pra
mim. Mas na época eu olhava pra ela assim, como uma senhora, sabe? Já tinha o
casamento dela, era casada com um oficial, então, ninguém mexia com ela. E eu
contei pra ela o que estava acontecendo, e ela virou pra mim e falou: “Mas o que
você esperava? O quê que você esperava?” Tipo, fez queixa pro marido e foi logo
resolvido. Será? Ou não. Ou ela tomou o caminho contrário. Ou cedeu. É. Como
tiveram muitas na minha turma, que eu sei que sofreram assédio, mas que
acabaram cedendo. Que achou que foi o jeito mais fácil. Elas viram que lutando
contra não tinha jeito. A gente sabe por que vira “fofoquinha”, não é? Se dá muito
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bem em cima dos outros, como conseguir uma transferência em menos de um ano,
ou pra mesma unidade que o mais antigo foi transferido, não é? Ou conseguir fazer
pela Força uma lipo-escultura no seu corpo todo. Entendeu? Então a gente vai
vendo que tiveram essas coisas, mas essa médica, ela fez isso assim. Ela foi muito
machista sim. Eu fui pra ela querendo assim: “Que bom, uma mulher que vai
entender tudo que eu estou passando, que vai tentar me ajudar, sabe? Vai tornar
esse fardo um pouco mais leve, não é?” E quando eu cheguei lá, ela foi totalmente o
contrário. Foi ela que assinou o laudo que os oficiais do Q1 afirmaram ser você
a responsável. Eu que estava gerando tudo aquilo, eu que estava causando tudo
aquilo.