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Universidade do Grande Rio “Prof.

José de Souza Herdy”


UNIGRANRIO

Marcos Fábio Coelho

ASSÉDIO MORAL EM ORGANIZAÇÕES MILITARES: em busca de uma gestão


de pessoas com subjetividade

Rio de Janeiro
2009
Marcos Fábio Coelho

ASSÉDIO MORAL EM ORGANIZAÇÕES MILITARES: em busca de uma gestão


de pessoas com subjetividade

Dissertação apresentada à Universidade


do Grande Rio “Prof. José de Souza
Herdy”, como parte dos requisitos parciais
para obtenção do grau de mestre em
Administração.

Área de Concentração: Gestão


Organizacional

Orientadora: Profa. Dra. Isabel Balloussier


Cerchiaro

Rio de Janeiro
2009
CATALOGAÇÃO NA FONTE/BIBLIOTECA - UNIGRANRIO

C672a Coelho, Marcos Fábio.


Assédio moral em organizações militares: em busca de uma gestão de
pessoas com subjetividade / Marcos Fábio Coelho. – 2009.
107 f. : il. ; 30 cm.

Monografia (mestrado em Administração) – Universidade do Grande Rio


Professor “José de Souza Herdy”, Escola de Ciências Sociais Aplicadas, 2009.
“Orientador: Profª Isabel Balloussier Cerchiaro”.
Bibliografia: 77-79

1. Administração. 2. Assédio. 3. Violência no ambiente de trabalho.


4. Conflito interpessoal. 5. Cultura organizacional. 6. Instituição militar – Brasil.
I. Cerchiaro, Isabel Balloussier. II. Universidade do Grande Rio “Prof. José de
Souza Herdy”. III. Título.

CDD – 658
Marcos Fábio Coelho

ASSÉDIO MORAL EM ORGANIZAÇÕES MILITARES: em busca de uma gestão


de pessoas com subjetividade

Dissertação apresentada à Universidade


do Grande Rio “Prof. José de Souza
Herdy”, como parte dos requisitos parciais
para obtenção do grau de mestre em
Administração.

Área de concentração: Gestão


Organizacional

Aprovado em 27 de abril de 2009.

Banca Examinadora

Profa. Dra. Isabel Balloussier Cerchiaro

Profa. Dra. Beatriz Quiroz Villardi

Prof. Dr. Helio Arthur Reis Irigaray


Dedico este trabalho à minha esposa Marluce,
sendo a pessoa que, sem igual modo, contribuiu
para esta conquista, me incentivando nos momentos
de fraqueza, me impulsionando nos períodos de
lentidão e me provando que juntos poderia ser
possível esta realização. Obrigado, meu amor! Você
é um presente de Deus.
AGRADECIMENTOS

Há pouco mais de dois anos um sonho se constituía e se iniciava no


tradicional bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Ingressava no Mestrado em
Administração. Desde que me permiti lançar-me nesta, inicialmente, “aventura”
acadêmica e sonho não mais tão distante, deparei-me com pessoas que nas suas
representações, me inspiravam e conduziam-me à realização de um mergulho no
conhecimento e pesquisa desta ciência, a Administração. A esses, que se somaram
aos que já me incentivavam, o meu sincero agradecimento.
À minha primeira Orientadora Profa. Dra. Beatriz Quiroz Villardi, pela iniciação
científica, pelas descobertas relativas à pesquisa, pelo incentivo e pela paciência
com que me tutoriou e orientou demonstrando o profundo comprometimento com a
aprendizagem e com a academia.
À minha Orientadora Profa. Dra. Isabel Balloussier Cerchiaro, que me acolheu
com extremo carinho e total compromisso em dar continuidade à pesquisa ora
iniciada, além das contribuições já realizadas desde a qualificação deste quando
Projeto de Pesquisa.
A todos os professores, colegas e funcionários da Escola de Ciências Sociais
Aplicadas que demonstraram dedicação ao longo do curso.
À minha madrinha Maura do Nascimento, que orientou meus primeiros
passos em direção ao saber.
À minha mãe Sílvia Regina que, entre broncas e “puxões de orelha”, me fez
descobrir que vale à pena trilhar rumo à luz do conhecimento.
À minha sogra Glória Maria, pelo braço amigo e pelo carinho sempre
presentes nos momentos mais difíceis.
À amiga e “irmã” Elaine Constant, pelo seu entusiasmo contagiante e
incalculável conhecimento, sem falar na prontidão para ajudar nos momentos de
desespero. E que me fez acreditar que era possível tornar sonho em realidade.
Aos demais familiares pela paciência em tolerar a minha ausência.
E, finalmente, a DEUS pelo quê Ele é em minha vida e por ter permitido que
tivesse a oportunidade e o privilégio em compartilhar tamanha experiência, fazendo-
me refletir e repensar fatos marcantes em minha caminhada.
RESUMO

Este estudo objetivou identificar as práticas de assédio moral em instituições


militares, bem como a repercussão sobre o bem estar físico e psicológico de
funcionários civis e militares. Para tal, foi realizado o levantamento de dados por
meio de sete entrevistas abrangendo funcionários de diferentes gêneros e níveis
hierárquicos. Os dados foram analisados pelo método de análise de conteúdo por
categorias. Durante a pesquisa foi possível detectar que a naturalização do poder,
bem definido nas hierarquias, favorece as práticas de assédio moral. Na relação
entre o dominante e o dominado, os discursos estabelecidos mostraram que a
desqualificação do assediado acabava por fortalecer ainda mais o assediador. Os
dados empíricos apontaram para uma não preocupação com a subjetividade do
trabalhador e sim para a produtividade, o que desencadeada conflitos nas relações
interpessoais. Estes foram analisados resultando em seis categorias: formação,
fases do assédio moral, adaptação, naturalização do poder, desqualificação,
sentimentos e sintomas; das quais se extraiu subcategorias. Assim sendo, esse
estudo é relevante para o campo da administração, no que diz respeito à gestão e à
qualidade de vida no trabalho.

Palavras-chave: Assédio Moral no Trabalho, Instituições Militares, Conflitos


Interpessoais, Subjetividade nas Organizações.
ABSTRACT

This study aimed to identify the pratices of moral harassment in military


institutions, as well as the repercussion on the welfare psychological and physical of
civil and military employees. For such, it was necessary to perform the data-colleting
through seven interviews comprehending employers of different sorts and
hierarchical levels. The data were analyzed by method of contents for categories.
During the research it was possible to detect that the naturalization of the power,
clear-cut in the hierarchies, contribute to the pratices of moral harassment. In the
relation between dominant and dominated, the speeches established shown that the
disqualification of the person who suffers harassment reinforce much more that
person who pratices harassment. The data has pointed to there is not preocupation
about subjectivity of worker, but it has pointed to your productivity, what it unchained
diverse conflicts in the interpersonal relations. Six categories were analyzed:
formation, phases of the moral harassment , adaptation, naturalization of the power,
disqualification, feelings and symptoms; of which it extracted sub-categories. Thus
being, this study it is relevant to the field of administration with respect to the
management and the quality of life in the work.

Keywords: Moral Harassment, Military Institutions, Interpersonal Relations,


Subjectivity in Organizations.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Reações à opressão de acordo com o sexo da vítima ...........................13

Quadro 2 - Apresentação e caracterização dos entrevistados .................................44

Quadro 3 - Categorias e subcategorias encontradas na análise dos dados ............57


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
1.1 CONTEXTO ..................................................................................................................10
1.2 SITUAÇÃO PROBLEMA ...............................................................................................14
1.3 DIMENSIONAMENTO DA PROBLEMÁTICA................................................................16
1.4 OBJETIVOS ..................................................................................................................17
1.4.1 Geral ........................................................................................................................17
1.4.2 Específicos ..............................................................................................................18
1.5 SUPOSIÇÃO INICIAL ...................................................................................................18
1.6 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO..........................................................................................19
1.7 RELEVÂNCIA DO ESTUDO ...........................................................................................20
1.8 ORGANIZAÇÃO GERAL DO ESTUDO ..........................................................................22

2. REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................................ 24


2.1 CONTEXTUALIZANDO O ASSÉDIO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES ..........................24
2.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O CONCEITO DE ASSÉDIO MORAL ..............................26
2.3 CARACTERÍSTICAS DO AGRESSOR E DA VÍTIMA .....................................................29
2.4 FASES DO PROCESSO PSICOLÓGICO DO ASSÉDIO MORAL ..................................30
2.5 ELEMENTOS FACILITADORES DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO .....................32
2.6 TIPOS DE RELAÇÕES NAS ORGANIZAÇÕES .............................................................35
2.7 CONSEQÜÊNCIAS HUMANAS DO ASSÉDIO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES ...........37
2.8 GESTÃO DE PESSOAS .................................................................................................37
2.9 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO..........................................................................38

3 METODOLOGIA................................................................................................................. 40
3.1 DELINEAMENTO E CLASSIFICAÇÃO...........................................................................40
3.2 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA.........................................41
3.3 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS.............................................45
3.4 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS ..................46
3.4.1 Categorias ...............................................................................................................47
3.4.2 Subcategorias ..........................................................................................................49
3.4.3 Dificuldade de interpretação ....................................................................................50
3.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO ...........................................................................................50
3.5.1 Liberdade aos entrevistados: o que disseram e como interpretar ...........................51

4 RESULTADO DA COLETA E ANÁLISE DE DADOS EMPÍRICOS .................................. 53


4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS POR MEIO DE ENTREVISTA ..53
4.1.1 O Processo de entrevista na fase exploratória ........................................................54
4.1.2 O Processo de validação semântica do roteiro – fase exploratória.........................54
4.2 FASES DO ASSÉDIO .....................................................................................................55
4.3 CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS IDENTIFICADAS NAS ENTREVISTAS ...............56
4.3.1 Adaptação................................................................................................................58
4.3.2 Naturalização do poder............................................................................................61
4.3.3 Desqualificação........................................................................................................64
4.3.4 Sentimentos .............................................................................................................67
4.3.5 Sintomas ..................................................................................................................69
5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS .................................... 72
5.1 CONCLUSÕES...............................................................................................................72
5.2 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS................................................................75

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 77
ANEXO A - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Especialista) ......................... 80
ANEXO B - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Vítima) .................................... 81
ANEXO C - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Testemunha) .......................... 82
ANEXO D - Transcrição da sétima entrevista ................................................................... 83
10

1 INTRODUÇÃO

Este capítulo aborda a situação-problema que originou a pesquisa, e a


importância e justificativa do tema estudado, bem como os seus objetivos, geral e
específicos. Desta forma, são apresentados também a suposição inicial e, por fim,
exposta uma estrutura geral do trabalho.

1.1 CONTEXTO

Com a evolução tecnológica, o império da globalização e a busca por um


lugar de destaque em um mercado altamente competitivo, têm-se alterado a
estrutura tecnológica do trabalho e com esta, ocorreram inúmeras mudanças dentro
das organizações: trabalhadores que precisam ser multifuncionais, exigências cada
vez maiores, metas a serem alcançadas, superação de si mesmo a cada dia, entre
outras que facilitem ou permitam o seu enquadramento e adaptação no mercado de
trabalho. Essas mudanças trazem consigo conseqüências negativas à formação de
uma cultura organizacional com qualidade de vida trabalho.

Neste ritmo acelerado, não há tempo para fazer novos vínculos ou estar
solidário ao outro, os interesses individuais prevalecem sobre os coletivos, o diálogo
entre os membros das organizações está cada vez mais empobrecido. Esta
característica da vida contemporânea é muito bem explicitada por Bauman (1998) no
que se refere ao processo de intensa individualização das relações humanas e,
conseqüentemente, a negação do sentido humano de solidariedade. A partir desta
idéia, o autor contribui para o presente estudo no que tange ao processo de
transformação relativo à precarização e a fragmentação dos “laços humanos” nas
diferentes esferas sociais, macadas pela solidão nas relações autônomas.

Considerando que as modificações individuais se refletem nas relações


interpessoais no trabalho, é relevante analisar como ocorrem as interferências e
suas conseqüências à saúde do trabalhador.
11

Nesta investigação, considera-se que estas interferências estão


correlacionadas às relações de poder estabelecidas em ambientes organizacionais,
sendo a questão específica o assédio moral; visto que o contexto profissional
apresenta mudanças em ritmo frenético, em que indivíduos suportam, em muitos
casos, humilhações e constragimentos; danos profundos são causados à saúde
física e psicossocial do trabalhador assediado tais como depressão, angústia,
distúrbio do sono, conflitos internos e sentimentos confusos que reafirmam uma
visão de fracasso e inutilidade, principalmente são causados, por seus superiores e
em alguns casos pares e subordinados, no ambiente de trabalho.

Estas humilhações e constrangimentos são definidos por Hirigoyen (2007, p.


65) como assédio moral no trabalho, isto é: “conduta abusiva que se manifesta
notadamente por comportamentos, palavras, atos, gestos, que podem causar danos
à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa,
colocando em risco o emprego desta ou degradando o clima de trabalho”.

Ainda de acordo com Hirigoyen (2007), o assédio moral é quase imperceptível


no ambiente de trabalho e aparece de modo lento, porém progressivo. Ele é um tipo
de violência que expõe as pessoas a situações ofensivas e humilhantes, causando
sofrimento, dor e que pode resultar em uma baixa produtividade. Os “algozes”
corporativos costumam ser gestores autoritários, que abusam de seu poder e das
situações de fragilidade de seus liderados. Identificar o fenômeno seria um primeiro
passo para combatê-lo. No entanto, esta tarefa de identificação não ocorre de forma
tão fácil, pois as pessoas que sofrem humilhações trancam-se em seu mundo de
silêncio por medo do desemprego e outros tipos de retaliações ou não recebem o
devido apoio dos profissionais a quem deveriam recorrer: médicos, psicólogos,
advogados; uma vez que estes também fazem parte do corpo de empregados da
empresa e, deixando a ética profissional de lado, acabam por tornarem-se reféns,
compartilhando também dos mesmos sentimentos que as vítimas e tornando-se um
aliado do assediador.

O interesse pela temática apresentada surgiu, inicialmente, pelo fato do autor


do trabalho ser membro, aproximadamente por dezoito anos, de uma instituição
militar com estrutura rígida e fundamentalmente hierarquizada, fato este que propicia
o fenômeno de assédio moral; além de ter presenciado situações que configuram tal
12

fenômeno, no qual é tão pouco difundido por sua “invisibilidade” e complexidade,


relacionadas ao contingente de cada organização.

Como testemunha, não se pode limitá-lo ao simples papel de telespectador,


uma vez que este experimenta emoções por se colocar no lugar da vítima de
assédio moral. Para Davel e Vergara (2007), tanto as emoções quanto o poder estão
profundamente inscritos nas relações sociais. Assim, o autor considera a expressão
de um vínculo social como finalidade das emoções, a qual age sobre a
comunicação, transmitindo sentimentos e limitando o outro. No entanto, observa-se
em algumas organizações a desvalorização deste importante aspecto da
subjetividade humana. Fato que favorece as práticas de assédio moral.

Este é um problema mundial e crescente, como apontam as estatísticas


encontradas nas pesquisas divulgadas por Caiana (2007): a pesquisa de 1996 da
OIT - Organização Internacional do Trabalho revela que cerca de 8% dos
trabalhadores da União Européia, doze milhões de pessoas, sofrem desse drama.
Na Suécia, onde o assédio é reconhecido desde 1993, estima-se que ele atinja 9%
dos trabalhadores. Na França, um caso de suicídio foi reconhecido como acidente
de trabalho, resultado de pressão moral sofrida pelo trabalhador. No Brasil, os
números também assustam. Inclui-se à pesquisa de Caiana (2007), estudo feito com
97 empresas de São Paulo (setores químico, plástico e cosméticos) mostra que, dos
2.072 entrevistados, 870 deles (42%) apresentam histórias de humilhação no
trabalho.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a saúde


mental do operário deve sofrer profundo abalo nas próximas duas décadas. A
tendência, até mesmo em países desenvolvidos, é de se assistir a quadros de
depressão cada vez mais graves (CAIANA, 2007).

O Jornal Trabalhista Consulex traz uma entrevista com 870 homens e


mulheres vítimas de opressão no ambiente de trabalho e revela como cada sexo
reage a essa situação (ASSÉDIO MORAL, 2009):
13

Reações à opressão de acordo com o sexo da vítima


Sintomas Mulheres (%) Homens (%)
Crises de choro 100 ---
Dores generalizadas 80 40
Palpitações, tremores 80 40
Sentimento de inutilidade 72 40
Insônia ou sonolência excessiva 69,6 63,6
Depressão 60 70
Diminuição da libido 60 15
Sede de vingança 50 100
Aumento da pressão arterial 40 51,6
Dor de cabeça 40 33,2
Distúrbios Digestivos 40 15
Tonturas 22,3 3,2
Idéia de Suicídio 16,2 100
Falta de apetite 13,6 2,1
Falta de ar 10 30
Passa a beber 5 63
Tentativa de suicídio --- 18,3
Quadro 1 - Reações à opressão de acordo com o sexo da vítima
Fonte: Jornal Trabalhista Consulex, citado na pesquisa Assédio Moral (2009)

Além dessas reações, esta agressão psíquica no ambiente laboral,


continuada e duradoura, leva o trabalhador à baixa da auto-estima, a estados
depressivos e doenças psicossomáticas (úlcera péptica, infarto do miocárdio,
impotência sexual e acidente vascular cerebral), aumento do índice de acidentes de
trabalho, depressão e até mesmo tentativas de suicídio; afetando não somente a
vida socioeconômica dos trabalhadores, como também a familiar, podendo levá-los
desde a incapacidade até a morte, segundo depoimentos de profissionais da área de
saúde.

Assim sendo, torna-se relevante um estudo sobre esse fenômeno – Assédio


Moral no Trabalho – considerando-se os sofrimentos psíquicos e físicos despertados
pelas interferências na subjetividade dos trabalhadores.
14

1.2 SITUAÇÃO PROBLEMA

Além do exposto acima e considerando as características estruturais das


Forças Armadas, pergunta-se: como o assédio moral é praticado e quais as suas
conseqüências nas organizações militares?

Segundo Freitas (2007), o assédio moral ocorre quando encontra elementos


facilitadores e se fortalece como uma prática porque os seus autores não encontram
maiores resistências organizacionais nas regras, tampouco na autoridade, nem na
filosofia, ou seja, uma instância que impeça e puna essas ocorrências perversas.
Freitas (2007) acredita que condições ambientais relativas à cultura e ao clima
organizacionais facilitam a emergência de comportamentos violentos, abusivos e
humilhantes, tais como: a permissividade por parte do contingente (pessoas, tarefas,
estrutura organizacional e ambiente) torna o relacionamento entre os indivíduos
desrespeitoso e estimula a complacência e a convivência com o erro, o insulto e o
abuso intencionais; a competição exacerbada; a supervalorização de hierarquias;
reestruturações feitas sem planejamento em relação às pessoas e cargos afetados,
sem transparência e sem critérios claros de avaliação e negociação de demissões;
fusões, aquisições e parceria sem que algumas funções executivas e de
coordenação possam ser duplicadas; expatriações feitas de forma descuidada; e a
entrada de novos membros na organização tornando particularmente vulnerável a
situação daqueles que são mais qualificados que a gerência que os subordina.

Estudos relacionados às dinâmicas de assédio moral no exército


(HIRIGOYEN, 2006) esclarecem o favorecimento das mesmas devido à força da
hierarquia, que faz calar todo aquele que pretenda denunciar procedimentos que
evidenciem este tipo de assédio. O que nos leva a acreditar inicialmente, por sua
cultura baseada na hierarquia verticalizada e na disciplina, comportamentos
violentos, abusivos e humilhantes encontram um terreno fértil para se expandirem,
fortalecidos pelo silêncio das vítimas.

Conforme a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, as Forças


Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica. Elas são
“instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na
15

hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e


destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Assim sendo, em instituições altamente hierarquizadas, como as Forças


Armadas, cuja missão precípua é a defesa do Estado Brasileiro, cabe a seguinte
indagação: como suas estruturas organizacionais e os gestores destas instituições
reconhecem e protegem seus membros desse tipo de desgaste?

Goffman (2007, p. 16) chama estas organizações de “instituições totais”, pois


apresentam-se muito mais “fechadas” do que as outras, simbolizadas “pela barreira
à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes
estão incluídas no esquema físico”. O autor inclui o quartel no grupo das instituições
totais que tem a “intenção de realizar de modo mais adequado alguma tarefa de
trabalho e que se justificam apenas através de tais fundamentos instrumentais” (op.
cit., p.17). Complementando esta idéia, Dejours (1992), afirma que o medo e a
ansiedade são os meios pelos quais se consegue fazer respeitar os preceitos
hierárquicos nas organizações.

Apesar de o assédio moral ser considerado quase imperceptível por Hirigoyen


(2007), os sindicatos dos petroleiros e dos professores já reconhecem o assédio
moral e estão tomando medidas preventivas, a fim de protegerem esses
profissionais.

O Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (SINDIPETRO-RJ) em parceria


com a Secretaria de Saúde, Tecnologia e Meio Ambiente elaborou e distribuiu uma
cartilha embasada nos estudos de Barreto (2000) com o objetivo precípuo de poder
contribuir para que o assédio moral seja identificado no trabalho e que suas vítimas
denunciem a agressão, esperando também que os agressores entendam que
precisam mudar de conduta.

Assim como o SINDIPETRO-RJ, o Sindicato Estadual dos Profissionais da


Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) adotou uma cartilha elaborada pela
Secretaria de Assuntos Educacionais (SAE), baseada na cartilha do Sindicato
Estadual dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais (SINTUPERJ),
elaborada em 2004, e também embasada pelos estudos de Barreto (2000).
16

1.3 DIMENSIONAMENTO DA PROBLEMÁTICA

O assédio moral no trabalho é uma nomenclatura nova. No entanto, se


considerarmos a escravidão no Brasil como um exemplo marcante de humilhação no
trabalho, compreendemos que este fenômeno não é tão recente. Ele é tão antigo
quanto a atividade laboral. Porém, somente no final da década de 1990 é que o
termo “assédio moral” surgiu oficialmente no campo do direito administrativo
municipal, através do Projeto de Lei sobre Assédio Moral que dispõe sobre a
aplicação de penalidades à prática desse comportamento entre o funcionalismo da
administração pública municipal direta. Assim sendo, o tema em estudo é
contextualizado a partir da década de 1990 até os dias atuais.

Considerando épocas passadas da história do Brasil, nota-se que o assédio


moral acontecia basicamente com o serviçal sem maiores qualificações. Atualmente,
este fenômeno não se restringe apenas aos menos favorecidos economicamente,
ele abrange todas as classes: juízes, desembargadores, professores universitários,
médicos, militares e funcionários de diversas funções, muitas vezes qualificados
(HELOANI, 2004). Contudo, embora a pesquisa não compreenda juízes,
desembergadores, professores universitários e médicos, pôde-se avaliar, a partir dos
relatos dos oficiais, graduados e funcionários civis a confirmação da realidade de
abrangência às diversas classes sociais. Desta forma, o estudo sobre assédio moral
não pode restringir-se apenas a uma classe social hierárquica. Faz-se necessário
que esta visão alcance todos os níveis dentro das organizações.

Portanto, o presente trabalho englobou servidores militares e funcionários


civis de diversos níveis hierárquicos que desempenham atividades dentro das
Forças Armadas e compõem uma amostra de sete pessoas sendo assim
classificadas: um médico psiquiatra militar, que tem experiência no atendimento de
pessoas que apresentam queixas relativas ao assédio moral; um ex-militar, vítima e
testemunha de assédio moral quando militar; três militares, vítimas da prática de
assédio moral, assim como também apresentam relatos de testemunharem a
17

referida prática com outros colegas; e duas funcionárias civis, uma testemunha e
outra vítima e testemunha.

Segundo Hirigoyen (2007), freqüentemente o assédio moral se inicia quando


a vítima reage ao autoritarismo de um chefe, ou se recusa a se subjugar. Isto é
muito comum nas Forças Armadas, não pelo descumprimento frio de uma
fundamentação legal de sua estrutura, mas por aspectos inerentes ao mundo
contemporâneo, onde se exige cada vez mais uma melhor formação e qualificação.
Conseqüentemente, profissionais com o senso crítico mais desenvolvido, jovens
portadores de vários diplomas ocupam um posto cujo superior hierárquico não
necessariamente possui o mesmo nível de escolaridade, suscitando a inveja por
parte desse superior. Este superior hierárquico, sentindo-se “inferiorizado” pela
qualificação do outro, inicia o processo de assédio moral com o fim de desestruturá-
lo e, desestabilizado, subjugá-lo aos seus interesses pessoais e profissionais,
tornando possível indício de maus tratos que configurem o fenômeno em pauta.

Diante dos fatos acima relatados, pergunta-se:

- É possível coibir o assédio moral nas organizações?

- É possível monitorar os recursos humanos a fim de inibir o assédio moral


em organizações que, por sua cultura e clima organizacionais,
apresentariam facilidades para ocorrência desse fenômeno?

- Como se configuram as dinâmicas organizacionais do assédio moral?

1.4 OBJETIVOS

1.4.1 Geral

O presente trabalho tem como objetivo geral identificar as dinâmicas


organizacionais de assédio moral praticadas nas organizações militares e suas
conseqüências.
18

1.4.2 Específicos

Os objetivos específicos deste estudo são:

- Levantar estudos acadêmicos sobre assédio moral;

- Levantar, por meio de revisão de literatura:

a) Características daqueles indivíduos que poderão vir a se tornar


agressor e/ou vítima nas organizações, assim como as tecnologias de
gestão de pessoas;
b) Elementos facilitadores da cultura e do clima organizacional que
corroboram para que humilhações, constrangimentos e diversos tipos
de violência que façam parte do cotidiano das organizações em geral,
para identificá-los também dentro das Forças Armadas; e
c) As condições e os tipos de relações interpessoais em que o
assédio moral poderá manifestar-se.

- Levantar, em pesquisa de campo, percepções de servidores militares e


funcionários civis de diversos níveis hierárquicos que desempenham
atividades dentro das Forças Armadas, para identificar aqueles que tenham
passado por uma situação de assédio moral, assim como as práticas de
gestão de pessoas que vivenciaram;
- Descrever as fases do processo psicológico individual do assédio moral
no trabalho ocorridos no campo; e
- Levantar as conseqüências humanas do assédio moral em
organizações militares.

1.5 SUPOSIÇÃO INICIAL

Nesta pesquisa se baseia na suposição de que: o assédio moral ocorre em


meio a estruturas hierarquizadas verticalizadas que propiciam o abuso de poder; e
19

as conseqüências para a organização são: desarmonia no ambiente de trabalho,


doenças ocupacionais, ou intensificação das mesmas, e conseqüente baixa na
produtividade dos indivíduos assediados moralmente.

1.6 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO

O presente estudo é baseado inicialmente na compreensão de Hirigoyen


(2006; 2007), Goffman (2007) e de Dejours (1992) acerca da violência no trabalho
que traduzem princípios e conceitos comuns relativos ao fenômeno assédio moral,
bem como as concepções de Davel e Vergara (2007) e Rodrigues (1994) relativas à
gestão de pessoas com subjetividade.

Esta pesquisa aborda a perspectiva da gestão de pessoas que, segundo


Davel e Vergara (2007), reconhece a relevância da subjetividade na gestão das
pessoas que representam elementos principais de toda organização,
interconectados às construções sociais necessárias para que possam entender o
mundo dos negócios e nele atuar de forma conseqüente.

Neste estudo foram considerados, ainda, aspectos de clima e a cultura


organizacional – fatores importantes no desenvolvimento do indivíduo e da empresa
– revisões de diversas concepções de assédio moral no trabalho, assim como
levantadas características daqueles que poderão vir a ser tornar agressor ou vítima,
destacando situações mais freqüentes de assédio vertical descendente em que um
subordinado é agredido por um superior, no qual se caracterizam casos de abuso de
poder ou, ainda, de manobra perversa de um indivíduo, como alerta Hirigoyen
(2007). Logo, este estudo não abordou aspectos clínicos nem jurídicos do fenômeno
assédio moral, levantamento de custos econômicos e financeiros, resultados de
curto, médio e longo prazo no desempenho organizacional nem aspectos
meramente individuais.

No entanto, procura-se destacar e, sobretudo, compreender o processo


psicológico do assédio moral, considerando que este ocorre em fases descritas por
Hirigoyen (2006), levantando-se os elementos facilitadores da cultura e do clima
20

organizacional que corroboram para que humilhações, constrangimentos e diversos


tipos de violência façam parte do cotidiano na empresa. Foram abordados também
os tipos de relações hierárquicas (assimétricas ou verticais e horizontais) nas quais o
assédio moral poderá manifestar-se, destacando as relações que por suas
peculiaridades favorecem o assédio, bem como foram levantados os métodos
adotados pelo vitimizador para impedir que a vítima reaja, assim como as diversas
estratégias de afrontamento utilizadas para estabelecer forma de uma gestão que
considere as pessoas e a subjetividade envolvida como elemento estratégico nas
organizações.

1.7 RELEVÂNCIA DO ESTUDO

Segundo Invernizzi (2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004), o


assédio moral no trabalho traz conseqüências tanto para a vítima que foi assediada
quanto para a empresa. Denominando de conseqüências econômicas, as que
afetam a organização, e humanas, as que causam prejuízos à vítima.

O referido autor destaca ainda que a deterioração do clima laboral produz


uma diminuição no rendimento grupal. A isto contribui também a necessidade de
gestão de conflito, que leva consigo uma redução da atenção de suas tarefas.
Conseqüentemente, traduzem um aumento da atenção aos aspectos relativos às
pessoas como agentes de transformação no favorecimento de um clima positivo,
com respeito e reconhecimento pessoal.

Este autor considera que as perdas econômicas virão por duas vias: a
diminuição da produtividade e qualidade de trabalho e os custos que traz consigo, o
absenteísmo. Quanto às conseqüências humanas, além do desaparecimento do
sentimento de pertencer ao grupo, gerado pela insatisfação laboral que isto pode
acarretar; a tensão sofrida no trabalho afeta negativamente a saúde das pessoas
devido o surgimento de transtornos psicossomáticos (úlceras duodenais, crises
cardíacas, instabilidadede humor, etc.) e o consumo de álcool ou psicofármacos.
Outros autores como Hirigoyen (2006; 2007) e Barreto (2000) corroboram as
21

mesmas idéias de Invernizzi (2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004) quanto


aos malefícios causados pelo assédio moral no trabalho.

Considerando que as mudanças da contemporaneidade facilitam o


aparecimento dos transtornos supracitados e que o assédio moral aparece de forma
sutil e lenta, porém progressiva (HIRIGOYEN, 2007), nas instituições militares, as
punições e humilhações ocorrem na tentativa de manter a hierarquia e a disciplina.
Parece oportuno e relevante o estudo sobre esta temática a fim de que se
identifiquem as dinâmicas organizacionais de assédio moral, focalizando, ainda, a
prática deste, comuns a essas organizações, para subsidiar ações que previnam ou
inibam o assediar moralmente, obtendo-se assim um melhor desenvolvimento dos
recursos humanos e como conseqüência, da própria organização (DAVEL e
VERGARA 2007).

Nessa perspectiva, se beneficiarão do estudo aqui proposto, as vítimas de


assédio moral, pessoas que compõem o cenário configurado pelo assédio, assim
como os seus gestores, com conhecimento sobre práticas de gestão e sobre o
fenômeno de assédio moral em organizações brasileiras. Do ponto de vista prático, o
estudo da gestão de pessoas considerando a sua subjetividade subsidiará políticas
de gestão específicas com vistas à otimização dos resultados organizacionais com
utilização de ferramentas compatíveis com a realidade organizacional.
E, finalmente, existe a relevância acadêmica de contribuir com o
conhecimento sobre uma organização brasileira e as práticas que favorecem e
conduzem ao assédio moral.

Sendo assim, é possível considerar aspectos comuns identificados


empiricamente a partir de uma pesquisa qualitativa descritiva utilizando-se de dados
extraídos por meio de roteiros pré-estabelecidos e, posteriormente, ter suas
conclusões divulgadas para a mobilização de ações implementadoras que inibam
tais práticas.

Destarte, embora o fenômeno do assédio moral não seja recente, os estudos


que se referem a ele e sua gestão nas organizações o são. Estudos iniciados a partir
dos anos 80, com o surgimento de um novo conceito chamado mobbing, termo que
vem do verbo inglês to mob, cuja tradução é maltratar, atacar, perseguir, sitiar
(HIRIGOYEN, 2006 p. 77), expressão introduzida pelo psicólogo alemão Heinz
22

Leymann, que a utilizou para definir as formas severas de tratamento dentro das
organizações. Mais tarde, na década de 90, o surgimento da discussão do tema
reascendeu através da psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, que lançou um
estudo completo sobre o tema tendo como base de estudos casos reais. Sua
repercussão foi internacional, mobilizando países como França, Suécia, Noruega e
Itália, que criaram leis com o intuito de coibir o assédio moral no ambiente de
trabalho.

Segundo Ferreira (2004), no Brasil a discussão do problema ainda é tímida.


Algumas legislações existentes, até o momento, em nível municipal e estadual,
tratam do assunto visando apenas o setor público. Recentemente, o tema ganhou
destaque com a médica do trabalho, Dra. Margarida Barreto que abordou a temática
em uma dissertação e mantém um importante sítio eletrônico sobre o assunto.

Dessa forma, o presente estudo focalizará uma abordagem gerencial voltada


para as relações interpessoais e suas implicações subjetivas no ambiente de
trabalho, diferentemente de outros estudos centrados nas patologias relacionadas às
vítimas ou questões jurídicas.

1.8 ORGANIZAÇÃO GERAL DO ESTUDO

O estudo aborda a temática do assédio moral em organizações militares com


ênfase na gestão de pessoas com subjetividade. Desta forma, são apresentados
inicialmente uma contextualização do assédio moral no ambiente de trabalho, assim
como o interesse pela temática e a relevância de um estudo sobre esse fenômeno.
Argumenta-se sobre a necessidade de identificar suas dinâmicas e suas
conseqüências nas organizações, focalizando a prática deste nas instituições
militares, para subsidiar ações que previnam ou inibam o assediar moralmente,
como forma de propiciar um melhor desenvolvimento dos recursos humanos e da
organização.

O próximo capítulo trata da temática sob a ótica de pesquisadores como:


Hirigoyen (2006; 2007), Barreto (2000), Freitas (2001) e Goffman (2007); onde
23

apresenta um breve histórico do conceito de assédio moral. Neste segundo capítulo


são apontadas as características dos indivíduos que estão mais suscetíveis de se
tornarem vítimas desse fenômeno do trabalho, assim como as características do
agressor. Ainda, são descritas as fases desse processo psicológico e os principais
elementos que facilitam a prática desse fenômeno, incluindo um estudo sobre os
tipos de relações no trabalho, as conseqüências humanas do assédio moral e a
forma como a gestão de pessoas poderá interferir positivamente na qualidade de
vida no trabalho, segundo Davel e Vergara (2007).

O terceiro capítulo aborda a metodologia a ser utilizada neste estudo. Trata-


se de uma pesquisa de natureza qualitativa, focada na percepção das vítimas,
testemunhas e profissionais de saúde, abrangendo servidores militares e/ou
funcionários civis das Forças Armadas, utilizando a entrevista em profundidade
configurada por roteiros específicos como instrumento de coleta de dados.

O quarto capítulo faz referência à coleta e à análise de dados obtidos para


que fundamentasse o projeto inicial adotando uma sistemática de elaboração para
roteiros de entrevistas, bem como da transcrição e suas análises. A partir dessas
análises, estabeleceram-se categorias e subcategorias cuja finalidade era permitir a
conexão entre o referencial teórico e o campo pesquisado.

O quinto e último capítulo são abordadas as conclusões do estudo e


sugestões de pesquisas futuras, relativas ao tema assédio moral que não foram
aprofundadas neste estudo.
24

2. REVISÃO DA LITERATURA

Neste capítulo são abordados os conceitos de assédio moral a partir de um


breve histórico, além das características do agressor e da vítima de assédio, as
fases do processo psicológico do fenômeno, os elementos facilitadores da
ocorrência do fenômeno no trabalho, os tipos de relações organizacionais existentes;
as conseqüências humanas; a importância da gestão de pessoas nesse contexto; e
a relação da temática com o conceito de qualidade de vida no trabalho.

2.1 CONTEXTUALIZANDO O ASSÉDIO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES

Goffman (2007) preocupou-se com as redes de significado que mantém a


ordem da interação e os processos que acompanham, como a construção da
identidade e a dinâmica das relações interpessoais nas “instituições totais”.

Para este autor, o indivíduo ao ingressar em uma instituição carrega as


disposições de seu mundo doméstico. Porém, passa por um processo de
transformação, no qual precisa abandonar “seus apoios anteriores”, perdendo a
identidade gradualmente com a “mortificação do eu”. O que o torna propenso a
participar de uma:

“série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações


do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não
intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas
mudanças radicais em sua ‘carreira moral’, uma carreira composta
por progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu
respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele”
(GOFFMAN, 2007 p. 24).

Apesar das Forças Armadas caracterizarem-se por organizações bem


estruturadas e organizadas, ainda assim têm um campo fértil para se desenrolarem
ações que se configurem em assédio moral. Isso ocorre devido ao fato de possuírem
fundamentações ideológicas peculiares, destituindo de maneira decisiva qualquer
25

possibilidade de ponderação ou questionamento das ordens, além da estrutura


intensamente hierarquizada que confere ao superior hierárquico poder total e
absoluto sobre o seu subordinado, o que se reflete na questão da submissão à
autoridade. Tal concepção baseia-se na idéia de que indivíduos têm a necessidade
de uma autoridade para se chegar ao seu estado de equilíbrio. Cabe ressaltar que o
peso de certas administrações ou de organizações excessivamente hierarquizadas,
como é o caso das Forças Armadas, permite a alguns indivíduos, sequiosos de
poder, encarniçar-se contra os outros indivíduos com total impunidade; o que facilita
o desenvolvimento do assédio moral. Por estas situações Hirigoyen (2006) conclui
que o poder quando em mãos de um indivíduo – ou de um sistema – perverso,
poderá constituir-se em uma arma terrível.

Sendo assim, este contexto organizacional favorece comportamentos


abusivos que podem insurgir como fases do assédio moral no trabalho. Afirma
Leymann (1996 apud HIRIGOYEN, 2006) que o assédio moral se configura dentre
tantas formas de ocorrerem, bem como as fases que o constitui, uma maneira de
submeter ou de aniquilar por completo um indivíduo organizacional, o que pode
acarretar em aniquilamento psíquico ou até mesmo no suicídio, caracterizando o
“psicoterror”.

São algumas reações comuns das vítimas de assédio moral: sentir-se


incapaz, mesmo tendo um histórico de ter sido um dos melhores em todas as
atividades desempenhadas; dormir mal, temendo a volta ao trabalho no dia seguinte;
ter enxaquecas e crises de choro ao relembrar do seu dia de trabalho; e perder todo
entusiasmo, inclusive para a vida social. Afirma ainda Hirigoyen (2006) que se
percebe que o assédio ocorre, ou a partir de um conflito de pessoas, ou da má
organização de uma empresa; embora exista um diretor de RH, as empresas, salvo
exceções, raramente levam em conta o fator humano, e menos ainda, a dimensão
psicológica das relações de trabalho, o que se vem propor uma nova visão a partir
da gestão de pessoas com subjetividade (DAVEL e VERGARA, 2007).

No entanto, é preciso cuidado para não enquadrar uma crítica apenas em


assédio moral. Existe uma diferença entre assédio moral e assédio profissional. Se
persistir em críticas e se tornarem maldosas e injuriosas, representando aspectos de
humilhação, então se percebe notadamente uma fase de assédio moral
(HIRIGOYEN, 2006).
26

Outra dúvida muito comum está entre distinguir estresse de assédio moral. O
primeiro refere-se ao excesso que pode se tornar cansativo e até destruidor, mas o
assédio moral é destruidor por si só. É possível que o estresse dê espaço para o
assédio moral, todavia, a partir deste, as conseqüências sobre a saúde se tornam
muito mais graves (HIRIGOYEN, 2006).

Hirigoyen (2006) caracteriza o estresse como um fenômeno fisiológico de


adaptação do organismo a uma agressão, seja ela qual for. Para os animais, diante
da agressão, eles têm que optar entre lutar ou fugir, mas no organismo humano,
reage em três fases sucessivas: alerta, resistência e depois esgotamento. Contudo,
esse fenômeno fisiológico tem um novo sentido voltado à adaptação social e
psicológica. Por outro lado, essa autora reforça que o assédio moral não se resume
a um conflito. O assédio distingui-se por sua característica clara, não aberta, não
falada e escondida. Por sua vez, o conflito caracteriza-se por ser uma guerra aberta,
contudo, se estendido por muito tempo e, não concluso por arbitragem ou mesmo
espontaneamente, corre o risco de passarem para procedimentos de assédio moral.

2.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O CONCEITO DE ASSÉDIO MORAL

Ainda que não seja em absoluto um fenômeno novo, considerando que Pikas
(1975 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004) já fazia alusão a este termo
referindo-se a grupos escolares. Só recentemente se tem começado a estudar o
assédio moral também no ambiente de trabalho, sobretudo nos países anglo-saxões
e nórdicos. Estudos na Finlândia, Reino Unido, Países Baixos, Suécia, Bélgica,
Portugal, Itália e Espanha (EINARSEN, 2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ,
2004) reportam que 9% dos assalariados são vítimas de assédio moral. Podemos
supor, portanto, um incremento de um milhão de pessoas, segundo a Terceira
Pesquisa Européia sobre Condições no Trabalho (OIT, 2000).

Considera-se que foi Konrad Lorenz quem introduziu o conceito de assédio


moral nas ciências sociais, fazendo alusão ao ataque que sofre o indivíduo de uma
espécie por parte de uma concordância de indivíduos mais débeis, ainda que tenha
27

sido de Leymann os estudos iniciais sobre hostilidade no ambiente do trabalho, sob


a ótica organizacional. Ele foi o responsável pela introdução do termo "mobbing" no
universo trabalhista sueco na década de 80 do século passado. Outros termos
usados: "bullying" e "harassment" nos EUA, "psicoterror ou acosso moral" na
Espanha; "harcèlement moral" na França e "Ijime" no Japão (HIRIGOYEN, 2007;
BARRETO, 2000).

De uma forma mais explícita, Leymann (1996 apud NAKAMURA e


FERNÁNDEZ, 2004) afirma que deve-se entender por assédio moral, qualquer
comportamento abusivo que produza no lugar de trabalho, que inclua gestos,
verbalizações ou escritos que possam atentar contra a dignidade ou a integridade,
tanto física como psíquica, dos indivíduos, assim como toda conduta que possa
fazê-los perder seu posto de trabalho ou viciar o ambiente laboral, ocorrendo
também em cárceres, forças armadas e/ou em instituições conservadoras aonde há
pouca tolerância à diversidade e uma forte vinculação entre seus membros , dentre
elas, hospitais e ONGs.

Einarsen (2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004) define o assédio


moral como aquela situação em que um trabalhador, um supervisor ou um diretor é
maltratado repetida e sistematicamente, isto é, vitimizado por companheiros de
trabalho, subordinados ou superiores, denominado mobbing no Reino Unido (do
inglês, to mob: acosar) ou bullying (intimidar) nos EUA.

Recentemente, Piñuel (2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004)


apresentou, na Universidadede Alcalá de Henares, uma pesquisa com uma amostra
de 988 trabalhadores com idades compreendidas entre 18 e 60 anos de distintas
categorias e setores profissionais, apontando um percentual em que 11,44% dos
trabalhadores consideravam-se vítima de assédio moral. O estudo incluiu indivíduos
que haviam sofrido e identificado uma ou mais vezes na semana e durante um
período de seis meses ou mais, comportamentos como: negativa de comunicação e
informação profissional por parte de seu superior, atitude de rechaço por parte dos
companheiros, crítica sistemática ao seu trabalho, maledicências sobre sua vida
privada, gritos e ameaças, designação para trabalhos de categoria inferior, atribuição
de falhas psicológicas e de falsas enfermidades, ridicularização do aspecto físico,
designação de tarefas humilhantes, isolamento físico ou inatividade prolongada.
28

Como sucede em qualquer relação interpessoal, o assédio moral não se


produz de uma hora para a outra, começa de uma maneira muito sutil. No princípio,
quando o indivíduo começa a ser assediado, não leva demasiadamente a sério as
indiretas e as provocações, de tal forma que uma frase desagradável pode ser
interpretada como um simples arranque de mau-humor. Não obstante, os ataques
vão se multiplicando até colocar a vítima em uma posição de inferioridade devido às
distintas e repetidas manifestações deste comportamento hostil e degradante, sem
que, em nenhum momento, o vitimizador, faça algo - explícito - que venha macular
suas observações ou seus atos (HIRIGOYEN, 2007).

Desta maneira, o fenômeno do assédio moral se converte em algo cíclico,


como afirma Schuster (1999; 2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004),
traduzido por um sentimento negativo mútuo, em que a vítima, praticamente,
esquece a causa original do conflito; passa a ser muito ansiosa na presença do
agressor, confusa e culpada pela situação. Em decorrência disso, a vítima passa a
comportar-se de uma forma desorientada profissional e psicologicamente, até perder
a sua capacidade de auto-estima, ficando suscetível à depressão, enfermidades
psicossomáticas, insônia, alcoolismo, incluindo o suicídio.

O termo "assédio moral" é a nomenclatura adotada no Brasil e surge,


oficialmente, no campo do direito administrativo municipal em 1999 através do
Projeto de Lei sobre Assédio Moral, encaminhado para a Câmara Municipal de São
Paulo, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento
entre o funcionalismo da administração pública municipal direta, inspirado na
pesquisa realizada na França por Marie-France Hirigoyen e publicada com o título
"Le harcèlment moral: la violence perverse au quotidien" (1998). A tradução da sua
obra para o português, em 2000, e a defesa da dissertação de Mestrado de Barreto
(2000) sobre a jornada de humilhação dos empregados adoecidos no trabalho foram
os responsáveis pela repercussão do tema no Brasil.
29

2.3 CARACTERÍSTICAS DO AGRESSOR E DA VÍTIMA

Hirigoyen (2006) postula que freqüentemente o agressor é o chefe, mas não


necessariamente. O assédio moral pode provir do comando hierárquico (vertical), de
colegas da mesma hierarquia funcional (horizontal), da omissão do superior
hierárquico diante de uma agressão (descendente), ou caso raro, quando o poder,
por alguma razão, não está com o comando superior e sim nas mãos do subalterno
(ascendente). Mas quem detém o poder pode mais facilmente abusar dele,
sobretudo quando se trata de chefes considerados medíocres profissionalmente,
com baixa auto-estima e, conseqüentemente, tenham necessidade de serem
admirados e destacados.
Barreto (2000) e Hirigoyen (2006) apontam características de indivíduos que
estão mais suscetíveis de se tornarem vítimas do assédio moral no trabalho. São
eles: empregados que apresentam algumas diferenças com respeito aos padrões
estabelecidos, pessoas atípicas (deficientes físicos ou com a saúde debilitada,
homossexuais), representantes de funcionários e representantes sindicais,
excessivamente competentes ou que ocupem espaço demais, aliadas a grupos
divergentes da administração, improdutivas ou temporariamente fragilizadas por
licenças de saúde, os acima de 40 anos, os criativos, os sensíveis à injustiça e ao
sofrimento alheio, os questionadores das políticas de metas inatingíveis e da
expropriação do tempo com a família, aqueles que fazem amizades facilmente e
dominam as informações no coletivo.

Ainda de acordo com Barreto (2000) e Hirigoyen (2006), o assédio moral é um


processo psicológico e como tal se manifesta em diversas fases.
30

2.4 FASES DO PROCESSO PSICOLÓGICO DO ASSÉDIO MORAL

Segundo Hirigoyen (2006), é possível identificar fases distintas do assédio


moral. A primeira é a fase da “sedução perversa”, no início do relacionamento,
envolvendo-se a vítima com o processo de desestabilização e perda progressiva da
autoconfiança através de constantes humilhações que diminuem os valores morais
do indivíduo e aniquilam as suas defesas. Barreto (2000, p. 218) define humilhação
como: “sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado,
submetido, vexado e ultrajado pelo outro. É sentir-se ninguém, sem valor, inútil".

Contemporaneamente, devido à exigência de uma melhor formação, a qual


desenvolve o senso crítico do trabalhador; quando este é assediado moralmente, a
princípio, não é passivo e nem dócil como o "homem-boi" de Taylor, afirma Aguiar
(2003). Torna-se vítima porque reage às ações do agressor e por não concordar
com a postura administrativa adotada por ele enquanto detentor do poder. Assim,
pontua Freitas (2001) "é o assédio que desencadeia a reação, posto que a vítima
reage ao autoritarismo. É, pois, a sua recusa a submeter-se à autoridade, apesar
das pressões, que a designa como alvo". Hirigoyen (2006, p. 27) complementa a
idéia de Freitas (2001), quando afirma que no assédio moral "não se observa mais
uma relação simétrica como no conflito, mas uma relação dominante-dominado, na
qual aquele que comanda o jogo procura submeter o outro até fazê-lo perder a
identidade" através de "uma fria racionalidade, combinada a uma incapacidade de
considerar os outros como seres humanos". Desta forma, as vítimas se tornam
instrumentos, meros objetos, e assim é consumado o ato de "coisificar".

A segunda fase, da “violência manifesta”, com a vítima já envolvida, é


pontuada de estratégias de violências e de agressões aplicada aos poucos. O
enredamento, já na fase da violência manifesta, comporta um inegável componente
destrutivo porque a vítima não tem mais resistência para reagir e o agressor usa e
abusa dos seus poderes para manipular o indivíduo "coisificado" (HIRIGOYEN,
2006).

Uma vez implantado o assédio moral, com a dominação psicológica do


agressor e a submissão forçada da vítima, a dor e o sentimento de perseguição
31

passam para a esfera do individual, sem uma participação do coletivo. Esta


presença do individualismo nas relações de trabalho tem uma função
desarticuladora: "cada um sofre no seu canto sem compartilhar suas dificuldades
com um grupo solidário", explica Hirigoyen (2006). A solidariedade dos colegas
dificilmente aparece no momento da humilhação. A dor sentida não é compartilhada
e nem compreendida.

A constante desqualificação a que é submetida à vítima conduz ela a pensar


que "ela merece o que lhe aconteceu", "ela estava pedindo isso". Assim é que
acontece o deslocamento da culpa: o trabalhador moralmente assediado internaliza
sua culpa e acredita que tem uma efetiva participação na sua doença. Essa etapa,
difícil de ser rompida, coincide com as radicais tentativas de solucionar o problema.
Em palavras de Barreto (2000, p. 148) "a vida perde o sentido transformando a
vivência em sofrimento, num contexto de doenças, desemprego, procuras,
desamparo, medo, desespero, tristeza, depressão e tentativas de suicídio".

Segundo Hirigoyen (2007), quando a vítima, de fato, começa a sentir os sinais


da doença, aparece outro sintoma: a ocultação do problema. Destaca-se que o
sintoma é a manifestação que revela a fase em que o assediado se encontra. A
atitude está diretamente relacionada ao medo de perder o emprego e por isso, como
tática, o trabalhador não declara abertamente a sua doença e prefere sofrer sozinho.
Uma vez adoecido, sem nenhuma outra alternativa, o caminho para o trabalhador é
afastamento do trabalho que, ao princípio, é por licença para tratamento da doença
apresentada; em seguida, a demissão propriamente dita, como conseqüência da
inadequação do trabalhador adoecido aos padrões de produção da organização.

A vítima não se liberta totalmente com o afastamento do local de trabalho ou


do agressor. Não convive mais diariamente com a prática da violência, mas carrega
consigo toda angústia do período:

"as agressões ou as humilhações permanecem inscritas na memória


e são revividas por imagens, pensamentos, emoções intensas e
repetitivas, seja durante o dia, com impressões bruscas, de iminência
de uma situação idêntica, ou durante o sono, provocando insônias e
pesadelos" (HIRIGOYEN, 2007, p. 183).
32

O assédio moral é um fenômeno classificado por vezes como tão intenso e


tão violento que pode levar ao suicídio. Neste sentido, o suicídio pode ser o ponto
final, o que representa que o homem pode preferir a morte à perda da dignidade.
Logo, a saúde, o trabalho, as emoções, a ética e o significado social se configuram
num mesmo ato, para este trabalhador, o que revela a patogenicidade da
humilhação, afirma Barreto (2000).

2.5 ELEMENTOS FACILITADORES DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO

Freitas (2007) aponta como um dos principais elementos facilitadores da


cultura e do clima organizacional que corrobora para que humilhações,
constrangimentos e diversos tipos de violência façam parte do cotidiano das
organizações, a falta de uma instância que impeça ou puna essas ocorrências
perversas. Acredita também que ambientes em que vigoram uma cultura e um clima
organizacionais permissivos tornam o relacionamento entre os indivíduos
desrespeitoso e estimulam a complacência e a conivência com o erro, o insulto e o
abuso intencionais. Um ambiente em que existe uma competição exacerbada, onde
tudo é justificado em nome da guerra para sobreviver, gera um álibi permanente
para que exceções sejam transformadas em regras gerais e comportamentos
degradantes sejam considerados normais. A supervalorização de hierarquias, em
que os chefes são seres intocáveis e inquestionáveis, torna o comportamento
decente e democrático uma falha ou uma debilidade em face da tirania dos
intocáveis.

Goffman (2007) aponta para uma divisão básica, que remete à idéia de
hierarquia quando refere-se às “instituições totais”. Segundo o autor, há um grande
grupo controlado e uma pequena equipe de suspervisão. Esta última tende a sentir-
se como superior e correta; enquanto o primeiro coloca-se como inferior, fraco,
censurável e culpado. Ficando assim, a mobilidade social entre os dois estratos
limitada pelo distanciamento social freqüentemente prescrito.
33

Freitas (2007, p. 4) considera como outro aspecto facilitador do assédio moral


no trabalho:

“as reestruturações feitas sem planejamento em relação às pessoas


e cargos afetados, sem transparência e sem critérios claros de
avaliação e negociação de demissões, geram rancores, revanches,
ressentimentos e lutos. O mesmo pode ser dito em relação aos
casos de fusões, aquisições e parcerias em que algumas funções
executivas e de coordenação podem ser duplicadas e nas quais não
foram negociadas as saídas, as transferências ou as reconversões
desses profissionais [...] Serviços com alto grau de rotina, como os
desenvolvidos em telemarketing e call centers, empobrecem as
relações sociais de trabalho e robotizam os indivíduos, que se
tornam presas fáceis e objetos de ofensas tanto de chefes quanto de
clientes insatisfeitos.”

Freitas (2007) ainda aponta como elementos facilitadores do assédio moral


empresas que negligenciam os efeitos práticos da inveja e do desdém por parte dos
colegas que ficaram na unidade de origem, e não raro perdem em pouco tempo um
profissional altamente capacitado, em virtude do ambiente desestimulante e hostil,
bem como a entrada de novos membros na organização é particularmente
vulnerável a situação daqueles que são mais qualificados que as gerências dos
setores que os recebem, podendo ocorrer revides dos mais antigos por sentirem-se
ameaçados por esses jovens entrantes com maiores conhecimentos formais.

Complementa (op. cit., p. 4):

“mais que resquícios de uma sociedade e de uma organização


autoritárias, alguns desses procedimentos desumanos são
considerados como ‘inerentes’ ao mundo competitivo e são
legitimados por uma pseudocientificidade de práticas de RH,
respaldadas no sadismo de algumas pessoas em cargos nos altos
escalões das organizações, especialmente em grandes empresas.
Aqui a complacência é o alimento, e o aplauso, cúmplice. Em alguns
casos, a diversão perversa provoca o riso fácil de facínoras
organizacionais, que não exibem a menor culpa por destruir a vida de
alguém tão indefeso como um estagiário ou um trainee. Um
verdadeiro crime contra o futuro perpetrado por organizações em que
se cultivam a indiferença, a insensibilidade e o desrespeito ao outro.
Nesses casos, a área de RH, mais preocupada com a sua própria
sobrevivência e em mostrar serviço aplicando a última moda de
pacote prêt-à-porter, se omite e deixa em aberto o caminho para que
situações degradantes se repitam e se incorporem à cultura da
34

organização. O setor que deveria ser guardião de alguns princípios


básicos da boa convivência organizacional pode ser o primeiro a
exibir a dolosa política de avestruz.”

Embora seja a queixa, considerada o único meio de se acabar com o


“psicoterror” (HIRIGOYEN, 2006), não se pode deixar de lado as peculiaridades das
Forças Armadas, pois devido à constituição de seu regimento próprio, encontram-se
maiores obstáculos para se enfrentar ou para minimizar os desgastes relativos ao
assédio moral. Até porque é necessário coragem para registrar uma queixa, mesmo
chegando-se ao limite da exaustão.

Em organizações públicas, assim como nas Forças Armadas, é comum a


caracterização condescendente, o que permite a perversão, que gera a emulação
entre indivíduos que não são propriamente perversos, mas que perdem seus
referenciais e se deixam persuadir; considerando não mais chocante o fato de que
um indivíduo seja tratado de maneira injuriosa. Perdendo-se de vista o limite entre o
fato de criticar ou censurar seguidamente alguém para estimulá-lo e o fato de
persegui-lo. A fronteira corresponde ao respeito pelo outro, mas em um contexto de
competição, todos os direitos são esquecidos.

Em organizações privadas, a queixa pública implica em uma ruptura definitiva


com a empresa, o que não é possível em instituições públicas, bem como nas
Forças Armadas.

A saída ou demissão voluntária significa para a vítima de assédio moral, uma


possível solução. Entretanto, essa atitude pode ser considerada extrema para
funcionários concursados, sejam funcionários civis ou militares. Justifica-se tal fato o
esforço e empenho desses profissionais para alcançarem, em algum momento de
suas vidas, o que representaria uma realização profissional e, conseqüentemente,
pessoal; uma colocação profissional com estabilidade. Somam-se a este, outros
fatores como: idade avançada para reiniciar profissionalmente; compromissos
financeiros; medo dos riscos para reiniciarem em uma nova perspectiva profissional;
medo das frustrações e cobranças sociais, além de fatos relativos à subjetividade e
cultura de cada indivíduo.
35

2.6 TIPOS DE RELAÇÕES NAS ORGANIZAÇÕES

O assédio moral pode ter lugar em meio a relações assimétricas, onde o


agressor se encontra em uma posição hierarquicamente superior à vítima, ainda que
não seja exclusivo destas. Dentro deste tipo de relações, o assédio moral pode ser
uma boa forma de desfazer-se de um empregado, ainda que competente, mas que
já não seja necessário para a empresa e/ou quando o empregado reage ao
autoritarismo de seu superior.

Conforme Goffman (2007), as “instituições totais” criam mecanismos básicos


de “controle social” para manter estas relações assimétricas, por meio de uma
linguagem freqüentemente apresentada pela equipe dirigente que reflete os
objetivos legítimos da instituição. Assim, no caso do objeto de estudo, as Forças
Armadas, são utilizados termos profissionais como “insubordinação” para justificar a
punição aos considerados transgressores.

Ante um empregado considerado subversivo, o superior pode reagir utilizando


como arma a psicologização que consiste neste caso em utilizar determinadas
características psicológicas negativas condutuais do empregado (MORALES, 1994
apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004). A vítima não se defenderá pelo temor de
ser despedida e, dificilmente, contará com o apoio de seus colegas também
intimidados.

Milgram (1979 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004), considerava, assim


como Barreto (2000) e Hirigoyen (2006) que as vítimas de assédio moral são
pessoas extremamente competentes, mas que, porém, através deste fenômeno,
todas as idéias inovadoras que poderiam partir deste empregado acabam se
anulando; a vítima se estigmatiza, se “coisifica”. Em outras palavras, o agressor
desumaniza as vítimas, passa a manejá-las como se objetos fossem e, portanto,
lhes produz danos tão sutis, que não se configuram em nenhum conflito moral
(KELMAN e HAMILTON, 1989 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004). Meeus e
Raaijmakers (1986 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004) também mencionam a
dificuldade de um indivíduo administrar a violência psicológica-administrativa,
36

comparada com a violência física devido à distância psicológica que existe entre o
sujeito e a vítima.

Muito menos freqüente, ainda que igualmente possível, afirma Hirigoyen


(2006) que o assédio moral também pode acontecer em relações horizontais, isto é,
entre companheiros de trabalho, ou ainda, através da agressão ao superior por seus
subordinados. Esta última situação tanto pode ocorrer quando se tratar de uma
pessoa de recente incorporação na empresa, cujos métodos não são admitidos; se o
mesmo possui dificuldades pessoais para impor-se frente ao grupo e/ou quando este
superior é um antigo empregado que tenha sido promovido; ocasionando inveja,
receios, ou até mesmo inimizades pessoais.

Nessas relações ascendentes em que o chefe é a vítima, é comum o assédio


moral se configurar a partir de uma falsa alegação do agressor de estar sofrendo
assédio sexual por parte do seu chefe; o subordinado busca subterfúgios falsos para
aproveitar-se de uma situação arquitetada em detalhes com vistas à exploração da
mídia e favorecimentos (op. cit., 2006).

Ainda em relações ascendentes, o assédio moral pode acontecer por meio de


reações coletivas de um grupo, no qual todos em cumplicidade reagem para se livrar
de um chefe imposto e que não é aceito. Isso é comum quando ocorrem fusões e
compra de um grupo empresarial por outro e realizam acordos,“misturando” seus
executivos em diversos cargos redistribuídos com critérios políticos e estratégicos,
sem uma prévia consulta de seus funcionários (op. cit., 2006).

Em se tratando de uma mulher promovida a um posto de trabalho, a um cargo


de responsabilidade tradicionalmente ocupado por homens, é comum que esta se
depare com entraves para o exercício de sua licença profissional ou ter de suportar
grosserias e humilhações inclusive por parte das mulheres, que assumem este
mesmo tipo de condutas para com as companheiras (BASS e STOGDILL, 1990
apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004).
37

2.7 CONSEQÜÊNCIAS HUMANAS DO ASSÉDIO MORAL NAS ORGANIZAÇÕES

Para levantar as conseqüências humanas do assédio moral nas organizações


serão consideradas as idéias de Invernizzi (2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ,
2004), Hirigoyen (2006) e Barreto (2000), relativas à produtividade do empregado
vitimado.

Segundo Hirigoyen (2006), a deterioração do ambiente de trabalho tem como


corolário uma diminuição importante da eficácia ou do rendimento do grupo ou da
equipe de trabalho. A gestão de conflitos torna-se a principal preocupação dos
agressores e dos agredidos, e por vezes até das testemunhas, que deixam de se
concentrar em suas tarefas. As perdas para a empresa podem, então, assumir
proporções significativas, por um lado, pela diminuição da qualidade do trabalho, e
por outro, pelo aumento dos custos devido às faltas.

2.8 GESTÃO DE PESSOAS

Considerando a relação de importância do indivíduo nas organizações, assim


como o aspecto necessariamente competitivo e estratégico, que configuram ações e
tarefas, adaptáveis à dinâmica, a gestão de pessoas tem o papel de abordar e
explorar aspectos de objetividade e subjetividade desses que traduzem a chave-
mestre dos resultados organizacionais (DAVEL e VERGARA, 2007).

As dimensões da gestão com subjetividade, segundo Fromm (1978 apud


DAVEL e VERGARA, 2007) focalizam e destacam a concepção de uma gerência de
reflexão, bom-senso, sensibilidade e consciência, para condução de seus
subordinados em meio a um ambiente de panorama de mudanças radicais e
necessidade de mudanças drásticas por sua dinâmica característica.

Esse tipo de gestão propicia reflexos positivos e esperados traduzindo-se em


resultados com maximização dos beneficio econômicos a partir de uma cultura e
38

clima que proporcionam aos seus colaboradores criatividade, inovação, orientação,


cooperação, confiança entre outros atributos pertinentes a execução e suposto
alinhamento entre os interesses organizacionais e pessoais.

Atualmente, o gestor tem um papel de suma importância quanto à


necessidade de administrar relações, valendo-se do fato de que a administração é
uma atividade relacional e que administradores devem lidar com realidades
múltiplas, assim como papéis, identidades, lealdades e relações múltiplas (DAVEL e
VERGARA, 2007). Para tanto, se requer desses gestores, características específicas
para visualizar, perceber, comunicar, elaborar, correr riscos e intervir, buscando
assim a efetividade das relações alinhando os interesses de todas as partes.

Quanto às práticas de assédio moral no trabalho, o papel do gestor de


pessoas focaliza o poder de agir com o intuito de prevení-las ou eliminá-las, desde
que concorra para mudanças no estilo de liderança exercido pela direção. Aliada a
esta ação, mudanças culturais se fazem necessárias a partir de treinamento em
habilidades sociais, técnicas de autocontrole, relaxamento, dessensibilização
sistemática, bio-feedback, inoculação do estresse ou das teorias cognitivas
clássicas, afirma Invernizzi (2001 apud NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004).

2.9 QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO

Quando se fala em qualidade de vida no trabalho, inicialmente pensa-se no


ambiente físico e na logística: se o local é arejado, se a iluminação é adequada, se
há refrigeração ou ventilação no ambiente, fatores estes que poderiam interferir na
produção. No entanto, este conceito QVT (Qualidade de Vida no Trabalho) é muito
mais abrangente. Ele envolve dois aspectos importantes: o bem estar do trabalhador
e a eficácia organizacional.

O bem estar do trabalhador está ligado à vida do indivíduo como um todo.


Segundo Rodrigues (1994, p. 76), “a qualidade de vida no trabalho tem sido uma
preocupação do homem desde o início de sua existência com outros títulos em
39

outros contextos, mas sempre voltado para facilitar ou trazer satisfação e bem estar
ao trabalhador na execução de suas tarefas”.

Assim sendo, a qualidade de vida no trabalho não se restringe aos aspectos


físicos, materiais e ambientais, ou técnicas relativas à administração de recursos
humanos, mas esbarram na diversidade dos desafios encontrados pela
administração de pessoas e de suas relações, que condicionam, ou não, maiores ou
menores riscos, dependendo de sua orientação e sensibilidade para uma tomada de
decisão. Tais decisões compreendem ações individuais/coletivas que permeiam a
interação organizacional, proporcionando relações éticas de autonomia e confiança
para sustentação de requisitos, visando à necessária e constante transformação
organizacional, como afirmam Henriet e Poole (1999 apud DAVEL e VERGARA,
2007).

Como o assédio moral passa por questões éticas de relacionamentos, parece


ser necessário que se avalie as condições que favoreçam o bem estar no interior de
instituições com estruturas rígidas, como por exemplo, as militares e a correlação
com a qualidade de vida no trabalho.

Até o presente momento, a revisão de literatura realizada neste capítulo


permitiu entender como se configura o assédio moral no trabalho, a necessidade de
uma gestão específica diante de tal fenômeno e a contextualização da
transversalidade de aspectos concernentes à temática, o que permite a aplicação de
uma metodologia específica de análise de conteúdo que será explicada no próximo
capítulo.
40

3 METODOLOGIA

Com a revisão da literatura foi possível elaborar um roteiro inicial para


entrevista em uma fase exploratória, assim como escolher uma metodologia para
coleta e posterior análise dos dados empíricos.

Considerando a afirmação de Feeur et al. (2002a, p. 8 apud VERGARA,


2007) de que é “o problema que direciona os métodos” e Gil (2006) de que os
fatores fundamentais para o sucesso de um estudo é a escolha do tipo de pesquisa
e o método a ser empregado, estes serão apresentados neste capítulo, assim como
a amostra pesquisada, os critérios de seleção de amostra para a coleta e análise de
dados.

3.1 DELINEAMENTO E CLASSIFICAÇÃO

Como o presente trabalho visa identificar as dinâmicas organizacionais de


assédio moral praticadas e suas conseqüências nas organizações militares,
acompanhando processos de gestão e considerando o ponto de vista de uma
amostra de entrevistados; ele pode ser classificado como de natureza qualitativa,
visto que para Merriam (2002, apud SILVA; GODOI; BANDEIRA-DE-MELLO, 2006
p. 91) a pesquisa qualitativa “nos ajuda a compreender e explicar o fenômeno social
com o menor afastamento possível do ambiente natural”. Buscou-se então a
compreensão dos agentes, daquilo que os levou singularmente a agir como agiram e
para tal, é necessário que o sujeito seja ouvido a partir da sua lógica e exposição de
razões.

Desta forma, significou focar a percepção das pessoas e as conseqüências


do assédio moral sobre as vítimas: como se sentem e como interpretam a realidade.
Também foram importantes as declarações tanto das vítimas quanto das
41

testemunhas, assim como dos profissionais da saúde que tratam ou já atenderam


pessoas com sintomas conseqüentes ao fenômeno estudado.

Pode-se afirmar o caráter exploratório deste estudo, uma vez que visa
“ganhar maior conhecimento sobre um tema, desenvolver hipóteses para serem
testadas e aprofundadas e questões a serem estudadas” (MALTA, 1999 apud
VERGARA 2004, p.78). Desta forma, o estudo se caracteriza por exploratório, tendo
em vista que objetiva ganhar maior conhecimento do tema.

Para isso, foram utilizados três tipos de roteiros, com perguntas semi-
estruturadas, para entrevistas individuais em profundidade. Estes roteiros foram
elaborados por meio de uma fase exploratória a esta pesquisa, possibilitando então,
novos ajustes à medida que as entrevistas eram realizadas, transcritas e analisadas.

Afirma Godoy (1995), que por meio de um estudo descritivo, é possível


compreender um fenômeno como um todo e sua complexidade; assim, uma análise
qualitativa seja a mais indicada pelo tipo de dados que considera.

O método de análise do estudo foi prioritariamente indutivo, não partindo de


hipótese estabelecida a priori, mas de questões ou foco de interesse plano tornando-
se mais diretos e específicos no transcorrer da investigação (GODOY, 1995).
Utilizou-se o método de análise de conteúdo com grades abertas, identificando-se
categorias de análises, conforme foram surgindo ao pesquisador. Sendo assim,
procedeu-se o rearranjo das categorias durante o andamento da pesquisa,
estabelecendo-se categorias finais (VERGARA, 2006).

3.2 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Considerando a importância da escolha dos entrevistados para esse tipo de


estudo, assim como a dificuldade de encontrar respondentes envolvidos direta ou
indiretamente, conscientes e esclarecidos em relação ao tema estudado, a pesquisa
abrangeu sete indivíduos que integram ou integraram as Forças Armadas,
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica em que os sujeitos da
42

pesquisa foram escolhidos, inicialmente de forma intencional ou proposital,


indivíduos de ambos os sexos, de diversos níveis, sendo servidores militares e
funcionários civis da União pertencentes a uma organização militar.

No decorrer da pesquisa, para o acesso aos entrevistados foi utilizada a


técnica “bola de neve” (snowball), conforme Roesch (2007); onde a captura dos
sujeitos participantes da amostra se deu por meio de amigos, parentes, contatos
pessoais e conhecidos. A escolha desta técnica foi pertinente devido à natureza
subjetiva da questão da pesquisa, pretendendo-se evitar uma ruptura entre os
momentos da vida cotidiana e a elaboração dos discursos na entrevista. O convite
foi procedido por um contato realizado por meio de canais naturais nos quais o
sujeito desenvolve suas atividades.

Por tratar-se de um fenômeno sensível e de difícil reconhecimento, optou-se


por identificar de modo intencional, uma seleção proposital dos sujeitos da pesquisa,
como se chegou às vítimas, às testemunhas e ao especialista. Desse modo chegou-
se a sete sujeitos: vítimas conscientes de assédio moral, testemunhas e especialista
que já tratou ou trata de pessoas com queixas de terem já sofrido assédio moral.
Alguns dos entrevistados sugeriram outros sujeitos, o que se constituiu um processo
de amostragem do tipo “bola de neve”.

Assim sendo, na primeira fase, a exploratória, a escolha de uma suposta


testemunha para a entrevista se deu com base no conhecimento por parte do
pesquisador, de que esse respondente, militar da ativa, já tinha testemunhado a
prática de assédio moral no trabalho e que o mesmo estaria disposto a contribuir
com os seus relatos. Na análise da referida entrevista, identificou-se que o
respondente caracterizado inicialmente como testemunha, também já sofrera
práticas de assédio moral.

Ainda na fase exploratória, contatou-se um segundo respondente, médico


psiquiatra, caracterizado como especialista que já tratou ou trata de pessoas com
queixas de terem sofrido assédio moral. Em um primeiro plano, antes da entrevista,
afirmou estar disposto a contribuir e que já havia atendido ou está em atendimento,
pelo menos, uns quatro pacientes nesta situação. No momento da entrevista, que
ocorreu depois de várias tentativas de agendamento, relatou ter cuidado apenas de
dois ou três casos, que se lembre. A resistência à contribuição antes oferecida pelo
43

respondente denota uma realidade de medo e terror psicológico, próprios da


instituição, além do que confere dados à pesquisa, no sentido de obter os primeiros
insigths sobre o assunto.

Foi a partir dessas duas entrevistas que se percebeu a necessidade de


ampliar a pesquisa também na busca de respondentes que já não fazem parte de
instituições militares, além dos que fazem. Desta forma, a pesquisa delimitou-se a
entrevistar militares, da ativa ou não e, também, funcionários civis de instituições
militares, especificamente que servem ou já serviram no Exército e na Aernáutica,
pelo favorecimento geográfico e localização dos respondentes, o que propiciou a
necessária acessibilidade aos mesmos.

Ressalta-se que os demais entrevistados, correspondem: a uma vítima de


assédio moral, ex-militar, e que já presenciou assédio com seus pares; uma
testemunha de assédio moral, servidora civil em instituição militar; outra testemunha
de assédio moral, também servidora civil em instituição militar, que no transcorrer da
entrevista relatou fatos que confirmam ter sido também assediada moralmente e
também sexualmente; e duas vítimas de assédio moral, militares da ativa.

As entrevistas foram suspensas após a sétima entrevista porque os dados


colhidos a partir dessas sete entrevistas revelaram ser suficientes devido à
saturação teorética, pela qual se constatou que dados adicionais não mais
acrescentariam algo à teoria, como recomenda Vergara (2007).

O Quadro 2 apresenta os sete entrevistados, caracterizando-os no que se


refere a sexo, tempo de experiência em instituição militar, níveis de escolaridade,
níveis hierárquicos dentro de sua estrutura organizacional e níveis de
responsabilidades, e finalmente, tipo de participação e como contribuiu na pesquisa,
se como especialistas, como vítimas ou testemunhas à época das mesmas:
44

Entrevista Sexo Tempo de Níveis de Níveis Especialista,


Experiência Escolaridade Hierárquicos Vítima ou
em e de Testemunha
Instituição Responsabilidades
Militar
E1 Masculino 5 Especialista 1º Tenente Vítima e
(Chefe) Testemunha
E2 Masculino 3 Especialista 2º Tenente Especialista
(Chefe)
E3 Masculino 15 Superior 2º Sargento Vítima e
(Encarregado) Testemunha
E4 Feminino 1 Superior Servidor Civil Testemunha
(Nível médio)
E5 Feminino 13 Ensino Médio Servidor Civil Vítima e
(Nível médio) Testemunha
E6 Masculino 24 Ensino Médio 3º Sargento Vítima e
(Auxiliar) Testemunha
E7 Feminino 6 Superior 3º Sargento Vítima e
Incompleto (Auxiliar) Testemunha
Quadro 2 - Apresentação e caracterização dos entrevistados
Fonte: Elaboração própria

Somente a entrevista com o especialista durou 18 minutos. As demais


entrevistas tiveram entre 30 minutos a 1 hora e 15 minutos de duração. Todas as
entrevistas foram realizadas entre 07/05/2008 e 08/03/2009, ou seja, ao longo de
dez meses. Esse processo de coleta de dados resultou em aproximadamente 6
horas de entrevistas gravadas e 70 páginas de textos com trascrições impressas em
Word, fonte Arial 12 e papel A4. Em Anexo D, consta a título de ilustração, uma
transcrição na íntegra.

O pesquisador preocupou-se em escolher entrevistados que apresentassem


as melhores possibilidades de fornecer as informações desejadas, razão pela qual
se preferiu entrevistar aqueles que voluntariamente, aceitaram e manisfestaram
interesse em contribuir para a pesquisa.
45

3.3 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a entrevista em


profundidade, onde o “objeto de investigação estava constituído pela vida –
experiências, idéias, valores e estrutura simbólica do entrevistado” (SIERRA, 1998
apud SILVA et al. 2006, p. 305). Contrária à entrevista focalizada que pretende
responder a questões muito concretas, a entrevista em profundidade busca construir
um quadro geral e dinâmico da configuração vivencial cognitiva do sujeito,
independentemente de sua participação como ator. As entrevistas foram orientadas
por roteiros específicos para entrevistar testemunhas, vítimas e especialistas que
tratem ou já tenham atendido pessoas com sintomas ou que os tenham procurado
com queixas relativas ao fenômeno assédio moral.

Silva et al. (2006) afirmam que no campo de estudos organizacionais,


tematização e profundidade precisam estar juntas; visto que a investigação precisa
estar centrada sobre um tema, categoria e fatores, aliada ao aprofundamento acerca
das experiências de vida, atitudes e valores dos sujeitos. Para tal, as entrevistas
foram semi-estruturadas, com roteiros que constam nos Anexos A, B e C. Com
questões fechadas, relativas aos dados gerais para caracterizar um perfil e questões
abertas, que permitam o entrevistador entender e captar a perspectiva dos
participantes da pesquisa, como recomendado por Roesch (2007).

Para a criação dos roteiros de entrevista definitivos e para obter subsídios


para elaboração destes roteiros, focando aspectos de gestão e do fenômeno
assédio moral foi realizada uma fase exploratória. Nesta fase foram entrevistados
uma testemunha de assédio e um especialista que trata de pessoas com sintomas
específicos, tais como labilidade no choro, falta de apetite, insônia, ansiedade
nervosa, entre outros relativos a queixas de perseguição no trabalho.

O processo de entrevistas se iniciou com três roteiros preliminares em uma


fase exploratória: roteiro para entrevista com especialista, com testemunha e com
vítima de assédio moral. Cada um desses roteiros continha perguntas comuns e
introdutórias seguidas de outras perguntas mais específicas, totalizando vinte
46

perguntas para cada roteiro. Estes roteiros foram elaborados e validados com base
na revisão de literatura e nas entrevistas na fase exploratória.

Com a realização das duas primeiras entrevistas na fase exploratória,


modificações se fizeram necessárias. Essas modificações dizem respeito ao
aproveitamento da fala dos respondentes e das suas contribuições, criando-se
perguntas mais claras objetivando o aprofundamento das mesmas.

Com essas duas entrevistas foi possível elaborar três tipos de roteiros de
entrevista específicos: para especialistas no tratamento de vítimas de assedio moral;
para vítimas de assédio; e para testemunhas.

Os roteiros para as entrevistas foram divididos em quatro blocos de perguntas


definidas por áreas de interesse: informações gerais sobre o entrevistado; aspectos
relativos ao assédio moral; aspectos relativos a práticas de gestão de pessoas
vivenciadas; e informações gerais relacionadas à pesquisa.

Assim sendo, a flexibilização na reformulação das perguntas, proporcionou


que as entrevistas passassem a ter, em parte, um caráter “narrativo” ou de “história
de vida” (JOVCHELOVITCH e BAUER, 2002 apud BACELLAR, 2005), em que os
respondentes eram perguntados no início da entrevista sobre sua trajetória
profissional e acabavam por fazer relatos com suas próprias palavras aproximando-
se das lembranças de fatos reais e familiares que conduziram ao relato de
evidências de assédio moral.

3.4 MÉTODOS E INSTRUMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Para compreender os depoimentos dos sujeitos entrevistados nesta pesquisa


e as pistas deixadas pela temática na parte teórica, foi necessário buscar um
processo de interpretação que valorizasse a subjetividade enquanto uma das
preocupações presentes no estudo: visões de mundo, seus hábitos, tabus, vivências
e temores. Neste momento, a perspectiva denominada “pesquisa qualitativa”
apresenta-se como grande potencial analítico.
47

A pesquisa qualitativa não pretende generalizar os resultados alcançados,


criando com isto modelos universais. Ela pretende maior aproximação com a
realidade dos entrevistados. A interpretação dos conteúdos das entrevistas pode
reduzir o risco de enquadrar forçosamente a realidade em modelos na medida em
que, por meio do procedimento adotado, suscita questões não vislumbradas no
avanço da pesquisa (TRIVIÑOS, 2001).

3.4.1 Categorias

Segundo Strauss (1987 apud Flick, 2002 p. 188)

“a interpretação é a essência do procedimento empírico, que, no


entanto inclui métodos explícitos de coleta de dados. A interpretação
de textos tem a função de desenvolver a teoria, servindo ao mesmo
tempo de base para a decisão sobre quais dados adicionais devem
ser coletados”.

Desta forma, à medida que se vai interpretando as falas dos entrevistados,


ampliam-se postulados ao ponto em que outra teoria emerge. Concomitantemente
ao aparecimento de novos conceitos, ocorre a ampliação do texto. No entanto, não
se pode perder de vista os objetivos a serem alcançados no estudo. Assim, definiu-
se como a grade de análise aberta; uma vez que as categorias de análise foram
surgindo ao pesquisador durante o andamento da investigação (VERGARA, 2007).

Procedeu-se à análise de conteúdo, utilizando a codificação aberta (FLICK,


2002), enquadradas em sete questões básicas: 1) “Quem fala?”; 2) “De que forma?”;
3) “O que?”; 4) “Como?”; 5) “Para quê?”; 6) “Quanto?” 7) “Com que resultados?”

A análise do conteúdo iniciou por “Quem fala?”, na qual objetivou investigar o


emissor da mensagem, procurando identificar as características do entrevistado,
verificando que atores estão envolvidos, que papéis eles desempenham e como eles
interagem.
48

Seguindo a análise, o enfoque voltou-se para “De que forma?” vivenciou as


experiências profissionais, como processou estas informações e quais as
características do meio que influenciaram percepções acerca do fenômeno
vivenciado.

Ao analisar “O que?” procurou-se verificar sobre o que se fala do tema


estudado.

Logo após, foi enfocado “Como?”, no qual se explorou a forma em que foi
vivenciado o objeto de estudo, enquanto vítima e/ou testemunha; buscou-se
apreender os sentimentos e as reações dos atores envolvidos no processo de
assédio moral no trabalho.

Com a análise “Para quê?” buscou-se qual foi a intenção e a finalidade das
reações apresentadas pelos respondentes em relação aos fatos vivenciados.

Em seguida, procurou-se por meio do “Quanto?”, captar a intensidade dos


sintomas manisfestos ou ocultos como conseqüência do fenômeno.

Finalmente, ao focalizar “Com que resultados?”, procurou-se identificar se a


entrevista propiciou certa sensibilização e conseqüente reflexão aos entrevistados;
bem como, verificou-se a validação da mesma enquanto instrumento no presente
trabalho.

Essa codificação permitiu o aparecimento de conceitos que possibilitaram


uma melhor análise do objeto de estudo. A redução em categorização foi a
estratégia utilizada nesta pesquisa e consistiu no resumo dos postulados em
“conceitos genéricos” (FLICK, 2002), propiciando uma maior capacidade de análise
e interpretação de elementos e argumentos das falas dos entrevistados. A categoria
foi definida a partir de dados tendo como unidade de análise as expressões e frases
que se mostraram exaustivas e homogêneas, condizentes com os objetivos da
investigação; ou seja, que se apresentaram pertinentes e úteis ao trabalho.

Glaser e Strauss (1967 apud SILVA et al., 2006), chamam esta forma de
definição da amostra de “saturação”, onde o próprio pesquisador julga quantos
grupos de análise deverá compor cada ponto teórico. Ainda apontam como uma das
vantagens deste método de análise a confiança empírica de que não mais se
encontraram dados adicionais que possam contribuir ao desenvolvimento de uma
determinada categoria.
49

É esta a “garantia”, segundo Lia Kopoulos (1999 apud BAUER e GASKELL,


2002, p. 220) que se torna crucial “na determinação da validade do argumento,
porque elas justificam explicitamente o passo que se deu dos dados para a
proposição e descrevem o processo em termos de por que esse passo pode ser
dado”.

3.4.2 Subcategorias

Para Flick (2002), as categorias resultantes da codificação aberta necessitam


de uma seleção, a fim de destacar as mais promissoras no que concerne a um maior
aperfeiçoamento e, conseqüentemente, um enriquecimento da pesquisa. Desta
forma, define-se “a codificação axial” (op. cit., p.193), ou seja, relacionam-se
subcategorias a uma categoria principal para elucidar as causas, conseqüências,
contextos e estratégias do fenômeno estudado.

A conciliação entre a teoria e a pesquisa empírica permite ao pesquisador


mover-se

“[...] continuamente de um lado para o outro entre o pensamento


indutivo (desenvolvendo conceitos, categorias e relações a partir do
texto) e o pensamento dedutivo (testando os conceitos, as categorias
e as relações em contraposição ao texto, especialmente os trechos
ou casos que sejam diferentes daqueles a partir dos quais eles foram
desenvolvidos).” (Flick, 2002, p. 193)

Assim sendo, as relações entre as categorias e as subcategorias possibilitam


ao pesquisador explicar ou compreender uma parte específica de um determinado
contexto, utilizando simultaneamente um pensamento teórico sobre o social e
análise de um corpo sistemático de dados construído (BOURDIEU, 2002), como no
caso desta pesquisa, as entrevistas.

Os dados obtidos foram submetidos à análise de conteúdo. Foram


identificados os elementos que facilitaram as práticas de assédio moral dentro das
50

Forças Armadas, tendo sido agrupados nas seguintes categorias: adaptação;


naturalização do poder; desqualificação; sentimentos; e sintomas. Estas categorias
foram obtidas a posteriori; logo o pesquisador utilizou a grade de análise aberta.

Levando-se em conta que esta pesquisa se pauta em organizações militares


e a depreciação da subjetividade dos seus membros, é relevante a análise do
contexto onde se constitui a estrutura das interações produzidas (FLICK, 2002).
Assim sendo, o foco não poderá reduzir-se apenas ao significado subjetivo para os
participantes de uma interação e de seus conteúdos, mas a forma como essa
interação é organizada.

3.4.3 Dificuldade de interpretação

Por fazer parte do mesmo ambiente profissional, inicialmente o pesquisador


encontrou dificuldades para estabelecer distanciamento para o entendimento das
representações, visto que o ambiente profissional do mesmo tornou-se também
campo de pesquisa; uma vez que a subjetividade é inerente ao ser humano e esta
influencia a percepção dele.

Sendo assim, fez-se necessário que se instituíssem limites entre o


pesquisador e o campo a ser pesquisado para a análise das informações obtidas.
Tal distanciamento permitiu verificar as experiências profissionais em relação ao
poder e os rótulos lingüísticos associados a estas experiências.

3.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

Embora seja um fenômeno complexo e tratado por outras áreas de


conhecimento, como a área clínica e a área jurídica, a temática da pesquisa se
51

limitará ao estabelecimento de conteúdos referentes aos aspectos de gestão, que é


o foco principal. Dessa forma, dificilmente obtêm-se uma verdade única, por causa
da subjetividade empírica da pesquisa.

Segundo Roesch (2007), existe a necessidade de preparação prévia do


entrevistador, que deverá está pronto a escutar e a estimular que os entrevistados
manifestem os detalhes de que lembram, estabelecendo empatia.

Ainda que as pessoas entrevistadas na pesquisa apresentem os seus relatos


a partir de suas vivências pessoais e em suas respectivas organizações, foi possível
identificar características comuns e evidentes de uma cultura organizacional que
abrange atos de violência freqüentes, além de uma comunicação prolixa,
(HIRIGOYEN, 2006) bem como relações que se representam em todas as
organizações citadas.

Outra limitação relativa ao método de análise selecionado refere-se ao tempo


que demanda para encontrar as pessoas para as entrevistas, realizar a entrevista e
posteriormente desenvolver a transcrição e, somente então, desenvolver capacidade
interpretativa, à medida que se avança a pesquisa bibliográfica o aprofundamento
em artigos e livros sobre o tema assédio moral no trabalho.

Finalmente, a capacidade interpretativa, precisou ser melhorada à medida


que a análise avançava e mais estudo a respeito das práticas de gestão de pessoas,
bem como do fenômeno de assédio moral eram realizados.

3.5.1 Liberdade aos entrevistados: o que disseram e como interpretar

As pessoas quando iniciaram seus depoimentos começaram a reconstituir


sua própria história. O roteiro das perguntas, já apresentado em outra parte desta
dissertação, favoreceu a liberdade do discurso dos entrevistados. As perguntas
abertas foram necessárias, uma vez que o tema assédio moral está intrinsecamente
ligado às representações de poder vividas pelos atores, assim como a sua
subjetividade.
52

Por ser uma situação freqüente no cotidiano, embora muitas vezes


negligenciado, o tema abordado nesta dissertação suscitou depoimentos em que as
pessoas comentaram sobre seus sentimentos e a angústia provenientes de sua
percepção do isolamento social e da desqualificação na qual sua “fala” não é ouvida
e não tem valor. Assim, adicionalmente declararam que as entrevistas “dão chance a
você de se manifestar, falando coisas que nunca falou com ninguém”.
53

4 RESULTADO DA COLETA E ANÁLISE DE DADOS EMPÍRICOS

Este capítulo apresenta os resultados obtidos na pesquisa de campo e inclui a


fase exploratória, com as entrevistas iniciais que fundamentaram os roteiros
modificados para as demais entrevistas realizadas. Segue a discussão baseada
nesses resultados, nas reflexões realizadas, bem como nas literaturas sobre o tema.

4.1 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS POR MEIO DE


ENTREVISTA

Todas as entrevistas iniciavam com a explicação ao entrevistado sobre o


objeto de estudo da pesquisa. Nessa etapa, os respondentes também eram
informados sobre a garantia de seu anonimato. Destaca-se que por uma questão de
preservação da privacidade dos indivíduos entrevistados e garantia do seu
anonimato, todos os nomes foram representados por letras “E” maiúsculas e o
número correspendente, de acordo com a ordem que foram feitas as entrevistas: E1,
E2, E3, E4, E5, E6 e E7; assim como os nomes das instituições e das pessoas
citadas nas narrativas dos fatos, foram também omitidos ou substituídos por
codinomes.

Uma vez realizadas as entrevistas de profundidade, semi-estruturadas e com


perguntas abertas, foram transcritas e, por meio de método de análise de conteúdo,
comparadas numa tabela para fazer interpretações, classificando palavras, frases,
ou mesmo parágrafos, em categorias de conteúdos (BARDIN apud ROESCH, 2007),
identificando aspectos relativos ao tema.
54

4.1.1 O Processo de entrevista na fase exploratória

Foram agendadas duas entrevistas com dois sujeitos: uma testemunha de


assédio moral e um especialista, médico psiquiatra.

A entrevista com a testemunha durou uma hora e aconteceu nas instalações


do seu trabalho, uma organização militar no Rio de Janeiro, após o horário de
expediente. Com o médico, a entrevista ocorreu também no seu local de trabalho,
um ambulatório de um hospital militar sediado em uma guarnição também no Rio de
Janeiro, e após o horário de atendimento. Entretanto, a entrevista com o médico
durou cerca de dezoito minutos, apresentando respostas contraditórias em relação
ao que foi informado numa primeira abordagem informal para agendamento da
mesma.

A experiência desta última entrevista refletiu a complexidade do tema e a


preocupação do entrevistado quanto à imagem institucional, assim como a
proporção e diagnóstico do que seria coletado. Ainda que tenha sido informado
sobre o sigilo e preservação da imagem do entrevistado, o mesmo resistiu em
manter o que informara num primeiro contato quando afirmou ter cuidado de
pessoas com queixas iniciais de estarem sendo assediadas moralmente em seus
trabalhos.

4.1.2 O Processo de validação semântica do roteiro – fase exploratória

Num primeiro momento foram estabelecidos dois roteiros originais para


entrevistas semi-estruturadas, com perguntas abertas para a testemunha e para o
especialista. Assim sendo, foram transcritos os resultados dessas entrevistas e
analisadas de acordo com as respostas obtidas para identificar e proceder as
modificações necessárias de acordo com a qualidade das respostas obtidas.
55

Assim, identificaram-se perguntas múltiplas, dicotômicas ou de difícil


entendimento pelos entrevistados, que resultaram em respostas confusas ou
suscinta.

De acordo com esta análise e crítica, foram elaborados novos roteiros. Assim
sendo, foi possível estabelecer conclusões preliminares relativas ao tema abordado.

4.2 FASES DO ASSÉDIO

Um fator relevante que foi observado nos relatos dos entrevistados é a


gradação em que acontece o assédio moral. Parafraseando Hirigoyen (2006), este
se dá por uma “sedução perversa”, em que o assediador envolve a vítima
desestabilizando-a e fazendo com que esta tenha uma perda progressiva da
autoconfiança. É importante dizer que isso ocorre de forma sutil, daí o termo usado
pela autora. Alguns entrevistados narraram que inicialmente o agressor faz
“brincadeiras” de mau gosto, as quais desqualificam o indivíduo e este não se
defende, apesar de sentir-se ofendido, inferiorizado e ultrajado pelo outro, devido o
contexto de brincadeira em que ocorre o assédio:

“Sempre chamado à atenção: -Gordo! Sempre chamado à atenção,


ele sempre levava na brincadeira e ria.” (E1)

“Quando eu cheguei [...] as pessoas, por mais que tivesse o assédio,


era uma coisa normal [...] era um chamar de ‘bonita’, era demonstrar
interesse [...] no início foi essa tentativa, só que as coisas foram se
agravando. Começou a ter curso pra mecânico de aeronaves e eu
tinha que participar [...] Quando ia perguntar: ‘tinha que ser mulher’
[...] ‘não sei o que essa menina está fazendo aqui’ (E7)

“Tudo começou na nova unidade, começou com brincadeira entre os


graduados [suboficiais e sargentos] e daqui a pouco, a coisa foi
ficando séria [...]” (E7)
56

Depois deste processo de desestabilização provocado pelas constantes


humilhações, é que a violência é manifesta, o que caracteriza uma segunda etapa
do assédio moral:

“Tentaram me agarrar, tentaram me violentar. Ele foi e me segurou


pelo braço e me disse que se eu quisesse me traria para ser
‘secretária dele’. Aí eu olhei pra cara dele, pro braço, puxei, não é? E
ele falou assim: você vai escolher esse caminho? Eu falei: sim,
senhor! Levantei e saí. Depois disso, era me chamando de burra, de
incompetente, do segundo andar do hangar e eu lá embaixo.” (E7)

4.3 CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS IDENTIFICADAS NAS ENTREVISTAS

A pesquisa abrangeu sete indivíduos, quatro homens e três mulheres,


englobando militares e funcionários civis de idades variadas e com pelo menos um
ano de experiência na administração pública, especificamente em instituições
militares.

Quanto aos aspectos comuns dos entrevistados, apenas dois respondentes


não possuem ou não estão realizando algum curso superior. Assim, ter formação
superior não parece um dos requisitos para inibir o assédio moral nessas
organizações, haja vista que todos os entrevistados, com exceção do médico
especialista no tratamento de pessoas com queixas de assédio moral e outra
respondente, declararam ter sido vítimas de tais práticas. Conforme o relato de um
dos entrevistados, o E1, com formação superior e pós-graduação, realizando
mestrado:

“[...] tentam te isolar, tentam desqualificar o seu trabalho... se não


conseguem, no meu caso não tentam desqualificar o meu trabalho,
então tentam é [...] me desqualificar pessoalmente [...]” (E1).

Quanto à forma de ingresso, exceto um respondente não foi concursado. Dos


demais, todos os outros, foram concursados, embora não tenham realizado o
57

referido concurso especificamente para trabalhar nas Forças Armadas, como no


caso das funcionárias civis da pesquisa.

A partir das análises das declarações nas entrevistas foram identificadas


cinco categorias, além das subcategorias, das quais se extraiu considerações
pertinentes à pesquisa.

Categorias Subcategorias
Adaptação Iniciantes
Membros antigos
Servidores civis
Afastamento
Naturalização do poder Impedimento da evasão
Status dentro das representações
Reféns do sistema
Caracterização de insubordinação
Desqualificação Isolamento
Exposição
Legitimação
Culpa
Sentimentos Vítima
Testemunha
Sintomas Especialista
Vítima
Estratégias
Quadro 3 - Categorias e subcategorias encontradas na análise dos dados
Fonte: Elaboração própria
58

4.3.1 Adaptação

Iniciantes

Como apontam alguns relatos, a dificuldade de adaptação inicial dos militares


ocorre principalmente no período inicial de formação, nas escolas, em que todos os
que ingressam são colocados à prova de pressão física e psicológica, em nome do
perfil profissiográfico exigido pelas instituições militares. Assim sendo, para os
alunos, o assédio moral fica bem caracterizado devido às posturas hierárquicas bem
definidas e às constantes práticas de exposição e desqualificação:

“[...] situação de escola [...] uma hierarquia muito forte e as pessoas


mandavam você fazer e você tem que obedecer e se não obedece,
você tem sanções [...] sanções [...] complicadas para as pessoas que
vêm do mundo civil [...]” (E1)

“Quando comecei a viver a realidade militar, ainda na escola [...] a


gente já vive o assédio moral, a gente já vivencia umas coisas que
pra quem não está acostumado com o meio militar, é bem chocante.
E eu não entendia.” (E7)

As falas acima ratificam a idéia de Goffman (2007) quanto à transformação


subjetiva na qual passam os indivíduos que ingressam nas instituições militares, no
dizer do autor, as “instituições totais”. Neste sentido, esta iniciação nas organizações
militares, transforma os valores anteriormente internalizados em outros tipos de
socialização pelos exigidos nestas instituições. Tal fato ocorre gradativamente,
culminando com a “mortificação do eu” (op. cit., p. 24).
59

Membros Antigos

No entanto, as práticas supracitadas não se justificam após o período de


formação. Quando nesta pesquisa é relatado aspectos de pressão quanto às
funções, o enfoque está voltado para a gestão e não a esta dinâmica de preparação
para a guerra. Para Goffman (2007), os mecanismos básicos de “controle social”
ocorrem em qualquer sociedade organizada. No entanto, nas “instituições totais”,
eles tornam-se minuciosos, cumprindo assim o seu papel limitador. Desta forma, a
adaptação torna-se elemento de investigação quando o assediador procura realizar
este papel algoz dentro do cotidiano de trabalho:

“[...] pessoas que já chegaram a chorar [...] e pensar em pedir baixa,


de ir embora [...] por conta justamente de uma situação de pressão
[...] desproporcional à inexperiência da pessoa que está acabando de
chegar.” (E1)

Servidores Civis

Cabe ressaltar que devido ao fato de que nem todos os civis aspiravam
trabalhar em uma unidade militar, existe inicialmente um elemento dificultador para a
adaptação, que pode favorecer a ações de práticas inibidoras; e esta não-adaptação
conduz o indivíduo vítima de um assédio a ceder à pressão da não-adequação às
dinâmicas, culturas e políticas organizacionais e solicite o seu desligamento, ou
afastamento por meio de licença, ou transferência:

“A área militar não faz o meu estilo. Meu perfil não é militar” (E4)

“[...] não é um ambiente para mim” (E4)


60

“Eu já trabalhei em tanto setor que eu nem me lembro.” (E5)

Afastamento

No entanto, desligamentos, afastamentos ou transferências não são apenas


observados na carreira de pessoas que não aspiravam ao serviço militar, os civis.
Em todas as outras entrevistas feitas com vítimas militares; quando estes não
conseguiram se adaptar à situação de assédio moral, e mesmo após terem se
utilizado de estratégias de defesas inconscientes, como: “eu levo na brincadeira”
(E1) ou a naturalização do poder legitimado pela hierarquia militar, eles solicitaram
desligamento: “[...] foi uma das razões pelas quais desejei sair do Exército” (E3), “[...]
mudei as minhas atitudes, os meus pensamentos.” (E3); afastamento por meio de
licença: “O psiquiatra falou que iria me internar pra me proteger.” (E7) ou
transferência: “E começaram a perseguir, até ele, também. Só que ele conseguiu
transferência.” (E7)

Segundo Goffman (2007), o desejo de transferência está relacionado a uma


“fantasia de libertação” porque esta permite a idealização do que fará fora do
ambiente em que sofre um intenso “controle social”. Entretanto, percebe-se que as
transferências nem sempre ocorrem nas organizações militares. Na maioria dos
relatos, quando o assediado tenta transferência, ele é impedido:

“Ao invés do cara dar uma advertência ou alguma coisa, ele


simplesmente impediu o cara de ir para a Unidade [...] eu penso que
não tinha sentido de impedir o cara de ter a transferência dele [...]
Não deram a transferência.” (E3)
61

4.3.2 Naturalização do poder

Impedimento da Evasão

O impedimento da evasão da vítima assediada é um fator que aponta para a


desvalorização da subjetividade, ou seja, num “psicoterror” (HIRIGOYEN, 2006).
Não parece relevante a situação de satisfação ou não no local de trabalho. Como se
o assediador precisasse manter sua vítima, pois assim ela legitima o seu poder, o
qual está naturalizado nas representações sociais das estruturas militares:

“Eles se importavam com o que era melhor para eles, mas não se
importavam se você estava bem ou não.” (E5)

“Eu sei qual é o meu lugar e qual é o lugar dele [...] missão dada é
missão cumprida [...] aquela subordinação que é normal.” (E3)

Status dentro das Representações

Sendo a hierarquia a base destas organizações com estruturas intensamente


rígidas, o termo “moderno”, utilizado para designar uma patente inferior, nas
instituições militares, é suavizado; naturalizando-se assim os conflitos com o poder e
transformando-os em uma forma de status dentro das representações sociais destas
unidades militares:

“Isto é uma tradição nas Forças Armadas [...] antiguidade é posto


[...]” (E3)
62

“A gente anseia muito a promoção mais por causa do tipo de serviço,


nem tanto pelo dinheiro porque a diferença é pouca.” (E3)

“É tão comum o assédio moral que o próprio Soldado, o próprio


sargento, o próprio tenente, a gente vê que essas classes aí mais
baixas já aceitam: ah, isso é assim mesmo. O sargento é isso
mesmo. Sargento só leva fumo, sargento é a imagem do cão.
Soldado?!...” (E6)

Reféns do Sistema

Um dos entrevistados-testemunha deixa transparecer que há uma diferença


quanto à percepção do assédio moral dependendo do nível hierárquico: quando o
assediador é um colega da mesma patente da testemunha, esta parece amenizar o
fato, como se ocorresse uma empatia: “Eu interferia assim, tipo botando panos
quentes” (E1).

O processo de “não tomar partido” pode ser interpretado pela testemunha, de


acordo com Hirigoyen (2006), como um silêncio constrangido. No caso das
organizações militares, essa situação de silêncio se acentua, pois está baseada em
uma cultura de hierarquia verticalizada, a qual favorece uma identificação da
testemunha com o agressor, por ambos possuírem as mesmas patentes ou níveis
hierárquicos.

O médico especialista em sua entrevista também demonstra corroborar a


mesma idéia, justificando as atitudes do agressor, visto que este último, geralmente,
é da mesma patente que a sua:

“[...] aí a pessoa já traz, já vêm com problemas de casa, problemas


de maior realização profissional, familiar e chega e desconta na
pessoa. E aí a pessoa começa a ser assediada [...] talvez seja vítima
dos problemas dele que estão causando isso.” (E2)
63

O relato de uma das vítimas ratifica a falta de apoio do médico especialista.


Uma vez que este também faz parte da instituição, acaba deixando a ética
profissional de lado, tornando-se “refém” do sistema e um aliado do algoz superior:

“[...] Na organização tinha uma médica [...] Quando eu fui falar pra
ela, quando eu fui explanar [...] Ela era casada com um Oficial.
Então, ninguém mexia com ela. E eu contei pra ela o que estava
acontecendo, e ela virou pra mim e falou: ‘-Mas o que você
esperava? O quê que você esperava?’” (E7)

“Juntavam vários médicos, numa mesa de reunião, me chamavam


pra eu falar sobre o que tinha acontecido, porque que eu surtei.
Sabe? O quê que estava acontecendo. O quê que acontecia comigo
em Brasília. Só que sempre antes dessas reuniões, me dopavam de
remédio. Como é que eu ia falar alguma coisa? Como é que eu ia me
defender? Porque eram muitas acusações, mesmo dos psiquiatras.”
(E7)

Caracterização de Insubordinação

Com a naturalização do poder, o assédio moral dentro destas instituições


muitas vezes é justificado como forma de impedir insubordinação.

Goffman (2007) sinaliza que o ambiente das “instituições totais” é marcado


por um clima moral específico; assim os dirigentes utilizam uma perspectiva racional
do trabalho, como estratégia de enfrentamento, à hostilidade apresentada pelos
subordinados, a fim de manter um meio básico de “controle social”. Assim sendo, a
expressão “insubordinado” é uma tradução profissional que reflete a quebra, pela
vítima, dos objetivos considerados legítimos da instituição.

Na primeira fase do assédio, onde ocorrem humilhações por ofensas,


inferiorização do sujeito e “brincadeiras” perversas, dependendo do senso crítico do
assediado, este pode reagir às ações do agressor por não concordar com sua
postura administrativa, tornando-se vítima porque não se colocou em uma posição
de dominado. Há uma recusa em aceitar, em ceder às pressões (HIRIGOYEN,
64

2006). Então, o dominante procura submeter o outro, justificando suas atitudes de


abuso de poder pela insubordinação da vítima:

“[...] ele não falou do assédio que eu tinha sofrido, mas que eu tinha
tratado, como se eu tivesse assim, insubordinação. Como se eu
tivesse [...] tratado mal o meu chefe, que eu tivesse respondido, que
eu tivesse [...]” (E7)

“Eu lembro até que a vítima tinha guardado um pedaço de pau pra
dar no chefe [...] a pessoa perde a cabeça.” (E1)

Em alguns casos, o assediador tem o discurso preocupado com a


subjetividade, incoerente com a sua gestão. Um dos entrevistados questiona a
validade do discurso do agressor. Segundo E1, a fala, na maioria das vezes, não
corresponde a um padrão ético e verdadeiro, o que se tem são cobranças e
desrespeitos. Os chefes são responsáveis pela condução de suas equipes,
colaboram ou não para a estagnação das mesmas, são eles que fazem ameaças,
isolam seus membros, cometem agressões e exclusões de outros, tudo em favor de
uma forma de gestão:

“[...] a gestão é muito complicada [...] as palavras convencem, mas o


exemplo arrasta [...] a prática é totalmente diferente do discurso [...]”
(E1)

4.3.3 Desqualificação

Isolamento

Uma das estratégias do assediador é enfraquecer o assediado. Uma vez que


as relações interpessoais poderão funcionar como um apoio para a vítima e provocar
reações que desagradem o assediador, resta então desarticular o grupo
65

(HIRIGOYEN, 2006). Experimentando assim, a vítima, uma sensação de solidão, de


isolamento:

“Teve um colega que falava pra outros colegas: - ‘Você fala com o
ele ainda? O cara foi punido, é melhor se afastar dele.’” (E3)

“O oficial que era responsável pela nossa seção desmembrou a


seção porque eles não queriam mais a ‘panelinha’”. (E7)

“Eu não podia mais falar com ninguém porque a sensação que eu
tinha era que: - Não, eu não posso mais me aproximar de fulana,
senão vou ser prejudicado.” (E7)

Exposição

Diante das relações do grupo desarticuladas, o assediador submete a vítima a


uma desqualificação externa, no qual profere ofensas que humilhem a pessoa
enquanto sujeito e profissional. De acordo com Hirigoyen (2006) o assédio moral é
facilitado por alguns elementos próprios da cultura e do ambiente organizacional. A
desqualificação, em alguns momentos, expõe os sujeitos assediados diante do
grupo de forma a servir como exemplo:

“O E7! Não tá bom ser só bonita, não? Sabe? Uma coisa pra dizer
assim, que tem que ser burra. Não tem que falar nada, fica quieta na
sua. (E7)

“[...] aquele lance de chamar o soldado de monstro: -Ô seu monstro!


Ô seu mocorongo! Ô seu incompetente! Bicho de rabo. Soldado é a
imagem do cão.” (E6)

“No dia seguinte, na formatura, ele falou que isso não poderia
acontecer e disse que o menino não era confiável.” (E5)

“Eles te sacaneiam na cara, na frente de todo mundo.” (E1)


66

Legitimação

Neste processo de desqualificação, a vítima já enfraquecida, não mostra


resistência ao agressor e este a manipula como se ela fosse um mero objeto,
criando um desequilíbrio interno do assédio à vítima (HIRIGOYEN, 2007).
Parafraseando Goffman (2007), é uma forma de “conversão” em que o subordinado
parece aceitar o que o superior lhe diz e tenta representar o papel de “servidor
perfeito”. Desta forma, perde sua própria identidade, acreditando na necessidade de
uma transformação, legitimando o que o agressor espera dela:

“A vítima veio conversar comigo e dizer da decepção que ele estava


tendo e que tudo reverteu: que o sonho dele não iria se realizar
porque como ele também queria ser um superior, ele achou que
poderia ser contaminado com aquela situação e um dia agredir
também uma outra pessoa [...] se ser militar é isso, um dia eu quero
ser uma grande pessoa.” (E5)

“E eu querendo aquele emprego, falei assim: - Então eu mostro para


o senhor... eu vou ser uma nova funcionária...” (E5)

“A reação que eu tive foi interna... Não que ia tomar alguma medida
em resposta. Não isso! Mas em relação a mim mesmo, o que eu
deveria mudar em mim mesmo com a minha vida dali em diante.”
(E3)

Culpa

Esta desqualificação constante leva a vítima a internalizar sua culpa,


acreditando que ela é a principal responsável pelo que lhe acontece no ambiente
profissional (BARRETO, 2000):

“Porque quando você é assediada, você tem uma sensação de


culpa, sabe? Como se você fosse culpada daquilo, como se você
desse brecha para aquilo acontecer. O que não é verdade, mas é
67

essa a sensação que você tem. Como se você merecesse ser


punida.” (E7)

“[...] quando o enfermeiro me assediou, era como se fosse a


culminância. ‘É, realmente, eu devo ser uma vagabunda. Eu não
devo valer nada. Eu tenho tudo isso de errado.’” (E7)

“Você não tem confiança e a pessoa acaba acreditando que ela é


incompetente.” (E1)

4.3.4 Sentimentos

Vítima

De acordo com Freitas, Heloani e Barreto (2008), as exigências de superiores


hierárquicos sobre a capacidade de adaptação dos subordinados podem refletir na
realidade psíquica destes últimos: “aquilo que pensa, que vive, que sente, que faz e
que sofre. Essa realidade psíquica, estranha o mundo exterior e que também não se
reconhece nele, é deslocada para o inconsciente, fazendo-os sofrer” (op. cit., p. 54).

Os entrevistados classificados como vítimas, quando assediados relataram os


seguintes sentimentos:

“[...] fui me sentindo acuada. Eu fui me sentindo, sabe? Eu fui vendo


que as pessoas que tentavam me proteger, não conseguiam. Então,
foi um sentimento de medo mesmo, foi querer me isolar. A sensação
que eu tinha era que eu estava entrando no Hangar e tinha uma
bolha em volta de mim.” (E7)

“Raiva. Raiva dele, do tenente. Senti-me desprezado, me senti


humilhado, denegrido na minha postura de militar [...] No dia, como
vítima, eu não reagi. Eu fiquei quieto. Mas, em relação a tenente, eu
passei a ter um desprezo por ela.” (E6)
68

“Fiquei muito chateado [...] aquilo me revoltou internamente.” (E3)

“A maior reação que eu senti foi a decepção em si, em relação ao


militarismo.” (E5)

“Ele teve um profundo sentimento de raiva. Nutriu até sair daqui.”


(E4)

No entanto, a vítima não se liberta totalmente destes sentimentos ao se


afastar do local de trabalho ou do agressor, uma vez que as humilhações e
agressões permanecem inscritas na memória (HIRIGOYEN, 2007), o que ficou
explícito em alguns relatos:

“Acredito hoje que eu estou mais calma, que isso voltou porque teve
um dia que eu precisei faltar, até pra dar apoio ao meu marido,
porque ele estava doente. E o chefe ficou invocado, porque ele não
gostou. E no dia seguinte, ele me chamou na sala dele, no gabinete,
e eu fiquei trancada com ele no gabinete. Então, isso já me deixa
nervosa.” (E7)

“Acho até que eu já falei muito, mas olha, pra mim assim, eu estava
até falando o meu marido: - Será que eu vou conseguir falar nesse
assunto sem chorar? Que eu sempre que falava nisso, eu chorava.”
(E7)

Testemunha

Para Goffman (2007), o indivíduo que testemunha uma violência, no caso


deste estudo, o assédio moral, também sofre uma “mortificação permanente” por
nada ter feito para intervir a favor da vítima. Assim, foi possível observar que as
testemunhas experimentaram os mesmos tipos de sentimentos de quem sofreu a
violência, ocorrendo empatia. Embora eles não tomem nenhuma atitude contra o
agressor:
69

“Revolta, sem dúvida, raiva né?! parece que está acontecendo


comigo. Da vontade de você tomar uma atitude, né?!” (E3)

“Ah, eu me senti muito mal. Eu me senti humilhado também.” (E1)

“Ah, me afeta, com certeza. A gente passa a aumentar os pontos


negativos em relação ao ambiente. Na realidade, fica mais
desmotivado.” (E4)

“Como eu sempre me coloco no lugar das pessoas, que isso pra mim
é uma coisa horrorosa [...] fiquei até enojada dele. Revolta, sim. E em
relação ao menino, de pena.” (E5)

“Quando as pessoas são humilhadas, acontecem coisas, sente dor,


eu sinto mais pelas pessoas. E isso não é bom. Eu sofro muito com
os problemas das pessoas [...] parece que a humilhação é minha
mesmo.” (E5)

4.3.5 Sintomas

Especialista

A maneira como a vítima percebe e sente o assédio é uma interpretação de


uma determinada realidade. Logo, o sofrimento psíquico experimentado, diante do
que não se pode expressar, se transforma em outro tipo de sofrimento: o físico;
manifestado por meio dos sintomas. Conforme Schuster (1999; 2001 apud
NAKAMURA e FERNÁNDEZ, 2004), estes sintomas decorrem de uma
desorientação profissional e psicológica, até a vítima perder a sua capacidade de
auto-estima, ficando suscetível a enfermidades físicas e mentais.

Segundo o especialista entrevistado, os assediados apresentam:


70

“A pessoa fica muito ansiosa, né?! O humor fica muito ansioso. A


pessoa apresenta o que a gente chama de labilidade no choro, a
pessoa fica chorando muito, que é a labilidade, fica muito sensível.
Com alguns casos, tem pessoas que se alimentam pouco, começam
a se alimentar pouco e têm pouco prazer nas atividades diárias, em ir
ao trabalho, é o maior. Só que à medida que isso vai se agravando,
até em casa, coisas que dão prazer, as pessoas não conseguem
mais fazer; programas de relacionamento familiar; insônia, muito
comum insônia, a pessoa demorar a dormir. Tem aquela insônia que
a gente chama de inicial. A pessoa fica algum tempo pensando: ‘ah,
vou ter que ir para o trabalho amanhã!’ E, a pessoa demora a dormir
[...] irritabilidade, também.” (E2)

Vítima

Os sintomas descritos pelo especialista são confirmados com os relatos das


vítimas:

“[...] Chorar. Chorei muito. Mas eu, no início, eu ainda tentava


responder, sabe?” (E7)

“[...] eu tive diarréia nervosa [...] Quando eu tinha que ir pro quartel,
eu sentia isso. Depois se tornou um pânico da cidade. De uma coisa
micro, se tornou macro. Eu saia de casa, ficava com dor de barriga.
Eu passei também a ter cólicas, com bastante intensidade. Meus
períodos menstruais se tornaram um transtorno, assim, muito forte.”
(E7)

“Você fica extremamente tenso. Passa a ser um pouco mais rude


com as pessoas.” (E3)

“Fiquei abalado, minha pressão ficou alta, era muita irritação, muito
estresse. Descontrole emocional muito grande [...] Estresse extremo.
Afetou a minha família, eu vivia estressado em casa. Afetou meu
ministério, na Igreja [...] estava estressado, cansado mentalmente [...]
dava um branco [...] Cansaço mental, pressão alta, taquicardia,
problema de coração, coisa que nunca tive [...] Eu adquiri problemas
cardíacos [...]” (E6)
71

Estratégias

No assédio moral, entrevistados revelam que estratégias são utilizadas por


seus chefes ou comandantes para “amenizar os sintomas”, ou ainda, criar um
ambiente mais “harmonioso”. Segundo Goffman (2007), é comum a realização de
“cerimônias institucionais”, com as quais seus dirigentes têm por objetivo, diminuir a
distância entre os círculos ou “castas”, no intuito de se “cruzar fronteiras” tornando
um ambiente de trabalho hostil em um ambiente mais amistoso e agradável. “Tais
práticas exprimem solidariedade, unidade e compromisso conjunto com relação à
instituição, e não diferenças entre os dois níveis” (op. cit., p. 85).

Parafraseando Goffman (2007), nas “cerimônias institucionais” ocorrem uma


espécie de “pacto” entre subordinados e dirigentes, onde espera-se que, como uma
forma de reconhecimento de seu sofrimento, ou uma mera abertura para se fazer
queixas, o mesmo se tornará mais fiel àquela administração. Esse conjunto de
práticas estratégicas pode ocorrer como festas anuais ou com algum espaçamento
de tempo, desde que se justifiquem numa comemoração, para que as pessoas da
direção e seus subordinados “se misturem”, através de formas de sociabilidade:

“[...] conscientizar as pessoas através de [...] estilo cassino, tá


fazendo [...] manter mais harmonia entre as pessoas, convivência, dá
oportunidade das pessoas se conhecerem melhor, pra não ter aquela
relação de [...] ‘Ah, eu sou o melhor’ [...] mostrar que o mundo não é
só isso somente, mas aí só mesmo com palestras, psicólogos, com
livros, confraternizações, legais, não é bagunça não.” (E5)

“[...] vale à pena tentar que as pessoas tenham relações de trabalho


mais compreensivas, mais, mais [...] mais amigáveis. Talvez valesse
à pena assim, ser investido nisso. Vamos tentar, apesar de ter a
hierarquia, mas, tentar promover uma união maior de todo mundo,
das praças, graduados, oficiais. Aqui no Hospital, tem uma coisa
legal. Não sei se nas outras Unidades têm, até porque eu só
trabalhei aqui, que normalmente tem churrasco, e é aberto para todo
mundo. Todo mundo se conhece, se fala. Entendeu?! Tanto é que eu
nunca vi nenhum caso de assédio.” (E2)
72

5 CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

Este capítulo tem por finalidade apresentar as conclusões deste estudo


explicitando as principais respostas às perguntas realizadas desde a concepção dos
objetivos de pesquisa até a análise e descoberta das categorias, assim como propor
pesquisas futuras indicativas de um mesmo subsídio teórico.

5.1 CONCLUSÕES

O objetivo do presente trabalho foi identificar as dinâmicas de assédio moral


praticadas nas organizações militares e suas conseqüências no bem estar do
trabalhador.

Trata-se de um tema que tem vários estudos desenvolvidos em diferentes


áreas de atuação no campo profissional. No entanto, ele não se esgota devido à sua
complexidade por se tratar da subjetividade humana. Assim, este trabalho deu
ênfase à subjetividade do funcionário civil e militar que atua nas instituições militares.

Investigando o assunto a partir das fundamentações de Hirigoyen (2006;


2007), Barreto (2000; 2008), Freitas (2001; 2007; 2008), Heloani (2004; 2008),
Goffman (2007), Rodrigues (1994) e Davel e Vergara (2007), os quais se configuram
referências para a temática abordada com literaturas e estudos aplicados, a
pesquisa foi complementada com pesquisa de campo e documental, as quais
permitiram a correlação do tema a partir da coleta e análise dos dados extraídos dos
discursos dos entrevistados.

Desta forma, focou-se o ser humano como um ser multidisciplinar com


variadas necessidades e que vive em um mundo de constante transição. Assim, uma
gestão baseada na valorização da subjetividade precisa favorecer o seu
desenvolvimento dos profissionais, preocupar-se com o seu bem estar e este
engloba a vida como um todo.
73

Neste sentido, a idéia de que o homem trabalha apenas para a obtenção do


salário é muito restrita, fragmenta o ser humano, o “coisifica”. Ele tem uma
subjetividade que não pode ser negada: sentimentos, expectativas, frustrações,
aspirações, auto-estima e sonhos de auto-realização.

Um dos achados da presente pesquisa refere-se à frustração de alguns


militares, pertencentes a outros níveis que não sejam o dos oficiais, em relação às
perspectivas de ascensão profissional. Apesar de ocorrerem promoções dentro do
seu nível, há o “engessamento” quanto à mobilidade para o nível de oficiais, devido
ao longo período de intervalos entre as promoções. Ainda, por conseqüência da
longa permanência em uma mesma patente, o militar, apesar de ter ascendido de
cargo, continua sendo tratado como se a mudança não tivesse ocorrido.

Devido esta estrutura hierárquica rígida e incontestável, o poder já está


naturalizado nestas instituições; ficando assim, muito difícil coibir o assédio moral
nas organizações militares, visto que algumas ocorrências perversas são justificadas
com punição por insubordinação. Quando o superior erra, não volta atrás porque
admitir erro é admitir fraqueza e o fraco pode ser vencido e até questionado.
Destaca-se que em dado momento da pesquisa, os entrevistados ratificam com suas
respostas, o encontrado na fundamentação dos estudos de Hirigoyen (2006) quanto
à permissividade e falta de proteção de instituições que por sua indiferença,
favorecem a instalação do clima de assédio moral.

Outro aspecto salientado nesta investigação foi a permissividade do assédio


moral favorecida devido à supervalorização das hierarquias e a não-negociação das
transferências de locais de trabalho. Este fator torna-se angustiante devido à grande
rotatividade de funções: ora o funcionário atua como mecânico, ora como auxiliar de
biblioteca. Não há preocupação com a qualidade de vida do trabalhador, pois este
muitas vezes “apaga” sua subjetividade para ser um mero executor de tarefas de
“prancheta debaixo do braço e sorriso no rosto”.

Levando-se em conta as instituições investigadas, é de responsabilidade do


setor de RH viabilizar um ambiente de trabalho harmonioso, nutrindo relações
interpessoais agradáveis. No entanto, observou-se que em uma das instituições
estudadas, o órgão responsável pelos seus recursos humanos apresenta como os
principais objetivos: valorização profissional; definição clara dos planos de carreira;
74

dimensionamento das necessidades de pessoal; controle eficaz de pessoal. Assim


sendo, a preocupação fundamental é o treinamento, o que nos remete à idéia de
produção.

Como a produtividade é mais valorizada que a subjetividade, os eventos


sociais são promovidos a critério dos comandantes das unidades militares e nestas
ocasiões se mantém a diferenciação quanto aos lugares nas hierarquias. Tais
eventos são “paliativos” para amenizar o estresse laboral e diminuir os sintomas, já
mencionados no trabalho, decorrentes do assédio moral.

Para que se configure o assédio moral é necessário que haja um dominante e


um dominado. Mas não se pode generalizar que cada patente mais alta ou o chefe
representa um dominador em potencial, assim como nem todo subalterno irá ser
dominado ou vítima. Haja vista que alguns dos entrevistados, exercendo a função de
subordinados, não se reconheceram como vítima, embora tenham passado por
humilhações e constrangimentos. Isto se dá pela forma de como a experiência é
vivenciada, como cada um percebe e interpreta determinada situação
constrangedora. Esta pode gerar sofrimento psíquico acarretando doenças no físico,
o que se entende por sintomas ou levar o indivíduo a certo distanciamento, definindo
bem os papéis e funções; onde não há relação de amizade, apenas profissional.
Usando esta defesa, a opinião do outro enquanto profissional não atinge a parte
pessoal: “[...] chefe é chefe. Então, nada de amizade, não tenho muito essa relação
[...] ele não é meu amigo.” (E5)

Convém mencionar que o assunto abordado diz respeito à minha própria


experiência profissional. Venho exercendo a profissão de militar desde 1991, por
aproximadamente 18 anos. Vivenciei e presenciei algumas das experiências
semelhantes às relatadas por alguns dos entrevistados.

Este fato tem dois lados. Inicialmente me identifiquei com os relatos de alguns
entrevistados, mesmo que limitando o objeto de estudo e determinando o campo de
pesquisa. Assim, foi necessário ter um cuidado especial. Não pretendo aqui suscitar
a questão quanto à neutralidade absoluta do pesquisador quando imerso no campo,
mas é preciso ressaltar a sua função de interpretá-las sem misturar-se ao objeto de
estudo. Sendo assim, foi preciso analisar as falas sem tendenciar para o lado
pessoal ou para o universal, como uma verdade pré-concebida. De qualquer forma,
75

o fato é que mesmo tendo passado por algumas experiências relacionadas ao


estudo, realmente refleti sobre essas questões e, muitas vezes, era o relato do
entrevistado que me provocava tais reflexões como um filme, imagens passaram em
minha mente, buscando explicações a partir de fundamentações bibliográficas, de
leituras de estudos aplicados sobre o tema e analisando de forma mais criteriosa os
discursos dos respondentes da pesquisa.

De todos os benefícios que este estudo me adicionou, destaco o


amadurecimento, que me proporcionou um olhar diferenciado para a dinâmica e
cultura do trabalho, tecidas diariamente pelas relações interpessoais, valorizando a
subjetividade de todos os níveis hierárquicos.

Desta forma, as experiências relatadas nos depoimentos mostraram que


estrutura social, onde trabalhavam, era marcada por uma naturalização do poder.
Logo, esta poderia funcionar como um fio condutor dos conflitos que emergem com
o assédio moral, em um ambiente profissional militar.

Partindo da idéia de que o assédio normalmente é resultante de um conflito


(HIRIGOYEN, 2007), embora nem sempre este se degenere em assédio, fazem-se
necessários estudos a fim de que se conclua se este conflito provém do caráter das
pessoas nele envolvidas, ou se está inscrito na própria estrutura da empresa e
especificamente na sua gestão de pessoas.

5.2 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

Assim sendo, após o entendimento sobre a temática, foi possível perceber


que o assédio moral ocorre quando encontra elementos facilitadores e se fortalece
como uma prática porque algumas condições ambientais relativas à cultura e ao
clima organizacionais facilitam a emergência de comportamentos abusivos e
humilhantes. No entanto, algumas indagações foram suscitadas e merecem
aprofundamentos em pesquisas futuras: o assédio moral é mais freqüente em
relação ao sexo feminino? Dentro das instituições militares, quem é mais assediado:
76

civis ou militares? Como se dão as práticas de assédio moral em outras instituições


fechadas, como por exemplo, as plataformas e instituições religiosas?
77

REFERÊNCIAS

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Disponível em: < http://www.assediomoral.org/site>. Acesso em: 19 Maio 2007.

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compreendendo a perspectiva dos professores. 2005. 306 p. Tese (Doutorado
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geral do pessoal. Disponível em:
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DAVEL, E. P. B.; VERGARA, S. C. Gestão com pessoas e subjetividade


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MELLO, Rodrigo. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas,
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SINDIPETRO. Sindicato de Petroleiros do Rio de Janeiro - SINDIPETRO.


Disponível em: <http://www.sindipetro.org.br >. Acesso em: 28 jun 2007.

SINTUPERJ. Sindicato Estadual dos Trabalhadores das Universidades Públicas


Estaduais. Disponível em: <http://www.sintuperj.org.br >. Acesso em: 28 jun 2007.

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qualitativa em Ciências Sociais. Idéias gerais para elaboração de um projeto de
pesquisa. Cadernos de pesquisa Ritter dos Reis. Vol. IV. Nov. 2001. 2.ed. – Porto
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VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de pessoas. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2007

______. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 5.ed. São Paulo:


Atlas, 2004.

______. Métodos de pesquisa em administração. – 6. ed. – São Paulo: Atlas,


2007
80

ANEXO A - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Especialista)


• Dados gerais do Entrevistado:
Idade - natural de - gênero – nº de filhos – estado civil – concursado? (S) (N); por indicação? (S) (N) - cargo / lotação - tempo no
cargo / lotação - tempo de experiência profissional total - formação acadêmica - trajetória profissional na organização.
• Breve explanação do objetivo da pesquisa e da entrevista
• Dados sobre prática de Gestão:
Objetivo de cada pergunta para ter
Os Conceitos apresentados na revisão de presente como cada uma contribui na
Perguntas criadas
literatura resposta à pergunta central de sua
pesquisa
Autoridade e responsabilidade 1. A quem o senhor se subordina? Verificar grau de envolvimento na gestão
2. Existe algum tipo de relatório dos
Autonomia Identificar políticas de gestão
atendimentos realizados?
3. Como é sua rotina de trabalho
Clima e cultura (atendimentos, relatórios, serviços e Idem a anterior
atividades gerais)?
Clima e cultura e, ainda, aspectos 4. Conte um episódio marcante e Sondar aspectos na rotina, relacionados
interpessoais positivo de sua trajetória profissional. ou não com o assédio moral
5. Destaque um episódio frustrante ou
Idem a anterior Idem a anterior
negativo.
6. Como se dão as relações com seus
Idem a anterior Identificar aspectos interpessoais
subordinados, pares e superiores?
• Dados sobre o Assédio Moral:
7. O que o senhor entende por Assédio
Conceituações Avaliar seu conhecimento sobre a temática
Moral?
8. Que situação o senhor definiria como
Características do agressor e da vítima Idem a anterior
Assédio Moral dentro do Quartel?
9. Quais seriam os sentimentos de uma
Conseqüências humanas testemunha? E do ponto de vista da Buscar possíveis relatos
vítima?
10. Além de seus pacientes, o senhor
Idem a anterior conhece algum outro caso de Assédio Idem a anterior
Moral?
11. O que mais o incomoda no Assédio Identificar aspectos profissionais e
Idem a anterior
Moral? pessoais
12. O senhor atende muitos casos de
Idem a anterior Constatar dados
Assédio Moral?
Dados sobre prática de Gestão:
13. Como era o ambiente de trabalho Verificar aspectos de gestão que facilitem
Tipos de relações e Gestão
desses pacientes? o assédio moral
14. No caso de seus pacientes, quem os
Idem a anterior Idem a anterior
assediavam?
15. O assédio sofrido influenciou o
Idem a anterior Idem a anterior
convívio entre seus pares?
Dados sobre o Assédio Moral:
16. Dentre seus pacientes, que
categoria(s) o senhor classifica como
Tipos de relações e Gestão mais comum(ns) na queixa de Assédio Identificar dados
Moral? Civis, militares, homens,
mulheres, Oficiais, Graduados, Praças?
17. O senhor acredita que as pessoas
Investigar conseqüências e razões da
Conseqüências possam se omitir por ter passado
omissão
Assédio Moral?
18. Quais seriam as principais razões
Idem a anterior Idem a anterior
dessa omissão?
19. Quais são as principais queixas que Levantar mais dados do fenômeno
Idem a anterior recebe de seus pacientes? E, quais as especificamente na instituição,
conseqüências que manifestam? considerando ainda, aspectos de gestão
20. Quais são os principais sintomas
Levantar dados de conseqüências na
Idem a anterior apresentados pelos pacientes que o
vítima
senhor recebe?
• Dados gerais da Entrevista:
21. O senhor considera que faltou fazer
Metodologia e coleta de dados alguma pergunta mais específica sobre Buscar interação para novas sacadas
Assédio Moral?
22. O senhor acha que as perguntas Confirmar aspectos de clareza e
Idem a anterior
foram pertinentes? objetividade nas perguntas
Facilitar para que dê uma opinião ou relate
23. Gostaria que o senhor fizesse algum algo não apontado pelas perguntas feitas,
Idem a anterior
comentário ou desse alguma sugestão. ainda que abertas e com o apoio das
perguntas follow-up
81

ANEXO B - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Vítima)


• Dados gerais do entrevistado:
Idade - natural de - gênero – nº de filhos – estado civil – concursado? (S) (N); por indicação? (S) (N) - cargo / lotação - tempo no
cargo / lotação - tempo de experiência profissional total - formação acadêmica - trajetória profissional na organização.
• Breve explanação do objetivo da pesquisa e da entrevista
• Dados sobre prática de gestão:
Objetivo de cada pergunta para ter
Os Conceitos apresentados na revisão de presente como cada uma contribui na
Perguntas criadas
literatura resposta à pergunta central de sua
pesquisa
1. Quais são (foram) suas
Autoridade e responsabilidade Verificar grau de envolvimento na gestão
responsabilidades em sua função?
2. Com respeito às responsabilidades
Identificar evidências que facilitem o
Autonomia e ambiente assumidas, alguma situação de pressão
assédio
além do normal?
Sondar sobre sua trajetória profissional e
Clima e cultura organizacionais além de 3. Conte um episódio marcante e
possíveis acontecimentos relacionados ou
aspectos interpessoais positivo de sua trajetória profissional.
não com assédio moral
4. Destaque um episódio frustrante ou
Idem a anterior Idem a anterior
negativo.
5. Como se dão as relações com seus
Idem a anterior Identificar aspectos interpessoais
subordinados, pares e superiores?
6. Como eram as práticas de gestão e Verificar aspectos de gestão, antes e
Mudanças
como são hoje? atualmente
• Dados sobre o Assédio Moral:
7. O que o senhor entende por Assédio Avaliar seu conhecimento a respeito da
Conceituação
Moral? temática
8. Que situação o senhor definiria como
Características do agressor e da vítima Idem a anterior
Assédio Moral dentro do Quartel?
9. O senhor já presenciou, ou viveu,
Idem a anterior alguma cena de Assédio Moral no Buscar possíveis relatos de assédio moral
Quartel?
Idem a anterior e Conseqüências humanas 10. Que sentimentos experimentou? Idem a anterior
Fases do processo psicológico 11. E do ponto de vista da vítima? Idem a anterior
12. Quais foram suas principais reações
Idem a anterior Idem a anterior
como vítima?
13. O que mais o incomoda no Assédio Relacionar sentimentos comuns no
Conseqüências humanas
Moral? Por quê? contexto do assédio moral
14. Como reagiu diante do Assédio Identificar fatos comuns que facilitem ou
Tipos de relações e Gestão
Moral? reprimam tais práticas
Idem a anterior 15. Por que agiu dessa forma? Idem a anterior
16. Por quem foi assediado? Como foi?
Quais foram os principais sintomas
Características do agressor e da vítima Buscar possíveis relatos de assédio moral
apresentados em sua saúde? Em seu
trabalho com seus pares?
17. Diante do assédio, o seu controle Relacionar novos sentimentos ou confirmá-
Conseqüências humanas
emocional foi afetado? Como? los
• Dados gerais da entrevista:
18. O senhor considera que faltou
Buscar interação para possíveis novas
Metodologia e Coleta de dados fazer alguma pergunta mais específica
sacadas sobre o tema
sobre Assédio Moral?
19. O senhor acha que as perguntas Confirmar aspectos de clareza e direção
Idem a anterior
foram pertinentes? das perguntas realizadas
Facilitar para que dê uma opinião ou relate
20. Gostaria que o senhor fizesse algum algo não apontado pelas perguntas feitas,
Idem a anterior
comentário ou desse alguma sugestão. ainda que abertas e com o apoio das
perguntas follow-up
82

ANEXO C - Roteiro de entrevista para coleta de dados (Testemunha)


• Dados gerais do entrevistado:
Idade - natural de - gênero – nº de filhos – estado civil – concursado? (S) (N); por indicação? (S) (N) - cargo / lotação - tempo no
cargo / lotação - tempo de experiência profissional total - formação acadêmica - trajetória profissional na organização.
• Breve explanação do objetivo da pesquisa e da entrevista
• Dados sobre prática de gestão:
Objetivo de cada pergunta para ter
Os Conceitos apresentados na revisão de presente como cada uma contribui na
Perguntas criadas
literatura resposta à pergunta central de sua
pesquisa
1. Quais são (foram) suas
Autoridade e responsabilidade Verificar grau de envolvimento na gestão
responsabilidades em sua função?
2. Com respeito às responsabilidades
Identificar evidências que facilitem o
Autonomia e ambiente assumidas, alguma situação de pressão
assédio
além do normal?
Sondar sobre sua trajetória profissional e
Clima e cultura organizacionais além de 4. Conte um episódio marcante e
possíveis acontecimentos relacionados ou
aspectos interpessoais positivo de sua trajetória profissional.
não com assédio moral
4. Destaque um episódio frustrante ou
Idem a anterior Idem a anterior
negativo.
5. Como se dão as relações com seus
Idem a anterior Identificar aspectos interpessoais
subordinados, pares e superiores?
6. Como eram as práticas de gestão e Verificar aspectos de gestão, antes e
Mudanças
como são hoje? atualmente
• Dados sobre o Assédio Moral:
7. O que o senhor entende por Assédio Avaliar seu conhecimento a respeito da
Conceituação
Moral? temática
8. Que situação o senhor definiria como
Características do agressor e da vítima Idem a anterior
Assédio Moral dentro do Quartel?
9. O senhor já presenciou, ou viveu,
Idem a anterior alguma cena de Assédio Moral no Buscar possíveis relatos de assédio moral
Quartel?
Relacionar sentimentos comuns no
Idem a anterior e Conseqüências humanas 10. Que sentimentos experimentou?
contexto do assédio moral
Fases do processo psicológico 11. E do ponto de vista da vítima? Idem a anterior
12. Quais foram os principais sintomas
Idem a anterior Idem a anterior
(reações) apresentados pelas vítimas?
13. O que mais o incomoda no Assédio
Conseqüências humanas Idem a anterior
Moral? Por quê?
14. Como testemunha de Assédio Moral, Identificar fatos comuns que facilitem ou
Tipos de relações e Gestão
qual foi sua participação efetivamente? reprimam tais práticas
Idem a anterior 15. Por que agiu dessa forma? Idem a anterior
16. O senhor se considera ter sido
assediado? Por quem? Como? Quais
Características do agressor e da vítima foram os principais sintomas Buscar possíveis relatos de assédio moral
apresentados em sua saúde? Em seu
trabalho com seus pares?
17. Diante do assédio, o seu controle Relacionar novos sentimentos ou confirmá-
Conseqüências humanas
emocional foi afetado? Como? los
• Dados gerais da entrevista:
19. O senhor considera que faltou
Buscar interação para possíveis novas
Metodologia e Coleta de dados fazer alguma pergunta mais específica
sacadas sobre o tema
sobre Assédio Moral?
20. O senhor acha que as perguntas Confirmar aspectos de clareza e direção
Idem a anterior
foram pertinentes? das perguntas realizadas
Facilitar para que dê uma opinião ou relate
21. Gostaria que o senhor fizesse algum algo não apontado pelas perguntas feitas,
Idem a anterior
comentário ou desse alguma sugestão. ainda que abertas e com o apoio das
perguntas follow-up
83

Anexo D - Transcrição da sétima entrevista

- Dados gerais: omitidos; e


- Breve explanação do objetivo da pesquisa e da entrevista: omitido.

Comentário sobre sua trajetória profissional, como ingressou e como se


iniciou seus trabalhos, funções:
Eu, depois da formação de sargento na Escola [Escola de Formação], fui transferida
para o Q1 [Quartel 1] e lá eu era a única mulher do Esquadrão. E eu tinha dezoito
anos. Desbravadora, pioneira... Só que assim, isso agradou alguns, pelo fato
histórico. Mas desagradou a muitos, porque era a primeira mulher, eles tinham o
ambiente deles, não é? Eles podiam falar palavrão, eles podiam ver retrato de
mulher pelada. E assim que a E7 chegou, acabou com isso, não é? E eles
procuraram, assim, fazer de tudo. Até mudar o meu nome de guerra [um dos seus
nomes que o militar utiliza e pelo qual é conhecido e chamado, podendo ser o
primeiro nome, o sobrenome ou a junção dos dois]. Quando eu cheguei lá eles
determinaram que meu nome fosse o meu sobrenome e não E7, pra que não
chamasse muita atenção, sabe? Eles faziam assim. Eles tinham essas atitudes que
não tem nem muito o quê explicar. E eu fui até pra uma seção que foi boa, que na
minha seção tinha muita gente jovem, muita gente recém formada. Então, assim, era
uma cabeça diferente. As pessoas, por mais que tivesse o assédio, mais era uma
coisa normal, sabe? Era um chamar de bonita, era demonstrar interesse, mas
ninguém que rompesse esse... E me ajudavam muito. A ponto de assim, tava na
aeronave... Como começou o assédio?! Dessa maneira. Eu tava na aeronave
fazendo a manutenção, eu sou eletrônica [especialidade], e a gente fazia a
manutenção nos painéis, mexe com os disjuntores... e se eu me abaixasse pra
mexer num painel, alguma coisa, pronto! A aeronave já se tornava uma vitrine, toda
hora gente passando. E ai os meninos percebiam, os sargentos que trabalhavam
comigo, “E7, muda de lugar com a gente. Vem pra cá.” Eles tentavam. No início foi
essa tentativa. Só que as coisas foram se agravando. Começou a ter cursos pra
mecânico de aeronave, e eu tinha que participar, pra conhecer a aeronave. E
qualquer dúvida que eu levantasse, era uma gracinha. Tipo, homem tem uma noção
de mecânica, às vezes até, mesmo sem estar no meio, não é? Então, falava de
cálculo ou falava de alguma coisa que pra mim é diferente, que eu ia perguntar,
84

“Tinha que ser mulher!” Sabe? Ou “Não sei o quê essa menina está fazendo na
turma.” E assim vai. Quando eu me apresentei, eu me lembro de um episódio assim,
foi a primeira coisa que eu falei aqui: “Vai ser difícil aqui.” Tinha que colocar o DOM
[Distintivo de Organização Militar com a medida aproximada de 3x2 centímetros que
vai abotoado ou fixado na altura do peito esquerdo da camisa de alguns uniformes
militares] na canícula [camisa de botão de uniforme militar]. E eu na mesma hora
estendi a mão. Eu falei, “Ele não vai colocar o DOM na minha Canícula.” E ai ficou
aquela gargalhada no auditório todo, porque o cara quis colocar o DOM na minha
canícula e eu andei pra trás e peguei o DOM. Mas aí nisso já gerou piadas, já tem
todo um... É meio chato. Mas, bem...
A minha mãe, assim, meu pai e minha mãe passaram por um divórcio quando eu
tinha 16 anos. Um dos motivos de eu passar no concurso foi isso, a intenção de
conseguir um salário melhor aos 17 anos. E a minha mãe, no divórcio, ela
desenvolveu um quadro de depressão. E tinha sérias doenças. Desde desenvolver
furúnculo por todo o corpo, porque a imunidade baixava. Então, eu comecei a correr
atrás de um próprio nacional [imóveis destinados aos militares que possuem
dependentes declarados para residirem enquanto na ativa e naquela região], pra
levar a minha mãe pra ficar comigo. Porque eu não tinha condições de supri-la
assim, com relação à comida, os gastos da casa e pagar um aluguel em Brasília,
que é bem mais caro que no Rio de Janeiro. Então, fui procurar meu comandante,
pedi ajuda. A primeira vez ele disse: Tudo bem, vamos ajudar. Não tem problema.
Só que aí, não sei, as coisas no hangar foram ficando mais complicadas. Os
assédios, de “... Nossa que menina bonitinha! Que bom ter uma menina bonita agora
pra enfeitar o ambiente!”... Disso já foi se tornando um convite pra sair, já foi se
tornando aproveitar a oportunidade pra ficar trancado em um ambiente só comigo e
falar coisas pesadas como: “Quem tá te comendo?”..., sabe? “Você tá dando pra
pessoa errada!”, coisas do tipo. E isso começou pelos graduados mesmo...
Os Colegas? Os pares? Colegas. Não os da minha seção. Na minha seção eu não
tive problemas quanto a isso. Mas os das outras seções. Acho que pelo
distanciamento, não é? E eu não dava confiança, não falava mesmo, eu tinha medo,
sabe? Eu tinha sensação de medo mesmo. Eu me senti assim: uma menina, com
dezoito anos, chegando num ambiente totalmente diferente, a sensação que eu
tinha era mesmo essa. E não tinha nenhuma mulher pra eu contar isso. E eu não
tinha ninguém pra conversar e compartilhar. Ficou pior quando eu comecei a
85

namorar e descobriram que, eu comecei a namorar um sargento da minha seção e


descobriram, assim, que eu era virgem. Então, começou aquela coisa de... Uma
disputa. E começaram a perseguir até ele, também. Só que ele conseguiu
transferência depois. Mas foi assim, se tornou um inferno. Porque aí o oficial que era
responsável pela nossa seção desmembrou a seção, porque eles não queriam mais
a “panelinha”. Que eles começaram a dizer que a nossa seção se tornou uma
“panelinha”.
Que eram as pessoas que te protegiam inicialmente?
Exatamente, desde os suboficiais até aos sargentos, como eu. Então, aí
desmancharam a “panelinha”. Aí ficou mais crônico, assim. E aí teve um dia que um
capitão foi reclamar do meu serviço, assim, que eu tinha feito uma coisa errada aos
olhos dele. Que na verdade foi que me pediram pra fazer uma pesquisa de pane,
que eu diagnostiquei como um item em falta e que eles não queriam que fosse
aquele item, senão ía indisponibilizar a aeronave. Eles queriam que eu assinasse
mesmo em, como faziam com outras pessoas. Só que eu fui assim, mais incisiva e
falei não. “Não vou assinar! Se quiser, pede pra outro técnico assinar. Porque isso é
uma aeronave, eu ponho em risco de vida.” E eu era muito moderna, então eu falei:
“Se pegar, eu vou me prejudicar muito.” Então, ele me chamou no “Rearbay”, que é
uma área de lazer, uma sala. Uma área reservada? É assim, é como se fosse
assim: Uma área que fica só os sofás, pros oficiais... Uma sala de estar? Uma sala
de estar, isso! E aí me chamou lá e começou a conversar comigo, dizendo que não
estava gostando da minha postura, que eu estava sendo muito abusada.
O capitão? O capitão! O mesmo que fragmentou... Era o chefe do Segundo
Esquadrão, que fragmentou a seção de eletrônica. E ele disse que não estava
gostando da minha postura, que eu tinha que me colocar na posição de terceiro
sargento. E eu só respondendo “Sim, senhor! Sim, senhor!” Não falava nada.
Primeiro que eu já estava desconfortável de estar ali na sala trancada com ele. E de
repente ele... Ele trancava com a chave? Ele não tinha trancado ainda com a
chave. Ele só fechou. E de repente ele começou a falar da minha vida particular.
Porque assim, pela minha mãe ficar doente, eu pedia dispensa do segundo
expediente de sexta-feira, pra conseguir vir ao Rio levar a minha mãe ao hospital,
alguma coisa assim. Então, ele começou a insinuar que eu pedia muitos favores,
que fazer favor para os outros sem receber nada em troca não podia acontecer. E aí
ele falou que eu tava... Aí foi o momento que ele chegou pra mim e falou assim:
86

“Você esta se envolvendo com um sargento daqui.” Ai eu falei: “Sim, senhor!” Aí ele:
“Você está dando pra pessoa errada!” Aí eu fiquei apavorada naquele momento.
Levantei, eu falei: “O Senhor me desculpe, mas eu vou me retirar.” Aí eu levantei.
Ele passou por mim, trancou a porta e tentou me violentar. Eu tive que empurrar, eu
tive que chutar, eu tive que lutar mesmo pra conseguir sair. Gritava por socorro. Só
que num ambiente de manutenção no hangar, é motor girando, é uma barulheira,
não tinha nem como as pessoas escutarem. Então, assim, eu empurrei mesmo ele,
foi um momento desesperador. Eu consegui sair da sala, mas porque eu acho que
ele desistiu mesmo. Tipo: “Vou ter que acabar machucando ela e isso vai me trazer
problemas.” Porque, uma mulher contra um homem?
Ele era aviador? Aviador! Então era novo, não é? Eu só trabalhava com aviadores.
E consegui sair. Fui correndo para a sala de estar dos sargentos, que era o único
banheiro que eu podia usar, então eu tinha a chave. E fiquei lá chorando. Tinham
uns suboficiais lá que me tratavam como filha, e ficaram: “A gente não pode deixar
isso.” Tinha um que queria meter até a porrada mesmo.
E com toda razão. Ele ficou, assim, indignado, porque ele tinha uma filha. Então,
trouxe um pouco pro pessoal, não é? Claro! E ele ficou revoltado. Só que
começaram a prejudicar essas pessoas que ficavam do meu lado. E aí eu fui
perdendo a minha proteção. Esse suboficial que ficou mais nervoso, foi transferido
pro hangar do lado, sabe? O suboficial que era responsável pelo hangar, perdeu o
posto e passou a ser mecânico de novo. Isso porque foram demonstrando que
estavam junto comigo, não é? “Olha, a gente vai proteger a E7. A gente vai ficar do
lado dela.” E ai eles foram “cortando as asinhas”, não é?
Foi como tudo começou... [interrupção para condução da entrevista]
Tudo começou no Q1, começou como brincadeira entre os graduados [suboficiais e
sargentos] e daqui a pouco a coisa foi ficando mais séria... O capitão teve essa
atitude. Depois dessa atitude eu fiquei assim: eu não podia falar com ninguém, eu
não podia... É, a sensação que eu tinha era, e as pessoas também demonstravam
isso pra mim, “Não posso falar com a E7, porque senão eu estou roubado. Eu vou
ser prejudicado.” E na tentativa de conseguir um próprio nacional, procurei
novamente o meu comandante e falei: “Passou um tempo, o senhor ainda não me
deu a minha resposta. Porque se o senhor não me fala nada, eu vou alugar nem
que seja uma quitinete, mas vou trazer a minha mãe pra cá.
Isso com o comandante do Q1, não com o capitão?
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Com o comandante, não é com o capitão.


Que era um coronel?
Era um coronel. Aí ele começou a falar que sabia do que tinha acontecido. Ele,
assim, ignorou o que eu falei da minha mãe e começou a falar que sabia o que tinha
acontecido na sala de estar. Mas ele não falou do assédio que eu tinha sofrido, mas
que eu tinha tratado, como se eu tivesse assim, insubordinação. Como se eu tivesse
tratado mal o meu chefe, que eu tivesse respondido, que eu tivesse... Aí eu fui dizer
que não era aquilo que ele tava falando, que foi outra coisa.
Duas versões?
Exatamente! Eu fui dizer que eu tinha...: “Tentaram me agarrar, tentaram me
violentar.” E aí ele foi, me segurou pelo braço e me disse que se eu quisesse me
traria para ser secretária dele. Aí eu olhei pra cara dele, olhei pro braço, puxei, não
é? E ele falou assim: “Você vai escolher esse caminho?” Eu falei: “Sim, senhor!”
Levantei e saí. Depois disso, era me chamando de burra, de incompetente, do
segundo andar do hangar e eu lá embaixo.
A sensação que você teve foi que ele repetiria o que aconteceu com o capitão?
Exatamente!
Ficou claro isso, não é?
Ficou muito claro. Ficou claro que eu teria que ser amante dele pra ter paz dentro do
Q1. E então eu fui procurar ajuda no hospital. Procurei uma psicóloga, pra conversar
com ela. Era uma tenente. E ela me escutava e fazia assim com os ombros [repetiu
o gesto com um levantar de ombros]. Levantava os ombros, tipo assim: “O quê que
eu posso fazer?” E aquilo foi me desesperando. Eu tinha medo de contar pros meus
pais, porque a minha mãe estava em depressão e o meu pai ia ficar com vontade de
matar um. E, na minha cabeça, era isso que ia acontecer.
Seu pai também é do Rio?
Do Rio. Todos estavam no Rio. Só eu que estava em Brasília, morando no hotel de
residentes [residentes dentro de uma Unidade maior que abriga outras Unidades
menores]. Lá tem um hotel de residentes. E foi passando o tempo, me transferiram
da parte de manutenção, assim, direta, não é? Pra biblioteca, porque estavam
alegando que eu estava maluca. Que eu estava falando coisa sem coisa. E aí eu
procurei o psiquiatra. Já que estão me chamando de maluca, não é? Eu fui procurar
o psiquiatra. E aí quando eu procurei o psiquiatra, ele falou: “E7, não temos o que
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fazer. O que eu posso te aconselhar é que você peça baixa [desligamento do serviço
militar] e volte pro Rio.”
Qual era o posto dele?
Tenente R2 [do quadro de oficiais temporários].
Ele disse pra sair da Força, porque ele não sabia como me ajudar. Só que eu não
tinha como fazer isso, porque eu tinha pessoas que dependiam de mim. Então, voltei
pra lá. Tipo entrava em pânico quando... horário do expediente começou. A minha
vontade era de ficar no quarto, trancada, e não sair de lá de jeito nenhum.
No hotel de residentes que era dentro do quartel?
Era só atravessar a rua e tava no Q1. Então, o quê que acontecia: se eu me
atrasasse, porque eu passei a ter dor de barriga nervosa. Diarréia nervosa. Dava o
horário do expediente, eu ia correndo pro banheiro. Aí eu chegava 15 minutos
atrasada, chegava vinte [depois de uma formatura de início de expediente em que
todos estariam presentes]. Foram me buscar no meu quarto.
Quem?
O meu comandante e o vice-comandante. Um coronel e um major. Eles iam me
buscar no meu quarto.
Você ligou pra ele dizendo que não poderia sair porque estava se sentindo
mal?
Eu avisava pro pessoal da minha seção.
Que estava indo, não é?
É! Que estava indo. Eu avisava. Mas assim, às vezes, eram coisas de minutos
mesmo. De não dar tempo de entrar em forma. Mas eu já tava no expediente, no
horário, sabe? Mas assim... eles foram ao meu quarto, bateram na porta. Eu tava
com outras sargentos que ficaram me ajudando, porque eu chorava. Então, assim,
as meninas eram do Q2 [Quartel 2 - unidade militar que sediava o Q1], porque o Q1
fica dentro da Q2. E elas ficavam ali me apoiando. Eles abriram e... “Porque que
você esta no quarto? O quê que está acontecendo?” Mas assim, rispidamente, não
é? “Você está pensando o quê? Que vai receber seu salário sem trabalhar?” Sabe?
Começaram a me agredir verbalmente mesmo. E as meninas falando: “Ela não está
se sentindo bem! Ela não está se sentindo bem!” E aí eu desmaiei. Desmaiei. Aí, fui
pro psiquiatra de novo, fui pro hospital. Comecei a ter..., tive diversos sintomas.
Diarréia nervosa, no meu período menstrual tinha um fluxo intenso e muita cólica.
Muita mesmo, de eu me abaixar assim, no chão, e não conseguir me levantar. O
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médico disse que isso tudo era reflexo do sistema nervoso. Então, assim, quando eu
voltei no psiquiatra mais umas cinco vezes, pedindo “Pelo amor de Deus, me ajuda,
que eu não sei mais o quê que eu faço!” Ele falou: “E7, eu vou te internar.” Por que
assim, os assédios se tornaram cada vez mais freqüentes. Eu tava numa biblioteca
sozinha, catalogando, não é? Os manuais, tudo mais. Daqui a pouco entrava alguém
e fazia com que eu ficasse numa situação que eu não tinha como sair da sala.
E quem era esse alguém?
Todos os oficiais. Depois ficou assim, parecia que era uma brincadeira entre eles,
pra quem ia conseguir perturbar mais “essa menina”. Então, parecia que eu estava
doente. Eu não podia mais falar mais com ninguém, porque a sensação que eu tinha
era que “Não, eu não posso mais me aproximar da E7. Senão vou ser prejudicado.”
Então, assim, o meu chefe na biblioteca, ele até demonstrou querer me ajudar. Ele
era capitão, também. Ele era capitão. Ele até mostrou que queria me ajudar. Ele era
capitão novo [com pouco tempo no posto de capitão]. Quando que entrei, ele era
tenente, depois foi promovido a capitão. Mas chegou a um ponto que ele chegou pra
mim e falou: “E7, não tem o que fazer. Não tem como te ajudar! Sabe? Foge...”
Estava acontecendo com ele a mesma coisa que estava acontecendo aos
graduados?
Com os graduados. Então, pra mim, assim, quando chegou ao limite foi numa vez
que o coronel me chamou no meio do hangar. Eu estava na minha sala, na
biblioteca. Ele me chamou do meio do hangar, começou a falar, chamou dois
oficiais, pra servirem de testemunha, no meio do hangar e começou a falar alto: “Eu
tô falando aqui pra você não ir dizer que tá ninguém te assediando, pra você não
dizer que tá ninguém querendo te agarrar. Mas você vai sair da minha Unidade.
Porque eu não vou admitir isso. Uma sargento que não quer trabalhar. Uma
sargento que não quer cumprir os seus deveres.” E começou, sabe, a falar coisas
assim, no meio do hangar.
No meio do expediente ou no início do expediente?
No meio do expediente, no meio do expediente. Pessoas trabalhando, passando pra
um lado e pro outro.
Você nem imaginava?
De modo algum! Porque eu tinha saído pra ir ao banheiro, só que o banheiro do
cassino [tipo de sala de estar dos graduados] estava impossível de usar. Conforme
eu comecei a usar, outras pessoas quiseram, também, a chave. Então, quando eu
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entrava no banheiro, tava assim uma imundice, com essas pessoas usando. Então
eu fui ao do meu quarto. Avisei pro meu chefe que eu estava indo no meu quarto.
Atravessei a rua, fui ao meu quarto, voltei. E nesse meio tempo, ele disse que me
procurou e que não me encontrou. E daí começou. Eu não podia ir ao banco, eu não
podia, sabe? Eu não podia ir à cantina comprar um bolo. Eu não podia fazer nada.
Que estão dentro do quartel pra poder facilitar. Pra evitar sair.
E o banco era dentro do quartel. Aí o psiquiatra foi e falou que iria me internar, pra
me proteger. Porque ele estava com medo de um assédio, assim, de um assédio se
tornar um estupro. Se tornar uma coisa mais séria. Aí ele conversou com o diretor.
Nisso ele já tinha passado pro diretor do hospital a minha situação. O diretor do
hospital se sensibilizou. Eu fiquei internada durante 40 dias. E eu fiquei 40 dias
internada, como seu eu fosse maluca, não é? Só que eles não podiam me manter
internada lá, porque não tinha núcleo de psiquiatria.
Você toma algum remédio?
Tomei. Eles me dopavam mesmo, me dopavam mesmo.
E ai eu vim transferida pro H1 [hospital militar 1], aqui no Rio. E tinham alguns
psiquiatras, mas eram, na maioria, novos.
Você veio transferida do H2 [hospital militar 2]?
Do H2. Isso.
É pro H1, porque não tinha um Núcleo de Psiquiatria lá. Não existia?
Não, não tem. Só tinha um psiquiatra.
Só tinha um médico?
Eu fiquei numa, assim, dentro do hospital na área de psiquiatria.
E aqui tem o núcleo?
Porque no H1 tem, tem um núcleo. E tinha um dia da semana, que se não me
engano, era às quartas-feiras, tinha uma espécie de junta, pra mim, assim. Juntavam
vários médicos, numa mesa de reunião, me chamavam pra eu falar sobre o que
tinha acontecido, porque que eu surtei. Sabe? O quê que estava acontecendo. O
quê que acontecia comigo em Brasília. Só que sempre antes dessas reuniões, me
dopavam de remédio.
Como é que você ia falar?
Como é que eu ia falar alguma coisa? Como é que eu ia me defender? Porque eram
muitas acusações, mesmo dos psiquiatras.
Eles que faziam isso? Te acusavam? Como se fossem os oficiais lá do G.
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O quê que eles faziam? Porque o meu comandante, o coronel lá do Q1, ele ligava
pra saber como é que tava, o quê que estava acontecendo. Ele dizia que estava
“acompanhando” o caso, sabe? Isso eu só fui saber quando eu voltei.
Lá você chegou a surtar?
Surtei. Surtei assim, numa das vezes que eu voltei para prataria, em Brasília, eu
falei: Tenho que ir pro quartel.
Na internação ou não? Antes da internação?
Antes. Eu tenho que ir pro quartel. Peguei o ônibus errado, que não eu não tinha
carro, ia de ônibus, ai eu saltei no shopping e falei: “Gente, eu tô sem noção. O quê
que eu tô fazendo aqui?” Aí fui pro banheiro do shopping, tentar me acalmar e tal.
Só que, a partir daquele momento, parecia que, assim, tinham limpado a minha
memória e eu me sentia com 16 anos de idade.
Rio ou Brasília, você estava onde?
Em Brasília. Não, eu peguei o ônibus errado da Rodoviária de Brasília pra minha
casa, pro quartel. E eu assim: O quê que eu faço agora? Eu olhava pra carteira e
não entendia porque que eu tinha cartão de crédito. Era como se eu tivesse voltado
no tempo. Eu fui ao orelhão, meu pai já estava desempregado, porque ele já tinha
perdido o emprego, eu ligava pro trabalho dele que ele era empregado na época que
eu tinha 16 anos. E eu fiquei desaparecida pras pessoas, porque eu não sabia onde
buscar ajuda, porque os telefones não existiam mais, durante dois dias.
Eles queriam que eu dissesse que a culpa de tudo que estava acontecendo era
minha.
Então, na verdade o núcleo do H1 não estava te dando um tratamento, um
acompanhamento.
Não! Eles só me dopavam o tempo que eu tivesse que ficar lá, até que o H1 me
chamasse de volta.
É o major que é o chefe de novo.
Já era o major, na época. Já era o major.
E eu já fui atendido por ele. E ai? O quê que aconteceu com essa junta? A
gente esta na trajetória, ainda, profissional. Depois eu vou fazer algumas
perguntas.
E eu fiquei o tempo que determinaram, não é? Que foram os quarenta dias.
Lá em Brasília? Não! Aqui no H1?
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No H1. Depois desses 40 dias, eu voltei pra Brasília ainda desesperada. Porque eu
ficava assim: O quê vai me esperar agora lá?
E te deram que laudo lá? Qual foi a junta? O resultado da junta, aqui no H1?
Depressão. Que eu manipulava a verdade.
E te liberaram para o trabalho?
Aham! E me liberaram sem tirar serviço, sem contato com arma. E aí voltei pro H2. E
estava desesperada, não é? Aí no H2, o coronel... fiquei internada no H2.
Te levaram de ambulância?
Eu fui de aeronave e lá, quando cheguei a Brasília, eles me buscaram de
ambulância. Só que era assim: eu fui numa aeronave, então eu cheguei lá no
ambiente do Q1. Então, assim, no momento que eu desci, tinha uma enfermeira que
me acompanhou quando eu entrei na aeronave e quando eu saí, e ela olhava pra
mim e falava... Lembro o nome dela até hoje, porque teve muita coisa que eu
apaguei da minha memória.
Que era uma sargento, não é?
Uma sargento, a Maria. E ela me acompanhou. Porque assim, quando eu estava no
H1 ainda teve um enfermeiro, sargento, que me assediou. Como assim? Eu sei que
eu não sou nenhuma modelo.
Sabendo que você estava ali por causa daquilo?
É! E, assim, e ela ficou do meu lado, sabe? Falou... Porque quando você é
assediada, você tem uma sensação de culpa, sabe? Como se você fosse culpada
daquilo, como se você desse brecha para aquilo acontecer. O que não é verdade,
mas é essa a sensação que você tem. Como se você merecesse ser punida.
O constante assédio, ele te leva a pensar que você realmente é aquilo tudo que
eles dizem que você é. Exatamente! Quando você não é.
Então, assim, quando ele me assediou, quando o enfermeiro me assediou, era como
se fosse a culminância. “É, realmente, eu devo ser uma vagabunda. Eu não devo
valer nada. Eu tenho tudo isso de errado.” Então, a Maria, ela ficou sempre ali do
meu lado, falando: “Não é isso. Você vai voltar pra Brasília, você vai ter a sua vida
normal.” Sabe? Ela me ajudou muito. Ai, quando ela viu, quando eu cheguei a
Brasília, que ela me acompanhou até Brasília e depois ela voltou com a aeronave.
Quando eu cheguei a Brasília, que eu cheguei à Q2, e as pessoas que estavam lá
pra dar apoio ao co-piloto, pra aeronave, os mecânicos, os oficiais que estavam de
serviço, começaram a me tratar com ironia, começaram a: “Ah, você que é a
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sargento que está dizendo que todo mundo está te agarrando?” Sabe? Essas
coisas. Ela: “Eu to entendendo um pouco de tudo que você contou pra gente.”
Porque eu desabafava com ela, não é? Ai eu voltei pro H2 e no segundo dia o
diretor do hospital, que agora é diretor do H1, ele foi ao meu quarto. Aí, eu lembro
que ele entrou no meu quarto, me viu e falou: “Nossa, realmente, você é muito
bonita! Agora eu tô entendendo.” Eu lembro que ele falou assim. E não falou nada.
Saiu. E um tio avô meu, que mora em Brasília, me ajudou muito, foi um pai pra mim,
foi atrás dele, conversar com ele pra ver se conseguia uma ajuda. Aí conversando
com meu tio, ele falou: “Não, a sua sobrinha não vai mais voltar pro Q1. Eu já fiz um
acordo com eles, ela vai servir agora aqui no hospital.” E eu passei a servir no
hospital, na seção de informática. E pra mim foi tipo assim, foi um lugar de
descanso.
Alívio, não é?
Foi um alívio. Era pra eu esperar a transferência pro Rio.
E lá tinha outro ambiente, tinham outras meninas, não é?
Muitas mais mulheres. Eu ficava assim: “Gente, é tão bom ter mais mulher pra
conversar. É tão bom não ser o centro, não é?” Ser aquele “foco”, aquela coisa toda
em cima de você. E ai eu esperei o tempo pra voltar pro Rio. Vim pro Rio, tô hoje no
Q3 [Quartel 3]. Digamos que está bem mais tranqüilo.
Aquilo que acontecia no Q1 não aconteceu no H1? Perdão, no H2 e não esta
acontecendo hoje no Q3?
Aconteceu um pouco, mas também nada de mais, no período que eu trabalhei no
helicóptero.
Foi no Q3, não é?
No Q3. No hangar de helicópteros. Porque eu acho que o problema maior é o
ambiente de hangar, que é mais masculinizado. Então, eu entrei de novo no
ambiente de hangar e voltou um pouco o assédio. Mas eu já era mais madura, eu
sabia me impor. Então, assim, a pessoa vinha falar uma gracinha, eu já... Eu me
tornei até muito grossa, por culpa disso. Por culpa disso eu me tornei bem grossa.
Eu me tornei bem grossa por culpa disso, sabe? Mas foi um mecanismo de defesa
que eu criei. Eu não, simplesmente, hoje em dia, eu não consigo criar uma amizade
dentro do ambiente de quartel. Eu não consigo, entendeu? Eu posso até gostar das
pessoas, e gosto mesmo, mas eu não consigo assim: “Ah! Vamos lá em casa?” Não
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consigo, sabe? Se eu encontrar alguém do lado de fora, na rua, no shopping, eu fico


torcendo para não me ver. De quartel? De quartel!

Quais foram e quais são as suas responsabilidades dentro da sua função?


Na época do assédio eu trabalhava como técnico em eletrônica, na área de
aeronaves. Então, era manutenção de painel, era manutenção da parte eletrônica da
aeronave mesmo.
E hoje?
Hoje eu trabalho na secretaria de direção do Q3. Então, estou como administração.

Com respeito às responsabilidades assumidas, você até acabou já


respondendo a essa pergunta que eu vou fazer. Alguma situação de pressão
além do normal?
O serviço no hangar é um serviço atípico. Você fica de sobre aviso, então, você esta
lá na sua caminha dormindo às duas horas da manhã, te ligam pra que você tire a
pane de uma aeronave, porque ela vai ter que sair na manhã, no mesmo dia, não é?
Na madrugada. Então, assim, já existe uma pressão muito grande em cima de você
normalmente. Não era só eu que tinha problemas, vamos dizer assim,
“psiquiátricos”. Colegas que também estavam na mesma situação que eu, também
tinha problemas por culpa dessa pressão. Tinham que viajar muito. Eu não viajava,
porque eletrônica não viaja. Mas o mecânico mesmo, por exemplo, viajava muito,
ficava longe da família. Muitos divórcios sabe? Era um ambiente bem difícil. Só que
assim, a pressão em mim começou a ficar complicada porque eu tinha que: “Eu vou
mexer numa aeronave”, mas eu tenho que me preocupar com como eu vou subir na
aeronave, como eu vou me abaixar para ver no o quadro dos disjuntores, como é
que eu vou me portar numa sala de aula, porque se eu perguntar alguma coisa...
Chegou ao ponto que eu não perguntava mais. Sinceramente.
E ficava com as dúvidas?
Ficava com as dúvidas e não rendia bem em sala de aula. Tirei notas baixas. Acho
que foi a primeira vez na minha vida que eu tirei notas baixas. Mas assim, a pressão
era mais por isso, porque tinha essa diferença. Tinha. No dia internacional das
mulheres eu recebi flores, me chamaram na frente da tropa, sabe? Teve um... Ah
poxa, legal! Fizeram uma homenagem, fizeram uma homenagem. Mas assim, não
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tinha aquele fundo de “Ah, parabéns por você estar aqui!” Não. Já que tem uma
mulher aqui, vamos homenagear por que...
Politicamente correto, não é? Exatamente!
E hoje, nas suas responsabilidades assumidas? É igual?
Não, totalmente diferente. Eu estou trabalhando com a parte burocrática, então é
confeccionar documentos para o diretor, que envolvam à direção, é recepcionar as
pessoas, atendimento de telefone.
Mas uma pressão acima do normal?
Tem pressão também, porque eu lido direto com o comandante do Q3, não é? Então
assim, se eu deixei de dar um aviso importante. O telefone vermelho tocou, o
comandante não estava lá. Às vezes um outro comandante, que esta do outro lado
da linha não está querendo falar com uma 3S [Terceiro Sargento]. Então, ele não vai
te tratar tão bem. Então, tudo isso você tem que ter jogo de cintura, não é? E nisso
tem uma pressão, sim. Eu chego, quando esta no expediente normal, eu chego ao
trabalho seis e meia da manhã, porque ele chega sete e vinte, e eu tenho que estar
com as coisas organizadas quando ele chegar. E tem dia que ele sai de lá 10 horas
da noite, oito horas.
Vou te fazer uma pergunta que me veio agora, porque na verdade é possível
isso acontecer. Não é uma pergunta especifica. E a sua transferência, agora lá
do Q3, lá do hangar para a secretaria, foi por quê?
Então, primeiro, quando eu fui pro Q3, eu fiquei...
Quanto tempo você esta no Q3?
Desde 2005. Só fiquei dois, três anos. Três anos em Brasília e vim pro Rio, por
interesse particular. E quando eu cheguei ao Q3, eu fiquei na seção de eletrônica,
mas assim, bancada. Só que eu sempre me saí bem, acho que por ter trabalhado
como secretaria antes, no meu civil, eu sempre me saí bem com computador, com
lidar com as pessoas, essas coisas assim. Então, até quando eu estava na seção de
eletrônica, na bancada, o meu antigo chefe em Brasília no H2, na intenção de me
ajudar, mas é obvio que era meu encarregado, ele ligou pro chefe da seção de
eletrônica e fez uma serie de propaganda. E nisso eu me tornei a secretária da
seção de eletrônica. E daí eu fui pro hangar, porque teve a modernização da
aeronave. E aí precisavam de eletrônica e eles foram remanejando. Aí eu fiquei na
área de manutenção. Quando começou a esfriar um pouco essa coisa de
modernização, já me jogaram pra secretaria da seção. Então assim, por eu ter certa
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facilidade as pessoas “ah E7, tem que mexer no sistema tal!” Como um sistema de
manutenção. “Coloca a E7 pra mexer, que ela faz mais rapidinho e depois a gente
volta pro helicóptero.” Então eu acabava indo pra parte burocrática sempre. Nisso
que eu me destaquei... Nisso de eu ficar sempre me destacando, a secretaria da
direção ficou interessada. Um suboficial, que já tinha trabalhado comigo, foi
convidado para trabalhar nesta secretaria. E aí pediram para ele indicar alguém, ele
então me puxou. Então não tem nada a ver com o assédio? Não, o assédio não.

Conte um episódio marcante e positivo na sua trajetória profissional.


Positivo. Bem, mais recentemente, na secretaria da direção, eu gostei de humanizar
um pouco a seção. Porque lá a gente sofre uma seção muito grande. Então, a
primeira idéia que eu tive foi “aniversário semestral”. A gente juntava todos os
aniversariantes do primeiro semestre e fazia uma festinha, porque não tinha como
fazer de mundo, porque a gente não tem disponibilidade de tempo. Mas foi um
aspecto positivo. Nessa época do trauma, um aspecto positivo foi a minha
transferência pro H2. Porque quando eu trabalhei na seção de informática, eu
também me senti bem. Porque assim, a sensação de sentimentos bons, sabe?
Produzir? De produzir, e ter o meu trabalho reconhecido. Reconhecimento.
E eu fiquei assim, não puderam colocar na minha folha as alterações, que eu fiquei
encarregada da seção, porque eu ainda era 3S recém formada. Então eu fiquei
como assistente, não é? Mas eu fiquei na função de encarregada muito nova. E eu
fiquei feliz por poder desempenhar bem isso, sabe? A seção era eu, um cabo e dois
soldados. E o nosso chefe era um major que era assim, primeiro logística, mas era
fora de série, porque ele não vivia só a realidade militar. Ele tinha a clínica dele lá
fora, ele tinha. Então: “E7, eu confio em você. Pode fazer.” Me deu carta branca par
ir direto falar com o coronel. Dava autonomia?!
Então isso foi bom pra mim, que eu recuperei a minha auto-estima, não é?
Então, isso foi... Não acontecia isso no Q3, essa reunião aí de aniversariantes
do semestre? Na seção da Direção, não. Na seção?
Na seção da direção não. Era tudo muito automático. Só ficava naquela pressão do
dia-a-dia e foi bom quebrar um pouquinho... Só que agora eu estou com depressão
de novo. Estou me recuperando, graças a Deus. Foi até motivo de o Pastor Neil
saber que eu fui assediada, foi porque voltou esse quadro de depressão. Acredito
hoje que eu estou mais calma, que isso voltou porque teve um dia que eu precisei
97

voltar, até pra dar apoio ao meu marido, porque ele estava doente. E o diretor do Q3
ficou invocado, porque ele não gostou [referência a uma falta de expediente]. E no
dia seguinte ele me chamou na sala dele, no gabinete, e eu fiquei trancada com ele
no gabinete. Então, isso já me deixa nervosa. Você lembrou o que aconteceu.
E ele falou comigo mais rispidamente, incisivamente. Então, assim, me reportou pra
aquilo. Então eu acho que, assim, vai juntando a outros fatores também, não é? Da
nossa vida. Então aí eu acho que tive aquela recaída, sabe? Hoje, mais calma, eu
estou conseguindo enxergar isso. Voltou aquele episódio, então, eu acho que eu
fiquei deprimida de novo por culpa disso. Mas eu já estou me recuperando. Mas por
culpa disso, de eu ficar deprimida e ter recebido 30 dias de dispensa, o mesmo
oficial que me chamou... Agora, estou vivendo isso agora. Eu estou nos trinta dias
de dispensa. O mesmo suboficial que me convidou pra ir pra direção, já me
transferiu pra outra seção. E você não está lá ainda?
Não estou lá. Eu fui lá entregar a minha dispensa e ele não olhou pra mim, sabe?
Não demonstrou nada. E a gente sempre tratou um ao outro muito bem. Mas ele não
olhou pra mim e falou: “E7, isso aqui é o complemento das outras dispensa, não é?
Aproveitando que você apareceu, (sabe, aquela coisa!?) o diretor já me autorizou,
você não trabalha mais na direção. Eu vou pedir pra você desocupar a sua mesa.”
Não falou nada, não explicou nada. Então isso foi até o motivo de eu ficar “tristinha”
de novo... Eu acho que isso é compreensível. Mas já não estou na direção. Não sei
aonde eu tô agora. Não sabe? Não sei. Tá bom?

Destaque um episódio frustrante e negativo. Se você já puder voltar a algum


episódio, quiser aprofundar ou falar outro. São vários, não é? Você acabou de
me contar um episódio frustrante aqui.
É. O mais recente foi esse. Porque assim, eu acho que isso foi um preconceito, não
é? Com relação a minha pessoa que esta passando por depressão. Ele sabe desses
quadros de assédio que eu sofri, porque ele se tornou um colega de trabalho, um
amigo mais próximo. Então assim, quando eu fui transferida pro helicóptero, ele
trabalhava comigo na seção de eletrônica, a primeira que eu fui trabalhar, não é?
Então ele, quando falaram assim: “E7, você vai ter que ir pro helicóptero.” Aquele
ambiente de hangar, macacão, tudo de novo. Então, eu fiquei assim: “Ai, de novo o
assédio? Dor de cabeça. Vou ter que lidar com tudo isso de novo?” Então, eu
comecei a chorar e ele não entendia o que estava acontecendo. Então, eu contei pra
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ele aquilo que tinha acontecido comigo. Então, ele sabe que eu tenho um histórico,
ele sabe que eu passei por isso. Mas que assim, independente disso, eu
desempenho bem o meu trabalho. Eu acho que prova disso é que eu fui convidada
para trabalhar na direção do Q3. Então, assim, foi ele que me convidou, então.
Assim, é porque eu estou num momento ruim mesmo. E foi frustrante assim. Poxa,
enquanto eu estou lá trabalhando de seis da manhã até dez da noite, está bom. Mas
aí no momento que eu estou com o meu problema, que eu estou precisando de
ajuda, que estou precisando de um apoio, eu não tenho nem um pouquinho disso?
Nem pelo menos um “Vou esperar você voltar e aí a gente vê o que a gente vai
fazer.” Não é?

Como é que se dão as relações com os subordinados, pares e superiores?


No Q1 eu não tinha muito contato com os soldados e cabos não. Eu tinha mais
contato com os sargentos mesmo e com os oficiais. Os sargentos, assim, os
graduados, que tinham se formado há pouco tempo, que tinham, sabe? E até os
suboficias, só que alguns que só que acho traziam em mim a imagem da filhinha, da
irmã, sabe? A irmã mais nova, alguma coisa assim, me tratavam bem, me
respeitavam. Alguns me respeitavam muito com aquela imagem de mulher frágil. O
que não me agradava também, mas pelo menos não existia o assédio. Eu só tinha
que provar que podia trabalhar, então, até aí eu já esperava por isso, quando eu fui
pro hangar. Mas os “antigões”, os primeiros sargentos, até os segundos sargentos
que tinham mais tempo de casa, que geralmente, hoje eu tenho discernimento para
conseguir entender, enxergar isso... Que geralmente tinham um histórico no
casamento frustrante, que teve problema no casamento, que não tem uma base
familiar boa, que a grande maioria lá passa por isso, que é um stress muito grande
você deixar a sua esposa e seus filhos numa cidade diferente. Porque a maioria não
é brasiliense, a grande maioria. Acho que tinha um no hangar, dois que eram
brasilienses. Então, assim, a esposa estava num ambiente diferente, ele só podia
chegar a casa pra dormir, acordar e voltar pro trabalho. Então, assim, passava dois
anos no quartel e daqui a pouco a esposa já queria sair de casa, já queria voltar
para o Rio de Janeiro, ou pra Fortaleza, ou de onde tivesse vindo. Então, assim,
esses graduados, eles tinham um comportamento muito mais agressivo comigo. Se
eu falasse alguma coisa na reunião de início de expediente, porque sempre tinha as
delegações de funções no início do expediente, “Você vai trabalhar na aeronave tal.
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Você em tal”, se eu falasse alguma coisa, era motivo de piadinha. “Ô, E7! Não tá
bom ser só bonita, não?” Sabe? Uma coisa pra dizer assim, que tem que ser burra.
Não tem que falar nada, fica quieta na sua. Ou então, ia mexer na aeronave e falava
uma gracinha entre outra, não é? Chamar a atenção um pouco. “Poxa, você não
janta aqui, não é? Um dia a gente podia sair pra jantar.” Isso enquanto estava
fazendo a manutenção. E aí eu vou mexer em alguma coisa: “Ah não. Pode deixar
que eu faço, pra não quebrar a sua unha.” Sabe? Eu não tinha mais unha. Como?
Não tinha mais. Mas os oficiais, eles sempre me tratavam com muita distância. Se
eles me chamavam, no início, eles me chamavam com toda uma tropa. Sabe? Era
“Vamos conversar com a E7? Então, ta! Vamos conversar com ela, mas vamos
chamar então toda a equipe de eletrônica.” Aí ia toda a equipe de eletrônica e os
meninos ficavam assim “Eu não sei o que eu estou fazendo aqui. Porque eu vi que
ele está querendo falar com você.” No início, eles chamavam todo mundo. Depois,
eu fui assim, as pessoas foram pedindo transferência, então, na parte de eletrônica
eu fui ficando uma das mais antigas. Porque ninguém quer ficar no Q1. Então,
moderno se torna antigo rápido. E começavam a me chamar pra reuniões, que eu
tinha que ir como responsável da parte de eletrônica mesmo. Só que aí nessas
reuniões, eu comecei a sentir que do chamar muita gente, eles começaram a ver
oportunidade de ter um assédio, de jogar uma piadinha e convidar pra conhecer o
novo restaurante que abriu no Eixo Monumental. Então, assim, eram desde... Eram
assim, quando eles só falavam comigo... Assim, eu me lembro de um major que
chegou pra mim, a gente o chamava de “cara de raquete”... Então, assim, eu tinha
virado a noite, eles tinham me acionado 11 horas, a aeronave só foi chegar as duas,
eu fiquei trabalhando na aeronave até sete horas da manhã. E aí o responsável pelo
hangar bateu nas minhas costas e falou assim: “Vai trocar de roupa, (porque eu
tinha que colocar o uniforme de educação física, porque tinha uma gincana no
hangar. Eu tava de macacão). Vai trocar de roupa e volta pro expediente.” Eu fiquei
pensando como eu ia ficar de pé no expediente, não é? Mas tudo bem. Fui lá,
troquei de roupa, porque eu não podia dar motivo, senão era um novo stress. E aí,
depois da gincana, que eu tive que jogar futebol, eu tive que jogar basquete com os
homens. Aí, depois daquilo, fui trocar de macacão e tal. Ai o major veio pra mim:
“Parabéns!” Aí eu fiquei, não é? [expressou cara de espanto] “Que parabéns?
Porque parabéns?” “Isso mesmo, parabéns! Segundão, 24 horas no ar!” Esse é tipo,
assim, o grito de guerra do esquadrão. É o segundo esquadrão, aí chama
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“segundão”, 24 horas no ar. Aí bateu no meu ombro assim. Aí eu fiquei assim,


“Obrigada major, pelo reconhecimento.” Fiquei feliz por aquilo. Aí ele olhou e falou
assim: “Isso mesmo. Agora volta a trabalhar, porque mulher parada não vale pra
nada!” Cara sensível. É! Deu com uma mão e... É, eles não tinham assim, um
elogio, um reconhecimento. Era só agressividade física... Verbal, não é? Se fosse,
porque no regulamento, a gente primeiro tem que ter advertência verbal, pra depois
ser punida, não é? Se fosse falar por isso, sei lá quantas advertências eu já tomei.

Essa relação hoje, com os subordinados?


Tranqüilo. É diferente, porque agora você tem mais acesso aos soldados, não
é? Tranqüilo. Os soldados que trabalham comigo me adoram, me chama de irmã
mais velha.

E os pares?
Também. Não tenho problema, hoje em dia, não tenho problema com ninguém não.
Gracejos acho que toda mulher escuta. Não tem o que esperar de diferente, não é?
Mas as pessoas me respeitam pelo meu trabalho, eu sinto isso. Os oficias
reconhecem que eu trabalho bem. Freqüentemente eu escuto: “Nossa, E7! Você
ainda esta aí?” Mas sempre rindo, mas sempre fazendo as coisas, sabe? Então, não
tenho que reclamar. Não tenho hoje em dia...

Os Oficiais, também?
Os oficiais. Os oficias que, eles chegam à seção e... “Nossa, ainda está aí?” Sabe?
“Poxa, ainda está aí? Está trabalhando muito. Por isso que eu gosto de você.
Qualquer coisa que a gente te pede você procura fazer. Você é uma ótima
funcionária.” Sabe? Hoje eu recebo elogios. Não do meu chefe, de quem está de
fora. O comandante mesmo não é de... Elogios... Faz uma gracinha ou outra assim,
fala uma coisinha ou outra, mas não é muito. Ele é mais “fechadão”.

Como eram as suas práticas de gestão e como são hoje?


Eu acho que, principalmente, o quê pra mim mudou muito foi a parte humana, a
relação social. Assim, mais. Porque antes eu tinha um trabalho assim, por mais que
fosse coletivo, eu tinha uma equipe que deveria me ajudar, eu tinha uma equipe a
prestar contas, não é? No hangar. Mas eu tinha muito que fazer as coisas sozinha,
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provar que estava certa e que realmente tinha razão. Eu estava falando que o quê
eu senti mais a diferença em relação à gestão foi a parte humana. Que antes eu
tinha que, apesar de ser um trabalho coletivo, eu tinha que ser individualista. Não
podia demonstrar nada e não podia tentar melhorar o meu relacionamento com os
meus colegas de trabalho, com ninguém. E hoje em dia eu lido com todos, desde o
soldado ao oficial e eu procuro melhorar sim. Eu gosto de..., se eu vou fazer um
documento para um soldado que me pediu ajuda da seção ao lado, eu vou fazer
com a mesma dedicação do que pra um oficial ou o diretor me pedir. E eu gosto
disso, porque assim, isso é gestão. É reconhecer o trabalho das pessoas que
trabalham comigo. É falar: “Poxa, vamos comemorar porque a gente esta fazendo
um bom trabalho.” E eu senti assim, depois que eu fui pra direção, eu quebrei um
pouco isso. Eu posso dizer isso da minha experiência, de todas. Quando eu cheguei
à informática no Q2, eu consegui uma reforma na seção, porque a seção era muito
pequena para a gama de trabalho que tinha. Então, eu perturbei, perturbei os oficiais
da parte administrativa pra conseguir e eu consegui incentivar que os soldados
fizessem cursos, pra não estagnar, porque eles ficam muito no “Ah, to recebendo um
dinheirinho agora. Vou gastar, vou gastar.” Eu consegui, que um conseguiu um
serviço público em Brasília. Ele esta bem hoje, graças a Deus. O outro passou pra
sargento. Eu fico brincando que todos os soldados que trabalham comigo tem que
passar para alguma coisa, senão eu não fico satisfeita... Mas eu não trago pro
pessoal.
Como assim?
É, eu não convido pra minha casa. Não marco de ir ao shopping. Não marco de
almoçar fora. Então, a prática de gestão é sempre tornar o ambiente agradável,
não é? E antes era mais uma coisa mecânica. Meio que em grupo, mas cada
um com as funções. Cada um por si... E talvez até por conta da... E querendo ate
puxar o tapete. Eu acho que é mais comum dentro daquele ambiente. Dessa
área.

O quê você entende por assédio moral?


Assédio moral, pra mim, de tudo que eu falei, um exemplo ótimo foi o comandante
do Q1 me chamar no meio do hangar e me diminuir na frente de todos. Eu acho que
assédio moral é qualquer coisa que, seja um amigo seu de trabalho, um colega seu
de trabalho, mesmo que seja um sargento, como eu, ou um oficial, que tente diminuir
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a minha pessoa ali dentro. Tente diminuir a minha função, que tente me colocar
como inferior a qualquer um ali.

Que situação você definiria como Assédio Moral dentro do Quartel?


Eu acho que um assédio moral que não acontece nem tanto mais comigo, já
aconteceu, mas não acontece mais nem tanto mais comigo. Mas que eu vejo muito
acontecer com soldado, com cabo. É as pessoas pensarem que, por exemplo, como
ele é soldado, ele é cabo, ele não tem direito a ter o horário de sair, pra ir fazer a
faculdade dele. Ou que ele tem a obrigação de sair correndo atrás de um documento
que você esqueceu na sala, lá em cima. Você pode pedir isso como um favor, que
até eu faria por um soldado, se ele me pedisse. Ele me dissesse: “Poxa, eu estou
enrolado aqui. Eu preciso disso.” Eu vou lá rapidinho pra pegar o documento. Mas
colocam de uma maneira, assim, e diminuem os soldados. Colocam como se “Você,
que não é nada! Você não faz nada aqui mesmo.” Eu já escutei muitas vezes isso.
“Você não faz nada aqui mesmo, vai lá. Vai lá em cima e pega um documento que
está lá em cima.” E por muitas vezes, esse soldado tem uma função ou exerce uma
atividade de muito mais responsabilidade do que um oficial, um sargento. Esta numa
pressão muito grande diária. Então, eu acho que um exemplo de assédio moral
diário na Força. É não considerar a importância da pessoa. Da pessoa. Ou das
suas funções, mesmo. Você já viveu assédio moral, não é? Já!

Que sentimentos você experimentou?


Quando eu comecei a viver a realidade militar, na escola, não é? Ainda na escola. A
gente já vive assédio moral. A gente já vivencia umas coisas que, pra quem não está
acostumado com o meio militar, é bem chocante. E eu não entendia. Eu lembro que
quando eu cheguei à escola, eu fiquei tão invocada com aquilo tudo. Eu me senti, eu
tenho muito disso, parece que eu crio uma imagem na minha cabeça, assim, cômica,
em cima do que está acontecendo. E quando eu estava chegando cheia de bolsa,
porque a minha mãe me fez levar quatro bolsas de viagem, cheias de roupa de
cama, de papel higiênico, um exagero. E quando eu cheguei lá, aquela confusão,
tentando carregar as quatro bolsas, e os sargentos gritando, batendo na gente com
umas varetinhas. E eu me sentia passando por eles com um monte de militares de
pé, mas com uma cara de jumento. A sensação que eu tinha era isso. Que eles
estavam relinchando alguma coisa pra mim. Porque falavam, sabe? Aquela coisa
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assim de... Pra que isso? Sabe? O quê que vai acrescentar? E eu depois fui
assistindo e eu até me tornei, os meus colegas de turma me chamavam,
ironicamente, de Madre Teresa de Calcutá. Porque todo mundo que se machucava,
eu ficava ajudando. E isso pra mim foi uma válvula de escape. Eu achava aquilo, eu
via tantas coisas que eu considerava injustas, sabe? Uma pessoa que tinha
dificuldade de se adaptar a aquilo ali, não tinha a apoio de ninguém. E, por mais que
os sargentiantes [uma espécie de sargento encarregado] tivessem a obrigação de
estar ali pra ajudar a gente, não era isso que era a verdade. Então, não tínhamos
bebedouro no alojamento feminino, era só no masculino. E depois de certo horário, a
gente não tinha acesso ao alojamento masculino. Então, a gente tinha que beber
água da bica. Então, sabe? Essas coisinhas assim iam me frustrando. E eu busquei,
teve uma colega que se machucou logo nos primeiros dias, eu queria era carregar
as muletas, eu queria, sabe? Então, o que eu sentia era raiva, sabe? Inicialmente.
Só que como aquilo estava me fazendo mal, “Eu vou então tentar ajudar como eu
puder”. Pra amenizar? Isso. Foi a minha válvula de escape. No início pra mim era
indignação. Era raiva. Eu chorava, eu ligava pro meu pai e chorava, mas às vezes,
de raiva. Sabe aquela coisa bem de adolescente mesmo? Injustiça... Não é nem
injustiça, eu achava aquilo um absurdo. Como é que uma instituição de ensino não
dava apoio aos seus estudantes? Eu achava aquilo absurdo. Talvez até por isso que
eu tenha procurado a pedagogia. Mas quando começou a acontecer comigo, no
início era raiva, indignação. Depois foi se tornando medo, muito medo.

Do ponto de vista da vítima, que você presenciava lá, colega, o quê que ele
sentia? O que você acha que ele sentia?
Olha, teve um episódio logo no início, que eu cheguei. Um colega nosso tava
doente, aí eles moravam juntos, porque quando eles moram em outro estado, assim,
geralmente fazem isso, dois sargentos alugam uma casa, três sargentos alugam
uma casa e moram juntos. E esses dois colegas moravam juntos e um deles
começou a passar mal, o que tava bem ligou avisando que ia levar pro hospital e
tudo mais. Eles chegaram, ainda estava no horário de educação física, não foram
fazer educação física. Um não estava se sentindo bem e o outro foi na intenção de
fazer companhia, caso precisasse de alguma coisa. Por isso eles foram punidos e
ficaram presos durante cinco dias. Porque faltaram a educação física. Presos.
Presos mesmo? Na cadeia? Ou detidos? Detidos. Detidos. Sargentos? Isso!
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Ficaram dentro da Q2, não é? No caso, no hotel de trânsito, não é? Durante cinco
dias. E a minha seção, que esses dois sargentos eram da minha seção, a sensação
que eu tinha é que eu estava em meio a adolescentes revoltados. Porque todos eles
tinham uma sensação assim de, eu no início ficava até tentando mudar isso neles,
sabe? Era muita revolta. Porque era assim, trabalhar até tarde e no dia seguinte
estar ali de novo. Sem reconhecimento... Não ter reconhecimento. E quando
precisava, não é? Poxa, estava doente, o quê que ele podia fazer? Aí recebe uma
punição. Então, eles eram muito revoltados, muito mesmo.

Quais foram as suas principais reações como vítima?


Chorar. Chorei muito. Mas eu, no início, eu ainda tentava responder, sabe? Mas eu
fui me sentindo acuada. Eu fui me sentindo, sabe? Eu fui vendo que as pessoas que
tentavam me proteger, não conseguiam. Então, foi um sentimento de medo mesmo,
foi querer me isolar. A sensação que eu tinha era que eu estava entrando no hangar
e tinha uma bolha em volta de mim.

O quê mais lhe incomoda no assédio moral? E por quê?


O quê mais me incomoda? Eu acho que o que mais incomoda pra mim é a pessoa
não se colocar no seu lugar. É assim, é pensar assim; “Eu estou fazendo com ela
por ela ser uma coisa.” Sabe? Quando eu fui procurar ajuda do pastor, ele me falou
uma coisa, que antigamente as pessoas amavam as pessoas e usavam as coisas e,
hoje em dia, amam as coisas e usam as pessoas. Era isso que eu me sentia, sabe?
As pessoas me usando. E eu acho que até no assédio moral acontece isso. Porque,
se a pessoa te assediar moralmente, ela te considera uma coisa. Ela acha que você
é um mero reprodutor de trabalho. Que não tem coração, sentimento. Não tem
sentimento, não tem uma família que precisa de um apoio em casa, não tem um
esposo pra ficar doente e que vai precisar de você. E que não pensa nas suas
emoções dentro do quartel, dentro do trabalho. Então eu acho que é isso que me
indigna mais. O quê te incomoda mais é a pessoa não se colocar no lugar? Isso.
Eu acho que é isso.

Você já falou, mas como reagiu diante do assédio moral que você já
vivenciou?
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Eu fui me isolando. E hoje eu ainda me isolo muito. Assim, tenho muita dificuldade
em criar amigos. Mas eu fui me isolando, eu fui criando uma bolha envolta de mim,
eu não queria conversar com ninguém, porque a sensação que eu tinha é que
quando eu me abria pra alguém, quando eu falava o que eu estava sentindo essa
pessoa usava isso contra mim. Porque agiu dessa forma, não é? Porque as
pessoas usavam aquilo contra mim? E você se protegia delas. Foi o mecanismo de
defesa que eu criei. Eu me tornei mais agressiva. As pessoas quando me elogiam
hoje em dia, eu não consigo aceitar aquilo bem. Então, sabe? Se alguém... Como as
pessoas falam, as mulheres gostam quando passam pela rua e um homem faz um
elogio, mexe com o ego dela. Pra mim, é uma ferida. Então, pra mim, não mexe com
o meu ego. Pra mim, uma coisa é o meu marido chegar pra mim e falar: “Nossa,
você está linda!” Outra coisa é na rua falarem. Até porque não falam desse jeito com
a gente, não é?

Por quem já foi assediada? Você já falou que você foi assediada. Por quem?
Pelo chefe, não é?
Pelo chefe, pelo meu chefe imediato, no caso, que era o capitão responsável pelo
esquadrão. Pelos pares, também foi, inicialmente. Pelos pares, sargentos. Acho
que foi pelo hangar todo [risos]. Pelo médico, não é? Pelo enfermeiro. Pelo
enfermeiro, na época em que eu fiquei internada. E só!

Quais foram os principais sintomas apresentados em sua saúde?


Na minha saúde física, não é? Principalmente, assim, eu tive diarréia nervosa, eu
não conseguia, antes era só com relação ao Q1. Quando eu tinha que ir pro Q1, eu
sentia isso. Depois se tornou um pânico da cidade. De uma coisa micro, se tornou
macro. Eu saia de casa, ficava com dor de barriga. Eu passei também a ter cólicas,
com bastante intensidade. Meus períodos menstruais se tornaram um transtorno,
assim, muito forte. Emocionalmente, foi o isolamento. Foi dificultar qualquer tipo de
relacionamento, não conseguir trazer as pessoas pra minha vida particular. Isso me
agride muito, porque eu sou uma pessoa carinhosa, sabe? Então eu faço assim,
querer ser atenciosa, querer dar o carinho, querer demonstrar um tipo de afeição,
tudo bem, dentro daquele ambiente de trabalho. Mas é uma demonstração de
carinho. E aí aquilo choca com a defesa que eu acabei criando, de manter a
distância.
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Diante do assédio, o seu controle emocional, é afetado?


Eu, assim, antes de ser militar, antes de Brasília, eu era... Acho que chegava a dar
raiva de tão assim... Eu olhava as coisas com muita razão. Quando os meus pais se
divorciaram, eu que segurei a barra da minha mãe e da minha irmã. Eu que corri
atrás de um emprego pra sustentar a gente. Eu que ficava com o dinheiro da pensão
pra administrar, que a minha mãe não tinha equilíbrio pra fazer isso. E nisso eu
estava com 16 anos. É natural, meu. Tanto é que a minha família não se preocupa
tanto comigo quanto pela minha irmã. Não por mal, sabe? É assim: “A E7 se vira
sozinha.” Sabe? “A E7, ela sempre teve.” E depois que eu tive esses problemas
todos, não é? Em Brasília, esse assédio, esses traumas, não é? Eu perdi muito do
meu equilíbrio. Eu tive depressão naquele período, voltei a ter agora, por uma
coisinha. Que te lembrou alguma coisa. Que me reportou ao trauma.

Você acha que faltou alguma pergunta mais específica sobre assédio?
Não, eu acho que, assim, teve um episódio que eu vivi que eu não falei. Quando
começou o problema no hangar, ainda no mundo do Q1, que eu não estava e não
tinha ainda buscado o hospital. Tinha assim: O Q1, o esquadrão de manutenção,
que é o SM, e do lado tem o Q4 [Quartel 4], que também lida com aeronave. É o Q4
e o Q1 dentro do Q2. No Q4, tinha uma médica, que se tornou aeronavegante, que
viajava com o pessoal pra dar apoio médico. E tipo foi assim, “A gente não negou
assistência médica pra ela”, me encaminharam pra essa médica. E eu descobri que
existe machismo, nessa época pra mim foi uma descoberta, hoje eu já vi de vários
modos, existe também machismo vindo da mulher. Existe a ignorância, também,
vinda da mulher. Quando eu fui falar pra ela, quando eu fui explanar, só que já era
uma senhora, pra mim já era uma senhora, não é? Hoje em dia não tão senhora pra
mim. Mas na época eu olhava pra ela assim, como uma senhora, sabe? Já tinha o
casamento dela, era casada com um oficial, então, ninguém mexia com ela. E eu
contei pra ela o que estava acontecendo, e ela virou pra mim e falou: “Mas o que
você esperava? O quê que você esperava?” Tipo, fez queixa pro marido e foi logo
resolvido. Será? Ou não. Ou ela tomou o caminho contrário. Ou cedeu. É. Como
tiveram muitas na minha turma, que eu sei que sofreram assédio, mas que
acabaram cedendo. Que achou que foi o jeito mais fácil. Elas viram que lutando
contra não tinha jeito. A gente sabe por que vira “fofoquinha”, não é? Se dá muito
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bem em cima dos outros, como conseguir uma transferência em menos de um ano,
ou pra mesma unidade que o mais antigo foi transferido, não é? Ou conseguir fazer
pela Força uma lipo-escultura no seu corpo todo. Entendeu? Então a gente vai
vendo que tiveram essas coisas, mas essa médica, ela fez isso assim. Ela foi muito
machista sim. Eu fui pra ela querendo assim: “Que bom, uma mulher que vai
entender tudo que eu estou passando, que vai tentar me ajudar, sabe? Vai tornar
esse fardo um pouco mais leve, não é?” E quando eu cheguei lá, ela foi totalmente o
contrário. Foi ela que assinou o laudo que os oficiais do Q1 afirmaram ser você
a responsável. Eu que estava gerando tudo aquilo, eu que estava causando tudo
aquilo.

Você acha que as perguntas foram pertinentes?


Acho!

Gostaria de acrescentar alguma coisa?


Acho até que eu já falei muito, mas olha, pra mim assim, eu estava até falando para
o meu marido: “Será que eu vou conseguir falar nesse assunto sem chorar?” Que eu
sempre que falava nisso, eu chorava. Que bom. Que bom que você não chorou
ainda. Não chore! [risos] Não vou chorar, não. Mas pra mim foi bom, porque assim,
é um jeito de tipo, tudo isso que eu passei, não foi à toa. Pelo menos eu estou
ajudando em alguma coisa. Se isso for ajudar uma futura vítima disso, ou um
homem, também, que pode sofrer isso, mas, principalmente são mulheres, se
ajudar, já valeu à pena.

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