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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


PROF: MARCELO NATIVIDADE
ALUNO: IAGO RODRIGUES RIBEIRO
RELATÓRIO DE ESTÁGIO DE PESQUISA II

1 INTRODUÇÃO

Durante as atividades da disciplina de Estágio de Pesquisa II, minha pesquisa,


que se destinava anteriormente ao estudo de jovens que se declaravam como ateus,
sofreu uma alteração no sentido de não apenas focar-se nessa categoria em particular,
mas em abordar um grupo maior de pessoas que seria o dos que podem ser chamados
de sem religião. Essa mudança decorreu de uma ampliação da minha percepção sobre
esses indivíduos que foi resultado de várias conversas com o professor Marcelo
Natividade, meu orientador nessa atividade. A categorização de indivíduos sem religião
em nomenclaturas como ateu ou cético fornecem uma definição prematura de suas
identidades, algo que deveria ser verificado pelo discurso ou identificação pessoal dos
próprios sujeitos, sendo a utilização da categoria "sem religião" uma forma de propiciar
maior liberdade para perceber a subjetividade dessas pessoas.

As atividades de orientação dessa disciplina ocorreram no período de 2014.1,


sendo conduzidas com reuniões que aconteciam em períodos que variavam entre 1 a 2
semanas. Entretanto, devido a minha participação na disciplina optativa de Estudos
Avançados em Antropologia da Religião ministrada também pelo professor Marcelo
Natividade, foi possível uma constante orientação sobre leituras que em muito
contribuíam para a temática abordada pela minha pesquisa. Através dos textos, pude
obter dados sobre outras pesquisas realizadas com pessoas sem religião, inclusive
jovens e, além disso, alguns exemplos de como a dimensão da religião se reproduz na
modernidade. Algo que também foi passado é a experiência de pesquisa com histórias
de vida, presente no texto As Novas Guerras Sexuais, de Marcelo Natividade que será
importante para o meu trabalho uma vez que também me utilizo desse método para
obtenção de dados.

Outro aspecto que foi definido durante essa etapa do processo de orientação foi
o campo a ser explorado nessa pesquisa. Devido às impossibilidades de trabalhar com
uma área muito extensiva ou de analisar discursos de um número grande de
interlocutores, optei pela utilização do estudo baseado no conceito de redes de
contatos ao invés de definir uma área, como inicialmente era o Centro de Humanidades
da UFC. Dessa forma, após cada entrevista realizada durante essa pesquisa os
interlocutores me levam a novos indivíduos para entrevistar, tecendo assim a rede de
contatos que pretendo seguir e constituir dados suficientes, a partir da análise de suas
histórias, para obter um entendimento inicial de como os jovens percebem a
religiosidade e seus significados no contexto atual. Para compor o corpo deste
relatório, colocarei em pauta as falas dos 2 últimos indivíduos que participaram da
pesquisa, ressaltando pontos mais significativos ou contrastantes. Depois disso,
acrescentarei resenhas dos textos utilizados durante a disciplina de Tópicos Avançados
em Antropologia da Religião que se conectaram e colaboraram para a formação da
bibliografia que poderá ser utilizada na elaboração do meu trabalho de conclusão do
curso, fazendo quando possível, uma ligação com os dados obtidos nas entrevistas.

2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

A primeira entrevistada, que chamarei de A, começou relatando a forma como se


constituía sua família. A estrutura difere um pouco do que se vê no padrão tradicional
familiar, pois os pais são separados, mas moram na mesma residência, que também é
habitada pela irmã mais nova. Segundo a entrevista A, sua família é caracterizada por
não possuir nenhuma filiação religiosa e a própria dimensão da religiosidade nunca foi
algo a ser pensado com uma atenção especial. O pai é ateu declarado, enquanto a
mãe se diz, em certas ocasiões, pertencente ao catolicismo, mas não é o que se
chamaria de praticante dessa religião. Para a entrevistada A, a religião em si não faz
parte de sua vida nem do âmbito familiar, sendo que a única manifestação nesse
sentido consiste na presença do pai, que fala sobre o ponto de vista do ateísmo e era
considerado mais próximo, ainda que não imponha essa forma de pensamento para a
família. Dessa forma, para essa interlocutora, o motivo que a levou a não ser adepta de
nenhuma religião e achar estranho crer em algo foi a ausência de qualquer doutrina em
sua família, que nunca priorizou atividades conectadas a alguma crença. A relação com
a família foi caracterizada como boa e sem a existência de conflitos, além da existência
de, nas palavras da entrevistada, uma grande liberdade e independência para tomar
decisões, que foi representada mais pela presença da mãe, que foi descrevida como
mais semelhante a ela em comportamento e em questões de gosto, sendo colocados
como exemplo a utilização de tatuagens e preferências musicais, sendo o pai visto
como mais conservador, ainda que apenas em ideias que não eram impostas. A mãe
chega a ter momentos de maior apego a religião, mas isso é efeito de maneira
individual e não repassada para o resto da família, em casos como um citado pela
entrevistada que foi a doença de um familiar que tornou a religião como algo mais
relevante na vida da mãe.

Um aspecto significativo sobre a religião para a entrevistada A, é que ela nutre


algum desagrado com relação a pessoas religiosas, consideradas por ela como
extremistas, pelo fato delas possuírem preconceito no que diz respeito a indivíduos
homossexuais, que sempre fizeram parte do seu ciclo de amizades. Esse preconceito
foi sentido na pele pela entrevistada que disse sentir raiva de religiosos por manterem
ideias homofóbicas como afirmar que relações homoafetivas não são naturais, até
abomináveis e que homossexuais tem como destino apenas o inferno. Nesse caso, é
verificável uma relação na vida que não possui influência religiosa com a orientação
sexual da entrevistada, pois devido à sua aversão ao preconceito religioso com
homossexuais criou-se um distanciamento de qualquer crença na religião. Ainda que a
entrevistada tenha se colocado como não favorável a definição de orientação sexual,
colocando isso apenas como uma construção social, mencionou que já passou por
fases de preferência e de busca por definição, classificando-se como homossexual,
bissexual e heterossexual e chegando por fim na concepção de que essas definições
não interessavam pra ela e que todas essas nomenclaturas não passam de limitações
impostas pelo pensamento. Sua conduta nesse sentido varia de acordo com momentos
de sua vida. Essa aversão ao rótulo de orientação sexual também foi demonstrada com
relação a definição religiosa, tendo ela se colocado como sem religião ao invés de algo
como ateia ou agnóstica e já pude observar que essa tendência de fuga à
categorização é recorrente entre esses jovens.

Entretanto, a religião não apenas é vista como algo recriminável e passível de


eliminação. A entrevistada A afirma que enxerga a importância de sua existência na
sociedade, nas suas mais diversas representações, como uma forma de definição da
percepção de mundo, uma justificativa para existência e um fator para construção da
identidade. Segundo ela, o seu preconceito com relação a religião é derivado do
preconceito existente em algumas doutrinas religiosas e é algo a ser trabalhado por
ela, no sentido de se tornar mais tolerante para com as crenças alheias. Isso não se
daria no sentido de aceitar práticas homofóbicas, por exemplo, mas em uma tentativa
de perceber a religião como algo além de dogmas que servem ao propósito de limitar a
visão das pessoas sobre algumas questões.
Agora, segue uma exposição de pontos importantes na fala do segundo
entrevistado, que tratarei aqui como entrevistado B. A primeira observação feita por
esse entrevistado foi o fato de que sua vida é comum, nada a ser considerado como
extraordinário e que tem apenas como diferença a ausência da ideia de Deus, assim
resumindo de religião. Após essa introdução, a fala se volta para um relato sobre a
estrutura familiar. Ao contrário da primeira entrevistada, onde a religião nunca teve um
papel muito ativo como pauta a ser discutida, com esse entrevistado sua presença foi
constante. A mãe era inicialmente católica e na fase da adolescência do entrevistado,
entre os 12 e 15 anos, passou a ser evangélica e o pai é, nas palavras dele, "quase
ateu", uma vez que não é ligado a nenhuma religião, mas ainda se atém a ideia da
existência de uma divindade. Além dos pais, moram com ele 2 irmãos mais novos. O
entrevistado afirma ser um ateu com fundamento, pois ele não se afirma dessa forma
por acaso. Antes de chegar a definição como ateu, existiu uma aproximação com a
religião que forneceu a ele conhecimento sobre os dogmas do catolicismo e o fizeram
perceber que aquilo simplesmente não fazia sentido para ele. Ele contou que chegou a
participar de atividades católicas como a Primeira Eucaristia e que se dedicou a isso,
em uma tentativa de aprender sobre as práticas católicas e posteriormente seu
interesse o levou a uma leitura da Bíblia, livro sagrado do catolicismo. Além da
insatisfação com as explicações para a realidade ou a criação do mundo existentes
nesse livro, o entrevistado aliou essas dúvidas com uma busca por conhecimentos
científicos, como nas disciplinas da biologia, física e história, fundamentando um
pensamento que não tornava possível a convivência com a doutrina religiosa. Esse
conhecimento da religião antes de decidir abdicar dela e procurar outras formas de
explicação para a realidade como as científicas é o que ele chama de ser um ateu com
fundamento. A relação com a família não é conflituosa, apesar da existência da
religiosidade da mãe, que ele chamou de "evangélica fervorosa". O momento de
ruptura com a religião ocorreu aos 15 anos quando houve a total definição da
identidade como ateu, algo ocasionado pela já mencionada análise feita pelo
entrevistado das ideias religiosas e preferência por conhecimentos científicos. O
entrevistado B afirmou que não possui mais nenhuma conexão com a religião e a
considera como algo que poderia deixar de existir da sociedade, mas assume uma
conduta de tolerância para sua existência, tanto em casa na figura do evangelismo da
mãe como de forma geral, pois ele vê no ato de tolerar uma forma de existir o respeito
mútuo. Ele acredita que as religiões são formas que as pessoas encontram de
estabelecer um ponto estável em suas vidas, uma maneira de encontrar esperança
quando não encontram solução para seus problemas. O entrevistado B afirma que para
ele as pessoas deveriam acreditar mais em suas próprias capacidades e não esperar
que um Deus resolva tornar possível tudo aquilo que desejam.

Além disso, ele vê como algo criticável na religião o fato dela representar um
constante meio de censura a certas vontades, por assim dizer, que algumas pessoas
possuem e que são impedidas de fazer por serem parte de determinada crença. Nesse
caso, ele citou exemplos de amigos que deixam de sair para festas e outros tipos de
atividades noturnas como shows por proibição dos pais, que por serem parte de uma
religião, acreditam que o mundo está repleto de tentações e que não devem deixar
seus filhos a mercê dessas coisas. Na opinião do entrevistado B, os ateus são
naturalmente mais liberais que os cristãos, colocando como exemplo a situação de
estar perto de um casal homossexual. Para ele, os ateus olhariam essa situação com
naturalidade, enquanto que os religiosos poderiam até fingir não se importar, mas na
primeira oportunidade fariam comentários recriminatórios sobre aquela situação. Em
complemento a isso, o entrevistado B concorda com a noção da religião como
definidora da identidade, tendo em vista o fato de que algumas pessoas possuem
imagens que se relacionam diretamente com a religião a qual pertencem, expressadas
no modo se vestir, por exemplo, o que cria uma certa quantidade de estereótipos. Ele
colocou como exemplo desse caso, os evangélicos e os católicos em oposição. Os
católicos representam uma maioria e não tem uma forma de vestimenta diferenciada,
mas os evangélicos, especialmente as mulheres, são identificáveis pela preferência de
usar roupas mais longas, o que para ele os torna mais radicais, de certa forma, que os
católicos, não apenas no quesito das roupas, mas também no esforço para converter
outras pessoas para sua crença. Aproveitando essa diferença vista pelo entrevistado B
entre essas 2 doutrinas, resolvi indagar a ele sobre como ele vê a divergência entre
ateus, no caso entre aqueles que querem espalhar a forma de pensamento e aqueles
que são mais tolerantes e mantem essas ideias mais no campo individual. Ele acredita
que os ateus não devem tentar impor sua forma de pensamento, mas que devem
apenas se impor no sentido de serem admitidos na sociedade, aceitos sem preconceito
ou tentativas de conversão. Para ele, as religiões apresentam um problema na medida
em que não respeitam a individualidade das pessoas que não concordam com seus
dogmas, devendo a resistência ateia existir no sentido de se opor a esse problema.

3 ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA

Agora destacarei as contribuições mais importantes dos textos que foram


utilizados na disciplina de Estudos Avançados em Antropologia da Religião além de
outro texto de autoria de Clifford Geertz que me foi recomendado na atividade de
Estágio de Pesquisa I e que resgato aqui por falar da questão da identidade
relacionada a religião, ideia que está se tornando recorrente nos discursos dos
entrevistados. Inicialmente, abordarei o texto de Ronaldo de Almeida e Rogério
Barbosa, "Transmissão religiosa nos domicílios brasileiros". Nesse texto os autores
falam de uma crise na transmissão religiosa que se desenrola na atualidade e de como
os domicílios são um espaço propício para a reprodução da religião. A religiosidade era
propagada através de herança, ou seja, as pessoas pertenciam a determinada religião
motivadas pela filiação de suas famílias e a hipótese inicial é de que a família esteja
perdendo sua importância na definição da opção religiosa das pessoas. Para verificar
essa hipótese é necessário diferenciar a capacidade de transmissão de cada religião e
os atores se utilizam de dados estatísticos para fazer um panorama da situação no
Brasil. Os dados mostram que os não católicos, assim utilizados em oposição a matriz
cristã que é ainda hegemônica, cresceram em grande quantidade e em 2010,
representam 35% da população. Entretanto, vale ressaltar que, embora esses não
católicos incluam os sem religião, tratam também de minorias religiosas como os cultos
afrobrasileiros e espíritas, para dar exemplos. Ainda que esse crescimento seja claro,
os autores destacam a hegemonia do cristianismo, mas focam no fato da pluralidade
existente dentro dessa matriz, ocasionada pelo surgimento de novas doutrinas cristãs
nos últimos anos.

O texto também apresenta uma análise das idades em que é mais provável a
ruptura com o cristianismo, declarando que a probabilidade de permanecer católico é
menor nos primeiros ciclos de vida, enquanto que a adesão à outras religiões aumenta.
Os autores destacam entre esses que rompem com a doutrina dominante os sem
religião, que possuem chances crescentes de se declarar dessa forma entre a idade de
15 até os 25 anos, mostrando que se afirmar como sem religião é um fenômeno
comum na juventude e início da fase adulta, algo que começo a verificar nas conversas
com meus interlocutores. Assim, resumindo o que é colocado com relação a essas
probabilidades de adesão a outras religiões ou permanência naquela que é a
dominante, pode-se perceber que os sem religião e as religiões minoritárias se
comportam de maneira inversa ao catolicismo, que é mais procurado por pessoas que
já se encaminham para os ciclos finais de suas vidas. Os autores concluem que a
trajetória da religiosidade no Brasil tornou-se marcada pela individualidade e
rompimento com os laços inicias representados pela crença familiar. A análise da
presença da religião nos diferentes ciclos de vida mostra de maneira específica torna
possível compreender que o crescimento dos sem religião, além de outras doutrinas é
uma marca da juventude. A grande variedade de opções religiosas, além da falta de
institucionalização das práticas da religião hegemônica são mostradas aqui como
alguns dos fatores motivadores da mudança no cenário religioso brasileiro.

O próximo texto é "O peregrino e o convertido" de Danièle Hervieu-Léger e que


também fala sobre a crise da transmissão da religião no contexto atual. A autora
começa colocando que a transmissão da cultura de uma geração para a seguinte, de
forma geral, é o que mantém as sociedades em funcionamento. Os jovens da nova
geração têm a responsabilidade de dar continuidade a tradição, mantendo a linha de
transmissão. Entretanto, a autora ressalta que a continuidade não implica em
imutabilidade, pois cada a nova geração os aspectos culturais são transmitidos, mas
isso ocorre sempre com acréscimo de alguns detalhes que mudam a cultura original,
algo que coloca as gerações sempre em uma certa oposição. Com isso, o texto mostra
que não há transmissão sem que haja uma crise da transmissão. Entretanto, o que já
foi apenas uma continuidade dotada de algumas mudanças, torna-se hoje uma
verdadeira ruptura com a tradição anterior. A família, que antes era a instituição de
maior relevância na propagação da tradição religiosa e na socialização dos costumes
sofreu mudanças profundas, seja de estrutura, seja de funcionalidade na vida individual
e é justamente a lógica da individualidade do comportamento que atualmente
predomina sobre a reprodução social. A autora também coloca o fato de que toda
doutrina religiosa que é hegemônica, atualmente é confrontada por uma grande
variedade de outras religiões que proporcionam aos indivíduos um universo tão múltiplo
que aumenta o caráter privativo da escolha em detrimento do social, pois a crença
pessoal aparece ao invés da coletiva e tem como manifestação exatamente esse
crescimento de novas formas de espiritualidade ou, no caso dos sem religião, de
ausência dela. A religião tem como forma de reprodução a manutenção da memória e
tradição, promovendo sua renovação baseada nisso. Em uma sociedade em que a
regra de conduta é a inovação e a memória é cada vez menos relevante, a
consequência é essa dificuldade da transmissão religiosa. Esse texto expõe essa
lógica que corrobora com aquela mostrada no primeiro texto citado e é importante para
compreender o fenômeno do aumento dos sem religião na sociedade.

Outro texto que cito aqui como colaborador para a minha percepção sobre a
questão da religiosidade na modernidade é "As novas guerras sexuais" de Marcelo
Natividade e Leandro de Oliveira. Esse texto mostra o contexto brasileiro da década de
90 onde estava em pauta a universalização dos direitos humanos e a diversidade, seja
ela cultura, sexual ou religiosa, também sendo o cenário da implementação de diversos
programas governamentais e politicas públicas que se voltavam para a diminuição da
reprodução da homofobia. A pesquisa foi feita em um período no qual se verificava uma
perda da capacidade de controle das condutas pelas instituições religiosas que é
resultante de processos modernizadores que promoveram uma flexibilização das
normas e, além disso, o aparecimento de discursos contra hegemônicos como o
crescimento de religiões minoritárias e o surgimento das igrejas inclusivas, aquelas que
aceitam como devotos pessoas homossexuais. O contexto em que esse texto foi
escrito mostra uma década que foi representante do crescimento da diversidade em
vários aspectos no Brasil e fala também da quebra da hegemonia católica no país, um
fator que colabora para o complexo processo de formação da identidade religiosa.
Importante também é a exploração do nexo existente entre a questão da sexualidade e
a religião, com o enfoque no surgimento das igrejas inclusivas por todo o país as quais
são a materialização da necessidade de ruptura com certas condutas da religião
hegemônica para a livre manifestação da individualidade, seja religiosa ou sexual. Essa
necessidade de fugir do domínio da doutrina religiosa dominante é o que também se
apresentou para mim em algumas entrevistas que conduzi até agora, mostrando mais
uma vez que a religião é uma instituição de grande influência na formação da
subjetividade e atua como reguladora e cerceadora do comportamento. Além dessas
conexões, coloco a importância desse texto para mim na dimensão da metodologia,
pois os dados nele obtidos são provenientes da análise da história de vida de sujeitos
relacionados às igrejas inclusivas, método que também venho utilizando nas
entrevistas que realizei. Tendo como exemplo esse texto, consegui ter a percepção que
o método de pesquisa qualitativa do estudo das histórias de vida é muito indicado para
perceber dinâmicas de mudança social, pois através das trajetórias dos indivíduos
percebe-se muito do contexto cultural onde estes estão inseridos.

Por fim, cito o texto de Clifford Geertz, "O beliscão do destino" que está dentro
de seu livro "Nova luz sobre a antropologia", que não fez parte da bibliografia do curso
de antropologia da religião do qual participei nesse semestre, mas que resgato aqui
pela pertinência no que diz respeito a consideração da religião como um fator de
definição da identidade no últimos anos. Geertz tenta nos passar a grandeza da
dimensão que a religiosidade possui na contemporaneidade utilizando-se de uma
relativização da sua definição no passado como algo do domínio da subjetividade, dos
afetos pessoais e que passou para o domínio da esfera pública, influindo muito na
dinâmica social. A religião para o autor representa o beliscão do destino, a avaliação
pessoal que coloca em dúvida a questão do crer ou não crer, isso como um momento
que a maioria das pessoas enfrenta em um momento da vida, mas alerta para a
impossibilidade de se encarar esse beliscão como algo unicamente individual tendo em
vista tudo as guerras e outros distúrbios sociais que nos cercam atualmente. Através de
exemplos pelo mundo da utilização da religião como definidora da identidade, Geertz
mostra que a busca da identidade religiosa torna-se algo cada vez menos voltado
apenas para o privado e toma importância coletiva na medida em que as pessoas
esperam ser vistas e reconhecidas pela opção que fazem. Isso me remete à fala de
alguns jovens que entrevistei que dizem que sua afirmação como ateus ou como sem
religião representa uma parte de sua subjetividade que eles esperam que seja
percebida e respeitada, o que mostra como a dimensão da religiosidade é relevante na
busca individual por uma identidade. Como exemplo dessa busca, o autor utiliza o caso
de um grupo de jovens mulheres instruídas da Indonésia que foram expressão do
ressurgimento islâmico, como ficou conhecido, que utilizavam o estilo de vestuário
islâmico do Oriente Médio caracterizado por vestes longas monocromáticas que
cobriam todas as partes do corpo, com exceção dos olhos, o jilbab. Elas foram vistas
como fundamentalistas ultrapassadas e despertaram hostilidade por se vestirem de
forma contraditória à norma vigente, entretanto mantiveram o costume como forma de
afirmação de sua identidade e crença religiosa. Esse caso merece ser mencionado,
pois a importância da imagem que pode estar conectada a opção religiosa, foi
mencionada como um tipo de estereótipo por um dos entrevistados, aqui presente
nesse relatório na fala do entrevistado B e acredito que sirva para pensar como a
religião se relaciona de forma preponderante com a identidade individual e com a
construção de uma imagem coletiva.

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