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1 INTRODUÇÃO
Outro aspecto que foi definido durante essa etapa do processo de orientação foi
o campo a ser explorado nessa pesquisa. Devido às impossibilidades de trabalhar com
uma área muito extensiva ou de analisar discursos de um número grande de
interlocutores, optei pela utilização do estudo baseado no conceito de redes de
contatos ao invés de definir uma área, como inicialmente era o Centro de Humanidades
da UFC. Dessa forma, após cada entrevista realizada durante essa pesquisa os
interlocutores me levam a novos indivíduos para entrevistar, tecendo assim a rede de
contatos que pretendo seguir e constituir dados suficientes, a partir da análise de suas
histórias, para obter um entendimento inicial de como os jovens percebem a
religiosidade e seus significados no contexto atual. Para compor o corpo deste
relatório, colocarei em pauta as falas dos 2 últimos indivíduos que participaram da
pesquisa, ressaltando pontos mais significativos ou contrastantes. Depois disso,
acrescentarei resenhas dos textos utilizados durante a disciplina de Tópicos Avançados
em Antropologia da Religião que se conectaram e colaboraram para a formação da
bibliografia que poderá ser utilizada na elaboração do meu trabalho de conclusão do
curso, fazendo quando possível, uma ligação com os dados obtidos nas entrevistas.
Além disso, ele vê como algo criticável na religião o fato dela representar um
constante meio de censura a certas vontades, por assim dizer, que algumas pessoas
possuem e que são impedidas de fazer por serem parte de determinada crença. Nesse
caso, ele citou exemplos de amigos que deixam de sair para festas e outros tipos de
atividades noturnas como shows por proibição dos pais, que por serem parte de uma
religião, acreditam que o mundo está repleto de tentações e que não devem deixar
seus filhos a mercê dessas coisas. Na opinião do entrevistado B, os ateus são
naturalmente mais liberais que os cristãos, colocando como exemplo a situação de
estar perto de um casal homossexual. Para ele, os ateus olhariam essa situação com
naturalidade, enquanto que os religiosos poderiam até fingir não se importar, mas na
primeira oportunidade fariam comentários recriminatórios sobre aquela situação. Em
complemento a isso, o entrevistado B concorda com a noção da religião como
definidora da identidade, tendo em vista o fato de que algumas pessoas possuem
imagens que se relacionam diretamente com a religião a qual pertencem, expressadas
no modo se vestir, por exemplo, o que cria uma certa quantidade de estereótipos. Ele
colocou como exemplo desse caso, os evangélicos e os católicos em oposição. Os
católicos representam uma maioria e não tem uma forma de vestimenta diferenciada,
mas os evangélicos, especialmente as mulheres, são identificáveis pela preferência de
usar roupas mais longas, o que para ele os torna mais radicais, de certa forma, que os
católicos, não apenas no quesito das roupas, mas também no esforço para converter
outras pessoas para sua crença. Aproveitando essa diferença vista pelo entrevistado B
entre essas 2 doutrinas, resolvi indagar a ele sobre como ele vê a divergência entre
ateus, no caso entre aqueles que querem espalhar a forma de pensamento e aqueles
que são mais tolerantes e mantem essas ideias mais no campo individual. Ele acredita
que os ateus não devem tentar impor sua forma de pensamento, mas que devem
apenas se impor no sentido de serem admitidos na sociedade, aceitos sem preconceito
ou tentativas de conversão. Para ele, as religiões apresentam um problema na medida
em que não respeitam a individualidade das pessoas que não concordam com seus
dogmas, devendo a resistência ateia existir no sentido de se opor a esse problema.
3 ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA
O texto também apresenta uma análise das idades em que é mais provável a
ruptura com o cristianismo, declarando que a probabilidade de permanecer católico é
menor nos primeiros ciclos de vida, enquanto que a adesão à outras religiões aumenta.
Os autores destacam entre esses que rompem com a doutrina dominante os sem
religião, que possuem chances crescentes de se declarar dessa forma entre a idade de
15 até os 25 anos, mostrando que se afirmar como sem religião é um fenômeno
comum na juventude e início da fase adulta, algo que começo a verificar nas conversas
com meus interlocutores. Assim, resumindo o que é colocado com relação a essas
probabilidades de adesão a outras religiões ou permanência naquela que é a
dominante, pode-se perceber que os sem religião e as religiões minoritárias se
comportam de maneira inversa ao catolicismo, que é mais procurado por pessoas que
já se encaminham para os ciclos finais de suas vidas. Os autores concluem que a
trajetória da religiosidade no Brasil tornou-se marcada pela individualidade e
rompimento com os laços inicias representados pela crença familiar. A análise da
presença da religião nos diferentes ciclos de vida mostra de maneira específica torna
possível compreender que o crescimento dos sem religião, além de outras doutrinas é
uma marca da juventude. A grande variedade de opções religiosas, além da falta de
institucionalização das práticas da religião hegemônica são mostradas aqui como
alguns dos fatores motivadores da mudança no cenário religioso brasileiro.
Outro texto que cito aqui como colaborador para a minha percepção sobre a
questão da religiosidade na modernidade é "As novas guerras sexuais" de Marcelo
Natividade e Leandro de Oliveira. Esse texto mostra o contexto brasileiro da década de
90 onde estava em pauta a universalização dos direitos humanos e a diversidade, seja
ela cultura, sexual ou religiosa, também sendo o cenário da implementação de diversos
programas governamentais e politicas públicas que se voltavam para a diminuição da
reprodução da homofobia. A pesquisa foi feita em um período no qual se verificava uma
perda da capacidade de controle das condutas pelas instituições religiosas que é
resultante de processos modernizadores que promoveram uma flexibilização das
normas e, além disso, o aparecimento de discursos contra hegemônicos como o
crescimento de religiões minoritárias e o surgimento das igrejas inclusivas, aquelas que
aceitam como devotos pessoas homossexuais. O contexto em que esse texto foi
escrito mostra uma década que foi representante do crescimento da diversidade em
vários aspectos no Brasil e fala também da quebra da hegemonia católica no país, um
fator que colabora para o complexo processo de formação da identidade religiosa.
Importante também é a exploração do nexo existente entre a questão da sexualidade e
a religião, com o enfoque no surgimento das igrejas inclusivas por todo o país as quais
são a materialização da necessidade de ruptura com certas condutas da religião
hegemônica para a livre manifestação da individualidade, seja religiosa ou sexual. Essa
necessidade de fugir do domínio da doutrina religiosa dominante é o que também se
apresentou para mim em algumas entrevistas que conduzi até agora, mostrando mais
uma vez que a religião é uma instituição de grande influência na formação da
subjetividade e atua como reguladora e cerceadora do comportamento. Além dessas
conexões, coloco a importância desse texto para mim na dimensão da metodologia,
pois os dados nele obtidos são provenientes da análise da história de vida de sujeitos
relacionados às igrejas inclusivas, método que também venho utilizando nas
entrevistas que realizei. Tendo como exemplo esse texto, consegui ter a percepção que
o método de pesquisa qualitativa do estudo das histórias de vida é muito indicado para
perceber dinâmicas de mudança social, pois através das trajetórias dos indivíduos
percebe-se muito do contexto cultural onde estes estão inseridos.
Por fim, cito o texto de Clifford Geertz, "O beliscão do destino" que está dentro
de seu livro "Nova luz sobre a antropologia", que não fez parte da bibliografia do curso
de antropologia da religião do qual participei nesse semestre, mas que resgato aqui
pela pertinência no que diz respeito a consideração da religião como um fator de
definição da identidade no últimos anos. Geertz tenta nos passar a grandeza da
dimensão que a religiosidade possui na contemporaneidade utilizando-se de uma
relativização da sua definição no passado como algo do domínio da subjetividade, dos
afetos pessoais e que passou para o domínio da esfera pública, influindo muito na
dinâmica social. A religião para o autor representa o beliscão do destino, a avaliação
pessoal que coloca em dúvida a questão do crer ou não crer, isso como um momento
que a maioria das pessoas enfrenta em um momento da vida, mas alerta para a
impossibilidade de se encarar esse beliscão como algo unicamente individual tendo em
vista tudo as guerras e outros distúrbios sociais que nos cercam atualmente. Através de
exemplos pelo mundo da utilização da religião como definidora da identidade, Geertz
mostra que a busca da identidade religiosa torna-se algo cada vez menos voltado
apenas para o privado e toma importância coletiva na medida em que as pessoas
esperam ser vistas e reconhecidas pela opção que fazem. Isso me remete à fala de
alguns jovens que entrevistei que dizem que sua afirmação como ateus ou como sem
religião representa uma parte de sua subjetividade que eles esperam que seja
percebida e respeitada, o que mostra como a dimensão da religiosidade é relevante na
busca individual por uma identidade. Como exemplo dessa busca, o autor utiliza o caso
de um grupo de jovens mulheres instruídas da Indonésia que foram expressão do
ressurgimento islâmico, como ficou conhecido, que utilizavam o estilo de vestuário
islâmico do Oriente Médio caracterizado por vestes longas monocromáticas que
cobriam todas as partes do corpo, com exceção dos olhos, o jilbab. Elas foram vistas
como fundamentalistas ultrapassadas e despertaram hostilidade por se vestirem de
forma contraditória à norma vigente, entretanto mantiveram o costume como forma de
afirmação de sua identidade e crença religiosa. Esse caso merece ser mencionado,
pois a importância da imagem que pode estar conectada a opção religiosa, foi
mencionada como um tipo de estereótipo por um dos entrevistados, aqui presente
nesse relatório na fala do entrevistado B e acredito que sirva para pensar como a
religião se relaciona de forma preponderante com a identidade individual e com a
construção de uma imagem coletiva.