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O que é mecânica quântica?

A mecânica quântica revolucionou nossas noções de energia,


matéria e causalidade. O que pensávamos ser partículas não
são partículas nem ondas, mas comportam-se ora como uns, ora
como outros. A natureza parece ser intrinsecamente
indeterminista e só nos é possível prever médias e
probabilidades. No entanto, ao nosso redor há inúmeras
tecnologias baseadas na mecânica quântica, como
computadores, DVDs e CDs.

No final do século XIX, vários fenômenos físicos pareciam não


poder ser explicados pela física da época, hoje chamada “física
clássica” ou “newtoniana”. Relacionavam-se com a luz, o calor,
os átomos etc. Para dar conta desses fenômenos, toda a física
newtoniana teve que ser substituída. O resultado foi o que se
chama hoje “física moderna”. Inicialmente, ela era constituída
pelas teorias da relatividade (especial e geral) e pela mecânica
quântica.

A revolução da física moderna foi muito profunda. Conceitos


caros como os de espaço, tempo, matéria e causalidade tiveram
que ser revistos. Há muitas características importantes da
mecânica quântica diferentes da física clássica, mas vou ater-
me aqui a apenas quatro, que talvez possam resumir a essência
do seu conteúdo:

1. a quantização da energia
2. o salto quântico
3. a dualidade onda-partícula
4. o indeterminismo

1. A quantização da energia

Na história da mecânica quântica, esta foi a primeira de suas


característica a ser abordada teoricamente. A quantização da
energia diz simplesmente que, em certas situações, a energia
só pode ter certos valores – digamos, 10, 20 e 30 calorias –
estando “proibidos” os valores intermediários. Sabemos hoje
que isso acontece em casos onde há partículas “presas”, ou
“ligadas” – como os elétrons em um átomo. Elétrons livres
podem ter qualquer energia. Veja a figura abaixo:
À esquerda, energias
para um elétron livre: todos os valores são permitidos. À direita, energias
para um elétron ligado: só alguns valores são permitidos.

O exemplo dado acima, das 10, 20 e 30 calorias, é irreal, porque


as diferenças entre os níveis de energia são muito pequenas,
próximas das energias típicas de átomos e partículas
subatômicas. Por isso, no mundo macroscópico, parece que a
energia é sempre contínua, sem valores proibidos. Mas, no
mundo atômico e subatômico, a quantização da energia é algo a
ser levado em conta sempre.

Além disso, as distâncias entre os diversos níveis não são


sempre os mesmos. Dependem da situação. As energias
permitidas para um elétron em uma molécula de hidrogênio são
diferentes das para um elétron em uma molécula de oxigênio –
apesar dos dois elétrons serem idênticos. A diferença entre dois
níveis energéticos é chamada quantum. O plural é quanta, pois
é uma palavra do latim.

Como se chegou a essas conclusões


A origem desse conhecimento está nos estudos
de Planck de 1900 sobre a emissão de luz por corpos aquecidos
(melhor dizendo, um tipo especial dela, cujo curioso nome
técnico é “radiação de corpo negro”). Isso é algo que vemos
todos os dias (pense num metal incandescente, como o
filamento da lâmpada acesa ao lado), mas o problema que
Planck atacou era bastante dramático: feitas as contas com a
física clássica, a energia da luz emitida dava infinita! Isso não
poderia ser possível – caso contrário, qualquer metalzinho
incandescente seria capaz de fritar todo o Universo...

O problema foi resolvido quando Planck supôs que a luz não era
emitida continuamente, mas em “pacotes” de energia. Esses
quanta de luz vieram, depois, a serem chamados fótons. Mais
tarde, mostrou-se que a luz em si era constituída de fótons, e
não quando era emitida pelos átomos.

Outras pessoas passaram a aplicar conceitos semelhantes em


outros problemas até então insolúveis, como Niels Bohr, que em
1913 fez uma nova teoria sobre a estrutura atômica e mostrou
que a energia dos elétrons nos átomos também está quantizada.
Posteriormente, mostrou-se que a quantização da energia
acontece com qualquer partícula ligada.

Tudo isso é interessante, mas não parece ser suficiente para


alterar toda a física clássica. Porém, os desdobramentos da
hipótese quântica de Planck foram tremendos e atingiram a
física quase toda. Por um quarto de século, os cientistas
exploraram esses desdobramentos até que, em 1924,
conseguiu-se formular uma teoria quântica completa – não só da
luz ou dos átomos, mas uma física nova inteira.

No resto deste texto, mostrarei alguns dos principais


desdobramentos da teoria dos quanta e como eles levam a
alterações radicais na nossa maneira de ver o mundo. Usarei
como guia cinco perguntas que aparecem naturalmente por
causa da teoria de Planck.

2. O salto quântico

Primeira pergunta: se há tantos casos em


que valores intermediários de energia não são permitidos, como
então é possível aumentar a energia de qualquer coisa?

Acontece que ela pode ir de um nível para outro sem passar


pelos valores intermediários. Usando nosso exemplo “irreal”, vai
de 10 para 20 calorias sem passar por 11, 12, por nenhum deles.
A isto se chama salto quântico.

O salto quântico foi estabelecido como hipótese em 1913 por


Niel Bohr para os elétrons de um átomo de hidrogênio, mas as
previsões de sua teoria conseguiam descrever aspectos da luz
emitida por esses átomos que eram inexplicáveis pela física
clássica. Mais tarde, mostrou-se que estados ligados em
qualquer situação funcionam assim.

A figura abaixo esquematiza um elétron em um átomo que


absorve luz. Um exemplo comum acontece no interruptor de luz,
que é feito de um material fosforescente – ou seja, que absorve
luz, mantém-na durante algum tempo e depois a reemite. Por
isso ele parece brilhar no escuro: ele continua reemitindo luz
até acabar a que absorvia enquanto o ambiente estava
iluminado.
Ora, quando absorvem luz, o que os elétrons absorvem é energia
luminosa e, assim, aumentam sua energia. Por isso, o elétron só
absorve a luz se o fóton que chegar tiver energia suficiente para
que esse elétron possa saltar de um nível energético para outro.
Senão, ele não absorve e o fóton passa incólume.

O mesmo acontece quando emite luz: só emite a energia


necessária para passar de um nível energético para outro de
menor energia. Emite a luz, portanto, em “pacotes”: os fótons
que Planck estudou. Nada disso acontecia na física clássica: o
elétron poderia absorver ou emitir qualquer quantidade de
energia.

3. A dualidade onda-partícula

Segunda pergunta: na época de Planck,


já havia uma teoria sobre a luz, que dizia que ela era constituída
de ondas. Isso era conhecido desde a virada do século XVIII
para o XIX e já havia sido fartamente confirmado por
observações cuidadosas. Mas a teoria quântica diz que a
energia luminosa se distribui em pequenos pacotes. Como
compatibilizar as duas visões?

Nos anos seguintes à descoberta de Planck, essa pergunta foi


adquirindo tons muito mais dramáticos, pois havia indicações
de que os fótons se comportavam como partículas de fato! Isso
foi cabalmente demonstrado em 1923 por um experimento de
Arthur Compton sobre colisões entre fótons e elétrons. Os
elétrons eram desviados de suas trajetórias como se tivessem
sido atingidos por corpúsculos – como em choques de bolas de
bilhar.

Ora, eu disse acima que já se sabia que a luz era constituída de


ondas. Agora, eis que essa visão não funciona mais e a
suposição de que ela é constituída por um fluxo de partículas é
que passa a funcionar... Como pode ser possível? Não faz
sentido alguma coisa ser onda e partícula ao mesmo tempo...!

A solução para isso não foi fácil. Hoje sabemos que a luz não é
onda nem um fluxo de partículas: ela é alguma outra coisa, que
exibe algumas características de um fluxo de partículas em
certas situações e de ondas em outras. A esse comportamento
dá-se o nome de “dualidade onda-partícula”. Em geral, a luz se
comporta como onda enquanto está em trânsito e apresenta
características de partículas quando interage com a matéria
(como quando é absorvida por átomos).

O site do Wikipedia em espanhol teve uma idéia muito


interessante para explicar a dualidade onda-partícula. Ilustrou
com a figura abaixo como o mesmo objeto pode se manifestar
de uma forma se visto sob um certo ângulo e de outra se visto
sob outro ângulo. Um cilindro produz uma sombra quadrada em
uma parede e circular na outra. Se vemos só a sombra, parecerá
uma contradição: como algo pode ser redondo e quadrado ao
mesmo tempo? Não é um círculo nem um quadrado: ele é uma
outra entidade (um cilindro), mas que se manifesta como um
quadrado ou como um círculo, dependendo da situação. Mas
cuidado: isto é apenas uma analogia. Tanto as ondas como as
partículas e as entidades “nem-ondas-nem-partículas” estão no
espaço tridimensional comum.
Ondas de matéria

Terceira pergunta: Bem, uma coisa que


se pensava que era onda, a luz, era uma entidade dual. E quanto
às coisas que se pensava que eram partículas, como os
elétrons?

Pois bem: logo descobriu-se que essa dualidade era uma


característica geral. Todas as “partículas” não são
propriamente corpúsculos no sentido tradicional, mas entidades
que se comportam como ondas em certas situações e como
partículas em outras. Jamais como ambas simultaneamente.

Quanto maior a massa da partícula, mais pronunciado o


comportamento de corpúsculo e menos o comportamento de
onda. Para um elétron – que é tão pequeno que é um dos
constituintes dos átomos – já foi muito difícil detectar seu
comportamento ondulatório, observado pela primeira vez em
1927 pelos físicos Clinton Davisson e Lester Germer. Em 1999,
conseguiu-se observar fenômenos ondulatórios na molécula de
fulereno, que tem 60 átomos de carbono.

Dito assim, pode parecer que a todos os elétrons corresponde


uma onda e essa onda seria sempre a mesma. Afinal, todos os
elétrons são idênticos. Mas não é assim. O tipo de onda não
depende apenas da partícula em si, mas também da situação
em que se encontra.

Por exemplo, a freqüência da onda se relaciona com a


velocidade do elétron. Elétrons velozes têm ondas associadas
com freqüência mais alta que elétrons mais lentos. Num caso
mais geral, as ondas associadas às partículas identificam não
só a partícula, mas também o estado em que se encontra. Veja
a figura abaixo:

Esse significado dessas ondas só foi esclarecido depois que


Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger conseguiram construir
uma teoria “final” da mecânica quântica, em 1924 e 1925, após
um quarto de século em que vários grandes físicos tatearam e
tentaram construir toda uma nova mecânica a partir de alguns
poucos dados experimentais.

Na verdade, foram duas teorias “finais”, uma de cada autor, mas


mostrou-se logo que eram equivalentes. Elas foram construídas
a partir de um conjunto de suposições físicas e matemáticas
que foram parecendo mais plausíveis à medida que foram sendo
feitas as pesquisas anteriores. A relação entre onda e estados
físicos vem dessa teoria “final”. Atualmente, usa-se uma
mistura das duas, e é isso o que se chama hoje de “mecânica
quântica”. Ela vem sendo usada para inúmeras situações físicas
com enorme sucesso.

O experimento das duas fendas: quando partícula e onda se


encontram

Eu disse que a luz e as partículas subatômicas sempre se


comportam ou como onda ou como corpúsculo, nunca como
ambos ao mesmo tempo. Mas é difícil resistir a imaginar uma
situação onde os dois comportamentos se encontram de alguma
forma, para ver o que pode acontecer! Seria possível fazer com
que os dois comportamentos apareçam na mesma partícula e
no mesmo experimento, ainda que em momentos diferentes? O
que acontece numa situação dessas?

Isso é possível. Vejamos uma situação assim: o experimento


das duas fendas. Neste momento, é melhor falar mais por
figuras do que por palavras.

No experimento, joga-se luz sobre um anteparo com duas


fendas estreitas, como na figura abaixo. A luz que passa pelos
dois orifícios incide sobre uma placa fotográfica. Aqui, uma vela
produz a luz, que passa por um primeira fenda num primeiro
anteparo para tornar-se mais uniforme (a luz provinda de uma
fonte com forma de ponto é mais uniforme que a vinda de um
objeto extenso e de formato complicado). Depois, esta luz mais
uniforme passa sobre as tais duas fendas.

Bem, então, depois das fendas, temos duas ondas luminosas


que se encontram no espaço. Acontece que, quando duas ondas
se encontram, elas interferem. Podem somar-se ou cancelar-se,
como mostra a figura abaixo:

À esquerda, duas ondas


que se encontram se somam e produzem uma onda mais intensa. À direita,
as duas ondas se encontram defasadas, de modo que se cancelam.

A interferência que acontece com as ondas depois dos dois


orifícios e antes da placa está esquematizada nesta outra
figura:
Como se pode ver, em certas regiões, as ondas se somam.
Essas regiões aparecem mais claras Em outras, elas se
subtraem. Essas aparecem mais escuras O resultado é que, na
placa fotográfica, aparecerão faixas claras e escuras, como na
figura:

Até aí, tudo bem. Isso é um fenômeno que só acontece com


ondas. Acontece que eu disse acima que a luz é composta de
pequenos pacotes de energia chamados fótons. Então, quando
colocamos um filme fotográfico com sensibilidade suficiente,
podemos ver como essas faixas são formadas com o tempo.
Veja esta figura, que mostra cinco momentos diferentes da
formação dessas faixas:
A coisa extraordinária aqui é que, se as faixas existem, é que
houve interferência depois dos dois orifícios – e, assim, a luz
comportou-se como onda. Porém, se ela aparece como pontos
na placa fotográfica, é que comportou-se de forma localizada,
como se fosse corpúsculos! Já existe tecnologia para fazer isso
com um fóton de cada vez. O mesmo fóton se comporta como
ondas em um momento e como partícula em outro! (Não há
contradição porque ele não faz as duas coisas ao mesmo
tempo.)

4. O indeterminismo: uma teoria probabilista

Quarta pergunta: Há um paradoxo


interessante no experimento das duas fendas. A onda luminosa
ocupa uma região do espaço, como mostrado nas primeiras
figuras. Porém, um fóton manifesta-se como um ponto na placa
fotográfica, que ocupa uma pequena região do espaço em certo
local específico. Se a luz se comportava como onda antes de
atingir a placa, o que determinou que ela escolhesse um ponto
específico para se manifestar como partícula e não um outro
qualquer?

Pode-se imaginar que, com a teoria da mecânica quântica, seria


possível calcular em que ponto o fóton apareceria. Porém, não é
o caso! Não há nenhuma indicação nas equações que permita
tal tipo de previsão.

Apesar disso, a teoria prevê médias com grande sucesso, e


também probabilidades. Tome-se um conjunto grande de fótons
(ou de elétrons ou de prótons etc.) e seu comportamento médio
será previsto muito bem pela teoria, ainda que, sobre seus
comportamentos individuais, ela só forneça probabilidades.

Isso é bem diferente do que acontece com a física clássica. Se


supusermos que um elétron está, em certo momento, viajando
no espaço vazio a 100 km/h e também que sua velocidade é
constante, então a física clássica nos diz que dali a uma hora
ele estará a exatamente 100 quilômetros de distância de onde
estava antes. Mas a física quântica não produz afirmações
assim. Ela diz algo como: “há probabilidade de 80% de o elétron
deverá estar entre 90 e 110 km de onde estava”. Esses números
dependem da situação, mas podem acontecer exatamente
esses que eu citei.

Essas probabilidades estão diretamente relacionadas com as


ondas associadas às partículas. Quando as “ondas-partículas”
interagem com a matéria, elas se manifestam (como
corpúsculos) mais provavelmente nas regiões onde as ondas
são mais intensas. E vice-versa.

Nem todas as ondas quânticas


têm forma de "cobrinhas". Acima, as ondas correspondentes ao elétron de
um átomo de hidrogênio para diferentes energias deste elétron. Nas partes
mais claras é maior a probabilidade de esse elétron ser encontrado, caso
alguém decida detectá-lo.

Tudo isso pode não parecer tão estranho, pois, afinal, estamos
acostumados com situações onde só conseguimos prever
médias. Se jogarmos uma moeda várias vezes, a tendência é
cair cara 50% das vezes e coroa 50% das vezes, com alguma
variaçãozinha. Não podemos prever, porém, se uma jogada
individual produzirá cara ou coroa.

A diferença com a situação quântica é que, no caso da moeda, a


teoria – a mecânica clássica – tem instrumentos teóricos para
se fazer previsões exatas sobre uma jogada individual. Se
soubermos com bastante precisão a velocidade inicial da
moeda, a rapidez com que gira, sua posição inicial e a direção
inicial do seu movimento, podemos prever com exatidão qual
lado sairá para cima. Não podemos na prática porque não
conhecemos essas condições iniciais todas com precisão
suficiente – e não porque a teoria não contenha instrumentos
para fazê-lo.

Tanto que, se alguém jogar a moeda com cuidado, pode fazer


com que ela dê duas voltas exatas enquanto cai e, assim,
prever se dará cara ou cora – e ganhar desonestamente. Nesse
caso, ele foi capaz de fazer uma previsão exata a partir do
conhecimento preciso da situação inicial da moeda e da força
com que foi jogada.

Já a mecânica quântica não produz resultados exatos nem


mesmo quando se sabe com precisão a situação inicial de uma
partícula subatômica. Voltando ao exemplo do experimento das
duas fendas, com os fótons atingindo a placa fotográfica: a
mecânica quântica consegue prever com grande precisão o
padrão de listras na placa, mas não onde aparecerá cada ponto
que vai formando as listas com o tempo (veja a última figura do
experimento das duas fendas).

Deus joga dados?

Quinta pergunta: A coisa extraordinária é que, apesar de a


mecânica quântica não ter instrumentos para prever com
precisão eventos individuais, ela consegue prever médias e
probabilidades com grande precisão! Como isso é possível?
Afinal, a teoria está tirando média do que, se ela sequer
considera os eventos individuais?
Esta figura
esquematiza as faixas feitas de pontos da última figura sobre o experimento
das duas fendas mais acima. A mecânica quântica consegue prever a
luminosidade das faixas com perfeição, mas não diz nada sobre a posição de
cada ponto individual.

Essa situação já era evidente mesmo antes das teorias de


Heisenberg e Schrödinger. Por isso, alguns físicos achavam que
a mecânica quântica estava incompleta – e que, no futuro, seria
descoberto um aperfeiçoamento que lhe daria instrumentos
para fazer previsões teóricas de eventos individuais, como a
física clássica consegue (em teoria) para jogos de moedas ou
de dados. No entanto, a mecânica quântica parecia “saber”
antecipadamente que aperfeiçoamento seria esse, pois ela
conseguia prever as médias!

O caso era tão grave que não houve consenso. A pequena


comunidade de grandes físicos que lutava tateando no escuro
para construir uma teoria quântica, na primeira metade do
século, cindiu-se.

Um grupo, liderado por Albert Einstein, acreditava que a


mecânica quântica estava incompleta. Desse grupo também
fazia parte ninguém menos que Erwin Schrödinger, um dos dois
autores da forma final da teoria

O outro grupo, liderado por Niels Bohr, achava que a mecânica


quântica não podia prever casos individuais porque a natureza
era assim. O indeterminismo seria uma característica intrínseca
da própria natureza. Foram famosos os debates entre Einstein e
Bohr sobre isso, nos anos 1920 e 1930. Ao lado, os dois (Bohr à
esquerda) na casa do físico Paul Ehrenfest, na Holanda, em
1925.

Voltando ao experimento das duas fendas, com os fótons


aparecendo em pontos específicos da placa fotográfica: a
interpretação indeterminista diz que não há modo de se prever
em qual ponto da tela o fóton se manifestará, porque a própria
natureza se comportava de modo intrinsecamente
indeterminista nessa “escolha”. Foi ao criticar essas idéias que
Einstein cunhou a famosa frase “Deus não joga dados”.

O veredicto

Algumas tentativas de se completar a mecânica quântica foram


feitas, mas, em 1965, John Bell descobriu um teorema muito
geral que praticamente destruiu as possibilidades da
recuperação do determinismo! A partir da análise teórica de um
experimento simples com duas partículas distantes, ele
mostrou que qualquer teoria que:

1. reproduza os resultados da mecânica quântica (isso é


necessário, pois a quântica concorda com as
observações) e que
2. pretenda recuperar o determinismo

deverá necessariamente envolver velocidades infinitas.


Acontece que velocidades infinitas contradizem a teoria da
relatividade especial, que está bem fundamentada e foi
fartamente verificada em laboratórios.

Mesmo assim, Bell incluiu no seu teorema um teste


experimental que serviria de tira-teima, baseado na mesma
experiência com duas partículas. Ironicamente, essa
experiência foi imaginada por Einstein em 1935 (junto com
Podolski e Rosen) para provar que a mecânica quântica, como
estava formulada, levava a consequências filosoficamente
inaceitáveis. Bem, a partir de 1981, com o trabalho de Alain
Aspect, conseguiu-se realizar esse experimento e o tira-teima
foi... favoráve l ao indeterminismo
quântico!

Ao que tudo indica, parece que a natureza é mesmo


indeterminista. Mas isso não implica em que qualquer coisa
possa acontecer. No mundo cotidiano, como há enorme
quantidade de partículas, as médias quânticas são
indistinguíveis das certezas previstas pela física clássica – da
mesma forma que, se uma moeda é jogada para o alto cada vez
mais vezes, podemos prever com cada vez mais certeza de que
o número de caras será exatamente 50% do total. Mas, para
situações que envolvam o comportamento de átomos,
moléculas e partículas subatômicas, a mecânica quântica
consegue fazer previsões mais precisas que a física clássica!
(Lembre-se do sucesso da teoria de Planck.)

O quantum ao nosso redor

Tudo isso pode parecer muito “estratosférico”. Afinal, átomos e


partículas subatômicas são muito pequenas e, no mundo real, e
superposições quânticas são inobserváveis em objetos
macroscópicos...

No entanto, muitos fenômenos físicos importantes para a


tecnologia moderna envolvem o comportamento dos átomos e,
assim, são afetados pelos fenômenos quânticos descob

ertos a partir de 1900. Correntes elétricas, por


exemplo. Foi com a teoria quântica que John Bardeen, Walter
Brattain e William Shockley inventaram o transistor em 1947.
Esse dispositivo causou uma revolução na eletrônica e permitiu
o aparecimento dos microcomputadores modernos. Tudo que
usa chip, de telefones celulares a registros eletrônicos em
contra-capas de livros, baseiam-se na teoria quântica.

Os lasers também são explicados e projetados com base nessa


teoria – logo, sempre que usamos um CD, um DVD ou um blu-ray,
estamos usando tecnologia projetada com base quântica. O
mesmo para as usinas nucleares (que usam a quântica junto
com a relatividade), tecnologias que usam materiais que
emitem calor e luz, como resistências elétricas e filamentos de
lâmpadas incandescentes (usam a fórmula de Planck para
radiação térmica), e também células fotoelétricas e lâmpadas
fluorescentes. Além disso, a teoria quântica é usada para
explicar o funcionamento do Sol, para determinar a composição
química das estrelas distantes a partir de sua luz e muitas
outras coisas. Enquanto isso, novas tecnologias estão sendo
nascendo, como o computador quântico.

Com o advento da tecnologia moderna, a humanidade passou a


viver num mundo cercado de manifestações dos quanta.

A física se move

Se todas as partículas exibem fenômeno quânticos, então toda


a física teve que ser alterada. Assim, além de uma mecânica
quântica, existe hoje um a teoria quântica da eletricidade, do
magnetismo, das forças nucleares e assim por diante. Mas isto
ainda não terminou. Não existe ainda uma teoria quântica da
gravidade. Esta é uma das principais fronteiras da física teórica
atualmente. Há apenas algumas teorias hipotéticas (como a das
supercordas), esperando pelos testes experimentais em
laboratório. Uma das coisas que o famoso acelerador de
partículas em Genebra, o LHC, deverá fazer é ajudar a testar
essas teorias. Dificilmente haverá um teste tira-teima, pois isto
exigiria um aparelho muitíssimo maior. Mas, se tivermos sorte,
poderemos avançar muito neste conhecimento.
Um dos detectores de partículas do
LHC. Repare o tamanho do homem perto dele.

Para saber mais - O livro de John Gribbin, "Fique por dentro da


física moderna", contém informações muito acessíveis e
didáticas sobre a mecânica quântica e o resto da física
moderna (e um pouco de física clássica, também). Muito bom.

Resumo

 A quantização da energia diz que a energia não é


sempre contínua; há casos em que apenas alguns
valores específicos são permitidos.

 Para passar de um nível permitido para outro, a


partícula não pode passar pelas energias
intermediárias, "proibidas", então deve dar um "salto
quântico".

 Partículas (incluindo fótons de luz) têm comportamento


dual: comportam-se como ondas enquanto estão
transitando pelo espaço, mas podem comportar-se
como corpúsculos quando interagem com a matéria.
 A mecânica quântica é indeterminista: só prevê
probabilidade e médias, não tendo instrumentos
teóricos para fazer previsões precisas sobre eventos
individuais.

 Alguns cientistas, como Albert Einstein, acreditavam


que o determinismo poderia ser recuperado se se
completasse a mecânica quântica de alguma forma. O
teorema de Bell, entretanto, sepultou essas
esperanças.

 Muitas tecnologias modernas estão baseadas na


mecânica quântica, dos chips aos lasers.

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