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O corpo e o lugar: as relações entre

moda e arquitetura
“Moda é arquitetura: uma questão de proporção.”

Quando a estilista Gabrielle Chanel (sempre ela) proferiu esta célebre frase, expôs
um dos vieses de interação entre as duas áreas criativas: aquele que trata da
estrutura. Proporção, equilíbrio, contraste, ritmo, harmonia e ênfase são alguns
dos princípios que norteiam todo o traçado propositivo, em diferentes escalas e
suportes. Nas artes visuais, seja na pintura, na arquitetura, no design ou na moda
(neste caso entendida como o desenho de vestuário e acessórios), é o minucioso
arranjo ou a negação proposital destes e de outros fundamentos que fazem com
que a informação captada pelos sentidos seja apreciada por cada ser humano,
com base em sua bagagem cultural, memória e gostos pessoais.

Relação entre moda e arquitetura. Fonte: http://www.ruhamajunqueira.com.br


A princípio, moda e arquitetura se aproximam uma vez que vestir e habitar são
duas necessidades básicas análogas, que residem na interação entre o eu e o
não-eu, entre as pessoas e o meio físico e social. No livro O hábito fala pelo
monge, o filósofo Umberto Eco pontua que a função de cobrir e proteger do calor
ou do frio não passa de cinquenta por cento do conjunto de um vestuário,
atualmente. O resto é uma opção ideológica, é uma mensagem. Segundo ele, “o
vestuário é comunicação.” Na arquitetura, igualmente o objeto cede parte da
importância funcional para se tornar um sinal que exprime um discurso.

O arquiteto italiano Francesco Lucchese, em uma palestra na Expo Revestir em


2010, resumiu que “a moda e a arquitetura nos protegem, nos dão abrigo e
expressam nossa identidade pessoal, política, religiosa e cultural.”
Moda: um conceito amplo

Sabe-se que o design de moda, assim como a arquitetura e o design de interiores,


consiste na criação de produtos tangíveis e carregados de significado, levando em
conta tendências, definição do consumidor-alvo e recursos disponíveis. A moda
neste cenário criativo é popularmente entendida como sinônimo de tendência,
quando se diz que algo “está na moda”.

Porém, é importante diferenciar moda de um modismo pontual. O conceito mais


amplo do termo, conhecido no meio acadêmico mas não muito difundido na
sociedade, é o de que moda significa o ethos (o conjunto de costumes, hábitos,
crenças e traços comportamentais) que rege a sociedade moderna como um todo.
Surgida a partir do século XIV, a moda é a busca permanente do novo, da
diferenciação dos indivíduos e do descarte do que se considera ultrapassado,
mesmo que a função do produto não se torne obsoleta. “É um jogo eterno de
distinção e imitação”, definiu o filósofo Gilles Lipovetsky em sua obra O Império do
Efêmero.
Arquitetura e moda no estilo Gótico, século XIV. Fonte: ZANDOMENECO, Ingrid
Etges. O corpo e o lugar – As relações entre moda e arquitetura. UDESC,
Florianópolis, 2011
Arquitetura e moda no estilo Barroco, século XVII. Fonte: ZANDOMENECO, Ingrid
Etges. O corpo e o lugar – As relações entre moda e arquitetura. UDESC,
Florianópolis, 2011
Arquitetura e moda no estilo Rococó, século XVIII. Fonte: ZANDOMENECO, Ingrid
Etges. O corpo e o lugar – As relações entre moda e arquitetura. UDESC,
Florianópolis, 2011
Estilo Art Deco, décadas de 1920 e 1930. Fonte: ZANDOMENECO, Ingrid Etges. O c
orpo e o lugar – As relações entre moda e arquitetura. UDESC, Florianópolis,
2011.
Arquitetura e moda na década de 1930. Fonte: ZANDOMENECO, Ingrid Etges. O corp
oeo

Para o sociólogo francês Gabriel de Tarde, todas as condutas e setores de uma


sociedade estão sujeitos às tendências da moda, como um fenômeno necessário
no curso do desenvolvimento das civilizações. A moda é explicada por ele como
“uma forma de relação entre seres, um laço social caracterizado pela imitação dos
contemporâneos e pelo amor às novidades estrangeiras.”

Criando e recriando padrões efêmeros e sazonais, a moda se encontra por trás de


inúmeras áreas, como a arquitetura, paisagismo, decoração, tecnologia, estilo de
vida, linguagem (gírias, neologismos), alimentação, música, artes plásticas,
cinema, indústria de bens, eletrodomésticos, automobilismo, entre outros. Porém,
quando se fala em estilismo ou design de moda, se trata principalmente do
desenho de vestuário, acessórios e design têxtil.

Interseções da arquitetura com a moda

A arquitetura influencia a moda na criação tridimensional, definição de estruturas,


volumetrias, texturas, linhas e cores, não sendo raro estilistas se inspirarem em
arquitetos e em suas obras, e também com arquitetos assinando coleções de
vestuário e acessórios, revelando o lado multifacetado dos profissionais do
segmento criativo.
Desfile Domenica no Paraná Business Collection em 2013. Coleção desenhada
pelas estilistas Ingrid Zandomeneco e Giovana Baggio, inspirada no arquiteto
catarinense Jader Almeida. Fonte: Agência Fiep.
Desfile Domenica no Paraná Business Collection em 2013. Coleção desenhada pel
as estilistas Ingrid Zandomeneco e Giovana Bagg

o, inspirada no arquiteto catarinense Jader Almeida. Fonte: Agência Fiep.


Desfile Domenica no Paraná Business Collection em 2013. Coleção desenhada pel
as estilistas Ingrid Zandomeneco e Giovana Baggio, inspirada no arquiteto
catarinense Jader Almeida. Fonte: Taise Amorim.
Desfile Domenica no Paraná Business Collection em 2013. Coleção desenhada
pelas estilistas Ingrid Zandomeneco e Giovana Baggio, inspirada no arquiteto
catarinense Jader Almeida. Fonte: Taise Amorim
Desfile Domenica no Paraná Business Collection em 2013. Coleção desenhada pel
as estilistas Ingrid Zandomeneco e Giovana Baggio, inspirada n

A moda, por sua vez, influencia a arquitetura quando reforça a busca pelo novo,
com o olhar atento às tendências de comportamento, utilização dos espaços,
materiais e cores junto do programa de necessidades. Um exemplo é a cartela
anual de cores Pantone, antes restrita à aplicação têxtil e agora servindo de
suporte para especificação de revestimentos e acabamentos nos projetos,
principalmente na arquitetura comercial, de interiores e de instalações temporárias.

Outras interseções importantes das duas áreas são o vitrinismo e o visual


merchandising, duas profissões que tratam da apresentação e disposição de
produtos em seus pontos de venda, sendo o primeiro restrito à vitrine e o segundo
aberto também ao interior das lojas. Segundo Sylvia Demetrescu, doutora em
Comunicação e Semiótica, os dez segundos que o consumidor visualiza a vitrine
são responsáveis por 70% das vendas na loja. Isto reforça a importância dos
conhecimentos de moda, arquitetura e design para uma abordagem assertiva na
gestão de marcas.

Coleções assinadas para arquitetura de interiores

Um fenômeno que surgiu para ampliar este universo estético são estilistas
assinando peças e coleções para a arquitetura de interiores. Segundo o arquiteto
e designer de consumo Maurício Queiroz, desde meados da década de 1980 essa
estratégia começou a ser impulsionada. “Missoni Home foi uma das pioneiras,
Armani Casa depois, em 1992. Ainda temos Bulgari, Fendi, Versace, Diesel e Zara
Home, que é mais popular, mas trabalha bem essa união. Além das marcas que
oferecem mobiliários e moda, elas também assinam grandes construções de
arquitetura, como hotéis e galerias”, acrescenta.

No mercado brasileiro existem alguns exemplos desta prática. No design de


produto, a marca Tok&Stok encomendou criações de móveis e acessórios a
estilistas como Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch, Jum Nakao e Amir Slama,
e a marca Jatobá Revestimentos produziu em 2012 uma linha cerâmica com
estampas exclusivas desenhadas pela estilista Adriana Barra.
Criações de Alexandre Herchcovitch para Tok&Stock e Desfile da marca A.H. em
2010. Fonte: ZANDOMENECO, Ingrid Etges. O corpo e o lugar – As relações entre
moda e arquitetura. UDESC, Florianópolis, 2011.
Estampas de cerâmica Jatobá desenhadas por Adriana Barra, 2012. Fonte:
www.revestimentosprime.com.br

Um expoente desta relação é a marca de móveis planejados DellAnno Home


Styling, que define seu processo como “a união perfeita entre a moda e a
arquitetura, traduzida no conceito de vestir a casa.” A ideia, segundo a empresa, é
a de transformar o lar “numa extensão do lifestyle dos moradores.” Por isso, foram
fechadas parcerias com ícones da moda brasileira para desenvolvimento de
coleções assinadas.

Padrão Duo Chamalote assinado pelo estilista Reinaldo Lourenço para DellAnno.
Fonte: http://www.dellanno.com.br/pedrolourenco/

A primeira destas parcerias ocorreu em 2011 com o estilista Reinaldo Lourenço,


que contextualizou: “A moda é a arquitetura do corpo. É muito importante para a
moda pensar com a cabeça de arquiteto. […] Sempre olhei para a arquitetura.
Olhei já para Art Nouveau, Art Deco, Brasília… Não tem como viver fazendo moda
sem olhar para a arquitetura.” Após Reinaldo Lourenço, passaram pela criação de
padrões para os móveis as marcas Animale, Pedro Lourenço e agora em 2016,
Glória Coelho.
Padrão Ashanti assinado pela marca Animale para DellAnno. Fonte:
http://www.dellanno.com.br/animale/
Padrão Moon assinado pelo estilista Pedro Lourenço, e modelo Izabel Goulart para
DellAnno. Fonte: http://www.dellanno.com.br/pedrolourenco/

A interação criativa destas áreas é ampla e não possui limites. Nas relações em
que a moda e arquitetura já se permearam e nas que ainda estão por vir, o
resultado final esperado é sempre de vanguarda, com a criação de novidades que
explorem as barreiras e possibilidades destes suportes fundamentais: o corpo e o
lugar.
Este texto foi escrito ao som do álbum Woman, de Rhye.

Ingrid Etges Zandomeneco – formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFSC e


em Moda com habilitação em Estilismo pela UDESC, possui especialização em
Design de Interiores e Iluminação, é apaixonada por arte e criação e atualmente
trabalha com planejamento urbano.

Referências bibliográficas:

DEMETRESCU, Sylvia; MAIER, Huguette (Org.). Vitrinas


Entre_vistas: Merchandising Visual. São Paulo: Senac, 2004.

LLEDÓ, Maria Júlia. Design tanto na moda como na arquitetura. Jornal Correio


Braziliense. 14.09.2011. Disponível em:
<http://opopular.lugarcerto.com.br/app/401,60/2011/09/14/interna_decoracao,4525
6/design-tanto-na-moda-como-na-arquitetura.shtml> Acesso em: 03.nov 2011.

LIPOVETSKY, Gilles. Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades


modernas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1991

LOURENÇO, Reinaldo. Parceria DellAnno. Entrevista, 2011. Disponível em:


<http://www.dellanno.com.br/reinaldo/parceria.php> Acesso em: 23.out.2011

SANT’ANNA, Mara Rúbia. A moda – o desafio de pensá-la além do produto.


Modapalavra, Florianópolis: UDESC, v.2, 2003.

TOK&STOK. Coleções assinadas por estilistas. Disponível em:


<http://www.tokstok.com.br/app?
page=PaginaSimplesMenu&service=page&ps=41,54973,55001,55005 > Acesso
em: 01 nov. 2011

LUCCHESE, Francesco. Palestra sobre Arquitetura e Moda na feira Revestir


2010. (Trechos) Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/historia-da-
moda/a-moda-e-arquitetura-nunca-estiveram-tao-proximas/>  Acesso em: 20 mar.
2016.

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