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Capítulo 6 – Introdução aos instrumentos musicais – “Acústica Musical”, Luiz L.

Henrique – Ed. Calouste Gulbenkian

Instrumentos musicais: através deles podemos exprimir e transmitir idéias e sentimentos –


alguns são autênticas obras de arte.
Neste capítulo: propriedades e características dos principais instrumentos, e o seu
posicionamento na orquestra sinfônica.

6.1) O instrumento musical do ponto de vista físico

Ex: violino tocando – observamos a vibração das suas cordas, mas não conseguimos ver o
movimento vibratório de toda a estrutura do instrumento: comporta-se como um conjunto
de osciladores de grande complexidade.

Instrumento: - sistema excitador


- sistema ressoador
- sistema radiante

Sistema excitador – mecanismo físico que gera as vibrações transformando energia não-
vibratória em energia vibratória.
Ex. de interações:
- martelo/corda no piano
- fluxo do ar/vibração labial nos metais
- baqueta/membrana no timbale
- fluxo do ar/vibração da palheta dupla no oboé
- movimento do arco/vibração da corda do violino

Nos instrumentos de cordas (cordofones) os modos de por uma corda em vibração são:
percutir, friccionar ou dedilhar (ou beliscar).

Nos instrumentos de sopro (aerofones) os modos de excitar uma coluna de ar são: jato de
ar, palheta ou vibração labial.

O sistema excitador pode ser bem diferente consoante o tipo de energia envolvida na
produção sonora:
- instrumentos mecânicos – vibrações mecânicas
- instrumentos eletrônicos – osciladores eletrônicos ou dispositivos informáticos

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Sistema ressoador – através do acoplamento do sistema excitador com o sistema ressoador,
as oscilações são amplificadas, filtradas ou modificadas.
Ex.:
- corda e caixa no violino
- tubo e modos acústicos na trompa
- cordas e caixa de ressonância no violão
- cordas vocais e trato vocal no aparelho vocal humano

Sistema radiante – transmite as vibrações ao ar circundante originando a onda sonora que se


propaga no meio até atingir os nossos ouvidos (ou um gravador ou detetor). A energia
vibratória e acústica resultante dos sistemas excitador e ressoador é transformada em
energia vibratória do ar (energia acústica radiante).
Ex.:
- orifícios laterais e pavilhão
- tampo harmônico no piano
- pavilhão no trombone
- caixas do violão e do violino (e massa de ar interior)

sistema excitador – energia


sistema ressoador – ondas estacionárias no interior do instrumento
sistema radiante – energia transferida por radiação para o exterior (não pode ser total)

Interação dos sistemas excitador, ressoador e radiante – os 3 sistemas são acoplados,


interagindo entre si.
Uma mesma parte do instrumento pode ter diversas funções:
- corda do violino – sistema excitador e ressoador
- lâmina do xilofone – 3 sistemas

Aspectos lineares e não lineares – de uma maneira geral, os aspectos lineares estão no
sistema ressoador e os aspectos não-lineares encontram-se no sistema excitador.

OBS: Apêndice C.18 – Linearidade e não-linearidade


Num contexto determinista, parte das grandezas de um sistema físico são
consideradas variáveis de entrada (ou excitação) e outras de saída (ou resposta) do sistema
em estudo (ou observação).

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Nos sistemas ditos lineares o princípio da superposição é válido, isto é, a resposta a
uma combinação linear de entradas é a combinação linear das respostas do mesmo sistema
a cada uma das entradas.

x1, x2, ..., xn – n grandezas de entrada


a1, a2, ..., an – n fatores arbitrários
n
y = ∑ ai xi y - excitação
i =1
n n
L( y ) = L(∑ ai xi ) = ∑ ai L( xi )
i =1 i =1
Exemplos:
1) A força (de natureza gravitacional) exercida por um dado objeto A sobre um outro
de massa não nula, é proporcional à massa do primeiro.
F = km onde m é a massa do objeto A
k é a constante de proporcionalidade
F é a força exercida por A

2) A taxa de desintegração de uma certa substância radioativa é, em cada instante,


proporcional à quantidade de substância.
m´= km onde m´é a massa do objeto A
k é a constante de proporcionalidade
m é a quantidade de substância em cada instante

Capítulo 3 – seção 3.3 – Efeitos não lineares


Diz-se que um sistema é linear quando duplicando a excitação do sistema a resposta
também duplica.
Relativamente aos sistemas oscilatórios – as componentes eventualmente não-
lineares a considerar são a elasticidade e o amortecimento.
Ex:
- colisão da palheta na boquilha
- força do martelo na corda do piano
- equações da dinâmica dos fluidos
Muitos sistemas possuem forças de rigidez e/ou dissipativas que não variam
proporcionalmente ao deslocamento ou à velocidade. As conseqüências mais importantes
são:
- o sistema não obedece ao princípio da superposição
- as respostas vibratórias e acústicas apresentam freqüências novas que não existiam
na excitação (freqüência harmônicas, sub-harmônicas e sons diferenciais)
Um exemplo de sistema não linear é o oscilador tipo pêndulo, que é um sistema
“amolecente”, porque o aumento da amplitude de excitação torna o sistema menos rígido.
Neste caso, o aumento da amplitude origina uma diminuição da freqüência.

Princípio da Superposição
Uma das propriedades dos sistemas lineares é verificarem o princípio da superposição:
se num sistema linear se introduz um sinal de excitação que é a soma de vários sinais, o

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sinal de resposta obtido à saída é igual à soma das respostas que seriam obtidas se as
excitações fossem introduzidas isoladamente. Verifica-se também que o sinal de resposta só
tem energia nas mesmas freqüências do sinal de excitação.
Ex:
- um amplificador
- um oboé e um violoncelo tocando juntos

Sons de Combinação
Os sons de combinação ou sons diferenciais são sons que podem surgir em
determinadas condições, devido à presença simultânea de dois ou mais sons, sendo de dois
tipos: diferenciais e adicionais. Como o próprio nome sugere, sons diferenciais são sons
cuja freqüência é igual à diferença das freqüências dos sons geradores; sons adicionais são
sons de freqüência igual à soma das freqüências dos sons em causa. Os sons diferenciais
são também conhecidos por sons de Tartini.
Os sons resultantes são em geral devidos às não-linearidades dos sistemas – é um
fenômeno que, no domínio da eletrônica, se designa por distorção de intermodulação. No
entanto, a sua origem pode ser física ou psicofísica: ou são gerados pelas não-linearidades
dos equipamentos, ou são gerados pelas não-linearidades do nosso ouvido.
Os sons diferenciais podem ser de primeira ordem, de freqüência fdif = f1 – f2 ou sons
diferenciais cúbicos, de freqüência fdif = 2f1 – f2 (ver tabela 3.2 e figura 3.3).
Podem existir sons diferenciais muito menos perceptíveis, de ordem mais elevada, de
freqüências: fdif = 3f1 – 2f2, fdif = 4f1 – 3f2, ...
Genericamente pode-se dizer que as freqüências dos sons diferenciais são dadas pela
expressão:
(n+1)f1 – nf2

Distorção
Um efeito não linear é a distorção. Genericamente podemos dizer que num determinado
sistema há distorção quando há modificação das características do sinal. A não linearidade
é a causa física do fenômeno, a distorção é uma conseqüência. Pode ocorrer nos sistemas
produtores ou nos sistemas reprodutores. De uma maneira geral, nos sistemas reprodutores
a distorção é negativa, nos sistema produtores, basicamente é positiva.
Os tipos de distorção mais importantes são:
- harmônica – consiste na introdução no sistema de freqüências harmônicas da
freqüência fundamental, que não existiam no sinal original;

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- de intermodulação – consiste na introdução de sons diferenciais e adicionais, em
presença de duas ou mais freqüências simultâneas no sinal de excitação;
- de transiente – pode ocorrer quando algum componente do sinal não consegue dar
uma resposta suficientemente rápida a uma variação brusca do sinal.
Além dessas distorções há também os harmônicos aurais, que surgem no ouvido.
f1 e f2 – sinal de entrada
mf1 ± nf2 – sinal de saída

Nos casos não-lineares o princípio da superposição não se aplica. Exemplo:


F(x) = x3
F(x1+x2) = (x1+x2)3 ≠ x13+x23

Voltando ao cap. 6
Vejamos alguns exemplos concretos de comportamentos não lineares:
- nos instrumentos de palheta (clarinete e saxofone – palheta simples; oboé e fagote –
palheta dupla) existem não-linearidades entre o movimento da palheta e o fluxo do
ar;
- nos instrumentos de bocal (trompete, trompa, trombone e tuba) existe interação não-
linear entre os lábios do músico e o fluxo de ar por ele introduzido;
- nos instrumentos de corda friccionada (violino, viola, violoncelo e contrabaixo) a
força de atrito existente entre o arco e a corda é fortemente não-linear;
- nos instrumentos de corda dedilhada (violão) surgem não-linearidades quando se
puxa a corda com bastante força;

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- nos instrumentos de percussão (caixa de guerra e tarol) há efeitos não lineares
quando se percute a pele com uma força acima de um determinado limite.

6.2) Classificação dos instrumentos

Na classificação de Hornbostel e Sachs, os instrumentos são classificados com base


num princípio acústico: qual o elemento vibratório que produz o som.
- Idiofones – o som é produzido pela vibração de corpos sólidos (placas, varas,
barras) sem precisarem estar submetidos a tensão.
- Membranofones – o som é produzido por uma membrana tensa.
- Cordofones – o som é produzido por uma corda tensa.
- Aerofones – o som é produzido pela vibração do ar.
- Eletrofones (adicionados mais tarde à classificação) – o som é produzido a partir da
variação da intensidade de um campo eletromagnético. A radiação do som é feita
por um alto-falante que converte sinais elétricos previamente amplificados em
ondas acústicas.

6.3) Disposição dos instrumentos na orquestra sinfônica

A disposição dos músicos na orquestra pode variar bastante e depende de diversos


fatores: do número de músicos, do tamanho e forma do palco, do repertório (aspectos
estéticos e acústicos). As características direcionais de radiação dos instrumentos alteram
necessariamente o resultado sonoro.

Disposição alemã ou européia:


- Os dois naipes de violinos encontram-se em posições opostas: primeiros à esquerda
do maestro e segundos à direita.
- Os violoncelos ficam praticamente em frente ao maestro, ao lado dos primeiros
violinos.
- As violas ficam entre os segundos violinos e os violoncelos.
- Os contrabaixos do lado esquerdo atrás dos primeiros violinos

Disposição americana: da esquerda para a direita – primeiros violinos, segundos


violinos, violas, violoncelos e contrabaixos (ordenamento de freqüências do agudo ao
grave). Esta era a disposição preferida para gravações estereofônicas de grandes orquestras.

Existem inúmeras passagens musicais que exploram o efeito espacial resultante de uma
determinada disposição dos instrumentos.
Ver caixa 6.1 – Instrumentos transpositores

6.4) Características tímbricas

Duração dos transientes – depende de 3 fatores: freqüência, amortecimento do sistema e


condições de ataque do instrumento. Relativamente aos transientes de decaimento apenas
os dois primeiros fatores devem ser considerados: a duração temporal dos transientes
aumenta quando as freqüências e os amortecimentos modais diminuem. A influência das

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condições de ataque não é tão sistematizável, variando bastante e de forma não monotônica
com os parâmetros de ataque.

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Gama dinâmica – de uma maneira geral, quando um sistema é excitado com mais força,
os modos de alta freqüência ganham mais energia do que os modos de baixa freqüência,
conseqüência dos efeitos não-lineares nos instrumentos.

Ver figuras 6.3 e 6.4

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Vibrato – é uma modulação de freqüência e amplitude, freqüentemente usada pelos
executantes de modo intencional para obter determinado efeito expressivo. A freqüência do
vibrato varia normalmente entre 5 a 8 Hz.

Regiões formânticas – os formantes foram definidos como zonas do espectro de grande


amplitude

Ver caixa 6.2 – A orquestra filarmônica de Viena

6.5) Radiação e direcionalidade

Os instrumentos musicais, pela sua geometria e modo de execução, são sistemas


radiantes de grande complexidade que se afastam mais ou menos dos monopolos,
apresentando portanto características direcionais.
Característica direcional – dependência, relativamente à direção, do nível de pressão
sonora radiada (varia com a freqüência).
- permite otimizar o posicionamento dos instrumentos num conjunto instrumental
- é fundamental para decidir a colocação dos microfones numa gravação
- permite tirar melhor partido da acústica de uma sala

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Jüngen Meyer realizou durante vários anos um estudo sistemático de caracterização e
medição da direcionalidade dos instrumentos da orquestra. Numa primeira fase efetuou
medições em câmara anecóica, e mais tarde mediu em situação real, na sala de concertos de

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Braunschweig. Acima de 500 Hz não existe radiação omnidirecional para nenhum
instrumento.

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Para avaliar a grandeza da direcionalidade Meyer (1995) definiu o fator estatístico de
direcionalidade relativo à energia, como a relação entre a pressão sonora gerada por um
instrumento real e a pressão sonora gerada por uma fonte omnidirecional, radiando a
mesma potência sonora. Quanto maior for o fator de direcionalidade menor é o ângulo
privilegiado de radiação (Ver fig. 6.8).

6.6) O conceito de qualidade de um instrumento

A qualidade sonora de um instrumento musical depende de muitos fatores, dos quais


alguns são acústicos e estão relacionados com as propriedades vibratórias do instrumento e
com a radiação sonora (engloba aspectos objetivos e subjetivos). Uma execução musical
depende do músico e do instrumento.
É necessário determinar as características espectrais de sons individuais avaliando
aquelas que os músicos consideram boas. É possível estabelecer critérios mensuráveis para
avaliar a sua qualidade.
Relativamente ao violino, o nosso conceito sonoro de um excelente instrumento está
baseado num longo período de transmissão de geração em geração daquilo que se considera
um bom instrumento. Os grandes violinistas profissionais tocam quase invariavelmente em
violinos italianos antigos. Meyer investigou esta questão medindo as duas principais
freqüências de ressonância de 100 violinos, entre os quais alguns Stradivarius, outros
italianos antigos, franceses e outros.

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Meyer mediu também o nível de bandas de 1/3 de oitava centradas em 315 Hz e 400
Hz.

O desenvolvimento do nosso critério de qualidade é resultado da interação entre


compositores, construtores, músicos e ouvintes, ao longo de alguns séculos.

Ver caixa 6.3 – É o músico que “faz” o instrumento?

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