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Jacinta Enzweiler 1 23/11/2010

Espectrometria de Fluorescência de Raios X

A espectrometria de fluorescência de raios X (FRX ou XRF) é uma das técnicas


analíticas mais utilizadas em geoquímica. A indústria mineral, tanto de exploração como de
beneficiamento também utiliza amplamente a fluorescência de raios X, especialmente para
fins de controle de processo. As aplicações principais em geoquímica são as determinações
de elementos maiores, menores e traços em rochas, solos e sedimentos. Dentre os
elementos-traços, os mais favoráveis à determinação por FRX, em função de limites de
detecção e abundância crustal, são Ba, Ce, Cr, Cu, Ga, La, Nb, Ni, Pb, Rb, Sc, Sr, Th, V, Y,
Zn, Zr. Os resultados da XRF sempre são de concentrações elementares totais. A XRF
também pode ser útil na análise de amostras mineralizadas, para determinar elementos em
concentração anômala (p.ex., As, Sb, Bi, Ta, W).
Um dos principais atrativos da XRF é a relativa simplicidade de preparação da
amostras já pulverizadas. A fusão das amostras com fundentes e o posterior resfriamento
produz vidros. Esta forma de homogeneização da amostra facilita a determinação de
elementos maiores e menores (Na, Mg, Al, Si, P, K, Ca, Ti, Mn, Fe). A preparação direta
de pastilhas prensadas a partir da amostras pulverizadas também é muito usada, mas
encontra aplicação mais freqüente na determinação de elemento-traço. Os limites de
detecção da XRF convencional, da ordem de alguns até dezenas de ppm, não são uniformes
para todos os elementos. Elementos leves (Z<10) não são analisados na XRF convencional
e a baixa concentração de muitos elementos-traço (p.ex., metais nobres) em amostras
geológicas comuns impede a sua determinação por esta técnica.
A fluorescência de raios X dos elementos presentes numa amostra ocorre quando esta
é atingida por raios X oriundos de um tubo de raios X. Ao incidirem nos átomos da
amostra, esses raios X primários ejetam elétrons das camadas próximas do núcleo (Figura
1). As vacâncias assim criadas são imediatamente preenchidas por elétrons das camadas
mais externas e simultaneamente há emissão de raios X (fluorescentes ou secundários) cuja
energia corresponde à diferença entre as energias dos níveis e sub-níveis das transições
eletrônicas envolvidas.
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Emissão
Excitação

Figura 1. Ilustração da excitação dos níveis eletrônicos internos, com a ejeção de um elétron da camada K e
possibilidades de preenchimento da vacância com elétrons dos níveis mais externos, com a consequente
emissão de raios X e a notação correspondente.

Os níveis eletrônicos são denominados K, L, M, N, sequencialmente a partir do


núcleo. Uma vacância na camada K pode ser preenchida por elétrons de diferentes sub-
níveis das camadas L ou M. Como consequência, há a emissão de radiação eletromagnética
cuja energia corresponde à região dos raios X. Cada transição entre sub-níveis específicos,
possui uma energia característica e por isto, uma denominação única. Por exemplo, a
vacância da camada K pode ser preenchida por elétrons de dois sub-níveis da camada L, o
que origina raios X com dois valores de energia, Kα1 e Kα2 conforme mostrado na Fig. 1.
Elétrons da camada M também podem ocupar a vacância da camada da K e tal transição dá
origem a raios X Kβ. Da mesma forma, vacâncias da camada K são preenchidas por
elétrons das camadas M e N, e os raios X característicos emitidos recebem denominações
Lα, Lβ com índices específicos.
As energias dos raios X, emitidas em decorrência das transições eletrônicas,
correspondem às diferenças de energia dos sub-níveis envolvidos. Na ilustração da Figura 2
há um diagrama dos níveis e sub-níveis do átomo de bário. As flechas indicam transições
eletrônicas elétrons das camadas L e M para vacâncias nas camadas K e L. As energias
correspondentes dos níveis e/ou sub-níveis estão indicadas estão indicadas à direita. Por
exemplo, a energia da transição Kα1 é dada pela diferença de energia da transição, isto é,
EKα1=37,441-5,247=32,194 keV e a energia da transição Kα2 é EKα2=37,441-5,634=31,807
keV.
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Kα1 Kα2 Kβ1 Kβ3 Kβ2’ Kβ2” Lβ2 Lα2 Lβ1

Figura 2. Diagrama dos níveis e sub-níveis energéticos do bário, com as respectivas energias (em keV)
indicadas à direita. Uma vacância de elétron na camada K pode produzir as cinco emissões K indicadas, cada
uma delas com certa probabilidade de ocorrer e energia equivalente à diferença de energia da transição.

Cada transição eletrônica tem certa probabilidade de ocorrer e, consequentemente, as


linhas têm intensidades diferentes entre si. Por exemplo, a linha EKα1 tem o dobro da
intensidade da linha EKα2. Para muitos elementos, a energia destas duas linhas é muito
próxima, e não é possível medi-las separadamente. Nestes casos é observado um único
pico, denominado Kα1,2 com energia intermediária entre aquelas das linhas separadas.
Cada tipo de átomo tem um espectro de raios X característico e único e, em geral, a energia
da transição mais intensa é usada na análise.
A análise é realizada num espectrômetro de fluorescência de raios X, que contém a
fonte de excitação, em geral um tubo de raios X, o porta-amostras com o espécime, e os
sistemas de dispersão, detecção e processamento de dados, conforme ilustrado na Fig. 3.
espécime detetor

colimador

Tubo de cristal

Tubo de raios X

Figura 3. Arranjo instrumental de um espectrômetro de fluorescência de raios X.


O tubo de raios X é operado em condições que superem a energia crítica de excitação
das linhas que serão usadas na medição dos elementos de interesse. Por exemplo, no caso
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do bário, a energia crítica de excitação do nível K é 37,441 keV. Portanto, para excitar o
nível K do Ba, o tubo de raios X deve ser operado com pelo menos 45 kV (20% a mais que
a energia crítica de excitação). Na Figura 4 há um esquema dos componentes um tubo de
raios X, cujo interior está sob vácuo.

Água de resfriamento
do ânodo
ânodo
filamento

Feixe de elétrons

Janela de Be
Raios X

Figura 4. Ilustração dos principais componentes de um tubo de raios X

O filamento, um fio de tungstênio, é o cátodo. Este, ao ser aquecido pelo


fornecimento de corrente, libera elétrons, os quais são acelerados em direção ao ânodo, em
função da potencial aplicado. A interação desses elétrons com o ânodo produz três tipos de
efeitos. No primeiro, a desaceleração dos elétrons, produz um contínuo de raios X, com
máximo de energia equivalente ao potencial de operação do tubo de raios X. Uma parte da
energia dos elétrons incidentes no ânodo excita os níveis eletrônicos internos do metal do
ânodo e produz raios X característicos dele. Os raios X saem pela janela de berílio. O
terceiro efeito é a produção de calor. A circulação de água refrigerada evita que o calor
danifique o tubo de raios X. Nos tubos de raios X usados na FRX, o ânodo metálico quase
sempre é de ródio.
Os raios X do tubo incidem na amostra e, por sua vez, também produzem vários
efeitos. Deles, o mais relevante para a FRX são os raios X característicos dos elementos
presentes no espécime. Cada linha característica a ser medida é separada dos demais raios
X produzidos na amostra (outros λ, do mesmo elemento e dos demais elementos) pelo
sistema de dispersão. O sistema mais comumente utilizado para analisar amostras
geológicas é o de dispersão de comprimentos de onda, que contém colimadores e cristais
analisadores. Para um dado comprimento de onda a ser medido, há um colimador e um
cristal adequados. Conforme ilustra a Fig. 3, um colimador é constituído por uma série de
placas paralelas. Os raios X que passam pelo colimador constituem um feixe paralelo, mas
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ainda de muitos comprimentos de onda. O comprimento de onda de interesse (isto é, de


uma dada transição, de um elemento específico) é separado dos demais por um cristal, por
difração. Esta decorre por dois fenômenos: espalhamento e interferência construtiva,
ilustrados na Figura 5.

Figura 5. Difração de raios X, a partir do espalhamento de um feixe de raios X, com os planos de átomos de
um cristal e a condição de Bragg para que ocorra a difração.

No lado esquerdo da Fig 5, dois raios paralelos incidem na face de um cristal. Um dos
raios é espalhado pelo plano superficial de átomos segundo o ângulo θ e o raio paralelo ao
primeiro, é espalhado segundo o mesmo ângulo θ pelo primeiro plano interno de átomos
paralelo ao superficial. Estes planos de átomos constituem uma família de planos
cristalinos, separados entre si pela distância d. O ângulo de emergência dos dois raios é o
mesmo de incidência, isto é, θ. A condição para que os dois raios interfiram entre si de
forma construtiva é que as ondas emergentes estejam em fase. Para que isto ocorra, a
diferença de percurso dos dois raios deve ser igual a um número inteiro de comprimentos
de onda. E esta condição é dada pela Lei de Bragg, nλ=2dsenө, onde n=ordem de difração,
λ= comprimento de onda dos raios X, d=espaçamento entre os planos de reflexão do cristal,
θ= ângulo entre a superfície da amostra e o cristal. Depois de difratados, os raios X chegam
aos detectores, que também estão a um ângulo θ do cristal. O ângulo total entre o espécime
e o sistema de detecção é 2θ. Nos detectores, os fótons são convertidos em sinal elétrico, o
qual é amplificado e processado. O sinal medido é dado em contagens por segundo. Num
WD-XRF são usados vários cristais, conforme a tabela do exercício distribuído durante a
aula, de forma que todos os comprimentos de onda dos elementos analisáveis sejam
passíveis de medição.
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O conteúdo até aqui apresentado permite identificar os picos dos principais elementos
obtidos numa análise qualitativa, que consiste numa varredura e obtenção de um espectro
do qual são mostrados três trechos Figura 6. O sinal medido está na ordenada (milhares de
contagens por segundo, kcps) e na abcissa encontra-se o ângulo 2θ. Os picos identificados
correspondem à difração dos comprimentos de onda dos raios X característicos de alguns
dos elementos da amostra, produzidos conforme descrito acima.

Figura 6. Três trechos de um espectro de raios X de uma amostra de rocha, obtidos respectivamente, com os
cristais LiF 220, LiF200 e PX1.

Conforme pode ser observado na Fig. 6 as intensidades de sinal medido, dependem


do elemento considerado e de linha propriamente dita. Por exemplo, a intensidade da linha
Fe Kα é bem maior que a do Mn Kα . Esta diferença de intensidade evidentemente deve-se
à diferença de concentração dos dois elementos na amostra.

A simples comparação mencionada já demonstra que a intensidade da XRF de dado


comprimento de onda é proporcional à concentração do elemento que o emitiu na amostra.
Apesar disto, as análises quantitativas demandam cuidados muito especiais com a
preparação dos espécimes e com a calibração do instrumento, devido aos severos efeitos
matriz inerentes à XRF. Os efeitos matriz devem-se à influência que composição da
amostra exerce na detecção do sinal analítico. Em geral, estas influências são físicas,
químicas e espectrais.
Na XRF o principal efeito matriz provém da reabsorção parcial dos raios X emitidos
pelos demais elementos presentes da amostra. Em outras palavras, durante a análise de um
espécime, quando um elemento é excitado e produz seus raios X característicos, estes são
parcialmente absorvidos pelos demais elementos presentes, ainda ao longo da trajetória
para sair do espécime.
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Figura 7. Atenuação da intensidade de λ, ao passar por um objeto de espessura d

Na Figura 7, a intensidade incidente I0 de um comprimento de onda λ, ao passar pelo


objeto de espessura d é atenuada e deixa o objeto com intensidade menor Ix. Para avaliar
esta atenuação, pode-se usar uma fatia muito delgada dx:
dI0=-I0 µ1 dx
I0 = intensidade incidente
dx=espessura (cm)
µ1 = coeficiente de atenuação linear p/ o λ considerado (cm-1)
Integrando entre 0 e x:
ln Ix- ln I0= - µ1 x ou Ix= I0 e- µ1 x
Ix= intensidade transmitida
x= espessura
o coeficiente de atenuação linear depende do estado físico do elemento:
µ1 sólido >µ1 líquido>µ1 gás
esta dependência é eliminada ao se dividir pela densidade ρ do material:
µ1/ρ = µ
2 -1
µ =coeficiente de atenuação de massa (unidade= cm g )

I= I0 e- µρx
O valor do coeficiente de atenuação de massa depende do elemento e do comprimento
de onda (ou energia), conforme ilustrado na Fig 8. Vê-se que para dado elemento, o valor
do coeficiente de atenuação é elevado para baixas energias e diminui à medida que a
energia aumenta, mas em certo valor bem definido de energia, há um salto no coeficiente
de atenuação e depois ele decresce novamente. O valor de energia no salto corresponde
exatamente à energia crítica de excitação, isto é, à energia necessária para remover um
elétron do seu nível eletrônico e também é chamado de borda de absorção.
Jacinta Enzweiler 8 23/11/2010

Figura 8. Coeficientes de atenuação de massa para os elementos Si, Ca e Fe, em função da energia.

O coeficiente de atenuação é uma propriedade atômica de cada elemento e depende da


energia (ou comprimento de onda). Ele representa a fração da intensidade dos raios X de
cada elemento não transmitida na mesma direção dos fótons incidentes, isto é, I0-Ix. Esta
perda de intensidade é resultado de dois processos: absorção e espalhamento.
Do exposto pode-se deduzir que desde que se conheça a composição da amostra, é
possível calcular a perda de intensidade. Mas, justamente a análise é realizada para se
conhecer a composição da amostra! Este aparente dilema é resolvido na prática, por meio
de métodos matemáticos de correção de efeitos matriz. Estes métodos podem ser
meramente empíricos, estritamente baseados em conceitos e parâmetros atômicos ou
intermediários entre estes extremos.
De qualquer maneira, para efetuar qualquer análise quantitativa, é necessário
preparar um método, que inclui a preparação de amostras e padrões, estabelecimento de
condições instrumentais (elementos, linhas analíticas, cristal, ângulo, background, tempos
de contagem, entre outros). O espectrômetro de FRX é calibrado para este método. Nessa
etapa, utiliza-se um conjunto de padrões que no caso de amostras geológicas, quase sempre
são materiais de referência, preferentemente certificados. Na Fig. 9 há dois exemplos de
gráficos de calibração para o elemento estrôncio. No gráfico da direita, tem-se a melhor reta
obtida pelo cálculo da simples regressão dos pontos, que representam as intensidades para
um conjunto de padrões, em função da sua concentração. No gráfico da esquerda, além da
regressão, foi introduzida a correção do efeito matriz. Neste caso a correção considerada foi
somente a absorção parcial do sinal de Sr pelos demais elementos presentes em cada
material. Como resultado da correção, observa-se que todos os pontos estão alinhados com
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a reta. Correções semelhantes são efetuadas para os demais elementos incluídos no método,
em geral, todos os maiores, os menores e de 10 a 20 traços.

Figura 9. Exemplos de gráficos de calibração de Sr (ver explicação, no texto, acima).

Mas o que acontecerá com os outros elementos da amostra, isto é, aqueles que
absorveram raios X de dado elemento? Todos os raios X com energia superior à energia
crítica de excitação podem provocar excitação adicional (além daquela dos raios X do
tubo). Isto implica que qualquer elemento que perde intensidade porque seus raios X foram
absorvidos, estará realçando o sinal de outros elementos. Portanto, os efeitos matriz são
casados, isto é, de absorção e realce.
Os efeitos físicos, associados com as características físicas do espécime analisado,
também têm implicações importantes nos resultados. Estes efeitos físicos resultam de
asperezas da superfície do espécime, tamanho de grãos (mais apropriadamente de
partículas, uma vez que os grãos foram moídos) e mineralógicos. Uma regra geral diz que
o espécime ideal para análise por FRX é plano, homogêneo e espesso.
A superfície do espécime não pode ter ranhuras, para que não haja espalhamento
aleatório do sinal. A preparação mais simples de amostra é a prensagem, p.ex., 9 g de
amostra + 1,5 g de cera após homogeneização. Esta preparação é usada para quantificar
elementos-traço em rochas, solos, sedimentos, para aplicações em litogeoquímica,
geoquímica ambiental, exploração e mapeamento geoquímico. A determinação de
elementos maiores e menores em pastilhas produz resultados de baixas precisão e exatidão.
Mas esta incerteza elevada ainda é suficiente para algumas aplicações (p.ex. mapeamento
geoquímico).
Jacinta Enzweiler 10 23/11/2010

Em pastilhas os elementos químicos não estão homogeneamente distribuídos, porque


eles se encontram em proporções variadas nas partículas dos diferentes minerais presentes.
O tamanho médio das partículas de uma amostra de rocha pulverizada e peneirada é de 40
µm (Potts, 1992). Numa preparação de amostra típica, mais de 99% dos raios X do sódio
detectados provêm de menos de 5 µm de profundidade e os de Si de menos de 20 µm. O
sinal destes dois elementos gerado a profundidades maiores dentro do espécime é
totalmente absorvido antes de sair dele. Isto indica que amostras simplesmente prensadas
dificilmente são representativas para determinar elementos maiores leves e esta é a
principal razão para se fundir as amostras e preparar vidros. A fusão é efetuada com
fundentes como tetraborato de lítio (Li2B4O7) puro ou misturado com metaborato de lítio
(LiBO2), em proporção de amostra:fundente 1:2 até 1:10. A fusão é realizada em cadinhos
de liga especial (Pt com 5% de Au) e o fundido é vertido em moldes do mesmo material. O
resfriamento em velocidade controlada produz vidros circulares, na forma de disco. A fusão
é o método mais indicado para preparar os espécimes para quantificar elementos maiores e
menores em rochas e outros materiais geológicos.

Referência:
Potts, P.J. Handbook of Silicate Rock Analysis, Blackie & Son ,1992, 622 p.

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