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llliiluu ilM lti.il / c I h ' i n t m t ic iii t h i U i t l r / lllt ' hilu n '
S r i l S < u íí H M M M
ID l ‘ m d a ti a d u v . tn l.ia.slien.i I d iluía IIIM ( ,
l i s i e l i v r o o l í p a r l e d e l e n ; l u p o d e , sc i le p rud u / U lo put
q u alq u er m eio s e i n a u l o r i z a v a o e s c r i ta d o Ed i t o r

C o m p ag no n, A nto ine
C736cl O d e m o n io d a teo ria: literatu ra e se n so
co m u m / A n to in e C o m p ag n o n ; trad u ç ào c!e
C le o n ic e Paes Barreto M o u rao . - Be lo H o ri­
z o nte: Ed . UFM G, 1999.
305p . - (H um anitas)
T rad u ç ão d e: Le d é m o n d e la th é o rie :
littératu re et sen s co m m u n

1. Literatura - Teo ria I. M o urao , C leo nice


Paes Barreto II. Título III. Série
CDD : 801
CDU : 82

C a ta lo g a ç ã o na p u b lic a ç ã o : D iv isão de P la n e ja m e n to
D iv u lg aç ão d a Bib lio te c a U n iv e rsitária - U FM G

o >BN: 8 5 - 7 0 4 1 - 1 8 4 - 7
m
o
ED ITO R A Ç Ã O D E T EX T O
A na M aria d e M o raes
P R O JET O G RÁ FIC O
G ló ria C am p o s - M angã
C A PA
Pau lo Sc h m id t
ILU STRA Ç Ã O DA CA PA
rto N e m e r, se m títu lo , aq u are la s o b re p a p e l, 110x 75c m , 1993,
f o to Rui C e z ar d o s San to s, c o le ç ã o H e lv é c io Be liz ário
REV ISÀ O D E T EX TO E N O RM A LIZ A ÇÃ O
Sim o n e d e A lm eid a G o m e s
REV ISÃ O D E PRO V A S
Lilian V ald erez Fe líc io
M aria Stela So u z a Reis
P R O D U Ç Ã O G RÁ FIC A
Jo n a s R o d rig u e s Fró is
m FO RM A TA Ç Ã O
M arc e lo Bé lic o

ED ITO RA UFM G
A v. A ntô nio Carlo s, 6627 - Bib lio tec a C entral - sala 405
C am p u s Pam p u lha - 31270-901 - Be lo H o riz o nte/ M G
T e l.: ( 3 1 ) 499-4650 - Fax: ( 3 1 ) 499- 4768
E-nraiî: FxlUo ra® bu.ufm g .br
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UN IV ERSID A D E FED ERA L D E MIN A S GERA IS


Reito r: Francisco César d e Sá Barreto
V ice-Reito ra: A na Lúcia A lm eid a G az z o la

CO N SELH O ED ITO RIA L


T i t u i -a h i -s

C arlo s A ntô nio Leite Brand ão , H eito r Cap uz/ o Filho , H elo isa M aria M urgel Starling , Luiz O táv io
Fag u n d es A m aral, M ano el O táv io d a Co sta Ro cha, M aria H elena D am asc en o e Silv a M eg ale,
Ro m eu C ard o so G u im arães, Silv ana Maria Leal C o ser, W and er M elo M irand a (Presid en te)
Surui vi r. s

A ntô nio Luiz Pin h o Rib eiro , Beatriz. Rez end e D antas, C ristiano M achad o G o n tijo ,
Leo n ard o Barci Castrio ta, M aria d as Grabas Sania b árb ara, M au iílio N unes V ieira, N ew to n
Big n o tto d e So uz a, Reinald o M arliniano M arques
A HISTORIA
O s d o is ú ltim o s e l e m e n to s — a his t o ria e o v a lo r — , cu jas
im p licaçõ es teó ricas g o staria ainda d e d estacar, n ão são intei­
ram en te d a m e s m a n atu re z a q u e o s an te ri o re s . O s ci n co
p rim eiro s e le m e n to s se n iv elav am co m a literatu ra; estav am
n e ce s sariam e n te p re se n te s n o m ais sim p les in tercâm b io lite­
rário , re l acio n ad o s co m ela, in ev itav elm en te, p o r m e n o r q u e
f o sse o co n tato . T ão lo g o eu p ro n u n cie u m a p alav ra co n tid a
n u m a p ág in a q u e leio o u até m esm o tão lo g o eu a leia, to m o
p artid o a seu resp eito . Q u er eu esco l h a, p ara d e s cre v e r um
p o e m a, u m ro m an ce o u o u tro te xto q u alq u er, p riv ileg iar o
p o n to d e vista d o au to r ou o d o leitor, nenhum estu d o literário
se ab stém d e e s tab e l e ce r u m a d ef in ição d as re l açõ e s en tre tal
te xto e a literatu ra, tal te xto e seu au to r, tal te xto e o m u n d o ,
tal texto e seu leitor (n esse caso , eu ), tal texto e a língua, o u de
f o rm u lar u m a h ip ó tese so b re essas re laçõ e s . T en tam o s, p o is,
p o r m eio d a an álise d essas cin co re l açõ e s , f ixar o s co n ce ito s
f u n d am en tais d a literatu ra: literaried ad e, in ten ção , re p re s e n ­
tação , re ce p ção , estilo . Essa é aliás a raz ão p ela q ual tais
re l açõ e s f o ram as p rim eiras a serem alv o d a teo ria literária,
em su a cru z ad a co n tra a o p in ião co rre n te .

A s d u as n o çõ e s q u e se seg u em d if erem lig eiram en te d as


an terio res. Elas d e scre v e m as re laçõ e s d o s te xto s en tre si,
co m p aram -n o s, seja levando em consideração o tem po (a história),
seja sem lev á-lo em co nta (o v alo r), na diacronia ou na sincronia.
T ais n o çõ e s s ão , p o rtan to , d e alg u m a f o rm a, m et alit erárias .
N o e n tan to , n o s cap ítu lo s p re ce d e n te s , o s te xto s literário s
não f o ram co n sid erad o s exclu siv am en te em sua singularidade:
a p lu ralid ad e co n stitu tiv a d a literatu ra foi p o r v árias v ez es
e v o cad a, ju n tam en te co m a in tertextu alid ad e, ap re se n tad a
co m o sub stituta d a ref erên cia ao m u nd o , p o r o casião d e n o ssa
análise da relação do texto co m o m undo. M as agora o ângulo de
ab o rd ag em é diferente: é, justam ente, um âng ulo co m parat iv o .
T rata- se d e o b sriv ai as o p ço rs <|nr .ininiaiii <11ia 1<111<m d is ciir.o
so b re a literatu ra, q u alq u er estu d o literario a resp eito da,',
re l açõ e s d o s te xto s en tre si, d o p o n to tie vista tía historia
literaria e d o v alo r literário . Q u alq u er co m e n tário so b re um
te xto literário to m a p artid o em re l ação ao q u e seja a histó ria
d a literatu ra e ao q u e seja o v alo r em literatu ra. T o d o te xto
literario tam b ém o faz, é claro , m as d esd e o inicio d este livro,
as q u estõ es lev an tad as f o ram m ais p recisam en te m etacríticas,
te ó ricas en q u an to m etacríticas (f alo u - s e d a literatu ra atrav és
d e u m a ref lexão so b re o q ue se diz da literatura, e to d o m u n d o
tem id éias so b re a literatu ra; sem as id éias q u e se tem d éla a
literatu ra n ão f u n cio n a). T rata- se, p o is, d e d e s tacar as h ip ó ­
te s e s q u e lev an tam o s relativ am en te à h isto ria e ao v al o r ou
ain d a d e d istin guir, se p o ssív el, d iscu rso his t ó rico e d iscu rso
crít ico so b re a literatu ra.

Para ab o rd ar as re l açõ e s d o s .texto s en tre si n o te m p o —


co m o elas m u d am , co m o se m o v em , p o rq u e n ão é s e m p re a
m esm a co isa — , o p tei p elo term o hist ó ria. Po d eria ter o p tad o
p o r o u tro s , co m o m o v im ent o o u e v o lu çã o literária. M as a
p alav ra histó ria m e p areceu m ais b anal, m ais co m u m , e tam b ém
m ais n eu tra em re l ação a q u alq u er v al o riz ação d a m u d an ça,
p o sitiv a ou n eg ativ a, já q u e a h istó ria n ão co n sid e ra essa
m u d an ça n em co m o p ro g resso n em co m o d ecad ên cia. O term o
hist ó ria ap resen ta talv ez o inconv eniente d e orientar a ref lexão
em o u tro sen tid o : ele su g e re um p o n to d e vista, n ão ap e n as
so b re a re l ação d o s te xto s en tre si n o tem p o , m as tam b ém
so b re a re l ação d o s te xto s co m seu s co n te xto s h is tó rico s.
C o n tu d o , esses d o is p o n to s d e vista são m en o s co n trad itó rio s
d o q u e co m p l e m e n tare s , sen d o , em to d o cas o , in sep aráv eis:
in v o car o co n te xto h istó rico serv e g eralm en te, na v erd ad e, p ara
e xp l icar o m o v im en to literário . T rata- se m esm o da e xp l icação
m ais co rre n te : a literatu ra m u d a p o rq u e a h istó ria m u d a em
to rn o d ela. Literatu ras d if eren tes co rre s p o n d e m a m o m e n to s
h istó rico s d if eren tes. Se, co n f o rm e o b serv o u W alter Ben jam in
em 1 9 3 1 , n um artig o in titu lad o “H isto ire Littéraire et S cie n ce
d e la Littératu re” [H istó ria Literária e C iên cia d a Literatu ra],

é i m p o ssí v el d ef i n i r o est ad o at u al d e u m a d i sc i p l i n a q u al q u e r
sem m o st r ar q u e su a si t u aç ão at u al n ão é so m en t e u m e l o n o
d ese n v o l v i m en t o h i st ó r i c o au t ô n o m o d a c i ên c i a c o n si d e r a d a ,
m as p r i n c i p al m en t e u m el em en t o d e t o d a a c u l t u r a n o i n st an t e
c o r r e sp o n d e n t e ,1
I ’.h i i ' . i i i u l , i m .H 'i \ i n i , u l f i i o cm i r l . i ç . i o ii 1111-1. 11u i . i . C o m o
lilu lo ilc h l sl t u l t i , ,i . i m b i g i i i d . i d e c p o i l a n t o i i i i - v it a v t - l , m :i s ê
l>>u .i 111u -111c h e m v i i i« l a : a I l i st o r i a d e s i g n a a o m e s m o t e m p o a
t lliit hnU i i d a l i l c i a l m a c o con l cx t of .l a l i t e r a t u r a . E s sa a m b i g ü i -
11,i d i - r r l c i v a s r e l a ç õ e s d a l i t er at u r a c o m a h i st o r i a ( h i st o r i a
da lit er at u r a, l i t er at u r a n a h i st o r i a ) .

/ I )ev erá se r ass o ciad a a esta re f le xão so b re a literatu ra e a


histo ria (n o s d o is sen tid o s q u e acab am d e se r in d icad o s),
toda um a série d e term o s p erten cen tes a o p o s içõ e s fam iliares,
ro m o “ im itação e i n o v ação ”, “an tig o s e m o d e rn o s ”, “trad ição
r ru p tu ra” , “cl assicism o e ro m an tism o ” o u , s eg u n d o as ca te ­
g o rias in tro d u z id as p ela e sté tica d a re ce p ção , “h o riz o n te d e
e xp e ctativ a e d esv io e s té tico ” . T o d o s e ss e s p ares serv iram ,
num o u n o u tro m o m en to , p ara re p re se n tar o m o v im en to lite­
rário . C ab eria à literatu ra im itar ou in o v ar, co n f o rm ar- se à
e xp e ctativ a d o s leito res o u m o d if icá- la? A q u e stão d o m o v i­
m en to h is tó rico re f e re - s e aq u i — m as ten h o f req ü en tem en te
reiterad o o f ato d e q u e to d as essas n o çõ e s são so lid árias e
co nstituem um sistem a — não so m en te às q u estões d e intenção,
d e estilo o u d e re ce p ção , m as ain d a à q u estão d e v alo r e, em
e s p e cial , ao n o v o co m o v alo r m o d ern o p o r e xce l ê n cia.

S eg u n d o um p ro ce d im e n to d o rav an te fam iliar, p o d e - s e


partir, p ara an alisar as re l açõ e s en tre a literatu ra e a histó ria
(co m o co n te xto e co m o m o v im en to ), d as d uas p o siçõ e s an tité­
ticas h ab itu ais, ou d o s d o is lu g ares- co m u n s so b re o tem a. U m
d eles n e g a a essas re l açõ e s q u alq u er p ertin ên cia, o o u tro a
elas re d u z a literatu ra: d e u m lad o , o classicism o , o u ain d a o
f o rm alism o em g eral, d e o u tro o h isto ricism o o u ain d a o p o si­
tivism o. A ilu s ã o g e n é t i c a , co m p ará v e l às o u tras il u s õ e s
d e n u n ciad as p ela teo ria (as ilu sõ es in ten cio n al, ref eren cial,
af etiv a, estilística), co n siste em acred itar q u e a literatu ra p o d e
e d e v e s e r e xp l icad a p o r cau s as h is tó ricas. E in crim in ar a
h istó ria p are ce ser, na v e rd ad e , o g e sto in d isp en sáv el e in au ­
g u ral da m aio ria das co n d u tas teó ricas p ara estab elecer a au to ­
no m ia d o s estu d o s literário s. A teo ria literária acu sa a história
literária d e m erg u lh ar a literatu ra num p ro ce s s o h istó rico q u e
d e s co n h e ce su a “esp ecif icid ad e” de literatura (p recisam en te o
fato d e q u e ela escap a à histó ria). A o m esm o tem p o , e de fo rm a
talv ez lig eiram en te in co e re n te , a teo ria — m as n ão se trata
n ecessariam en te d o s m esm o s teó rico s — acu s a a história lite­
rária d e n ão ser, em g eral, au ten ticam en te h istó rica, p o is n ão
in k 'l l ;! ;i U U 'ialura n n p ro cesseis h isto ríeo s, l i m i ta n d o se ;i
e stab e le ce r cro n o lo g ias literárias, o p o n to d e vista d iacm n ieo
so b re a literatu ra (literatu ra co m o d o cu m e n to ) e o p o n to d e
vista s in cró n ico (literatu ra co m o m o n u m en to ) p are ce m in co n ­
ciliáv eis, co m raras e x ce çõ e s , co m o o f o rm alism o ru sso , q ue
p reten d eu f az er um a historia literária d ep en d er d e um a teo ria
literária (a literaried ad e co m o d esf am iliariz ação a um tem p o
sin cró n ica e d iacrô n ica), m as ao q u al n ão faltaram críticas de
q u e su a h istó ria n ão era v erd ad eiram en te h istó rica.

En tretan to , m esm o q u e teo ria literária e h istó ria literária


ten h am sid o , na m aio r p arte d e su as co rp o rif icaçõ es, alérg icas
u m a à o u tra, p are ce difícil n e g ar q u e as d if eren ças en tre as
o b ras literárias sejam , p elo m en o s em p arte, h istó ricas. Seria
e n tão leg ítim o in d ag ar d e q u alq u er teo ria — e d e q u alq u er
estu d o literário — co m o ela exp lica essas dif erenças históricas,
co m o as d ef in e, co m o as situa. U m a teo ria — in sp irad a, p o r
e xe m p l o , na lin g ü ística ou na p sican álise — p o d e re cu s ar a
h istó ria co m o q u ad ro exp licativ o d a literatu ra, m as n ão p o d e
ig n o rar q u e a literatu ra tem , f atalm en te, um a d im en são h istó ­
rica. Po r o u tro lad o , as duas q u estõ es, a da m u d an ça em litera­
tura e a d a co n te xtu al iz ação d a literatu ra n ão s ão n e ce s s aria­
m e n te id ên ticas n em p assív eis d e serem red u z id as u m a à
o u tra, m as é tam b ém im p o ssív el ig n o rar p o r m uito te m p o a
afinidade en tre elas. A ntes de ab o rd ar o s recentes conflitos entre
teo ria e h istó ria literárias, p are ce o p o rtu n o to m ar u m a certa
d istân cia e relem b rar su m ariam en te as f o rm as so b as q u ais
se in v o co u , n o s e stu d o s literário s, o tes tem u n h o d a h istó ria.

H IS T Ó R IA LIT ER Á RIA E
H IS T Ó R IA D A LIT ERA T U RA

A n tes q u e a h istó ria e a literatu ra tiv essem re ce b id o , no


sé cu lo X IX , su as d ef in içõ es m o d ern as, escre v e ram - s e crô n icas
d a v id a d o s e s crito re s e d o s livro s, aí in clu íd as b e las - le tras e
ciê n cias , co m o a m o n u m en tal H is t o ire L it t éraire d e la F ra n c e
[H istó ria Literária d a Fran ça], e m p reen d id a p o r D o m Rivet, '
D o m C lém en cet e o s b eneditino s d a co n g re g ação d e Saint-M aur
(1 7 3 3 - 1 7 6 3 ). M as a co n s ciê n cia h istó rica d a literatu ra co m o
in stituição so cial relativa no tem p o e d ep en d en te d o sen tim en to
r
n. 11 li 111, 11 n.l 11 ,i i i,i 11'i e, n,i I i . m i ,i, .ml c . 11lie M . 1 1
1 .11n e il r M .ii'I ,
rill I h' hl I llli'h 11llh' 11 >.! I.llci .11 III .11 I IMl II H, ( >1it .1 Mil 11in ii l,ii I.l
I n-Ii > 111111, 11111M 1111 .llrillili ), tlc.'.l.li .iv .r ;i in l l l irm i j (I.l Irlly.l.li i,
i Ii is i <i.'.iiinic.s r i l.i,'. Iris .st )l » i‘ ;i Iil<*i a Iui'a. A ciitic.i liiM mii a,
lilli.i du i «>111a 111is 111<>, c, i-m mi:i o rig em , rclal ivi.sia e desciiliv.i
I l.i •.(• o p o e a trad içao al >s< >11it ist a e p rcscriliv a, classic.i mi
n em lassi< a , ju lg an d o to d a o h ra cm re l ação a n o rm as inlcm
pm ais. lila l um ia ao m csm o lem p o a filolo gia c a liislm ia
literaria, q u e co m p artilh am a idéia d e q u e o escrito r e sua
o h ia d ev em ser e n ten d id o s em sua situ ação histó rica.

Na trad ição f ran cesa, S ain te-B eu v e, co m seu s “retrato s lile


l ario s” , exp lica as o b ras pela vida d o s au to res e pela d e scrição
d o s g ru p o s ao s q u ais ten h am p erten cid o , 'lain e , m ais po sitiv o
em seu d elerm in ism o , e xp lica o s in d iv íd u o s atrav és d e três
lalo res n ecessário s e su f icien tes: a raça, o / « « b e o m o m ent o .
U n m etière acrescen ta às d eterm in açõ es b iográf ica e social a da
p ró p ria trad ição literária, rep resen tad a p elo g ê n e ro , q u e alu a
so b re um a o b ra o u ao q ual ela reag e. N a virad a d o sécu lo XIX
para o sécu lo X X , Lanson, influenciado pela história positivista,
m as tam b ém p ela so cio l o g ia d e Ém ile D urk heim , f o rm u lo u o
id eal d e u m a crítica o b jetiv a, o p o s ta ao im p ressio n ism o d e
seu s co n te m p o rân e o s . Ele estab eleceu a história literária co m o
su b stitu ta d a re tó rica e d as h u m an id ad es, sim u ltan eam en te
n o cu rs o s e cu n d ário , o n d e ela foi p au latin am en te in tio d u
/ i d a a partir d o s p ro g ram as d e 1880, e na universid ade, q u e loi
ref o rm ad a em 1 9 0 2 . En q u an to a retó rica serv ia su p o stam en te
p ara rep ro d u z ir a classe so cial d o s o rad o res, a historia literal i.i
d ev ia f o rm ar to d o s o s cid ad ão s d a d e m o cracia m o d ern a.

Fala- s e d e his t ó ria lit erária e tam b ém d e his t ó ria d a litera


t u ra : Lan so n , co m o q u al a histó ria literária f ran cesa foi po r
lo n g o te m p o id en tif icad a (m as ele n ão hav ia p articip ad o da
f u n d ação , em 1 8 9 4 , d a R ev ue d ’H is t o ire L it t éraire d e la Fra n ce ),
co m e çara su a carre ira co m u m a H is t ó ria d a L it erat ura F ra n ­
ce s a (1 8 9 5 ), b em co n h e cid a d e v árias g e raçõ e s d e estu d an tes.
A s d u as e xp re s s õ e s n ão são sin ô n im as, m as tam p o u co in d e­
p e n d e n te s (Lan so n m o stra a lig ação en tre e l as ). U m a (história
1d a literatu raX f ran cesa) é um a síntese, um a so m a, um p an o ram a,
u m a o b ra d e v u lg ariz ação e, o m ais d as v e z e s , n ão é um a
v e rd ad e ira h istó ria, s e n ão um a sim p les s u ce s s ão d e m o n o ­
g raf ias so b re o s g ran d es escrito re s e o s m en o s g ran d es, ap re ­
s e n tad o s em o rd e m cro n o l ó g ica, um “q u ad ro ” , co m o se dizia
no inicio d o sécu lo X IX ; ó um in.m il.il e sco l ar ou univ ersilai io,
ou ain d a um b elo livro (ilu strad o ) v isan d o ao p ú b lico t ullo.
D ep o is d e Lan so n , C as tex e Surer, e 1.a g ard e e M ichard (q u e
co m b in am an to lo g ia e h istó ria) div id iram en tre si o m e rcad o
d as esco las secu n d árias, surg ind o em seg uid a, a partir d o final
d o s an o s sessen ta, n u m ero so s m anuais m ais ou m en o s su b v er­
sivos. Em n o sso s d ias, raram en te u m a p e s s o a o u sa assu m ir
so z in h a o relato d e to d a a história d e um a literatura n acio n al,
e o s trab alh o s d esse g ê n e ro são , o m ais d as v ez es, co letiv o s, o
q u e lh es dá u m a ap arê n cia d e p lu ralism o e d e o b jetiv id ad e.

Em co m p e n s ação , a histó ria literária’ d esig n a, d esd e o final


d o sé cu l o X IX , um a discip lina eru d ita, o u um m éto d o d a p e s ­
q u isa, W is s ens chaft , e m ale m ão , Scho lars hip , em in g lês: é a
f ilo lo g ia, ap licad a à literatu ra m o d ern a (a R ev ue cl’H is t o ire
L it t éraire d e la F ra n c e , em su a o rig em , p reten d ia se r o eq u iv a­
len te d e R o m a nia , rev ista f u n d ad a em 1 8 7 2 p ara o estu d o d a
literatura m edieval). Em seu no m e, em p reen d em -se os trab alhos
d e an álise sem o s q u ais n en h u m a sín tese (n e n h u m a h istó ria
d a literatu ra) p o d eria se co n stitu ir d e f o rm a v álid a: co m ela,
a p esq u isa univ ersitária sub stitui a e ru d ição b en ed itin a, re to ­
m ad a ap ó s a R e v o l u ção na A cad é m ie d e s In s crip tio n s et
B elles- Lettres. Ela se co n s ag ra à literatu ra co m o in stitu ição ,
o u seja, e s s e n cial m e n te ao s au to res, m aio res e m e n o re s, ao s
m o v im e n to s e às e s co l as , e m ais raram e n te ao s g ê n e ro s e às
f o rm as. D e certo m o d o , ela ro m p e co m a ab o rd ag em h istó rica
em te rm o s cau sais, d o tip o f ilo so f ia d a h istó ria q u e se d e s e n ­
v o l v e ra n a Fran ça n o s é cu l o X IX , d e S ain te- B eu v e a T ain e e a
B ru n e tiè re , m as acab a, na m aio ria d as v e z e s, p o r re cair na
e xp l i cação g e n é tica b ase ad a n o estu d o d as f o n tes.

En f im , a h istó ria literária e a h istó ria d a literatu ra têm o


m e sm o id eal lo n g ín q u o , q u e n em u m a n em o u tra p re te n d e m
ain d a co n cre tiz ar, m as q u e serv e p ara ju stif icar a am b as: a
co n stitu ição de um a vasta história so cial da instituição literária
na Fran ça, o u d e u m a h istó ria co m p le ta d a Fran ça literária
(in clu in d o tam b ém o livro e a leitu ra).

S e g u n d a d is tin ção : a h istó ria literária tem ela p ró p ria,


e n q u an to d is cip l in a, em o p o s ição à h is tó ria d a l ite ratu ra
e n q u an to q u ad ro , u m sen tid o m uito am p lo e um sen tid o m ais
restrito . Em sen tid o am p lo , a h istó ria literária ab ran g e to d o
e s tu d o e ru d ito s o b re a l ite ratu ra, to d a p e s q u is a lite rária
( v e t i i l i i l i p i i l i n l i n i | II l i l i i l i l i s i ' .St I I I I i i ' . I I t c ' 1 . 11 I i I S I 'X l 'K l l l n l l .l

I i ,i i n . i jii'ln I.h i m n usnu i ). Iiiii sc assem elha a lilologia definida,


im m ' t i l i( Ii » alem .lo d o secu lo X IX, c o m o o estu d o arq u eo ló g ico
il.i lin g u ag em , da liU'i;itura e da cu ltu ra em g eral, co m b ase
no m o d e lo d o s estu d o s g re g o s e latin o s, em seg u id a, d o s
e stu d o s m ed iev ais, v isan d o à re co n s tru ção h istó rica d e u m a
/ e p o ca q u e se d e cid e n ão m ais co m p re e n d e r, co m o se se esti­
v esse ali. A histó ria literária é, p o is, um ram o d a f ilo lo g ia
en ten d id a co m o ciê n cia to tal d e um a civ iliz ação p assad a, a
partir d o m o m en to em q u e se re co n h e ce e se aceita a d istân cia
q u e n o s se p ara d o s te xto s d essa civ iliz ação .

A h ip ó tese cen tral d a histó ria literária é q u e o escrito r e sua


o b ra d e v e m s e r co m p re e n d id o s em su a s itu ação h istó rica, q u e
a co m p re e n s ão d e um texto p ressu p õ e o co n h ecim en to d e seu
co n te xto : “U m a o b ra d e arte só tem v alo r em seu am b ien te
circu n d an te , e o am b ien te circu n d an te d e to d a o b ra é su a
é p o ca ” , e s cre v e u R en an . Em su m a, f aço f ilo lo g ia o u h istó ria
literária q u an d o vou 1er um a ed ição rara na Bib lioteca N acional,
m as n ão q u an d o leio u m a e d ição d e b o lso d a m esm a o b ra,
em cas a, ju n to à lareira. B astaria ir à b ib lio teca p ara f az er
história literária? Em certo sentido, sim. Lanson pretendia q ue se
faz h istó ria literária a p artir d o m o m en to em q u e se m an if esta
in teresse p elo n o m e d o au to r estam p ad o na cap a d o livro, em
q u e co m isso se dá ao texto um co n texto m ínim o, em q ue se sai,
p o r p o u co q u e seja, d o te xto p ara ir ao e n co n tro d a h istó ria.

M as_ a f ilo lo g ia tem tam b é m um s e n tid o re s trito , m ais


m o d e rn o , o d e g ram ática h istó rica, d e estu d o h istó rico da
lín g u a. En tre a v asta h istó ria so cial da in stitu ição literária e a
f ilo lo g ia restrita à lin g ü ística h istó rica, o in terv alo é im en so ,
e a h istó ria literária f ica su jeita à co n tro v érsia.

H IS T Ó R IA LIT ER Á RIA E C RÍT IC A LIT ERÁ RIA

A o final d o sécu lo X IX , q u an d o a história literária foi insti­


tu íd a co m o d iscip lin a u n iv ersitária, ela q u eria se d istin guir
d a crítica literária, q u alif icad a co m o d o g m ática o u im p ressio ­
nista (d e u m lad o , B ru n etière, d o o u tro , Fag u e t) e, p o r essa
raz ão , co n d e n ad a. In v o cav a- se o p o sitiv ism o co n tra o su b jeti­
v ism o , cu ja crítica d o g m ática só teria o f e re cid o u m a v arian te.
A lón i i less; i co nju ntura ;m!i<|H.id,i, ,i o p o s ição 1111h l:i rih-n 1. 11
é en tre o p o n to d e vista sin cró n ico e universalista so b re a lili’
ratu ra, p ró p rio d o h u m an ism o cl ás s ico — to d as as o b ras são
p e rce b id as em su a sim u ltan eid ad e, elas são lid as (ju lg ad as,
ap re ciad as , am ad as ) co m o se f o ssem co n te m p o rân e as en tre
si, e co n te m p o rân e as d e seu leito r atu al, f az en d o - se ab stração
da história, da d istância tem p o ral — , e o p o n to d e vista cliacrô-
n ico e relativ ista, q u e co n sid era as o b ras co m o séries cro n o ­
l ó g icas in teg rad as a um p ro ce ss o h istó rico . É a d istin ção entre
m o n u m en to e d o cu m en to . O ra, a o b ra d e arte é etern a e h istó ­
rica. Parad o xal p o r naturez a, irredutível a um d e seus asp ecto s,
é u m d o cu m e n to h istó rico q u e co n tin u a a p ro p o rcio n ar u m a
e m o ção e stética.

A h istó ria literária d esig n a ao m esm o tem p o o to d o (e m


sen tid o am p lo , to d o o estu d o literário ) e a p arte (e m sen tid o
restrito , o estu d o d as séries cro n o l ó g icas ). A co n f u s ão é m ais
e m b araço s a na m ed id a em q u e as p alav ras crít ica lit erária
s ão elas tam b ém u tiliz ad as n um sen tid o g eral e n u m sen tid o
p articu lar: elas d esig n am ao m esm o tem p o a to talid ad e do
e stu d o literário e su a p arte q u e diz resp eito ao ju lg am en to .
A ssim , q u alq u er m an u al d e h istó ria da crítica literária ce d e
lu g ar a f o rm as d o estu d o literário q u e rep u g n an t em alto g rau
à crítica literária, n o sen tid o p ró p rio d e ju lg am en to d e v alo r.
C o m o se v ê, este é um terren o m in ad o .

A liás, q ual o v alo r d o critério d e p re s e n ça o u d e au sê n cia


d e ju lg am en to p ara sep arar crítica e histó ria literárias? O h isto ­
riad o r, af irm a- se m u itas v e z e s, co n stata q u e A d eriv a d e B,
e n q u an to o critico afirm a q u e A é m elh o r q u e B. N a p rim eira
p ro p o sição , o ju lg am en to , a o p in ião , o v alo r estariam au sen tes,
ao p ass o q u e na seg u n d a o o b s e rv ad o r estaria e n v o l v id o . D e
u m lad o , a o b jetiv id ad e d o s f ato s, d e o u tro , ju lg am en to s d e
o p in ião e d e v alo r. M as esta b ela d iv isão é p o u co d ef en sáv el
q u an to ao f u n d o . A p rim eira p ro p o s ição — p o r e xe m p l o , a
m em ó ria inv o lu ntária p ro u stian a tem su a o rig em na lem b ran ça
p o é tica d e C h ateau b rian d , N erv al e B au d elaire — p re s s u p õ e
claram en te esco lh as. A ntes de m ais nad a, q u em são o s g ran d es
e scrito res? Q u al é o e ixo da g e n e al o g ia literária? N a im en sa
n eb u lo sa d a p ro d u ção ed ito rial, d u ran te um sé cu l o , e s co l h e ­
ram - se C h ateau b rian d , N erval, B au d elaire e Pro u st, e m ais
alg u n s f ig u ran tes. A histó ria literária se m o v e d e to p o em
Ii >I i i >, . r , I t I i - l . i '> i l u u l . n u î l e u n i l i i .1 j i e n l o I U l . l ' t , H i l l i n ' . r

I ||| 1^1 1,11 ,l l ' . . I n .'.('I M ( l l I V l d . l l . l l l l ' i , 111.1 l i t ' I I I 11111 l.l 111 M I II I . I l i l i '

i .i i I .i t i - i i i n l c n l . i t i l i I ( >t i u - ( . c i q u a d i o s i l o m i|( > g i ( o s I , i k i

p i l m i p i o d e h i d . i l i i s l ó i ¡;i l i l e n u i a , l u í e s t a e . s i o l h a I i i i u I .i

m i i ' i i I . i I: ( | i i c l i v r o s s ; i o l i t e r a t u r a ? A h i s t o r i a l i t e r a r i a l a u s e i m a n a

II m l n n i n . i . s h » î l e s i ' ñ a s ¡ n i l u e n c i a s c o m o .si ' e l a s l o . s s e m I ; i I < >s

( i l > | c l i v o s , m a s f o n t e s e i n í l u t ' i i c i a s i v i n i i ' r i ' i i i :i d e l i m i t . n / a o

d o ( a m p o n o ( | u a l s e r ã o d e l e c t a d a s e c o n s i d e r a d a s ¡ > f i l í i u * i i l i * : .

I s , s e c a m p o l i t e r á r i o é , p o i s , o r e s u l t a d o d e i n c l u s õ e s e d e

e x i l u s o e s , e m s u m a , d e j u l g a m e n t o s .

A histó ria literária p ro ce d e a um a e o n te xl u al ixaçao nm n


il o m m io d elim itad o p o r urna crítica p rév ia (u m a s e l e çã o )
e xp l ícita ou im p lícita. S eg u n d o a am b ição , o u a ilu sào , d o
p o sitiv ism o , essa re co n s tru ção (f az e r rev iv er um m o m en to d o
p ass ad o , e n co n trar testem u n h o s, co n su l tar arq u iv o s, estai> e
le ce r f ato s) b asta p ara co rrig ir o an acro n is m o tia crítica. A
h istó ria literária acu m u la to d o s o s f ato s relativ o s à o b ra q u e,
escrev eu Lanson, “d ev e ser co nhecid a p rim eiro no tem p o em q ue
n as ce u , em re l ação a seu au to r e a ess e te m p o ” . C) atlv étb io
d e Lan so n , p rim e iro , m al dissim ula o p arad o xo d o te xto e d o
co n te x to ao q u al jam ais e s cap o u a histó ria literária. (!om<>
co n h e ce r “num p rim eiro co n tato ”, “em p rim eiro lu g ar" um a
o b ra, em seu te m p o e n ão n o no sso ? Lan so n q u er, p o is, dizei
q u e é p reciso , “an tes d e m ais n ad a”, co n h e cê - la em seu tem p o ,
q u e isso é m ais im p o rtan te d o q u e co n h e cê - l a no n o sso . Fis o
im p erativ o cate g ó rico d a histó ria literária. A ch am ad a exp li
ca çã o d e texto é p rim e iro um a exp licação p elo co n texto . Longe
d as g ran d e s leis s o ci o l ó g icas o u g e n é ricas d e T ain e e tie
Bru n etière, o s “p eq u en o s f ato s”, no caso as fontes e as influên­
cias, s e to rn am as p alav ras- ch av e d a h istó ria literária, q u e
acu m u l a m o n o g raf i a s e d e ixa s e m p re p ara m ais tard e o
p ro g ram a g eral d e u m a “histó ria d a v id a literária na Fran ça” .

A dm itido isso — o p o sitiv ism o dissim ulav a um a crítica lite­


rária q u e n ão o u sav a d iz er seu n o m e — a d if eren ça sutil en tre
u m ju lg am en to q u e ad o ta sem p ejo o p o n to d e vista d o p re ­
se n te (v o lu n tariam en te an acrô n ico , co m o em “Pierre M énartl,
A u to r d o Q u ixo te ”), e um ju lg am en to b ase ad o (n a m ed id a tio
p o ssív el , e sem il u sõ es) n as n o rm as e critério s d o p assad o
n ão teria, ap esar d e tu d o , fu nd am en to ? A sep aração estan q u e
e n tre crítica literária e h istó ria literária d ev e se r d en u n ciad a
co m o um e n g o d o ( c* o q u e lez a lei h !,i ), igual ;i lo d ;is :i,s pola
ridade.s q u e m inam o s es t ad o s literarios, m as n ào ren u n ciar a
u m a o u a o u tra. E sim , ao co n trario , p ara lev ar a cab o um a e
o u tra, co m co n h e cim e n to d e cau sa. O histo ricism o im ag inav a
se r p o ssív el a alg u ém p ô r d e lad o seu s p ró p rio s ju lg am en to s
p ara re co n stru ir um m o m en to d o p ass ad o . A crítica d o h isto ­
ricism o n ão n o s d e v e im p ed ir d e ten tar p en etrar, p o r p o u co
q u e seja, as m en talid ad es an tig as e d e n o s su b m eterm o s às
su as n o rm as. Po d e - s e estu d ar o q u ad ro e o am b ien te d a o b ra
— seu co n te xto e seu s an te ce d e n te s — sem co n s id e rá- l o s
co m o cau s as , m as ap e n as co m o co n d içõ e s . P o d e - s e , sem
am b ição d eterm in ista, falar sim p lesm en te d e co rre l açõ e s en tre
o s co n te xto s , o s an te ce d e n te s e a o b ra, sem se p riv ar d e n ad a
q u e p o ssa co ntrib uir para um a m elh o r co m p reen são d a m esm a.

H IS T Ó R IA D A S ID ÉIA S , H IS T Ó R IA SO C IA L

Seria a h istó ria literária, m esm o d esv in cu lad a d o p o siti­


v ism o , v erd ad eiram en te histó rica? E v erd ad eiram en te literária?
N ão seria ela, na m elh o r d as h ip ó te s e s, u m a h istó ria so cial
o u u m a h istó ria d as idéias? Lan so n traço u p ara a h istó ria lite­
rária um p ro g ram a am b icio so , q u e ia m u ito além d o ro sário
d e m o n og raf ias so b re o s g rand es escrito res. O b serv o u , em 1903,
em seu “Pro g ram m e d ’Étu d es su r l’H isto ire Pro v in ciale d e la
V ie Littéraire en Fran ce ” [Program a d e Estud os so b re a H istória
Pro v in cian a d a V ida Literária na Fran ça], q u e co n tin u a atu al:

P o d er - se- i a [ ...] esc r ev er , ao l ad o d est a “ H i st o i r e d e l a L i t t ér at u r e


F r an ç a i se ” , ou sej a, d a p r o d u ç ão l i t er ár i a, d a q u al t em o s e x e m ­
p l a r es su f i c i en t e s, u m a “ H i st o i r e L i t t ér ai r e d e l a F r an c e ” q u e
n o s f az f al t a e q u e é h o j e q u a se i m p o ssí v e l t en t ar r eal i z ar :
q u er o d i z er [ ...I o q u ad r a d a v i d a l i t er ar i a n a n a ç ã o , a h i st o r i a
d a c u l t u r a e d a at i v i d ad e d a m u l t i d ão o b sc u r a q u e l i a, b em
c o m o d o s i n d i v i d u o s i l u st r es q u e e sc r ev i a m .2

Q u e m lia? O q u e s e lia? C o m o se lia, n ão s o m e n te n a co rte


e n o s sal õ e s , m as em cad a p ro v in cia, em cad a cid ad e , cacja-
ald eia? Lan so n ad m itia q u e esse p ro g ram a era im en so , m as
d e m o d o alg u m o co n sid e rav a irrealiz áv el.

En tre tan to , L u cien Fe b v re , n u m a re ce n s ã o s e v e ra d e u m a


o b ra d e D an iel M o rn et, d is cíp u l o e s u ce s s o r d e L an so n ,
u l .n u i l , I I n i n vli n 1 141i t l .i , c m 1' > 1 1 , i 'f t íi .i 1
1 I s I < h l .i I It i ' i .i i i . l iiii i'

m ' Ii n i l l . iw i i l l ' In i 11i. i i'X i i' . s . s iv a iiiriili' i i g i i l .i . K i .s a i il l nett, t■ m . iis

.111111.1, ,lc I.S gl .mill',', .1111(111",;

t i n i u " h i st o r i a h i st ó r i c a" i l .i l i t er at u r a, I ...I i sso ( j i i c i d i / ,c i , m i


i | i i c r c r i a i l i z c r , a h i st o r i a d e u m a l i t er at u r a n i m i a i l ai l .i é p o c a ,
cm su a s r e l a ç o e s a m i a v i l l a so c i a l d e ssa é p o c a , S<•i ¡;i
n e c essá r i o , p ar a e sc r ev ê - l a, r ec o n st i t u i r o m ci o , p c r g u n i ai se
i | i i ci n e sc r ev i a , c p ar a i | u cm ; q u em l i a, c p o r q u e; ser i a n c c es
sar i o sab er (| u c l o r m aç áo t i n h am r ec eb i d o , n a esco l a on al l u i i c s,
o s c sc r i l o r c s — e, i g u al m en t e, seu s l ei t o r es | ...| ser i a n ec essár i o
sa b e r q u e su c e sso o b l i n h am es l e s c a q u e l e s, q u ai s er ai n ;i
a m p l i t u d e e a p r o f u n d i d a d e d e sse su c e sso ; ser i a n e c e ssá r i o
a sso c i a r as m u d an ç as d e h áb i t o , d e g o st o , t i e esc r i t u r a e d e
p r e o c u p a ç ã o t i o s esc r i t o r es co m as v i c i ssi t u d es d a p o l ít i c a, co m
as t r an sf o r m aç õ es d a m en l al i d ad e r el i g i o sa, co m as e v o l u ç õ e s
t ía v i d a so c i a l , c o m a s m u d an ç as d a m o d a ar t íst i ca e d o g o st o
et c . Ser i a n e c essá r i o ... P at o p o r aq u i .- 1

I’t'b v re lam en tava o fato d e se hav er ren u n ciad o , ap ó s Lanson,


a q u e re r d ar co n ta d e to d a a d im en são so cial da literatu ra, o
q u e a seu s o lh o s p riv av a essa p reten sa histó ria literária d e
um v e rd ad e iro al can ce h istó rico .

H isto riad o res f o rm ad o s na esco la d o s A n u a le s co m e çaram ,


há relativ am en te p o u co tem p o , a im p lem en tar o p ro g ram a tie
Lan so n e d e Feb v re. Eles se in teressaram m ais d e p erto pelt)
livro e p ela leitu ra, reu n in d o estatísticas so b re as tirag en s,
s o b re as re e d içõ e s , so b re o tem p o d e v id a d as o b ras, so b re a
v o lta d as m esm as ao m e rcad o . Em p en h aram - se em co n h e ce r
e d e s cre v e r o s leito res reais co m b ase em ín d ices m ateriais,
co m o catál o g o s d e b ib lio tecas ou in v en tário s po s t - m o rt em .
T en taram p ô r em cif ras a alf ab etiz ação d o s f ran ceses e m ed ir a
d istrib u ição da literatu ra p o p ular, em esp ecial a “Bib lio thèq ue
B l e u e d e T ro y e s " , ess a literatu ra v e n d id a p o r am b u lan tes
d u ran te v ário s s é cu l o s .4 O livro se to rn o u assim o o b jeto tie
u m a h istó ria em série, e co n ô m ica e so cial, am p lam en te q u an ­
tif icad a, p rin cip alm en te em re lação ao A n c i e n R é gim e , m as
tam b é m em re l ação ao sé cu l o X IX . Po d e - s e citar a histó ria da
leitu ra e d o s p ú b lico s n o A n c ie n R é gim e tal co m o p raticad a
p o r Roger C hartier em varias ob ras im portantes nos ano s oitenta,
o u a d as m o n o g raf ias so b re as ed ito ras, co m o a d e Je an - Y v e s
M ollier so b re o s irm ão s M ichel e C alm ann Lévy (1 9 8 4 ). A ssim ,
silo h isto riad o res, e n áo h o m en s d e letras, q u e e xe riil am lioje
o p ro g ram a d e Lanso n.

En co n tram - s e tam b ém , co m o n o m e d e h isto ria literária,


h isto rias d as id éias (literárias), o u seja, h istó rias d as o b ras
en q u an to d o cu m en to s histó rico s q u e refletem a id eo lo g ia ou a
sen sib ilid ad e d e um a é p o ca. A s h istó rias d esse g ê n e ro f o ram
m esm o p o r m u ito tem p o m ais d ifu n d id as d o q u e aq u elas q ue
se co n f o rm av am ao p ro g ram a d e Lan so n e d e Fe b v re , p o r
e xe m p l o , o s g ran d es livros d e Paul H az ard so b re a crise da
co n sciê n cia eu ro p éia (1 9 3 5 ), d e H enri Brem o n d so b re o sen ti­
m en to relig io so ( I 9 16 - I 939 ), o u d e Paul B é n ich o u so b re as
d o u trin as d a era ro m ân tica (1 9 7 3 - 1 9 9 2 ). Essas re al iz açõ e s ,
histó rias d as id éias literárias, resistiram certam en te m elh o r ao
tem p o d o q ue o s p ro du to s d a so ciocrítica m arxista, b asead o s na
d o u trin a d o ref lexo o u na v ersão estrutu ralista d esta, do utrin a
elab o rad a p o r Lucien G o ld m an n (1 9 5 9 ). Q u em ain d a acred ita,
atu al m en te, n u m a h o m o lo g ía en tre o s P ens ée s d e Pascal e a
v isão d o m u n d o da n o b rez a to g ad a? M as o m o tiv o hab itual de
q u eixa co n tra essas histórias d as id éias é o fato d e elas p erm a­
n ecerem estran h as à literatura. A liás, o m esm o se p o d eria dizer
d o R ab elais d e Feb v re (1 9 4 2 ), an álise d o sen tim en to relig io so
n o R en ascim en to , q u e p assa ao larg o d a co m p l e xid ad e de
P a nt a grue l e d e G argânt ua. H istória so cial, história d as idéias,
essas duas histórias fracassam infelizm ente co m m ais freq üência
d ian te d a literatu ra, d ev id o à d if icu ld ad e d a m e sm a, à su a
am b ig ü id ad e, até m esm o à su a in co e rê n cia. O q u e d elas se
p o d e e s p e rar d e m elh o r são in f o rm açõ e s so b re as co n d içõ e s
s o ciais e as estru tu ras m en tais co n te m p o rân e as .

H á q u e m e n cio n ar ain d a as h istó rias d as f o rm as literárias


(d o s có d ig o s , d as técn icas , d as co n v e n çõ e s ), p ro v av e lm e n te
as m ais leg itim am en te h istó ricas e literárias, ao m esm o tem p o .
Elas n ão têm p o r o b jeto f ato s o u d ad o s q u e s u p o stam e n te
p re ce d e m q u alq u er in te rp re tação , m as sim co n s tru çõ e s f ran ­
cam e n te h e rm e n ê u ticas. A g ran d e o b ra d e E. R. C u rtiu s, La
L it t é ra t ure E u ro p é e n n e et le M o y en  g e L at in [A Literatu ra
Eu ro p é ia e a Id ad e M édia Latina] (1 9 4 8 ) , am p lo q u aclro da
so b re v iv ê n cia d o s to po i o u “lu g are s - co m u n s ” d a A n tig ü id ad e
n as literatu ras cio O cid en te, p e rm an e ce co m o um d o s estu d o s
m ais n o táv eis, em co n f o rm id ad e co m ess e m o d e lo . N em p o r
isso esse estu d o d eixo u d e ser v io len tam en te atacad o . N a reali­
d ad e, C urtius atrib ui à p alavra to po s u m sen tid o e xtrem am en te
I I I ' V i t i .l I I ’ , l l l ' . l i it Ii . I I I H l l l c , I >( l i l i i i 11 11I 'll II . I V i ’I I ' l l ' '.I ' ,11 II i | .l I I I i

iiiffiuilfiiloi i i i i i si ' i / i ' .s i l c ( .I i i i i i I i l l .i m i, I M u <' •, i i .i l u | i | ( .i i m i n i

}p i . i < 11■ d r p ri ^ i n t.r. .1 l .i/ ri cm (|iial(|ui'i c.i m i , o u r o m o |imli|i'


ni,Ule.i; m as o.‘. rl e m rn l o s e s te re o tip ad o s e l e co i i cn trs <)iit•
n u seg u id a rl r l o ral i/ a na literatura m ed ieval se p arecem lirm
i n .i i ,s (o u i m o tiv o s ou ro m arq u étip o s d o q u e ro m o s lojiol d.i
.intima reto rica, co rre n d o o risco do f az er d e s ap are ce r as d ilr
i r i s a s características d c cad a é p o ca. D essa fo rm a, ele ptejulg.i
a irs p o s ia ao p ro b lem a fund am ental p ro p o sio po r sen estu d o ,
o da sob rcvivC*ncia d a latin id ad e na literatu ra cu ro p i'ia. N rl r,
a ub iq ü id ad e da fo rm a o cu lta a v aried ad e d as lunçòc.s. A ssim ,
essa histó ria n ão s o m e n te se m an tém in terna à lilcralu ra, m as
é , an te s d e m ais n ad a, a da co n tin u id ad e e da trad ição da
A n tig ü id ad e latina na cu ltu ra e u ro p é ia, ou tia p erm an ên cia
d o an tig o no n o v o , em d etrim en to d a alterid ad e individual
d as d if eren tes é p o cas d a Id ad e M édia e d e su as p ro d u ço rs
literárias, e n o d e sco n h ecim en to d e su as co n d içõ es histó ricas
e so ciais. M as u m a h istó ria literária seria ou d ev eria ser um a
h istó ria d a co n tin u id ad e ou u m a h istó ria da d if eren ça? A
q u e s tão , in ev itáv el, n o s rem ete à n o ssa p ref erên cia, exn .ill
terária, ética, o u m esm o p o lítica, p ela in o v ação ou pela Iml
tação (v e r C ap ítu lo V II).

O q u e seria u m a v e rd a d e ira h istó ria literária, um a lii.Mnii.i


d a literatu ra em si m esm a e p ara si m esm a? A e xp re s s ão s e u
talv ez sim p lesm en te u m a co n trad ição em seu s term o s, p o is a
ob ra, a um tem p o m o num ento e d o cu m en to , é perm eada poi um
núm ero excessiv o d e p arad o xo s. Sua g ên ese e a ev o lu ção de seu
au to r s ão d e tal f o rm a e sp eciais q u e n ão p o d eriam p erten cei
a o u tro d o m ín io q u e n ão o d a b io g raf ia, m as a história de
su a re ce p ção e n v o l v e tan to s f ato res q u e ela se to rn a p o u co a
p o u co um ram o d a h istó ria to tal. En tre am b as, q u e f az cr?

A EV O LU Ç Ã O LIT ERÁ RIA

Fo rm alism o e h isto ricism o p are ce m f u n d am en talm en te in


co m p atív eis. N o e n tan to , o s f o rm alistas ru sso s acred itav am
ter in v en tad o u m a n o v a m an eira d e lev ar em co n ta a d im en são
histó rica da literatura. A desfam iliariz ação era a seu s o lh o s não
ap e n as a p ró p ria d e f in ição d a literaried ad e, m as tam b ém ,
se g u n d o o titulo île um artig o ;unl>)i ¡o so d e louri T y n ian o v ,
em 1 927, o p rin cíp io “d e ré v o l u tio n littéraire” . A d if erem ;;!
en tre a f o rm a literária au to m atiz ad a (co n s e q ü e n te m e n te , nao
p e rce b id a) e a f o rm a literária d esf am iliariz an te (co n s e q ü e n ­
te m e n te , p e rce b id a) p erm itia- lh e p ro jetar um a n o v a história
literária cu jo o b jeto n ão m ais seriam as o b ras literárias, m as
o s p ró p rio s p ro ce d im e n to s literário s.

A literaried ad e d e um te xto , lem b rem o - n o s, se caracte riz a


p o r um d e s l o cam e n to , um a p e rtu rb ação d o s au to m atism o s
d a p e rce p ção . O ra, esses au to m atism o s resultam n ão so m en te
d o sistem a p ró p rio d o te xto em q u e s tão , m as tam b é m do
sistem a literário em seu co n ju n to . A f o rm a en q u an to tal, ou
seja, literária, é p erceb id a co n tra um f un do d e f o rm as au to m a­
tiz ad as p elo u so . O p ro ce d im e n to literário tem u m a f u n ção
d e estran h am en to , ao m esm o tem p o na o b ra em q u e se in sere
e, p ara além d esse te xto , na trad ição literária em g eral. A ssim ,
a d esf am iliariz ação , co m o d esv io relativ am en te à trad ição ,
p erm ite lo caliz ar o e l o h istó rico q u e u n e um p ro ce d im e n to
ao sistem a literário , ao texto e à literatu ra. A d esco n tin u id ad e
(a d e s f am il iariz ação ) sub stitui a co n tin u id ad e (a trad ição )
co m o f u n d am en to da ev o lu ção histó rica cia literatura. O fo rm a­
lism o resu lta n u m a h istó ria q u e, d if eren tem en te d aq u ela d e
C urtius, q u e p õ e em ev id ên cia a co n tin u id ad e d a trad ição
o cid e n tal , se p ren d e à diníim ica d a ru p tu ra, d e aco rd o co m a
e sté tica m o d ern ista e v an g u ard ista d as o b ras q u e in sp irav am
o s fu tu ristas.

C o m b ase n isso , o s f o rm alistas ru sso s h av iam d istin g u id o


d o is m o d o s d e f u n cio n am en to d a e v o l u ção literária: d e um
laclo, a p aró d ia d o s p ro ce d im e n to s d o m in an tes, d e o u tro , a
in tro d u ção d e p ro ce d im e n to s m arg in ais em re l ação ao ce n tro
d a literatu ra. S eg u n d o o p rim eiro m e can ism o , q u an d o ce rto s
p ro ced im en to s, q u e se to rn aram d o m in an tes num a d ad a é p o ca
o u n um d ad o g ê n e ro , d eixam d e se r p e rce b id o s , e n tão um a
o b ra, d esf am iliariz an te n este as p e cto , ao p aro d iá- lo s, to rn a- o s
d e n o v o p e rce p tív e is co m o p ro ce d im e n to s . O caráte r co n v e n ­
cio n al d o p ro ced im en to fica assim n o v am en te m an if esto , e um
g ê n e ro e v o l u i p rin cip al m e n te to rn an d o su a f o rm a p e rc e p ­
tív el atrav és d a p aró d ia d e seu s p ro ce d im e n to s f am iliares.
Po d e r- s e - iam ci tar n u m e ro s o s e x e m p l o s , m as D o m Q u ix o t e
é o e xe m p l o id eal, co m o o b ra p aró d ica n a in te rs e ção d o
ro m an ce d e cav alaria e d o ro m an ce m o d ern o . D e a co rd o co m
il M 'n 111u li i i m i M 11U n n i, i n i n c i Il i m i il 111. h i i l l . n l i i ' i l.ilnlIl.m'N
»i l i i si l l i'i( Il i l i t li I x il m i l l o s , li u n , u Ii i s î l e m ‘ i i c i i r , u i . l i y.l u .l I s,
i n u 11 |ii^n cn l ic d tcn l i i i c ;l p ciil n i.i il.l lilci ;il ni ,i, cn l tc ,i
i i i I i i i i .i ci m lil.i c ;i iiih u i.i p o p ular, i|uc a n 111i<.ia o diali igismt >
li.ikliiiniaiio. Coin b ase u essc m odelo, o rom anee p o l i c i al iiicon
i c M a v c l i n c n l c l ecu n d o u a literatura narrativ a d o sé cu lo X X , a
i . il p o n t o <[tit* se to rn o u um lu g ar- co m u m . N os d o is cas o s ,
Im poiia b em niais, d o p o n to tie vista e s té tico , a d esco n ti
u n i d a d e d o q u e a p e rm an ê n cia, e u m a o b ra v e r d a d e i r a m e n t e
l u n a r i a e , p o r a s s i m d iz er, u m a o b ra a u m t em p o p ar ó d i ca e
d u l o g ie a, n a f r o n t e i r a d e s e u p r ó p r i o g ê n e ro e tios d e m a i s .

1’ o tl e - s e d iz e r q u e , te n d o o f o rm al ism o ru sso le ito da


ile.slam iliariz av ào seu co n ce ito f u n d am en tal, n ào po dia ele
e sq u iv ar- se d o q u estio n am en to da h istó ria. K nq uanto a his
lo ria literária se f ech a na m aio r parte d as v ez es às q u estõ es de
lo rm a e q u e a crítica fo rm alista é, em g eral, surtia às q u estõ es
d e história, a literariedad e d o s form alistas era, inevitavelm ente,
h istó rica: a d esf am iliariz ação realiz ad a p o r um texto p articu lar
d e p e n d e f o rço sam e n te d a d in âm ica q u e a reab so rv e co m o
p ro ce d im e n to fam iliar.

A ssim , a h istó ria literária n ão é m ais o relato raref eito d o


au to - e n g e n d ram e n to d as o b ras- p rim as nem um a trad içao de
f o rm as q u e se p e rp e tu am d e f o rm a id ên tica ao lo n g o d o s
s é cu l o s . M as, p e rg u n tar- s e - á leg itim am en te: o n d e fica a his
tó ria? O n d e está a in s crição na h istó ria d essa d in âm ica d o s
p ro ced im en to s ? O risco d a histó ria trad icio n al n ão é ev itad o .

O H O R IZ O N T E D E EX PEC T A T IV A

Fo i a e sté tica da re ce p çã o , na v e rsão p ro p o sta p o r Jau ss ,


q u e f o rm u lo u o p ro jeto m ais am b icio so d e re n o v ação da his­
tó ria literária re co n ciliad a co m o f o rm alism o . Seu f an tasm a já
foi in serid o n o C ap ítu lo IV , e será n e ce s s ário v o ltar a e le n o
p ró xim o , a p ro p ó s ito da f o rm ação d o v alo r literário , m as é
aq u i q u e p are ce m ais o p o rtu n o ab o rd á- lo d e f ren te, co m o
s o l u ção d e co m p ro m isso (d e b o m sen so ?) en tre o s e xce s s o s
d o h isto ricism o e o s d a teo ria.

O artig o d e Jau ss , “L’H isto ire Littéraire co m m e D éfi à la


T h é o rie Littéraire” [A H istó ria Literária co m o D esaf io ã T eo ria
LiteráriaI (I 9 ()7 ) serv iu d c in an ilrM o a estética tia re ce p ção ,
0 crítico al em ão e s b o çav a nele o p ro g ram a tie um a no va 11is
tó ria literária. O e xam e aten to tia re ce p ção h istó rica tias o b ras
can ô n icas lhe serv ia p ara d iscu tir a su b m issão p o sitiv ista e
g e n é ti ca d a h is tó ria literária à trad i ção d o s g ran d e s e s cri ­
to re s . A exp eriên cia das ob ras literárias p elo s leitores, g eração
ap ó s g e ração , to rn av a- se um a m e d iação en tre o p ass ad o e o
p re s e n te q u e p erm itia ligar h istó ria e crítica.

Jau s s co m e çav a p o r lem b rar q u em eram seu s ad v ersário s:


d e u m lad o , o e s s e n cial is m o , e rig in d o em m o d e l o s in tem -
p o rais as o b ras- p rim as, d e o u tro o p o sitiv ism o , re d u z in d o - as
a p eq u en as histórias g en éticas. A seg uir ele d escrevia, co m um a
b e n e v o l ê n cia s e v e ra, as ab o rd ag e n s m eritó rias cu ja in co m ­
p atib ilid ad e p retend ia resolver: d e um lado , o m arxism o , q u e
faz d o te xto um p u ro p ro d u to h istó rico , an im ad o p o r u m in te­
re ss e ju dicio so p elo co n texto , m as lim itado p o r reco rrer in g e­
n u am en te à teo ria d o re f le xo ; d e o u tro , o f o rm alism o , care n te
d e d im en são h istó rica, p re o cu p ad o , n u m e s f o rço lo u v áv el,
co m a d in âm ica d o p ro ce d im e n to , m as n ão lev an d o em co n ta
o co n te xto . O ra, n u m a h istó ria literária d ig na d este n o m e , o
re lato d a e v o l u ção clos p ro ce d im e n to s f o rm ais n ão p o d e ser
s e p arad o da h istó ria g eral. Jau ss via en tão n o leito r o m eio
d e atar e ss e s f io s d iv erg en tes:

P ar a t en t ar p r e e n c h e r a l a c u n a q u e se p a r a o c o n h e c i m en t o
h i st ó r i c o e o c o n h ec i m en t o est ét i c o , a h i st ó r i a e a l i t er at u r a,
p o sso p ar t i r d a q u e l e l i m i t e o n d e as d u as e sc o l a s [ o f o r m al i sm o
e o m ar x i sm o ] se d et i v er am . Seu s m ét o d o s ap r een d em o fat o
lit er ár io n o c i r c u i t o f ec h a d o d e u m a est ét i c a d a p r o d u ç ã o e d a
r e p r e se n t a ç ã o ; c o m i sso , e l e s d e sp o j am a l i t er at u r a d e u m a
d i m en são q u e é, c o n t u d o , n ec essar i am en t e i n er en t e à su a p r ó p r i a
n at u r ez a d e f en ô m en o est ét i co e à su a f u n ç ão so ci al : a d i m en são
d o ef ei t o p r o d u z i d o ( W irkung) p o r u m a o b r a e d o sen t i d o q u e
l h e at r i b u i u m p ú b l i c o d e su a “ r e c e p ç ã o ” . O l ei t o r , o o u v i n t e, o
esp ec t ad o r — n u m a p al av r a: o p ú b l i c o en q u an t o f at o r esp ec í f i c o ,
só r ep r esen t a, n u m a e n o u t r a t eo r i a, u m p ap e l ab so l u t am en t e
r ed u z i d o . Q u an d o n ão i g n o r a p u r a e si m p l esm en t e o l ei t o r , a-
est ét i ca m ar x i st a o r t o d o x a n ão o t r at a d e f o r m a d i f er en t e d aq u el a
c o m o t r at a o au t o r : el a se i n t er r o g a so b r e su a si t u aç ão so c i al
[ ...] . A e sc o l a f o r m al i st a só p r ec i sa d o l ei t o r c o m o su j ei t o d a
p e r c e p ç ã o q u e, seg u n d o as i n c i t aç õ es d o t ex t o , d e v e d i sc er n i r
a form a ou d e sc o b r i r o p r o c e d i m e n t o t é c n i c o [ ...] . O s d o i s
m ét o d o s d ei x am d e l ad o o l ei t o r e seu p ap e l e sp e c í f i c o c u j o
I I I l i l i i ' i Ii i i i n i l I r M r l l i u r h l. M m lt n ilr v r in . 11i.S( i l u l .1IIH ' I li e M'l
l r v . i i Ii in i ' I ii i i m l ,i '

A i o n rrp c a o (l.i ol>r;i clássica co m o m o n u m en to u n iv ersal


r in te m p o ral, b rin ro m o a id éia d e q u e ela tran s ce n d e a
hiM oiia, p o rq u e e n ce rra em si m esm a a to talid ad e d e su as
irn .'.o rs, é su b stitu íd a p o r Jau s s p elo p ro jeto d e u m a histo ria
d o s iT eilo s. N en h u m a o b ra, p o r m ais can ô n ica q u e ten h a se
l o m ad o , p o d eria sair in d en e d essa co n ce p çã o . En tretan to ,
ro m o se v ê b astan te cl aram en te, a e stética da re ce p ção se
.ip resen ta in co n tin en ti co m o a b u sca d e um eq u ilíb rio , ou d e
iiiii m e io - te rm o en tre teses h o stis, o q u e lh e v alerá críticas
d o s d o is lad o s.

S eg u n d o Jau s s , fiel aq u i à estética f e n o m e n o l ó g ica, m as


ro n f e rin d o - l h e u m a in f l exão h istó rica, a sig n if icação d a o b ra
rep o u sa na relação dialó gica (p ara não dizer “dialética”, term o
e xce s s iv am e n te carre g ad o ) q u e se e s tab e l e ce em cad a é p o ca
en tre ela e o p ú b lico :

A v i d a d a o b r a l i t er ár i a n a h i st ó r i a é i n c o n c eb í v e l sem a p ar t i ­
c i p a ç ã o at i v a d a q u e l es a q u em el a se d est i n a. É a i n t er v en ç ão
d est es q u e f az c o m q u e a o b r a en t r e n a c o n t i n u i d ad e i n st áv el
d a e x p e r i ê n c i a l i t er ár i a, o n d e o h o r i z o n t e m u d a sem c essa r
[ ...] . A h i st o r i c i d ad e d a l i t er at u r a e seu c ar át er d e c o m u n i c aç ão
i m p l i c am u m a r e l a ç ão d e t r o c a e d e e v o l u ç ã o en t r e a o b r a
t r ad i c i o n al , o p ú b l i c o e a o b r a n o v a [ ...] . Se se c o n si d er a, en t ão ,
a h i st ó r i a d a l i t er at u r a d o p o n t o d e v i st a d essa c o n t i n u i d ad e
q u e c r i a o d i á l o g o en t r e a o b r a e o p ú b l i c o , su p e r a - se t am b ém
a d i c o t o m í a d o a sp ec t o est ét i c o e d o a sp e c t o h i st ó r i c o , e se
r e st a b e l e c e o el o en t r e as o b r as d o p a ssa d o e a e x p e r i ê n c i a
l i t er ár i a d e h o j e, e l o r o m p i d o p el o h i st o r i c i sm o . [ ...] A ac o l h i d a
d e q u e a o b r a é o b j et o p o r p ar t e d e seu s p r i m ei r o s l ei t o r es já
i m p l i c a u m j u l g am en t o d e v a l o r est ét i c o p r esen t e em o u t r as
o b r as l i d as an t er i o r m en t e. E ssa p r i m ei r a a p r ee n sã o d a o b r a p o d e
em se g u i d a d e se n v o l v e r - se e e n r i q u e c e r - se d e g e r a ç ã o em
g e r a ç ã o , e v ai c o n st i t u i r at r av és d a h i st ó r i a u m a “ c a d e i a d e
r e c e p ç õ e s” q u e d ec i d i r á so b r e a i m p o r t ân c i a h i st ó r i c a d a o b r a
e i n d i c ar á su a p o si ç ã o n a h i er ar q u i a est ét i c a.6

N em d o cu m en to , n em m o n u m en to , a o b ra é co n ceb id a co m o
p artitu ra, à m an eira d e In g ard en e Iser, m as essa p artitu ra é
atu alm en te to m ad a co m o p o n to d e p artid a p ara u m a re co n ci­
liação d a h istó ria e d a f o rm a, g raças ao estu d o d a d iacro n ia
ilo su as leitu ras. En q u an to , d e m o d o g eral, urna ilas dua.s
d im e n s õ e s da re l ação en tre historia e literatu ra, a co n te xtú a
liz ação ou a d in âm ica, é sacrif icad a, ag o ra elas se to rn am
so lid árias. O s ef eito s d a o b ra e s tão in clu íd o s na o b ra, nào
so m e n te o ef eito o rig in al e o ef eito atu al, m as tam b ém a to ta­
lid ad e d o s ef eito s su cessiv o s.

Jau s s to m a d e G ad am er a n o ção d e f u são d o s h o riz o n tes,


u n in d o as e xp e riê n cias p assad as in co rp o rad as n um te xto e
o s in teresses d e seu s leito res atu ais. Essa n o ção lhe p erm ite
d e s cre v e r a re l a çã o e n tre a re ce p ç ã o p rim eira d e u m te xto
e su as re ce p çõ e s p o s te rio re s , em d if eren tes m o m e n to s da
h istó ria e até ag o ra. A idéia n ão e ra, aliás, in teiram en te n o v a
em G ad am er, e e m 1931 Ben jam in o b serv av a, a re sp e ito d as
o b ras literárias, q u e

t o d o o c í r c u l o d e su a v i d a e d e su a aç ão t em t an t o s d i r ei t o s,
d i g am o s at é m ai s d i r ei t o s q u e a h i st ó r i a d e seu n asc i m en t o . [ ...]
P o i s n ã o se t r at a d e a p r e se n t a r as o b r a s l i t e r á r i a s em c o r r e ­
l aç ão co m seu t em p o , m as d e ap r esen t ar , n o t em p o em que
el as n asc er am , o t em p o q u e as c o n h e c e — o u sej a, o n o sso .7

R o m p en d o co m a h istó ria literária trad icio n al, b ase ad a no


au to r, e q u e Ben jam in atacav a, Jau s s se sep ara tam b ém d as
h erm en êu ticas radicais q ue em an cip am inteiram ente o leitor, e
insiste na n ecessid ad e d e se levar em co n ta, para co m p reen d er
u m te xto , su a re ce p ção o rig in al. Ele n ão liq üida, p o rtan to , a
trad ição f ilo ló g ica, ao co n trário , salv a- a atrav és d e su a rein -
s e rçâo nu m p ro ce s s o m ais v asto e nu m p raz o m ais lo n g o .
C o m p ete ao crítico , co m o leito r id eal, f az er o p ap el d e in ter­
m ed iário en tre a m an eira co m o u m te xto foi p e rce b id o n o
p as s ad o e a f o rm a co m o ele é p e rce b id o h o je, n arran d o d e ta­
lh ad am en te a h istó ria d e to d o s o s seu s ef eito s.

A fim d e d e s cre v e r a re ce p ção e a p ro d u ção d as o b ras


n o v as , Jau s s in tro d u z , u nid as, as d u as n o çõ e s , h o riz o n t e d e
ex p ect at iv a (v in d a tam b ém ela d e G ad am er) e des v io es t ét ico
(insp irad a no s form alistas ru sso s). O h o riz o nte d e exp ectativ a,
co m o o rep ertó rio d e Iser, m as n o v am en te co m um a to nalid ad e
m ais h istó rica, é o co n ju n to d e h ip ó te s e s co m p artil h ad as q u e
se p o d e atrib u ir a um a g e ração d e leito res: “O te xto n o v o
e v o ca p ara o leito r to d o um co n ju n to d e e xp ectativ a[s] e d e
reg ras d o jog o co m as q uais o fam iliarizaram o s texto s anteriores
r iju i', . m I Ii i il. i 11 ' 111 i i .I, j iiu lrm m 'i 11 n ii l u I . n l . i ' i, i i n i l ^ l i l. i' i,

111<x 111 it .i 11a *. i m .‘>11111ilr m nci ili- i rp m d u / iil .is ." " ( ) lim i / i m ir
il r i 'X j »«** Ia Ii v a, li.n r.iib j e tiv o , m o d e l ad o p ela Irailii^ ;li i, r
l il rn iil irav rl a 11a v f s 11a s estratég ias textu ais ta ratli'i isi it as d r
iiiii.i rp n ra (as <.*siralc*^>ia.s g e n é rica, l e m alira, p o é tica, in l n
irxlu al ), é co n f irm ad o , m o d if icad o on iro n iz ad o , e air m esm i >
M il>vci(ido , p ria o b ra n o v a <|iie, co m o o D o m Q uixo t e, e xig e
ili i pub lico um a fam iliaridade co m as o b ras q ue parodia, no raso ,
o s l o m aiiccs d e cav alaria. M as a o b ra n o v a m arca lam b em
um d e sv io e s té tico em re l ação ao h o riz o n te d e e xp e ctativ a ( r
.i v rih a d ialética da im itação e da in o v ação , ag o ra tran sp o sta
para o lad o d o leito r). E su as estratég ias (g e n é rica, tem ática,
p o é ti ca , in te rte xtu al ) f o rn e ce m crité rio s p ara se m ed ir o
d esv io ([u e caracte riz a su a n o v id ad e: o g rau q u e a sep ara d o
h o riz o n te d e e x p e cta ti v a d e se u s p rim e iro s l e ito re s , em
seg u id a, d o s h o riz o n tes d e exp ectativ a su cessiv o s no d ecu rso
de su a re ce p ção .

N a re ce p ção literária, Jau s s se in teressa p elo s m o m en to s


d e n eg ativ id ad e q u e a f az em m o v e r- s e . Po rtan to , ele l e m e m
m ente principalm ente as ob ras m od ernas, q ue negam a tindi^ io,
p o r o p o s ição às o b ras cl ássicas, q u e resp eitam a trad içao e
so n h am co m a in tem p o ralid ad e, em to d o cas o m ais estáv eis
ao lo n g o d e sua re ce p ção . O d esv io estético inclui um c i i i e i m
d e v alo r q u e p erm ite d istin g u ir g rau s literário s en tre, d e um
lad o , a literatu ra d e co n su m o , q ue ap raz ao leitor e, de o n im ,
a literatu ra m o d e rn a, v an g u ard ista o u exp erim en tal, q u e ,se
ch o ca co m su as e xp e ctativ as , q ue o d e s co n ce rta e o p ro v o r.i.
Jau ss co m p ara, em relação ao m esm o tem a d o adultério b urguês,
o ro m an ce fácil d e Ern est Fey d eau , Fa nny , e M a d a m e H o rary .
Fey d eau o b te v e um su ce s s o im ed iato , seu ro m an ce se v end eu
m elh o r q u e o d e Flau b ert, m as a p o sterid ad e d ele se d e s ­
v io u , ao p ass o q u e Flau b ert viria a co n q u istar m ais e m ais
leito res. A s d uas n o çõ e s elem en tares d e Jau ss p erm item assim
s e p arar a arte v erd ad eira (in o v ad o ra) e a arte q u e ele ch am a
d e “cu l in ária” (d e d iv e rsão ), num a h istó ria d a s u ce s s ão d o s
h o riz o n te s d e e xp e ctativ a q u e, co m o e n tre o s f o rm alistas, é
u m a d in âm ica da n eg ativ id ad e estética.

A s o b ras d esf am iliariz an tes, su b v ersiv as — es cript ív eis ,


co m o B arth es viria a d en o m in á- l as — se to rn am elas m esm as
d e tal f o rm a co n s u m ív e is , cl ás s icas o u até “cu l in árias ” —
legív eis , se g u n d o B arth es — p ara as f u tu ras g e raçõ e s , q u e
M dt / diiw H o iuiiy \vM) m ais sin p ie e n d e , ou n ao m uito . I'm issn,
é n e ce s s ário !ê-l;is d e Irás para líen le, p o r assim il i/ e r, ou ao
re v é s — tal é ju stam en te a l ard a d o h isto riad o r tía r e c e p t o
— a fim d e restab elecer a m an eira co m o o s p rim eiro s leilores,
e o s seg u in tes, as leram e co m p re e n d e ram , a fim d e restau rar
su a d if eren ça, su a n eg ativ id ad e orig inal e, co m isso , seu valor.
O o b jeto d essa n o v a historia literária é recu p erar as p erg u n tas
às q u ais as o b ras resp o n d eram . A inda co m o G ad am er, Jau ss
co n ce b e a f u são d o s h o riz o n tes na f o rm a d o d iál o g o d a p e r­
g u n ta e d a re sp o sta: a to d o m o m e n to a o b ra o f e re ce um a
resp o sta a u m a p erg u n ta d o s leito res, p erg u n ta q u e cab e ao
h isto riad o r d a re ce p ção identificar. A su cessão cios h o riz o n tes
d e e xp e ctativ a e n co n trad o s p o r u m a o b ra n ão é m ais q u e a
série d e q u e s tõ e s às q u ais ela d eu u m a resp o sta.

C o m o as o b ras n u n ca são ace s sív e is n o d e cu rs o d e su as


re ce p çõ e s su cessiv as s e n ão atrav és d o s h o riz o n tes d e e x p e c­
tativ a q ue d ep en d em d o co n te xto tem p o ral, elas são em p arte
d eterm in ad as p o r esses h o riz o n tes d e e xp e ctativ a. Jau s s , q ue
assim ratifica a herm enêutica heideg geriana, destaca a diferença
in ev itáv el en tre um a leitura p ass ad a e um a leitu ra p resen te,
e ref u ta a id éia d e q u e a literatu ra p o ssa alg u m dia co n stitu ir
um p re se n te in tem p o ral. A e s s e resp eito , co m o v e re m o s no
p ró xim o cap ítu lo , ele se sep ara d e G ad am er e d o co n ce i to d e
classicism o q ue a fusão d o s h o riz o n tes justificava n este últim o:
as o b ras clássicas, dizia G ad am er, fiel a H egel, são elas m esm as
sua in terp retação ; elas d etêm um p o d er in eren te d e m ed iação
entre passado e presente. Para Jauss, em co m p en sação , nenhum a
o b ra é cl ás s ica em si, e só se co m p re e n d e u m a o b ra q u an d o
se id entif icaram as p erg u n tas às q uais ela resp o n d eu ao lo n g o
d a h istó ria.

A FILO LO G IA D ISFA R Ç A D A

R ep resen tem o s o p ap el d e ad v o g ad o s d o d iab o . A filolo gia


foi reab ilitad a, o b se rv ar- se - á à p arte , co m a co n d i çã c/ d e se
o cu p ar d e to d a a d u ração da h istó ria en tre o te m p o d a o b ra e
o n o sso , já q u e a p rim eira re ce p çã o m e re ce n ão s o m e n te ser
se m p re e stu d ad a, m as b en ef icia- se m esm o d e um p riv ilég io
e m re l ação às seg u in tes: é ela na v e rd ad e q u e p erm ite m ed ir
Ii ml.l ,i m 'j;,!! IV li I,mli ’ i l .l i il u ,i , t i il l 'i t 'i ji li •i i l i nu i i l r , m'i i v,i Ii h I i n
<it l 11.1'• I i.l I.l VI . 1'., I>. 11.1 t i i l l l l l l l l . i l .1 l l l l c i r s s a i ',(• p e l o i u i i l e s l n
1111 111.11 i l .i <11>i .1, c u m i o r e c o m e n d a v a Si h l ei e i m ai l i ei , <■
11•*< c.'.s.ui d i * .sulii ienle i u n iu rd ar cm in teressar sc ig ualm ente
t u n Indu s us co n te xto s su cessiv o s d r sua re ce p ção , en tre sen
i <i 111x i e n nussu. A tarefa é im en sa, m as é o p re ço a pagai
p.u.i aim l.i laz er lilologia n o clim a tic su sp eita <|ue reina so b ie
essa d iscip lin a d esd e a m etad e tio s é cu l o X X .

A e sté tica tia re ce p ção b u sca e s tab e l e ce r a h isto iicid ad e


ila literatu ra em três p lan o s so lid ário s:

( I ) A o b ra p e rte n ce a um a série literária na q ual ela d ev e


ser sim ad a, lissa d iacro n ia é co n ceb id a co m o um a p ro g ressai)
d ialética tie p erg u n tas e resp o stas: cad a o b ra d eixa em su s­
p e n so um pro b lem a q ue é reto m ad o pela ob ra seguinte. Issu se
p are ce b astan te co m a e v o l u ção literária s eg u n d o o s form a
lisias ru sso s, m as, em Jau s s , a in o v ação f o rm al n ão é o ú n ico
m o to r d o m o v im en to literário , e q u aisq u er o u tro s p ro b lem as
relativ o s às id éias, à sig n if icação , p o d em tam b ém ab alá- la.

( 2 ) A o b ra p e rte n ce ig u alm en te a um co rte sin cró n ico q ue


tlev e s e r re cu p e rad o , l e v an d o - s e em co n ta a co exisièiu ia d e
e l e m e n to s sim u ltân eo s e elem en to s n ão sim u ltân eo s, em qual
q u er m o m en to da história, em q u alq uer p resente. Km relavan a
essa id éia, o p o s ta ao co n ce ito h eg elian o d e esp irito du lem pu ,
Jau s s in v o ca S ieg f ried K racau er, q u e insistira na p lu ralid ad e
d as histó rias d e q u e se co m p õ e a história, e d escrev e a hisimi.i
co m o um a m ultiplicidade d e fios não síncro no s e tie cronologia-,
d if eren ciais. D o is g ê n e ro s literário s p o d e m n ão ser ab so lu ta
m e n te , na m esm a data, co n tem p o rân eo s, e o s livros produzidos
n esses d if eren tes g ên ero s, co m o M a d a m e B o v ary a Fa n n y , lèm
ap e n as u m a ap arê n cia d e sim u ltan eid ad e: alg u n s estão atra
s ad o s , o u tro s ad ian tad o s em re lação a seu tem p o . O u v e- se
h ab itu alm en te q ue o ro m antism o , o Parn aso e o sim b olism o se
su ce d e ram n o sé cu l o X IX , m as V icto r H u g o p u b lico u v erso s
ro m ân tico s q uase até o ap arecim en to d o v erso livre, e o alexan ­
d rin o cl ás s ico ain d a co n h e ce u dias v e n tu ro so s n o sécu lo X X .

( 3 ) Fin alm en te, a h istó ria literária se liga ao m esm o tem p o


p assiv a e ativ am en te à h istó ria g eral: ela é d e t e rm in a d a e
d e t e rm in a n t e , s eg u n d o u m a d ialética a se r ref eita. D esta v ez ,
é a teo ria m arxista d o re f l e xo q u e Jau s s rev isa, ou flexib iliz a,
p ara re co n h e ce r à cu l tu ra u m a relativ a in d e p e n d ê n cia em
re l ação à s o cie d ad e , e iiiii.i in cid en cia so b re cl;!. A.s.sim, ;i
histó ria so cial, a e v o l u ção d o s p io ce d im cn l o s , m as lam b em a
g ê n e s e d as o b ras p are ce m ligad as, num a história literária nova
e sin cré tica, p o d e ro s a e sed u to ra.

M as as o b j e çõ e s são im ed iatas. Po d eria to d a a histó ria lile-


rária ter v e rd ad e iram e n te p o r ú n ico o b jeto o d esv io , o u seja,
a n eg ativ id ad e q u e caracte riz a em p articu lar a o b ra m o d ern a?
A e stética d a re ce p ção , co m o a m aio ria d as teo rias v istas até
aq u i, erig e co m o u n iv ersal u m v alo r extraliterário , n o cas o a
n eg ativ id ad e, v alo r atrav és d o q u al ela p reten d e f az er p assar
to d a a literatu ra. A final d e co n tas , p e n san d o b em , n ão seria
a estética d a re ce p ção ap en as um m o m en to , q ue já se esv aiu na
h istó ria da re ce p ção d as o b ras can ô n icas: o m o m en to d u ran te
o q ual elas d ev iam ser p erceb id as atrav és de su a negativ id ad e?
Esse m o m e n to m o d e rn o , d u ráv el m as tem p o rário , h is to rica­
m en te d eterm in ad o e d eterm in an te, foi varrid o p elo p ó s- m o d er-
nism o ao q u al, p re cisam e n te , resistiram m ais q u e o u tro s o s
p artid ário s d a e sté tica d a re ce p ção .

O utra rep rim en d a, d esta v ez vinda da direita. A re ce p ção de


u m a o b ra, d iz Jau s s , é um a m e d iação h istó rica en tre p ass ad o
e p resen te: p o d eria ela, n o en tan to , p ela f usão d o s h o riz o ntes,
estab iliz ar d e f o rm a d u ráv el u m a o b ra, f az er d ela u m cl ás s ico
trans-históríco? S egun do Jau ss, essa idéia é ab su rd a, e q u alq u er
re ce p çã o co n tín u a d e p e n d e n te d a h istó ria. T ratare m o s d o
cl ás s i co n o p ró xim o cap ítu l o , m as p o d e - s e im e d iatam e n te
o b s e rv ar q u e a te o ria d e Jau s s n ão p erm ite f az er d istin ção
e n tre o b ra “cu l in ária” (o triv ial) e o b ra clássica, o q u e é, d e
q u alq u er m o d o , in cô m o d o . A p ó s um sé cu l o e m e io , M a d a m e
B o v a ry to rn o u - s e um clássico , o q u e n ão q u er d iz er n e ce s s a­
riam en te u m a o b ra d e co n su m o . O u d e v e r- se - ia ad m itir q u e
u m a o b ra clássica é, ipso fa c t o , “cu l in ária”? Essa ap o ria co n ­
firm a o p o n to d e v ista an ticlás sico d a estética d a re ce p ção ,
m esm o q u e ela se ten h a rev elad o , d e o u tro ân g u lo , cú m p l ice
d a f ilo lo g ia.

A teo ria d e Jau s s serv iu , e n tre tan to , d e ju stif icação p ara


g ran d e n ú m e ro d e trab alh o s: em lu g ar d e re co n stru ir & vida
d o s auto res, am b ição doravante desacred itad a, reco nstruíram -se
o s h o riz o n te s d e e xp e ctativ a d o s l e ito re s . A trav é s d e s s a
co n ce s s ã o , q u e to rn a p e s ad o o trab al h o (m as n u m m o m e n to
em q u e a d e m o cratiz ação d o en sin o su p e rio r d e cu p l ico u o
11111111 ' 1 1 i i l l 1 i ii "ii jii I s . u Ii m i " i i | i i r I >i l 't Iv i \ .i t 11 c i u i u il i ,t i I i i i i . r ,

ill' I r s i ' l , .1 I I I . ' , I i u 1, 1 1 11 '1 1. 11 ¡ ;l 111u l e .11 1 l . i I I l n V n .l l i 'l l l n si 'l i l

Ii lilllli I .I I .i n M 'll i l .l l .1 K ' l ' i H i sl t U Ç.I i i O . 1 C< > l l ( r . \ l l i a l l / . I Ç . I i ) A


i " .I i IM .1 ( l.i l e c o p ç a o j >t * i n i ¡I i i i a I i U>I ( >>-* i • i s a l v a r o s d e .sl m ç o .s:

11 m l.mil i <|iir ii;io sc n eg lig en ciassem as re ce p çõ e s ulterio res,


.i i >i i11ici i;i re ce p çao loi reab ilitad a co m o co n h rcim cn l o indis­
p en sáv el a co m p re e n s ão da o b ra, K o d iálo g o da p crg u n la c
i l.i ics p o s ta n ao é m ais tam b ém in co m p atív el co m a intenç ão
du au lo r, co n ce b id a n ào co m o um a in ten ção p révia m as, de
iii.m eira m ais lib eral, co m o um a in ten ção cm ato . A d o u lrin a
de lauss, co m o a de H irsch so b re a in terp retação , a d e K ieu-ur
•.obre a m im ès is , a d e Iser so b re a leitu ra, a d e C ioodinan
so b re o estilo , faz p ro v av elm en te parte d essas tentativas d e s e s ­
p erad as d e arran car o s e stu d o s literário s d o ceticism o e p is te ­
m o ló g ico e d o relativ ism o d rástico em v o g a p o r v olta d o final
d o s é cu l o X X : elas assin am aco rd o s co m o ad v ersario , k/am
n o v am e n te as v elas da h isto ria literária re n o v an d o seu vo ea
b iliario , m as n ão é ce rto q u e a su b stitu ição d o v elh o d ualism o
im itação e in o v ação p elo h o riz o n te d e exp ectativ a e pelo desv io
estético ten h a alterad o d rasticam en te a p esq u isa literária. I’ o d e
ser q u e, co m o B ru n etiére, q u e, so b o ró tu lo “ev o l u ção d o s
g ê n e ro s ” f alav a realm en te d o s g é n e ro s co m o m o d elo s pata a
re ce p ção , co n f o rm e su g erí an terio rm en te, Jau s s , aco b e tiad n
pela re ce p çã o , n ão ten h a ce s s ad o d e falar, so b um a nova um
p ag em , d o s g ran d es e s crito re s. T rata- se, afinal d e co n tas, d o
m esm o ram e rrão — b u s m e s s as us ual, co m o se diz em inglês

A liás, o leito r tem u m a b o a resp o n sab ilid ad e nessa teo ria,


tî ra ça s a e le , a h istó ria literária p are ce n o v am en te légitim a,
m as ele co n tin u a, su rp reen d en tem en te, ig n o rad o . Jau ss nunca
e s tab e l e ce d istin ção en tre re ce p ção p assiv a e p ro d u ção lite­
rária (a re ce p ção d o leito r q u e se to rn a, p o r su a v ez , au to r),
nem e n tre leito res e crítico s. São, co n s e q ü e n te m e n te , estes
últim o s — o s leito res eru d ito s, q u e d e ixaram testem u n h o s
escrito s d e su as leituras — o s ú n ico s q ue lhe serv em d e tes te­
m u n h as p ara d escrev er o s ho riz o n tes de exp ectativ a. Ele jam ais
m en cio n a o s d ad o s, m uitas v ez es d isp oníveis e q u antif icad o s,
q u e in te re s s am h o je ao s h is to riad o re s , p ara m e d ir a ci rcu ­
l ação d o liv ro , em e sp e cial a d o p o p u lar. O leito r co n tin u a
se n d o u m a en tid ad e ab strata e d e s e n carn ad a em Jau ss , q u e
tam p o u co n ad a diz so b re o s m ecan ism o s q ue ligam , na prática,
o au to r e seu p ú b lico . O ra, p ara aco m p an h ar- s e a d in âm ica
clos h o riz o n tes di* e xp e ctativ a, m eiecein ate n çao , além il.i
própriíi ob ra, varias outras m ed iações t*n(rc- passad o e prèsente,
p o r e xe m p l o , a e sco l a, ou o u tras institu içõ es cuja im p o rtancia
é lem b rad a p o r Lu cien Feb v re em su a crítica so b re M ornel.
Enfim , Jau ss aceita tran q ü ilam en te a d istin ção fo rm alista entre
lin g u ag em co tid ian a e lin g u ag em p o é tica, e d e ixa d e lad o a
s itu ação h istó rica d o crítico . É v e rd ad e q u e Jau s s in siste co m
ju stez a, co n tra o s d ef en so res d o classicism o , nas in certez as
q u e p esam so b re a trad ição e so b re o cân o n e: a so b rev iv ên cia
d e u m a o b ra n ão é g aran tid a, as o b ras há m uito m o rtas p o d em
e n co n trar n o v o s leito res. M as, n o co n ju n to , su a co n s tru ção
co m p l icad a, a f o rm a co m o e le , as s o cian d o o s crítico s a seu
p ro jeto , o s n eu traliz a, p are ce ter tid o s o b re tu d o a v an tag em
d e co n ce d e r u m a trég u a à f ilo lo g ia. A estética d a re ce p çã o foi
a f ilo lo g ia d a m o d ern id ad e.

S e e ss as ce n s u ras p o d em p o r v e z e s p are ce r in ju stas, é


p o rq u e a e sté tica d a re ce p ção , co m o o u tras b u s cas d e eq uilí­
b rio v istas an terio rm en te, p are ce aliar teo ria e s e n s o co m u m ,
o q u e é im p e rd o áv e l . Só se é tão im p ie d o s o co m o s p artid á­
rio s d o m eio - term o . C o ntra eles o s extrem o s se aliam d e fo rm a
su rp re e n d e n te .

H IS T Ó R IA O U LITERA T U RA ?

A teo ria literária, p e rco rre n d o o co n ju n to d o s trab alh o s


q u e até en tão in v o cav am em seu f av o r a história e a literatura,
o b se rv an d o su as in su f iciên cias, p ô s em d úv id a a p re te n s ão
d as m e s m as a e s s a s ín te s e , e co n cl u iu p e l a in co m p atib il i­
d ad e definitiva d o s dois term os. N ão há a resp eito d iag n ó stico
m ais p essim ista q u e o artig o ap re s e n tad o p o r B arth e s em
ap ê n d ice a S o b re R a cine, “H istó ria o u Literatu ra?” , ap ó s u m a
p rim eira p u b l icação n o s A n n a le s , em I 9 6 0 . B arth e s atacav a
co m iro n ia a co n te xtu al iz ação ap re ss ad a q u e m u ito f req ü en ­
te m e n te reiv in d ica o n o m e d e h istó ria literária, o u artística,
q u an d o na re al id ad e , lim ita- se a ju stap o r d e tal h e s h e te ro ­
g ê n e o s : “1789: C o n v o cação dos Estados G erais, volta d e N ecker,
co n ce rto n.IV , em d ó m eno r, p ara co rd as, d e B. G al u p p i.” Essa
salad a n ad a acre s ce n ta o u e xp l ica; ela n ão faz co m p re e n d e r
m elh o r as o b ras assim situ ad as. B arth es v o lta, e n tão , ao p ro ­
g ram a d e Lu cien Feb v re p ara o e stu d o d o p ú b lico , d o m eio ,
il IN II It ' 111.11II 1.1<Ii1 i i ill IIV.IN, ll.l liiltll.lÇ.lu ln lelctlll.il i i >11111111
mi .11111il r .1 M111*. 11' 111il i '.*• I!1<1 ('( ill'.li Ici ,l\ .1 e.ssc |HnHI.IIH.I
hi 111j u i ■rx< cl ciil c, c ( cit u Im.i "A 11Í.si ( ii I.l Iil ci ill i; i so e |» is.sivr I
.1 cl.I ;,e I.l/. ,SO( lo lo g iea, SI' SC illlCICSSII pcla.s ;lI ivi(I.I( le.S f
Im'I.is iiisliliiiç( >es, n;io p elo s iixlividuo.s.’"' Uni o u tras palavia.s,
i lilsloii;i Iit i*r:i i ¡;i só é p o ssível (| u;imlo ren u n cia ;i<> lexto . I',,
i ( ' i Iu / it l,i ; is instituições, “a história da literatura será a historia,
c m ais n ad a" .

D o o u lro lad o , cm o p o s ição à in stitu ição literária, há, no


f in .in to , a criação literária, m as esta, av alia B arth es, n ào p o d e
•.ci o h jeio d e nen h u m a histó ria. D esd e S ain te- Beu v e, a criaçao
loi e xp l icad a eo m p re cis ão cre s ce n te em term o s cau sais, p elo
ictrato , p ela teo ria d o re f le xo , p elas f o n tes, em su m a, pela
g e n e s e , e foi p o ssív el a essa co n ce p ção g en ética da criaçao
assu m ir um ar h istó rico , p o is o te xto era exp licad o , co m o
e leilo , p o r su as cau sas e su as o rig en s. M as a visão s uhjnccnt c
n ao era h istó rica, p o is o cam p o de in v estig ação se restringia
ao s g ran d es escrito res, to m ad o s ao m esm o tem p o co m o efeitos
e co m o cau s as . A h istó ria literária, lim itad a à filiaçao cu ti r
g ran d es escrito res, era p erceb id a co m o um f en ô m en o isolad o
d o p ro cesso histórico geral, estando , portanto , alísenle o .sentido
d o d e se n v o lv im e n to h istó rico d a literatu ra. R ecu san d o cv ,.i
histó ria literária artificial, Barth es rem etia o estu d o da criad lo
literária à p sico lo g ia, à q ual aderiu ain d a n aq u ela cp o c.i c
q u e e le ap licara à su a leitu ra tem ática d e M ichelet, an tes d c
p ro cl am ar a m o rte d o au to r.

M as, na v erd ad e, o terren o estava p rep arad o , e to talm en te


d e sim p e d id o , en tre, d e um lad o , a s o cio l o g ia da in stitu ição
e, d e o u tro , a p sico lo g ia d a criação , p ara o estu d o im ánenle, a
d e scrição f orm al, a leitura plural da literatura q ue lo go estaria
na o rd e m d o dia. B arth e s, atrav és d e u m a tática háb il, co m e ­
çav a re co n h e ce n d o a leg itim id ad e d a h istó ria literária, para
em seg u id a ren u n ciar e tran sf erir p ara seu s co l e g as a re sp o n ­
sab ilid ad e d e co n d u z i- la. A situ ação n ão m u d o u m uito d esd e
e n tão e, d e p o is da teo ria, f o ram a h istó ria so cial e cu ltu ral ao
m o d o d e Feb v re, em seg u id a, a s o cio l o g ia d o cam p o literário
d e B o u rd ieu q u e, cad a v e z m ais e cad a v ez m elh o r, to m aram
a seu carg o o estu d o s ó cio - h istó rico d a in stitu ição literária,
sem lim itá-la à literatu ra d e elite e n ela e n g lo b an d o to d a a
p ro d u ção ed ito rial.
N;i In g laterra, ig n o rad o s p o t H .uthes, outro.s p recu rso res
d essa so cio l o g ia histó rica tía literatura pela <|iial d e ansiava
ag iam , d e s d e o s an o s trinta, na esf era d e influC'ncia d e K K.
Leavis. Q . D . Leavis, esp o sa d este, co n to u d etalh ad am en te, em
Fict io n a n d t he R e a d in g Pu W ie [Ficção e Pú b lico Lei to r I ( 1932)
a h istó ria d o sig n if icativ o au m e n to d o n ú m ero d e leito res na
era in d u strial, e rem ato u co m um a co m p aração p essim ista
entre a literatura p o p u lar d o sécu lo X IX e os b es t s ellers co n tem ­
p o rân eo s. Em seg u id a, v ario s estu d o s f u n d am en tais, sim ulta­
n eam en te h istó rico s, so cio ló g ico s e literários, to d o s m atiz ad os
d e m arxism o e d e m o ralism o , an alisaram o d e se n v o lv im e n to
d a cu ltu ra p o p u l ar b ritân ica, co m o La C ult ure d e s P a uv re s [A
C ultura d o s Po b res] d e R ichard H o g g art (1 9 5 7 ), C id t u re a n d
So ciety (1 7 8 0 - 1 9 5 0 ) [Cultura e Sociedade] de Raym ond W illiams
( 1 9 5 8 ) e La F o rm a t io n d e la C las s e O u v riè re A n g la is e [A
Fo rm a çã o d a C lasse O p erária In g lesa] d e E. P. T h o m p s o n
( 1963 ). Essas o b ras clássicas (f o ra da Fran ça) estão na o rig em
d a d iscip lin a q u e se p ro p ag o u em seg u id a na G rã- B retan h a,
d e p o is n o s Estad o s U n id o s, co m o n o m e d e C u lt u ra l St udies
(e s tu d o s cu l tu rais ), co n s ag rad a e s s e n cial m e n te à cu l tu ra
p o p u l ar o u su b altern a. A cu id ad o sa d istin ção d e B arth es entre
instituição e criação , transferindo p ara o s histo riad o res a p e s ­
q uisa so b re a in stitu ição , assim co m o a m aio ria d o s e m p re e n ­
d im en to s te ó rico s d o s an o s s e s se n ta e se te n ta, até Jau s s e d e
M an, tiv eram co m o resu ltad o , a m en o s q u e f o sse em f u n ção
d e um fim in co n f essad o , a p reserv ação d o estu d o d a alta litera­
tura co n tra a e xp an são acelerad a da cultura de m assa. S eg un do
d e M an, R o u sseau é g ran d e n ão p elo q u e q uis d iz er, m as
p elo q ue ele d eixo u q ue dissessem ; entretanto, é p reciso sem p re
1er R o u sseau . Barth es escrev eu so b re Jam es B o n d , su a sem io ­
lo g ía se in teresso u p ela m o d a e p ela p u b licid ad e, m as em
su a crítica, e co m o leito r em seu tem p o livre, ele v o lto u ao s
g ran d e s e scrito re s , a C h ateau b rian d e a Pro u st. Em g eral, a
teo ria n ão f av o receu o estu d o da ch am ad a p a ra lit e ra t u ra , nem
m u d o u d e f o rm a ace n tu ad a o cân o n e .

N a Fran ça, d ep o is q u e o s h isto riad o res co m e çaram a o cu ­


p ar- s e se riam e n te d a histó ria d o livro e d a leitu ra, Bo u rd ieu
am p lio u ain d a o cam p o d a p ro d u ção literária p ara lev ar em
co n ta a to talid ad e d o s ato re s q u e n ele in terv ém . S eg u n d o o
s o ci ó l o g o ,
•t u ! M .1 I I r l i l i 1 t t i l I Ii i i i l l | l 111 I S . l ^ ! . 1* Il I I ' t t il I ' l . l m .11 II I |t ‘ I i l I Mi m I t l t i » t I t 1

iiiii l i m 'I i m i Ii il i . i l l n i t l r t i l l /i l l i l l h i \ inil» illi il m i t| U .i l t t i l . i l it n . 1111,

11 m i .i iiii'm i i.i t i n i v l t v .i l > c i t u n K .in h t i 'i 111< i i l 1 1 i l r . l n u . i l ' ' , 11 n I i i *i

u s .i gt 'i i l t ". i iij{,i| .iiIi is i k i ( .i n i p o t ic im it liiv.ii >, i sl n r , tis .u li'.l.r .

f t ' st i i l i > i f s d I i m i i i d .s a.ssi n i f t i i n o o s " t n e.sl i es" l o i i s j n 1. i < l < i s ,


o s t n l i t t i s i' t >s e d i t o r e s I :in t () < | U ;m l o o s :m l o r e s, o s cli i'ii lt 'ft

r i i l i i .N i asl j s ] );)(> m e n o s (| U f o s v e n d e d o r e s c o n v i c i o s . " ’

I lian d o ;is m ais am p las co n s e q ü ê n cias tia in tro d u ção da lei


lui.i na d ef in ição da literatura, Bourtlieu julga q ue a p ro d u ção
sim b ó lica d c um a o b ra d e arte n ão p o d e .ser red uzid a à sua
l ab iicaçào m aterial p elo artista, m as d ev e incluir “to d o o aco m
p an liam en to tie co m en tário s e de co m e n tad o re s” , n o latlam cn ic
n o cas o da arte m o d ern a, q ue in co rp o ra um a ref lexão so b re a
arte, b u sca a d if icu ld ad e, e p erm an ece f req ü en tem en te in ace s­
sív el, sem instruções d e uso. A ssim, “o discurso sob re a ob ra nao
e um sim p les ace s s ó rio , d estin ad o a f av o re ce r sua ap re e n s ao
e su a ap re ciação , m as um m o m en to d a p ro d u ção tia o b ra, de
seu sen tid o e d e seu v al o r” .11 Po sterio rm en te a U otird icu,
m ú ltip lo s trab alh o s, relativ o s p articu larm en te ao classicism o ,
ou às v an g u ard as d o s s é cu lo s X IX e X X , trataram das can e iias
literárias, d o p ap el d as d iv ersas in stâncias d e reco n h ei im eiiii>
co m o as acad em ias, o s p re ço s, as revistas, a televisão, co iie n
d o - se o ris co d e p e rd e r d e vista a o b ra em si, nao o b s t a n t e
in d isp en sáv el n o in ício d e um a carreira, ou d e redu/.i Ia .1 um
p re te xto p ara a estratég ia so cial d o escrito r.

N o s Estad o s U n id o s, n o s an o s o iten ta, o N a v llislorli Ism,


in f lu en ciad o tam b ém ele p ela an álise m arxista, m as igualm enli'
p ela m icro - h ístó ría d o s p o d eres em p reen d id a p o r Fo u eau ll,
d e s o rg an iz o u a teo ria e sub stituiu a s o cio l o g ia h istó rica, p io
p o n d o d e s cre v e r a cu ltu ra co m o re l açõ e s d e p o d er. A p licada
in icialm en te ao R en ascim en to , em e sp ecial co m o s trab alh o s
d e S tep h en J. G reen b latt, d ep o is ao ro m an tism o e f in alm en te
ao s o u tro s p erío d os, essa reco ntextualiz ação do estudo literário
ap ó s o rein ad o d a teo ria, co n sid erad a so lip sista e ap o lítica,
atesta u m a ev id en te p re o cu p ação p o lítica. Ela se in teressa
p o r to d o s o s e xcl u íd o s d a cu ltu ra, p o r q u e stõ e s d e raça, s e xo
ou cl asse , ou p e lo s “su b al tern o s” q u e o O cid en te co lo n iz o u ,
co m o n o im p o rtante livro d e Ed w ard Said, so b re L ’O rient alis m e
[O O rien talism o ] ( 1 9 7 8 ) . A d e s crição d a literatu ra co m o b em
s i m b ó l ico , à m an eira d e B o u rd ieu , ou o estu d o da cu ltu ra
co m o p ro d u to d o jo g o d o p o d er, n o rastro d e Fo u cau lt, sem
ro m p er co m o p ro g ram a p rescrito p o r Lanson, Feb v re e Bart lies
p ara a h is to ria d a in s titu ição l ite rária, re o rie n taran ! e s s a
h is to ria num sen tid o f ran cam en te m ais en g ajad o , a p artir d o
m o m e n to em q u e a o b jetiv id ad e é co n sid e rad a um e n g o d o .
C o m o a teo ria e a histo ria o cu p am , p ara m u ito s, p o s içõ e s
g eralm en te o p o stas, esses n o v o s estu d o s histó rico s são f req ü en ­
tem en te co n sid e rad o s an titeó rico s, o u ain d a an tiliterário s, m as
tud o q ue se p o d e legitim am ente cen su rar neles, co m o em tantas
o u tras ab o rd ag e n s e xtrín se cas d a literatu ra, é o f ato d e n ão
co n se g u ire m e s tab e l e ce r u m a p o n te co m a an álise in trín seca.
A ssim , d e v erd ad eira história literária, aind a n en h u m indício.

A H IS T Ó R IA C O M O LIT ERA T U RA

M as p ara q u e p ro cu rar ain d a co n ciliar literatura e história,


se o s p ró p rio s h isto riad o res n ão crê e m m ais n essa d istin ção ?
A ep is te m o lo g ía d a h istó ria, tam b ém ela sen sív el ao s p ro ­
g re s s o s d a h erm en êu tica d a su sp eita, tran s f o rm o u - se, e as
co n s e q ü ê n cias se f iz eram sen tir na leitu ra d e to d o s o s te xto s ,
in clu siv e o s literário s. C o n trariam en te ao v elh o so n h o p o s i­
tiv ista, o p as s ad o , co m o rep etiu à sacie d ad e to d a u m a série
d e te ó rico s da h istó ria, n ão n o s é acessív el se n ão em f o rm a
d e te xto s — n ão f ato s, m as sem p re arq u iv o s, d o cu m e n to s ,
d iscu rso s, escrituras — eles pró p rio s insep aráv eis, acrescen tam
e s s e s te ó rico s , d o s te xto s q u e co n stitu e m n o sso p re s e n te .
T o d a a histó ria literária, inclusive a d e Jau ss , rep o u sa na d if e­
re n ciação ele m e n tar en tre text o e co nt ex t o . O ra, h o je em dia,
a p ró p ria h istó ria é lida cad a v ez co m m ais f req ü ên cia co m o
se f o sse literatu ra, co m o se o co n te xto f o sse n e ce s sariam e n te
te xto . Q u e p o d e vir a ser a h istó ria literária, se o co n te xto
n u n ca é se n ão o u tro s texto s?

A história d o s h isto riad o res n ão é m ais una nem un if icad a,


m as se co m p õ e d e u m a m u ltip licid ad e d e h istó rias p arciais,
d e cro n o l o g ias h e te ro g ê n e as e d e relato s co n trad itó rio s. Kla
n ão tem m ais esse sen tid o ú n ico q u e as f ilo so f ias to taliz an tes
d a h istó ria lhe atrib u íam d esd e H eg el. A história ê um a co n s ­
tru ção , um relato q u e, co m o (al, p õ e em cen a tanto <> p resen te
co m o o p assad o ; seu texto faz p aite da liteiatu ta A o b jetivi
d ad e ou a tran scen d ên cia da história e iiin.i n 111 111, pois o
h isto riad o r está en g ajad o n o s d iscu rso s atrav és d o s q u ais ele
co nstrói o o b jeto histórico. Sem co nsciência desse eng ajam ento ,
a h istó ria é so m e n te um a p ro j e ção id e o ló g ica: esta é a lição
d e Fo u cau l t, m as tam b ém d e H ay d en W h ite, d e Paul V eyne,
d e Jacq u e s R an cière e d e tan to s o u tro s.

C o n se q ü e n te m e n te , o h isto riad o r da literatu ra — m esm o


em su a últim a m etam o rf o se d e h isto riad o r da re ce p ção —
n ão tem m ais h istó ria em q u e se ap o iar. É co m o se ele se
e n co n tras s e em am b ien te livre d e g rav id ad e, p o is a histó ria,
co n f o rm e a h erm en êu tica p ó s- h e id e g g e rian a, ten d e a ab o lir
a b arreira d o d en tro e d o f o ra q u e estav a na o rig em d e to d a a
crítica e da historia literária, e os co n texto s não são eles m esm os
senão co nstruçõ es narrativas, ou representações, ainda e sem pre,
le xto s . H á s o m e nt e texto s, diz a n o v a h istó ria, p o r e xe m p lo , o
N ew H is t o ricis m am e rican o , e m sin to n ia, n este p o n to , co m a
in tertextualid ad e. Seg un do Louis M ontrose, um d e seu s líderes,
e ss e re to rn o à histó ria n o s estu d o s literário s am erican o s se
caracteriz a p o r um a ate n ção sim étrica e in sep aráv el da “hislo-
ricid ad e d o s te xto s ” e d a “textu alid ad e d a h istó ria” . 12 A eo e
rên cia d e to d a a crítica in d eterm in ista d eriv a d essa cre n ça,
q u e, aliás, lem b ra p arad o xo s m ais an tig o s, co m o este, q ue
ap are ce n o Jo u rn a l d o s G o n co u rt em 1 8 6 2 : “A história e um
ro m an ce q u e fo i; o ro m an ce é a história q u e p o d eria tei sidn "

A p artir d e en tão , q u e será um a história literária sen .io ,


m uito m ais m o d estam en te q u e no tem p o d e Lanson <>u m esm o
no d e Jau s s , u m a ju s tap o sição , um a co lag em d e lexin s <• d c
d is cu rso s f rag m en tário s lig ad o s a cro n o l o g ias d il ciem l.il'.,
alguns m ais histórico s, o u tro s m ais literários, seja co m o loi, um
leste a q u e é su b m etid o o cân o n e transm itid o pela iiad iv .io '1
N ao m ais n o s é perm itid a a co n sciê n cia tranq üila cm leim u '.
d c h istó ria e d e h e rm e n ê u tica, o q u e n ào é m o tiv o p.it.i
desistir. IJm a v ez m ais, a trav essia da teo ria é um a liçao d c
iclaliv ism o e um a d esilu são .

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