Você está na página 1de 24

1

ARTIGO: O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O


PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

THE SOCIAL ROLE OF MICROCREDIT: STUDY ON THE CDD – CIDADE DE DEUS PROJECT

EL PAPEL SOCIAL DEL MICROCRÉDITO: ESTUDIO SOBRE EL PROYECTO CDD – CIDADE DE DEUS

RESUMO

O presente estudo propõe-se a compreender como o programa de microcrédito implementado na Cidade de Deus está contribuindo
para a diminuição da pobreza no segmento da população excluída pelo mercado bancário tradicional. Para tal, destacam-se dois
aspectos: um, de cunho social – a busca do microcrédito pela população pobre -- e outro, de cunho econômico – que aborda a au-
tossustentabilidade financeira do programa. Foi empreendido um estudo qualitativo com pesquisa de campo e entrevistas semiestru-
turadas com microempreendedores locais, representantes de instituições financeiras e demais entidades que proporcionam crédito na
comunidade. Os resultados obtidos demonstram que ainda existem entraves que dificultam o acesso dos mais pobres aos recursos do
microcrédito e que a sustentabilidade financeira das instituições tem norteado as decisões quanto aos beneficiários destes recursos.

PALAVRAS-CHAVE: Microcrédito, inclusão social, políticas públicas, banco comunitário, Cidade de Deus.

Vera Lúcia de Aguiar Kelly1


verapa@uol.com.br
ORCID: 0000-0001-6404-3251

Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca1


anafonseca@facc.ufrj.br
ORCID: 0000-0003-0255-7569

Fernanda Filgueiras Sauerbronn1


fernanda.sauerbronn@facc.ufrj.br
ORCID: 0000-0002-7932-2314

1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Submetido 24.03.2017. Aprovado 24.09.2018

Avaliado pelo processo de double blind review.

DOI: http://dx.doi.org/10.12660/cgpc.v24n77.67268

Esta obra está submetida a uma licença Creative Commons

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
2

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

ABSTRACT
The present study aims to understand how the microcredit program implemented in Cidade de Deus
sought is contributing to reduce poverty in the segment of the population excluded by the traditional
banking sector. To this end, two aspects are highlighted: one with a social aspect – the search by the
poor population for microcredit; and another one – economic-oriented addressing the financial self-
sustainability of the program. Semi-structured interviews were carried out with local micro-entrepre-
neurs, representatives of financial institutions and other entities, which provide credit in the community.
The results obtained show that there are still barriers that hinder access of the poor to microcredit re-
sources and that the institutions’ financial sustainability have guided the decisions on the beneficiaries
of these resources.
KEYWORDS: Microfinance, social inclusion, public policies, microfinance institutions, Cidade de Deus/
Brazil.
RESUMEN
Este estudio busca comprender como el programa de microcrédito en Cidade de Deus trató de at-
ender las necesidades de un segmento de la población excluido del mercado de la banca tradicional.
Para esto, se destacan dos aspectos: uno, de carácter social —la búsqueda del microcrédito por la
población pobre y otro, de carácter económico— que aborda la autosostenibilidad financiera del pro-
grama. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con los microempresarios locales, representantes
de instituciones financieras y otras entidades que proporcionan crédito en la comunidad. Los resul-
tados obtenidos muestran que todavía existen barreras que dificultan el acceso de los pobres a los
recursos de microcrédito y que la sostenibilidad de la institución ha guiado las decisiones sobre los
beneficiarios de estos recursos.
PALABRAS CLAVE: Microcrédito, inclusión social, políticas públicas, institución de microfinanzas, Ci-
dade de Deus/Brasil.

INTRODUÇÃO é um dos motivos pelos quais a geração de


trabalho e renda por meio dos pequenos em-
A inclusão social e o combate à pobreza por preendimentos locais vem ganhando consis-
meio do microcrédito é um tema recorrente tência no mundo, mas com maior empenho
principalmente quando são analisadas as nos países em desenvolvimento e de eco-
políticas públicas implementadas na Améri- nomia periférica (Ali, Hatta, Azman, & Islam,
ca Latina desde o início do séc. XXI (Gonza- 2017).
lez, Porto, & Diniz, 2017; Zouain & Barone,
2007). O desenvolvimento desse tema inse- Nesse sentido, Diniz (2010) ressalta que tem
re-se em um contexto que compreende as ocorrido, em escala global, o crescimento
políticas públicas como tendo o objetivo de dos mercados microfinanceiros, passando
ampliar e efetivar direitos de cidadania ges- o microcrédito a ser reconhecido como meio
tados em lutas sociais e que, portanto, pas- de geração de renda e diminuição da pobre-
sam a ser reconhecidos institucionalmente za em países em desenvolvimento.
(Rigo, França Filho & Leal, 2015).
Vale destacar que existem atualmente cerca
Conforme pesquisa realizada pela Organi- de 10 mil instituições de microfinanças no
zação Internacional do Trabalho (OIT), di- mundo (Kim, 2017) que variam em tamanho
vulgada em 2015, 60,7% dos profissionais e abordagem (Armstrong, Ahsan, & Sunda-
no mundo não possuem nenhum tipo de ramurthy, 2017). Como reflexo da importância
vínculo empregatício, ou seja, atuam em mi- dada ao tema, a ONU instituiu 2005 como o
cronegócios próprios (Gerbelli, 2015). Este Ano Internacional do Microcrédito, atribuindo,

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
3

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

no ano seguinte, o Prêmio Nobel da Paz ao siderando que o país possui 10,27 milhões
professor de economia Muhammad Yunus, de pessoas vivendo em situação de extrema
pelas suas iniciativas pioneiras na área, e ao pobreza. Segundo o IBGE, cerca de 58% dos
Graamen Bank (instituição fundada por ele). brasileiros têm carências sociais, novo indi-
cador de pobreza que leva em consideração
De acordo com Yunus (2009 apud Polato, a qualidade de vida (itens avaliados: acesso
2013), “a sociedade nunca havia dado chan- aos serviços básicos, atraso educacional,
ce a essas pessoas. Elas pegaram o dinhei- acesso à seguridade social e qualidade dos
ro e assumiram riscos. Todos podem ser em- domicílios). Além disso, o índice de Gini, que
preendedores[...]”. mede a desigualdade na distribuição de ren-
da entre os países e cujo coeficiente varia
Notadamente, tem surgido na recente lite- entre 0 e 1, foi de 0,490 em 2014, o que re-
ratura internacional sobre microcrédito uma vela que o país ainda possui uma alta con-
onda de críticas sobre a eficácia desse ser- centração de renda (IBGE, 2015).
viço na redução de situações de pobreza.
Dentre as críticas efetuadas pelos autores, A partir dos dois mandatos do presidente
destacam-se quatro pontos que não devem Fernando Henrique Cardoso, “o governo
ser negligenciados: destinação dos recursos federal brasileiro passou a assumir o papel
do microcrédito a beneficiários que não fa- de formulador e indutor de políticas públicas
zem parte do público-alvo (indivíduos clas- voltadas para a concessão de crédito produ-
sificados como os mais pobres dos pobres tivo às populações de baixa renda” (Zouain
(Navajas, Schreiner, Meyer, Gonzalez-Vega, & Barone, 2007, p.370).
& Rodriguez-Meza, 2000); direcionamen-
to dos recursos, pelo público mais carente, Mesmo com o ambiente favorável e de ser
para suas necessidades diárias, ao invés de o Brasil o primeiro país a criar programas
alocá-los em investimentos produtivos para de microcrédito na América Latina – com a
iniciar ou expandir um negócio (Fafchamps, União Nordestina de Assistência a Peque-
McKenzie, Quinn, & Woodruff, 2014); retor- nas Organizações (UNO) conduzida no Re-
no esperado para o crédito é baixo devido cife em 1973 (Feltrin, Ventura, & Dodl, 2009),
à falta de capacitação, de conhecimento e o setor de microfinanças no Brasil tem veri-
de educação financeira dos microempreen- ficado um fraco ritmo de crescimento, com
dedores (Birochi & Pozzebon, 2016); perigos baixas taxas de penetração entre os em-
do endividamento às IMF’s e surgimento de preendedores informais, trabalhadores por
uma geração de empreendedores pobres e conta própria e microempreendedores, não
superendividados (Hulme, Dichter & Harper, obstante as políticas públicas implementa-
2007; Ali et al., 2017; Loubere, 2016). Tais das pelo Estado a partir de 1990, com foco
críticas têm servido de contraponto a abor- neste segmento (Santos & Santos, 2017).
dagens otimistas sobre o papel social do mi-
crocrédito. As operações de microcrédito são frequente-
mente consideradas pelo mercado financei-
No contexto brasileiro, há um espaço signi- ro como desvantajosas e caras em compa-
ficativo para o setor de microfinanças, con- ração às operações de crédito tradicionais,

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
4

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

além das estatísticas de elevada mortalida- como Bangladesh, Bolívia e Indonésia (Led-
de das micro e pequenas empresas (MPEs) gerwood, 1998), estimulou a realização des-
(as quais fazem parte do público-alvo do sa pesquisa, tendo como cenário a comuni-
microcrédito). Esses dois fatores reforçam o dade da Cidade de Deus, uma das maiores
desinteresse da rede bancária em assumir comunidades situadas no Estado do Rio
os riscos dessas operações, limitando forte- de Janeiro. Além disso, como proposto por
mente a expansão do segmento. Santos e Santos (2017) e Gonzalez, Porto
e Diniz (2017), é necessário o acompanha-
O que se observa como função mais recor- mento dos desdobramentos das iniciativas e
rente do microcrédito praticado no Brasil é a orientações, advindas do governo federal, a
concessão de capital de giro a pequenos ne- respeito de microcrédito e microfinanças no
gócios já estabelecidos. Em menor escala, Brasil, ao aprofundar o conhecimento sobre
aparecem as operações de crédito mistas, instituições específicas e de diferentes perfis.
ou seja, parte para capital de giro e parte
para investimento fixo (Cárdenas & Olivei- No Rio de Janeiro, as favelas sempre apre-
ra, 2010). Segundo os autores, raramente sentaram uma economia local própria ca-
o microcrédito é direcionado à formação de racterizada pelo mercado informal; contudo,
novos negócios. com o processo de pacificação, o qual será
descrito mais adiante neste trabalho, viu-se
Pereira, Mross, Lavorato e Aguiar (2009) a possibilidade de fomento das estruturas
explicam que os bancos comerciais no Bra- econômicas por meio de oferta de micro-
sil também não privilegiam empréstimos crédito a trabalhadores informais, nano e
às instituições operadoras de microcrédito, microempreendedores por meio do projeto
principalmente às Organizações Sociais de CDD – Cidade de Deus. Entretanto, há pou-
Interesse Público (OSCIPs) em virtude da co conhecimento disponível sobre seu aten-
sua fragilidade patrimonial, bem como da dimento, de fato, no segmento da população
dificuldade de mensuração adequada, pe- excluído pelo mercado bancário tradicional
los bancos, do risco envolvido nesse tipo de ou se o projeto tem o seu foco voltado para a
operação. Os autores ressaltam que as So- sustentabilidade das instituições, direcionan-
ciedades de Crédito ao Microempreendedor do os recursos para outros segmentos não
(SCMs) e as OSCIPS, são proibidas, por lei, classificados como os mais pobres entre os
de obter recursos no mercado para garantir pobres.
as suas operações de crédito. Dessa forma,
os gestores das organizações de microcré- Assim, o presente estudo busca responder
dito também enfrentaram o desafio de equi- à seguinte questão de pesquisa: como o
librar os objetivos sociais e financeiros e en- programa de microcrédito implementado na
tender formas efetivas de avaliar a eficácia Cidade de Deus procurou atender ao seg-
de sua organização (Armstrong et al., 2017). mento da população excluída pelo mercado
bancário tradicional?
A natureza distinta do contexto brasileiro em
relação ao de outros países com conheci- MICROCRÉDITO: PRINCIPAIS CARACTE-
das histórias de sucesso nas microfinanças, RÍSTICAS

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
5

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

ao sistema financeiro tradicional, princi-


Uma das primeiras definições no Brasil para palmente por não terem como oferecer
a palavra microcrédito foi efetuada pelo Con- garantias reais. É um crédito destinado à
selho da Comunidade Solidária, através da produção (investimento e capital de giro)
cartilha Introdução ao Microcrédito lançada e é concedido com o uso de metodologia
em 2002, com a finalidade de difundir e in- específica.
centivar a prática do microcrédito no país.
Segundo Barone, Lima, Dantas & Rezende De acordo com Parente (2006, p.14), “o mi-
(2002, p.11) microcrédito pode ser definido crocrédito carrega um conjunto de atributos
como: referentes à forma como o crédito é conce-
dido e restituído, à finalidade do empréstimo
A concessão de empréstimos de baixo e ao público apto a figurar como tomador.” O
valor a pequenos empreendedores infor- Quadro 1 sintetiza esses atributos.
mais e microempresas sem acesso formal

Quadro 1. Características do microcrédito

Características do microcrédito Descrição


Trata-se de crédito produtivo. Financia capital
de giro e investimento fixo; não se destina a
Finalidade financiar consumo.
Pequenos empreendimentos informais, micro-
empresas e empresas de pequeno porte
Público-alvo
Montante Baixo valor

O empréstimo é geralmente realizado através


de fiador ou aval solidário
Ausência de garantias reais
Como grande parte dos empreendimentos
beneficiados são informais, a formalização é
Mínima burocracia limitada
Pagamentos podem ser semanais ou até diá-
rios
Periodicidade de pagamentos
O crédito é realizado de forma assistida atra-
vés do agente de crédito
Orientação

Fonte: adaptado de Barone et al. (2002) e Lhacer (2003)

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
6

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

Dentre as características expostas no Qua- através de regras autogovernáveis [...] que


dro 1 e, de acordo com Marques, Santos, canalizam recursos financeiros para as ins-
Siqueira e Santos (2011, p. 24), tem sido tituições regionais de pequena escala que
considerada “como um fator chave para o trabalham diretamente com os mutuários e
sucesso do microcrédito” a presença do trazem uma profunda compreensão e ex-
agente de crédito, que promove o relaciona- periência do cliente.
mento e a intermediação entre a instituição
e a comunidade. Segundo os autores, é o No Brasil, dois grandes blocos de institui-
agente de crédito que faz as visitas aos po- ções que atuam de forma complementar
tenciais clientes, divulga o serviço, orienta compõem a estrutura do setor de microfinan-
sobre os procedimentos e avalia os riscos ças. As instituições “de primeiro piso” atuam
de inadimplência, além de acompanhar o diretamente com o cliente final, fornecendo-
desenrolar das operações e a correta utili- -lhe empréstimo e outros serviços comple-
zação do crédito pelos empreendedores. O mentares. Podem ser instituições do poder
agente de crédito assume a tarefa de anali- público, da iniciativa privada e da sociedade
sar e construir laços de relacionamento en- civil representadas pelas organizações não
tre os potenciais clientes, desempenhando governamentais (ONGs), OSCIPS, coope-
o papel de interlocutor da instituição do mi- rativas de crédito, sociedades de crédito ao
crocrédito. microempreendedor e à empresa de peque-
no porte (SCMs), fundos públicos e bancos
A pesquisa de Armstrong et al. (2017) vai comerciais públicos e privados .
além e conclui que os agentes frequente-
mente assumem três perfis para que o mi- As instituições “de segundo piso” propõem-
crocrédito se desenvolva plenamente. Se- -se a atuar em prol da constituição de fundos
gundo os autores, os que “interagem” na no desenvolvimento institucional e na capa-
construção de relações com os clientes e citação técnica das instituições de primeiro
facilitam o fluxo de informações para os “co- piso. São exemplos de instituições de segun-
nectores” e “institucionalizadores”, que dis- do piso o BNDES e o SEBRAE.
seminam esses dados para os mercados,
criam confiança e estimulam a circulação É importante observar que os mais pobres
do crédito no setor de microfinanças. Além entre os pobres têm sido excluídos dos servi-
disso, os institucionalizadores estimulariam ços de microcrédito e que um dos principais
a inovação e as melhores práticas. Segun- motivos que dificultam o acesso desse públi-
do Armstrong et al. (2017, p. 2): co a essas linhas crédito é o elevado risco de
inadimplência (Ali et al., 2017; Cuong, 2008;
As organizações das IMFs formam um Duong & Izumida, 2002; Lønborg & Rasmus-
ecossistema e co-criam valor, no qual sen, 2014; Loubere, 2016; Navajas et al.,
as instituições de grande escala geram 2000). Também de acordo com Fafchamps
recursos e conscientização significativos et al. (2014), esse público mais carente pode
para o movimento. Elas desempenham acabar direcionando o dinheiro para suas
um papel importante e abrangente na ma- necessidades diárias, ao invés de aplicar em
nutenção da confiança no ecossistema, investimentos produtivos para iniciar ou ex-

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
7

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

pandir um negócio. Esses autores alegam microcrédito.


que o retorno esperado para o crédito pode
ser baixo devido à falta de capacitação dos Impactos de programas de microcrédito:
microempreendedores e de conhecimento duas abordagens
e educação financeira (Birochi & Pozzebon,
2016). Estes aspectos somam-se a outros Alguns pesquisadores têm focado seus es-
já apontados na literatura, como: “taxas de tudos na análise dos resultados das políti-
juros elevadas, cronograma de reembolso cas públicas de microcrédito. A discussão a
restritos, empréstimos insuficientes, falta respeito dessa perspectiva fez surgir duas
de supervisão após o empréstimo e falta de correntes de abordagem do problema defini-
educação e habilidades entre beneficiários das por Gulli (1998) como: poverty lending
do microcrédito” (Ali et al., 2017, p.13). (crédito para os pobres) e financial syste-
ms (sistemas financeiros). De acordo com
A primeira manifestação do microcrédito no a autora, poverty lending argumenta que a
Brasil ocorreu em 1973, antes das experiên- provisão de serviços financeiros é uma for-
cias de Yunus (Feltrin et al., 2009), como já ma de combate à pobreza. Nesse sentido,
mencionado. Entretanto, de acordo com da- espera-se que o microcrédito seja responsa-
dos do Banco Central do Brasil (BACEN), o bilidade dos governos, das ONGS e dos do-
microcrédito responde por apenas 0,4% do adores, visando ao atendimento dos clientes
volume de operações e 0,2% do montante mais pobres. A segunda abordagem defen-
da carteira de crédito do Sistema Financeiro de que as instituições de microfinanças
Nacional (BACEN, 2015). Esse cenário re- (IMF’s) devem focar na sua autossustentabi-
força algumas evidências de que, não obs- lidade fazendo uso, para tanto, de taxas de
tante os esforços do marco regulatório e da juros maiores e baixos custos operacionais.
multiplicidade de instituições envolvidas, os Em um contexto de avanço do capitalismo
programas de microcrédito têm apresentado financeiro em termos globais, o pensamento
curiosamente uma evolução muito limitada dominante na abordagem financial systems
em relação à demanda potencial. defende a geração de riqueza na base da pi-
râmide pela atuação de empresas privadas
Conforme proposto por Vasconcelos (2006), e desenvolvimento de mercados (Prahalad,
é necessário o acompanhamento dos des- 2006).
dobramentos das novas orientações a res-
peito de microcrédito e microfinanças no Autores como Harper (2001) e Prahalad
âmbito da gestão do governo federal. Nes- (2006) defendem que os mais pobres são
se sentido, esta pesquisa pretende analisar capazes de arcar com taxas de juros mais
em que extensão o programa de microcré- altas e serem bem-sucedidos, já que os me-
dito implementado na Cidade de Deus vem nores empreendimentos apresentam maio-
atingindo o segmento da população excluí- res produtividades marginais de capital, ou
do pelo mercado bancário tradicional. Para seja, a produtividade do capital é muito alta
atingir esse objetivo, a seguir são analisadas quando ele é aplicado em microempresas
duas perspectivas encontradas na literatura que estavam sem recursos.
que têm norteado os debates a respeito do

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
8

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

Por outro lado, outros dois economistas têm soria na gestão dos negócios e até distri-
se destacado por suas posições a respeito buição de alimentos. Entretanto, os custos
do capitalismo liberal e do combate à pobre- incorridos na oferta de tais serviços podem
za: Amartya Sen e Jeffrey Sachs (Hemais, prejudicar a sustentabilidade da instituição.
Borelli, Casotti & Dias, 2014), abrindo espa-
ço para uma abordagem poverty lending. Assim, o microcrédito tem relevância estraté-
gica. Dado seu caráter concreto, a inclusão
Sen (2000), que foi agraciado com o prê- do microempreendedor no sistema financei-
mio o Prêmio Nobel de Economia em 1998, ro – ainda que em volumes muito pequenos,
acredita que o indivíduo com pouca renda constitui uma mudança qualitativa. A inclu-
não possui as capacidades básicas do ser são tende a fazê-lo demandar, gradualmen-
humano. Ele acredita que o potencial de te, o acesso a serviços não financeiros, es-
uma pessoa ser mais produtiva e obter ren- tabelecendo uma ponte para resolver outras
da mais elevada aumenta à medida que ela questões afetas à falta de oportunidades e de
alcança maiores capacidades para viver a superação da própria situação de desigual-
vida. Nesse sentido, os serviços de saúde, dade (Parente, 2006). Nessa abordagem,
educação básica, moradia, alimentação e, destacam-se a seguir a economia solidária
principalmente, justiça e igualdade social, e os bancos comunitários como instrumen-
contribuem para amenizar os problemas tos que podem ser utilizadas para a inserção
dos indivíduos de baixa renda. econômica e social.

Sachs (2005) também tem se dedicado, por Economia solidária: a experiência dos ban-
mais de 20 anos, a compreender os resul- cos comunitários de desenvolvimento
tados das políticas implementadas pelos
países ricos na solução das consequências Economia solidária é definida como:
geradas pela carência de recursos, a partir
de suas experiências em países como Bolí- O conjunto de atividades econômicas – de
via, Polônia, Rússia, China, Índia e Quênia. produção, distribuição, consumo, poupan-
No Brasil, essa discussão é circunscrita ça e crédito – organizadas sob a forma de
aos argumentos das correntes desenvolvi- autogestão compreende uma variedade de
mentista e minimalista (Soares & Sobrinho, práticas econômicas e sociais organizadas
2008). As IMF’s minimalistas focam mais na sob a forma de cooperativas, associações,
sustentabilidade das instituições. De acordo clubes de troca, empresas autogestioná-
com Gonzalez-Vega (2000), a corrente mini- rias, redes de cooperação, entre outras,
malista preocupa-se mais com os aspectos que realizam atividades de produção de
técnicos das microfinanças em detrimento bens, prestação de serviços, finanças so-
da abrangência dos impactos sociais do mi- lidárias, trocas, comércio justo e consumo
crocrédito. solidário. (Ministério do Trabalho e Empre-
go, 2015, p. 6)
Já as instituições desenvolvimentistas cos-
tumam oferecer, além do crédito, serviços Dentre os vários exemplos de experiências
não-financeiros como qualificação, asses- de empreendimentos de economia solidária,

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
9

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

como associações de moradores, coopera- da paralela em território brasileiro, o Banco


tivas populares e grupos produtivos, desta- Central do Brasil passou a autorizar a cir-
cam-se os Bancos Comunitários de Desen- culação desse tipo de moeda nestes casos
volvimento (BCD), que constituem o campo especiais, já que os bancos comunitários só
das chamadas finanças solidárias ou finan- podem funcionar ante a aprovação do go-
ças de proximidade (Parente, 2006). verno. Para o autor, essas instituições pos-
suem características particulares, pois não
O conceito de BCD, está relacionado ao de- buscam o lucro – como todas as instituições
senvolvimento da economia local. Além do financeiras tradicionais. Elas oferecem em-
microcrédito produtivo e para consumo, o préstimos com juros bem mais baixos ou,
banco comunitário busca “aquecer” a eco- em alguns casos, sem juros (principalmente
nomia local através de clubes de trocas, fei- se o empréstimo for em moeda social), já
ras, balcão de empregos, moeda social, etc. que esta só tem valor na área predetermina-
As características básicas de um banco co- da. No entanto, o objetivo fundamental é for-
munitário, de acordo com a Rede Brasileira talecer o comércio e a comunidade onde se
de Bancos Comunitários (2006), são: localizam. Vale destacar que os BCDs não
têm personalidade jurídica própria e são,
1) Atua em comunidades com alto grau de em geral, ancorados juridicamente por as-
exclusão e desigualdade; sociações locais que assumem ora a forma
2) Fomenta a comercialização dos empre- de associações de bairro, ora de organiza-
endimentos locais, articulando produtores ções não-governamentais ou OSCIP (Rigo,
e consumidores em rede; 2014).
3) Atua com linhas de crédito em moeda
nacional e em moeda social circulante lo- Percebe-se pelo exposto que os programas
cal; de microcrédito ofertados por diferentes insti-
4) Promove o desenvolvimento local atra- tuições podem adotar instrumentos capazes
vés do financiamento à produção e ao de ter impacto na diminuição da pobreza no
consumo local; segmento da população excluída pelo mer-
5) É criado e gerido pela própria comuni- cado bancário tradicional. Resta, portanto,
dade; analisar como o programa de microcrédito
6) Seu público se caracteriza pelo alto implementado na Cidade de Deus procurou
grau de vulnerabilidade social; atender ao segmento da população excluído
7) Sua sustentabilidade, em médio prazo, pelo mercado bancário tradicional.
deve ser subsidiada.
METODOLOGIA
Nesse sentido, o banco comunitário baseia-
-se no tripé: gestão comunitária, sistema in- A presente pesquisa consiste em um estudo
tegrado de desenvolvimento e moeda social de caso, por meio de pesquisa de campo, na
circulante local (Passos, 2007). comunidade da Cidade de Deus, que bus-
cou analisar como se dá o atendimento da
Segundo Vieira (2011), embora durante mui- população tradicionalmente excluída do se-
to tempo tenha sido proibida qualquer moe- tor bancário. A coleta de dados ocorreu no

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
10

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

período entre novembro de 2013 a maio de riam contribuir com informações e opiniões
2015. a respeito da utilização de linhas de crédito
voltadas para a população de baixa renda e
A escolha pela realização do estudo de os possíveis benefícios gerados para seus
campo naquela comunidade pautou-se no tomadores. Com base nas informações le-
ambiente propício criado com a instalação vantadas, foi efetuada nova coleta de dados
de instituições financeiras e de um banco nos 17 meses subsequentes, por meio de
comunitário na localidade, após o período entrevistas individuais em profundidade com
de pacificação, no ano de 2009. Nessa fase duração de aproximadamente 60 minutos,
também ocorreu a criação de uma moeda conduzidas por meio de um roteiro semies-
local, denominada CDD, reunindo, desta for- truturado.
ma, elementos importantes para o desen-
volvimento de uma pesquisa sobre o tema Foram realizadas 28 entrevistas, das quais
proposto. 7 com representantes de agências e insti-
tuições que atuam no desenvolvimento e na
Em uma primeira etapa, foram realizadas promoção de programas sociais no Rio de
três visitas exploratórias na comunidade, em Janeiro e 21 com empreendedores da comu-
dezembro de 2013, para conhecer o ambien- nidade.
te e identificar os principais atores que pode-

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
11

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

Quadro 2. Sujeitos participantes da pesquisa

Órgão Propósito do organismo Entrevistado


Subsecretaria de Integração dos Implantar e acompanhar o desenvolvimento subsecretário
Programas Sociais da Secretaria Es- de programas sociais no Estado do Rio de
tadual de Assistência Social e Direitos Janeiro
Humanos
Secretaria Especial de Desenvolvi- Desenvolver projetos de economia solidária diretora de Economia
mento de Economia Solidária no Estado do Rio de Janeiro solidária e comércio
justo
Banco Comunitário da Cidade de Fornecer crédito de pequenos valores a mi- presidente
Deus croempreendores informais em moeda local
Instituto Pereira Passos Implantar e acompanhar o programa responsável pelo
Rio+Social nas comunidades pacificadas do programa na CDD
Rio de Janeiro.
Banco do Brasil – Ag. Cidade de Fornecer crédito a microempreendedores gerente de agência
Deus formais, microempresas. Fomentar a eco-
nomia local.
SEBRAE Orientar quanto à adequada utilização do responsável pelo pro-
crédito, capacitar microempreendedores em grama microcrédito na
relação ao seu negócio. CDD
AGERI0 Fomentar a economia local através do mi- representante da Age-
crocrédito Rio
Agente de crédito da AGERIO Elemento de ligação entre a instituição de agente de crédito
crédito e os empreendedores
Microempreendedores locais Realizar localmente atividade econômica 21empreendedores
relacionada à produção e comercialização formais e informais
de bens e serviços atuantes na CDD

A seleção dos empreendedores ocorreu de do perfil dos empreendedores estabeleci-


forma aleatória, com o intuito de evitar o viés dos na localidade, tendo sido utilizadas in-
de seleção. Os dados extraídos das entre- formações individuais e do empreendimento
vistas representam uma pequena amostra como variáveis de análise.

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
12

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

Quadro 3. Perfil dos empreendedores entrevistados pela pesquisa

entrevistado Setor de Sexo Idade Escolaridade Naturalidade Microempreendedor


atividade
individual (MEI)
no. 1 comércio F 52 1º. grau Paraíba Sim
no. 2 comércio M 68 1º. grau Paraíba Sim
no. 3 serviço F 39 1º. grau Minas Gerais Sim
no. 4 comércio F 38 2º. grau Pernambuco Não
no. 5 comércio F 29 2º.grau Ceará Sim
no. 6 comércio F 24 2º. grau Rio de Janeiro Sim
no. 7 serviço F 43 1º. grau Rio de Janeiro Sim
no. 8 comércio F 28 2º.grau incompleto Rio de Janeiro Não
no. 9 comércio F 54 2º. grau Rio de Janeiro Sim
no. 10 comércio F 62 2º. grau Rio de Janeiro Sim
no. 11 comércio F 53 2º. grau Rio de Janeiro Sim
no. 12 serviço F 54 1º. grau Rio de Janeiro Sim
n.º. 13 serviço F 34 2º. grau Rio de Janeiro Sim
nº. 14 comércio M 38 2o. grau Rio de Janeiro Sim
nº. 15 comércio M 30 2o. grau Rio de Janeiro Sim
nº. 16 comércio M 65 2º. grau Rio de Janeiro Sim
nº. 17 serviço M 37 1º.grau incompleto Rio de Janeiro Não
nº. 18 comércio M 46 1º.grau incompleto Rio de Janeiro Sim
nº. 19 serviço M 26 2º. grau Rio de Janeiro Sim
nº. 20 comércio M 31 2º. grau Rio de Janeiro Não
nº. 21 serviço F 25 3º. grau Rio de Janeiro Sim

Dentre as informações individuais coletadas de microcrédito. O segundo refere-se às ca-


estão: gênero, idade, grau de instrução, Es- racterísticas do microcrédito na comunidade,
tado de origem e ramo de atividade. As infor- abrangendo o perfil dos tomadores de mi-
mações coletadas sobre o empreendimento crocrédito, enquanto o terceiro descreve as
foram: tempo de atividade da firma, tipo de dificuldades no crescimento do microcrédito
organização, quantidade de empregados e na região. Finalmente, os dois últimos blocos
tipo de crédito utilizado na implantação/ex- discutem o papel social do microcrédito e o
pansão do negócio. atendimento à população de extrema pobre-
za.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTA-
DOS Nesse sentido, buscou-se analisar a atua-
ção das instituições financeiras e do banco
A análise dos resultados foi organizada em comunitário com base nas abordagens po-
cinco blocos. O primeiro refere-se ao con- verty lending (ou desenvolvimentista) e fi-
texto da comunidade após o processo de nancial systems (ou minimalista) apontadas
pacificação e seus reflexos sobre as ações na revisão de literatura. Destaca-se que os
ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
13

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

resultados obtidos têm o objetivo de produ-


zir reflexões que contribuam para o avanço Existe um grande número de associações
dos programas de microcrédito implemen- aqui. Selecionamos sete delas que tinham
tados, bem como produzir conhecimentos representatividade junto à comunidade.
locais que permitam uma compreensão Também buscamos parceria com a UPP
mais aprofundada sobre como o programa Social para entender a cultura empresa-
de microcrédito implementado na Cidade rial local [...] o SEBRAE também foi fun-
de Deus procurou atender ao segmento da damental no processo de conscientização
população excluído pelo mercado bancário dos empreendedores quanto à utilização
tradicional. adequada do crédito. (gerente do Banco
do Brasil, agência Cidade de Deus)
Pacificação, acessos a serviços e microcré-
dito Também após a pacificação, segundo rela-
tos de entrevistas, outros bancos e institui-
Os entrevistados relataram ter havido me- ções de fomento passaram a atuar na co-
lhora considerável nas condições de vida munidade e apontam a influência de outras
na localidade após o processo de pacifica- políticas públicas (no caso segurança públi-
ção com a instalação da UPP. A partir de ca) para o desenvolvimento das políticas de
2009, houve a diminuição da criminalidade microcrédito. Passaram a atuar na comuni-
e acesso a serviços tais como: energia elé- dade a Caixa Econômica Federal (Caixa),
trica de melhor qualidade, iluminação pú- Bradesco, Vivacred. Houve ainda oferta de
blica, esgoto, recolhimento de lixo, internet linhas de financiamento do BNDES. As orga-
e telefonia fixa. As empresas responsáveis nizações que passaram a ofertar microcré-
por serviços de infraestrutura (por exemplo, dito na comunidade procuraram aproximar-
Light, Comlurb e OI) passaram a ter acesso -se da realidade local, conforme relato:
à comunidade, bem como empresas de TV
por assinatura (por exemplo, SKY e Claro) e A agência trabalha com capacitores de
grandes empresas varejistas (como Casas negócios. Recrutamos as pessoas da pró-
Bahia e Ponto Frio). pria comunidade, que trabalham in loco,
realizando visitas aos estabelecimentos.
Outro benefício gerado pela pacificação foi Assim, contamos com o conhecimento e
a instalação de agências bancárias na co- o relacionamento desses agentes com os
munidade. O primeiro a “entrar” na Cidade moradores, facilitando nosso trabalho na
de Deus foi o Banco do Brasil, em janeiro obtenção de informações sobre os toma-
de 2011, dois anos após a implantação da dores. Também temos unidades móveis
UPP. Segundo informações do funcionário que visitam as comunidades pacificadas
do banco, a instituição buscou inspiração semanalmente, orientando os microem-
em Yunus e no projeto desenvolvido pelo preendedores. (representante da AgeRio)
Banco do Nordeste do Brasil. O foco seria
atuar entre os microempreendedores -- for- Entretanto, o Banco do Brasil não possuía
mais e informais -- e pequenos produtores, agentes de crédito atuando diretamente na
em parceria com as associações locais. comunidade, sendo necessário que o toma-

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
14

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

dor se dirigisse ao estabelecimento bancá- microcrédito na comunidade foi também in-


rio e formalizasse sua intenção através da fluenciada pelo perfil dos usuários, podendo
confecção de cadastro. trazer contornos e características específi-
cas ao caso.
Inspirado na iniciativa de sucesso do Ban-
co Palmas, o Banco Comunitário da Cidade Características do microcrédito na comuni-
de Deus (BCCD) foi inaugurado, em setem- dade
bro de 2011, com o objetivo de incentivar
os moradores a produzirem e consumirem As características do microcrédito na comuni-
produtos e serviços dentro da própria comu- dade podem inicialmente ser compreendidas
nidade, pois assim, conforme citou a presi- em função do perfil de seus usuários. A maior
dente da Agência de Desenvolvimento Local parte dos microempreendedores entrevista-
e diretora do BCCD, “a riqueza não sai do dos concentra-se na faixa etária da popula-
território”. ção economicamente ativa. Verificou-se que
75% desses empreendedores trabalhavam
Melo Neto, fundador do primeiro banco co- em regime de carteira assinada antes de ter
munitário no Brasil e diretor do Instituto Ban- o próprio negócio. Como não conseguiram a
co Palmas, esteve na comunidade durante reinserção no mercado de trabalho formal, a
três meses, acompanhando a instalação do iniciativa empreendedora foi a solução en-
BCCD, bem como treinando as equipes que contrada para prover o próprio sustento e de
iam gerenciar e atuar como agentes de cré- sua família (empreendedorismo por neces-
dito. Ao todo, o conselho administrativo da sidade). Observa-se também uma participa-
instituição era formado por 20 pessoas, to- ção maior da mulher como chefe de família e
das da comunidade. Concomitantemente à provedora, confirmando os achados de Wor-
abertura do banco comunitário, foi autoriza- then (2012), de que a maioria dos receptores
da pelo BACEN a circulação da moeda local de microcrédito em todo o mundo são mu-
chamada de CDD. Os valores das cédulas lheres de baixa renda. Dentre os dados da
variavam de 0,50 a 10,00. A paridade da mo- pesquisa, destaca-se ainda a concentração
eda era de 1 para 1 (1 CDD = R$ 1,00). de pequenos negócios no segmento de co-
mércio (63%) e serviços (26%).
No início tivemos muita dificuldade para
convencer os moradores a trocarem seus Outra importante característica dos usuários
reais por CDD e também os comerciantes deve-se ao fato de que os microempreendo-
a aceitarem a nova moeda, mas contamos res parecem possuir um nível baixo de edu-
com a ajuda da Secretaria Nacional de cação financeira, conforme relatos:
Economia Solidária, que juntamente com
a Prefeitura do Rio contrataram a consul- Sou morador da Cidade de Deus. Fui criado
toria do Instituto Palmas para nos ajudar” na comunidade e aqui as pessoas não se
[...] (presidente do Banco Comunitário Ci- preocupam em ter o nome “limpo”. Muitos fi-
dade de Deus). cam surpresos quando são informados que
possuem restrições no SERASA e SPC. De
Esse relato indica que a implementação do dez propostas da Cidade de Deus, apenas

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
15

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

duas passam. (agente de crédito) A carência na educação financeira e no


cuidado com as finanças pessoais vem ali-
Em todas as comunidades pacificadas mentando um ciclo vicioso. Esse círculo in-
-- já foram feitos mais de 62 mil atendi- dica que as ações de microcrédito podem
mentos desde 2011 -- o perfil dos empre- ser compreendidas equivocamente como
endedores é muito parecido: não fazem “maior renda” destinada a maior consumo
planejamento (quando fazem é de curto e ao saneamento de endividamentos de
prazo); não se veem como empresários; consumo ao invés de atividades produtivas,
não fazem o controle financeiro; não se- confirmando a interpretação do estudo de
param as finanças pessoais das finanças Hulme et al. (2007).
da empresa; utilizam recursos próprios.
(representante do SEBRAE)

Figura 1. Círculo vicioso

Sendo a educação financeira um tema rele- crescimento das ações de microfinanças.


vante para a concessão de crédito em geral, Evidencia-se maior preocupação com a re-
e mais especificamente em ações de mi- gulação do setor e com os limites operacio-
crofinanças, percebe-se que o potencial de nais, em alinhamento ao estudo de Liñares-
desenvolvimento social na comunidade não -Zegarra e Wilson (2017), do que com os
foi plenamente alcançado com uma mudan- resultados de cunho social a serem alcan-
ça na cultura de acesso e uso de recursos çados pelo microcrédito, em alinhamento
financeiros. Essa discussão remete à limi- às críticas de Ali et al. (2017). No caso do
tação do potencial de desenvolvimento no CDD, a valorização da perspectiva minima-
nível individual e o consequente desafio de lista frente à perspectiva desenvolvimentista
sustentabilidade de um programa de micro- ficou muito clara na fala dos representantes
crédito voltado ao lado social, como foi abor- das instituições financeiras entrevistadas.
dado pelos defensores da corrente minima- No caso da AgeRio e do Banco do Brasil, tal
lista (Ledgerwood, 1998). fato pode ser observado pela preocupação
com o crescimento da carteira de crédito
Dificuldades no crescimento do microcrédi- e com os índices de inadimplência (pontos
to na região destacados durante as entrevistas).

Ao analisar as percepções dos atores en- Faço a divulgação da linha de crédito atra-
volvidos neste estudo, foi possível identificar vés de folders (panfletagem) e também
vários entraves, em termos econômicos, ao visitando os estabelecimentos comerciais:

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
16

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

desde o vendedor de cachorro quente até comunitários) e as restritas relações institu-


o dono de farmácia, da padaria, o borra- cionais entre governo, doadores de recursos,
cheiro da esquina... A maioria dos clien- instituições operadoras de microcrédito e
tes são indicados pelo SEBRAE ou pelos demais stakeholders, que não favorecem a
próprios clientes já tomadores de crédito. integração de ações coordenadas para con-
(agente de crédito) tinuidade das práticas de políticas públicas e
dificultam o diálogo com a sociedade. Estes
achados corroboram a importância das rela-
[...] houve um aumento nas taxas de ju- ções entre as instituições, conforme indicado
ros e os valores ofertados aos empreen- no estudo de Armstrong et al. (2017) sobre a
dedores que nos procuram pela primeira cocriação de valor por IMF’s.
vez são muito baixos, assim como o pra-
zo para pagamento, tornando-se inviável No caso da CCD, os dados da presente pes-
para o tomador. Mas para aqueles que já quisa confirmam os achados de Rigo (2014)
são clientes (com bom histórico), as con- sobre a dificuldade de acesso a recursos
dições negociais vão melhorando grada- por bancos comunitários. A autora apontou
tivamente, como a disponibilização de que os principais desafios enfrentados pelos
valores mais elevados e a dispensa de bancos comunitários estavam intimamente
garantia pessoal. (representante do Ban- relacionados com a insuficiência de recursos
co do Brasil) para formação do lastro.

Nesse fragmento de entrevista, discute-se a O depoimento da representante da Secre-


ideia de continuidade do crédito ligada à ca- taria Especial de Economia Solidária (SE-
pacidade de pagamento do empreendedor DES) Rio, ratifica, durante a sua entrevista,
(viés econômico), sem levar em conta a dis- os pontos aqui destacados com relação ao
ponibilização do crédito às camadas mais desempenho do BCD. Segundo ela, esse foi
pobres e excluídas do segmento bancário o primeiro BCD inaugurado no município do
tradicional (Gulli,1998). Este aspecto corro- Rio de Janeiro, fruto do projeto Rio Ecosol.
bora o viés econômico, conforme apontado Entretanto, mesmo com o apoio da Secre-
por Liñares-Zegarra e Wilson (2017), no qual taria Nacional de Economia Solidária (SE-
os níveis de empréstimos ruins acabam por NAES) e das parcerias do Instituto Palmas,
direcionar a capacidade de oferta e, conse- USP e Caixa Econômica Federal, ocorreram
quentemente, orientar o crescimento da ins- algumas falhas na implantação e no acom-
tituição. panhamento das atividades exercidas pelo
banco comunitário. A representante da SE-
Outros fatores identificados como fortes DES destacou, como exemplos, o baixo vo-
entraves ao desenvolvimento das microfi- lume de recursos destinados pelo SENAES
nanças são as dificuldades de acesso às para lastrear a carteira de crédito do banco
fontes de recursos pelas instituições ope- e o alto índice de rotatividade entre os mem-
radoras de microcrédito (OSCIPs, Socieda- bros da Agência de Desenvolvimento Local,
des de Crédito aos Microempreendedores responsável pela gestão do BCCC.
(SCM’s), cooperativas de crédito e bancos

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
17

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

A ausência de lastro, consequentemente, Palmeira-CE, contribuirá para movimentar


compromete as operações de crédito, bem a economia na Cidade de Deus (diretora
como restringe as possibilidades de emis- da SEDES).
são da moeda social pelo BCCD, uma vez
que os bancos comunitários necessitam ter Tendo apontado as dificuldades do desen-
em caixa, em reais, o mesmo montante de volvimento do microcrédito na região, torna-
moeda local em circulação nas comunida- -se necessário analisar o papel social deste
des, com vistas a facilitar a troca de moedas e a capacidade de atendimento da popula-
pelos usuários. ção de extrema pobreza.

O BCCD dependia, quase que exclusiva- Papel social do microcrédito


mente, de fontes doadoras de recursos e,
após o assalto sofrido no início de 2014, o Considerando a proposta deste estudo de
banco não teve mais acesso aos recursos analisar como o programa de microcrédito
que eram repassados pela Caixa, contri- procurou atender ao segmento da popula-
buindo para a descontinuidade de suas ati- ção excluído pelo mercado bancário tradi-
vidades. cional, observa-se que as experiências de
microcrédito na Cidade de Deus têm um as-
Depois do assalto sofrido no início de pecto muito mais complementar ao merca-
2014, a moeda social praticamente parou do financeiro do que gerador de ações que
de circular e o banco comunitário não pos- busquem atender às necessidades dos mais
sui recursos para arcar com suas despe- pobres. Como já mencionado, em entrevista,
sas operacionais, estando com suas ati- o funcionário do Banco do Brasil esclarece
vidades suspensas. (presidente do Banco que as condições atuais da linha de micro-
Comunitário CDD) crédito ofertada pelo banco não favorecem
os tomadores sem experiência de crédito
De acordo com informações da presidente com a instituição.
responsável pela gestão do banco comu-
nitário, os recursos do BNDES e do Banco Outro aspecto observado é um dos pilares
do Brasil, que supostamente teriam sido li- dentre os difundidos por Yunus e que nor-
berados para constituição de um fundo de teava a ideia de crédito para comunidades
crédito do BCCD, até a data em que foram pobres: o aval solidário (Miranda, 2011).
realizadas as entrevistas, não haviam “en-
trado” na conta. Alternativas estavam sendo É necessário que o empreendedor tenha
avaliadas pelos gestores, conforme relato: pelo menos seis meses de exercício da
atividade, não possuir restrições e apre-
Atualmente estamos rediscutindo o proje- sentar fiador com renda comprovada. Tam-
to do banco comunitário com os represen- bém serve o aval de dois ou mais empre-
tantes da Agência de Desenvolvimento endedores, que dividirão com o tomador o
Comunitário e da comunidade. Acredita- risco do negócio. (agente de crédito)
mos que a implantação do cartão de cré-
dito social, como o que existe no Conjunto Mesmo com as informações do agente de

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
18

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

crédito quanto à possibilidade de utilização fiador nem nada. Todo mundo aqui faz
do aval solidário, na prática a concessão de isso[...] (empreendedor nº. 3)
crédito ocorre de maneira individual. O uso
do aval solidário não é estimulado pelas ins- Quem não tem nada, não tem como pegar
tituições financeiras em virtude do custo e empréstimo, se não tem bens vai declarar
do risco envolvidos. Durante as entrevistas, o quê? Só honestidade e boa vontade não
tanto o representante do Banco do Brasil ajudam (empreendedor nº. 2)
quanto o da AgeRio evidenciaram a exigên-
cia de fiador, com renda comprovada e au- Aliada a essas exigências, a liberação de pe-
sência de restrições cadastrais como condi- quenos valores e prazos curtos de pagamen-
cionantes para ter acesso aos recursos do to dos empréstimos tem afastado os micro-
microcrédito. empreendedores do microcrédito, que têm
preferido utilizar outras fontes de recursos
Os valores emprestados variam, em mé- já mencionadas para impulsionar os seus
dia, em torno de R$ 4.500,00 e são exi- negócios ou mesmo pagar dívidas, confun-
gidas garantias pessoais (fiadores com dindo muitas vezes o microcrédito produtivo
renda comprovada). (representante da com o microcrédito para consumo.
AgeRio)
Adicionalmente, durante o período em que
Com referência à utilização de recursos do ocorreu o estudo de campo, foi possível iden-
microcrédito, apenas 20% dos entrevista- tificar que a moeda social CDD pouco con-
dos fizeram uso desse recurso no empre- tribuiu para o desenvolvimento do comércio
endimento; 75% optou por utilizar recursos da comunidade e do cumprimento do papel
próprios ou empréstimos de familiares e social do microcrédito. O projeto foi difun-
amigos; e 5% fizeram uso do crédito dire- dido entre os comerciantes com o envolvi-
to ao consumidor (CDC). Alguns pontos le- mento da associação de comerciantes local
vantados pelos entrevistados podem justifi- no processo de divulgação da moeda CDD.
car a baixa utilização do microcrédito pelos Entretanto, pode-se dizer que o processo de
microempreendedores, como: existência de divulgação não ocorreu plenamente com os
restrições cadastrais, desconhecimento so- demais moradores da comunidade, que viam
bre as linhas de microcrédito, altas taxas de a CDD com ceticismo, talvez por não terem
juros cobradas pelas instituições financeiras compreendido seu real significado e os efei-
e exigência de garantias pessoais (avalista tos de sua adoção no desenvolvimento local.
com renda comprovada).
A dinâmica de circulação da moeda CDD
Eu não consegui pegar o empréstimo por- não foi bem internalizada pelos moradores,
que não consegui arrumar avalista. Então bem como pelos comerciantes locais, o
eu peguei com uns chineses que fazem que dificultou a ampla aceitação da moeda
empréstimo aqui na comunidade. Só que pela comunidade (diretora da SEDES).
eles só fazem para quem é indicado por
um cliente deles. Peguei R$ 500,00 para Também há de se considerar que o curto pe-
pagar o mês que vem. Não me exigiram ríodo de existência do BCCD contribuiu para

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
19

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

o fracasso do projeto, já que era o principal lá. Da última vez, teve tiroteio. (empreen-
fomentador da CDD na comunidade, minimi- dedora nº. 7)
zando assim o papel social do microcrédito
na região. É muita miséria. Dá vontade de chorar.
Quando recebem as cestas básicas é uma
O atendimento à população de extrema po- alegria danada. (empreendedora nº. 6).
breza
Ainda reforçando a percepção de que esta
O BCCD tinha como principal foco atender parcela de potencial público do microcrédi-
aos setores mais vulneráveis da população to na comunidade não vem sendo atendi-
pobre (extrema pobreza) da comunidade, da, destaca-se a observação efetuada pelo
promovendo a inclusão social, um dos pi- agente de crédito. No depoimento apresen-
lares fundamentais de sua ação. Por esse tado anteriormente, ele esclarece que pro-
motivo, procurou-se observar durante a re- cura atender aos proponentes que já têm um
alização do estudo de campo a inserção do negócio com possibilidade de crescimento
microcrédito nas áreas de extrema pobreza e com boas referências, em detrimento da-
da comunidade. Durante a realização do es- queles que estão iniciando o seu negócio.
tudo de campo foi possível perceber que a Adicionalmente, a instituição que tinha o seu
população em situação de extrema pobreza foco voltado para as pessoas mais carentes
na comunidade não vem sendo atendida pe- – o BCCD -- não chegou a atingir seu ob-
los programas de microcrédito. Ainda exis- jetivo, em função dos problemas já mencio-
tem áreas em que se encontram pessoas nados anteriormente e do curto período de
vivendo em situação de pobreza extrema, existência.
privadas de todos aqueles aspectos men-
cionados por Sen (2000) como necessários CONSIDERAÇÕES FINAIS
para o ser humano ter uma vida digna.
O presente estudo buscou analisar como o
Por questões de segurança, não foi possível programa de microcrédito implementado na
ter acesso a esse grupo de moradores, uma Cidade de Deus procurou atender ao seg-
vez que residem em local de difícil acesso e mento da população excluído pelo mercado
de risco. Segundo informações obtidas com bancário tradicional, à luz de duas aborda-
policiais da UPP local, a região, denominada gens ao microcrédito (poverty lending e fi-
Caratê, onde se localizam os novos conjun- nancial systems) e levando-se em conside-
tos habitacionais, não deveria ser visitada ração os aspectos social e econômico que
por ser uma área onde “ainda imperava” a permeiam a realidade local.
ação de traficantes. Alguns microempreen-
dedores entrevistados declararam: Os resultados apontam que os moradores da
Cidade de Deus convivem com a escassez
A gente arrecada mantimentos com os co- de recursos físicos, humanos e financeiros,
merciantes da comunidade. Fazemos as assim como com a escassez de serviços e
cestas básicas e levamos lá. Todo mês a políticas públicas. Nesse sentido, o ambien-
gente faz isso. Mas eu tenho medo de ir te analisado constitui-se num interessante

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
20

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

campo para futuras investigações sobre as nanceiras entrevistadas, Banco do Brasil e


carências que devem ser combatidas por AgeRio, parece ocorrer uma certa seletivi-
meio de políticas públicas, em particular dade dos proponentes ao crédito. Ambas as
aquelas afetas ao microcrédito. Sob esse instituições dão prioridade à concessão do
prisma, foi a partir do processo de pacifica- crédito àqueles que possuem experiência
ção da comunidade que os microempreen- em seu negócio, ou seja, os microempreen-
dendores formais e informais começaram a dedores formais e informais já estabelecidos,
ter acesso ao microcrédito, com a instalação em detrimento daqueles que não possuem
de instituições financeiras e criação do ban- nenhuma vivência negocial, mas apenas a
co comunitário na localidade. “vontade de mudar de vida”.

Por sua vez, a instalação do banco comu- Por outro lado, o Banco Comunitário da Ci-
nitário veio ao encontro dos anseios de um dade de Deus -- cujo foco era atender às ca-
outro tipo de público do microcrédito: o tra- madas mais pobres da comunidade -- apre-
balhador informal, que dificilmente obteria sentava sérios problemas de gestão, crises
crédito através de um banco comercial tra- internas, dificuldades na obtenção de fundos
dicional, dada a ausência de comprovação e subsídios para a manutenção de suas ope-
de renda, como é o caso dos artesãos, cos- rações pouco rentáveis e acabou sucumbin-
tureiras, ambulantes de uma maneira geral, do diante das diversas pressões apontadas
etc. As várias experiências ocorridas em no estudo.
países como Índia (Guérin & Kumar, 2017),
Bangladesh (Ali et al., 2017), China (Loube- Embora as condições das linhas de micro-
re, 2016), Bolívia (Navajas et al., 2000), Ni- crédito sejam hoje mais simplificadas, ainda
carágua (Mason, 2014) e México (Worthen, assim têm sido um empecilho para muitos
2012), dentre outros, foram capazes de per- empreendedores. A burocracia imposta pe-
mitir a inclusão social e a geração de traba- las instituições financeiras, como a exigência
lho e renda para os mais pobres, assumindo de fiador e ausência de restrições cadastrais,
uma importância crescente como política e as altas taxas de juros têm impedido que
pública de desenvolvimento. No entanto, no mais pessoas se beneficiem desses recur-
Brasil as estratégias para o segmento mi- sos, em alinhamento ao estudo de Ali et al.
crofinanceiro seguem a lógica do sistema fi- (2017).
nanceiro, afastando-se das políticas sociais.
Corroborando o resultado de outras pes-
Os resultados deste estudo sugerem que a quisas efetuadas sobre o tema, destaca-se
concessão de crédito aos mais pobres não que o sucesso do microcrédito no combate
tem sido prioridade das instituições finan- à pobreza exige que os modelos de atua-
ceiras em geral, devido aos elevados custos ção desenvolvidos pelas IMF’s sejam dese-
operacionais, aos reduzidos valores de em- nhados de forma a atingir os mais pobres
préstimos, à assimetria de informações e à (Kim, 2017; Yunus, 2009; Silva, Fonseca, &
elevada relação custo-benefício. Santos, 2016). Tal desenho deve contemplar
uma adequada definição do público-alvo, no-
Assim, no que se refere às instituições fi- tadamente o grupo de baixíssima renda, a

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
21

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

fim de evitar que usuários não pertencentes a integrar as ações? Questões como essas
a este grupo tenham acesso aos recursos podem se tornar pontos de partida para futu-
provenientes do microcrédito (Navajas et al., ras pesquisas em torno do desenvolvimento
2000; Loubere, 2016). Nesse sentido torna- do sistema microfinanceiro brasileiro.
-se imperiosa a criação de metodologias es-
pecíficas para análise do risco de crédito do REFERÊNCIAS
setor microfinanceiro, bem como a definição
de um marco legal mais apropriado para as Ali, I., Hatta, Z. A., Azman, A., & Islam, S.
atividades exercidas pelos BCD’s e as moe- (2017). Microfinance as a development and
das locais (Rigo, 2014). poverty alleviation tool in rural Bangladesh:
A critical assessment. Asian Social Work
Desta forma, conclui-se que o programa im- and Policy Review, 11(1), 4-15. doi:10.1111/
plementado na Cidade de Deus não atingiu aswp.12106
plenamente o segmento da população ex-
cluído pelo mercado bancário tradicional, Armstrong, K., Ahsan, M., & Sundaramur-
no período investigado, tendo suas ações thy, C. (2017). Microfinance ecosystem: How
aproximado-se mais da perspectiva eco- connectors, interactors, and institutionalizers
nômica e da adoção de melhores práticas co-create value. Business Horizons, 61(1),
voltadas para a sustentabilidade das insti- 147-155. doi:10.1016/j.bushor.2017.09.014
tuições financeiras envolvidas do que pers-
pectiva social (que defende a tese de que Banco Central do Brasil. (2015). Relatório
os programas de microcrédito deveriam so- de evolução do SFN- BACEN – quadro 1:
correr os mais pobres, concedendo crédito e Quantitativo de instituições autorizadas a
acompanhando o desenvolvimento do negó- funcionar. Recuperado de http://www.bcb.
cio). Este resultado alinha-se ao estudo na gov.br.
China conduzido por Loubere (2016) no qual
o microcrédito facilita a “(de)marginalização” Barone, F. M, Lima, P., Dantas, V., Rezende,
de certos indivíduos ou grupos, ao mesmo V. (2002). Introdução ao Microcrédito, Brasí-
tempo em que (re)produz desigualdades e lia, DF: Conselho de Comunidade Solidária.
exacerba a marginalização de outros.
Birochi, R., & Pozzebon, M. (2016). Impro-
Outras questões precisam ser igualmente ving financial inclusion: Towards a critical
equacionadas, considerando-se o processo financial education framework. RAE-Revista
de implementação das políticas públicas de de Administração de Empresas, 56(3), 266-
geração de emprego e renda, num contexto 287. doi:10.1590/S0034-759020160302
diversificado como o brasileiro, tais como:
as intervenções desenvolvidas e implemen- Cárdenas, A. C. P., & Oliveira, G. B. (2010).
tadas até então pelo governo federal são, de Microcrédito e desenvolvimento: Um pano-
fato, as mais relevantes para cada contexto rama do caso brasileiro. Revista FAE, 13(1),
local específico? Têm combatido os múlti- 29-46.
plos determinantes da pobreza? Há uma
convergência desses programas, de forma Cuong, N. V. (2008). Is a governmental micro-

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
22

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

-credit program for the poor really pro-poor? do,1739524.


Evidence for Vietnam. The Developing Eco-
nomies Journal, 46(2), 151-187. doi:10.1111/ Gonzalez-Vega, C. (2000). Uma visão geral
j.1746-1049.2008.00061.x das microfinanças. in Seminário internacio-
nal BNDES de micro finanças: Ensaios e ex-
Diniz, E. H. (2010). Correspondentes Ban- periências, Rio de Janeiro, RJ: BNDES.
cários e Microcrédito no Brasil: Tecnolo-
gia Bancária e Ampliação dos Serviços Gonzalez, L., Porto, L., & Diniz, E. H. (2017).
Financeiros para a População de Baixa Microcrédito produtivo no Brasil: Histórico
Renda. (Relatório de pesquisa 04/2010). recente e condicionantes de desenvolvi-
Escola de Administração de Empresas, mento. Cadernos Gestão Pública e Cida-
Fundação Getúlio Vargas. Recuperado de dania, 22(72), 184-204. doi:10.12660/cgpc.
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/hand- v22n72.62637
le/10438/13365.
Gulli, H. (1998). Microfinance and poverty:
Duong, P. B., & Yzumida, Y. (2002). Rural Questioning the conventional wisdom. Wa-
development finance in Vietnam: A microe- shington, E.U.A: Inter-American Develop-
conometric analysis of household surveys. ment Bank.
The World Development, 30(2), 319-335.
doi:10.1016/S0305-750X(01)00112-7 Guérin, I., & Kumar, S. (2017). Market, free-
dom and the illusions of microcredit: Patrona-
Fafchamps, M., McKenzie, D., Quinn, S., ge, caste, class and patriarchy in rural South
& Woodruff, C. (2014). Microenterprise gro- India. The Journal of Development Studies,
wth and the flypaper effect: Evidence from 53(5), 741-754. doi:10.1080/00220388.2016.
a randomized experiment in Ghana. Journal 1205735
of Development Economics, 106, 211-226.
doi:10.1016/j.jdeveco.2013.09.010 Harper, M. (2001). Profit of the poor: Cases in
microfinance. London, UK: ITDG Publishing.
Feltrin, L. E., Ventura, E. C. F., & Dodl, A. V. B.
(2009). Inclusão financeira no Brasil – Pro- Hemais, M. W., Borelli, F., Casotti, L. M., &
jeto estratégico do Banco Central. In L. E. Dias, P. R. C. (2014). Economics, marketing
Feltrin, E.C. F. Ventura, & A.V. B. Dodl (Co- and low income individuals: Interest after a
ord). Perspectivas e desafios para inclusão history if indifference. Revista de Ciências da
financeira no Brasil: Visão de diferentes au- Administração, 16(39), 49-64.
tores (pp. 13-26). Brasília, DF: Banco Cen-
tral do Brasil. Hulme, D., Dichter, T., Harper, M. (2007). Is
microdebt good for poor people? A note
Gerbelli, L. G. (2015, 07 agosto). Trabalho on the dark side of microfinance. In What’s
informal predomina no mundo. Estadão. Ca- wrong with Microfinance. Warwickshire: Inter-
derno economia & negócios, Recuperado mediate Technology Publications. 19-22
de http://economia.estadao.com.br/noticias/
geral,trabalho-informal-predomina-no-mun- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
23

O PAPEL SOCIAL DO MICROCRÉDITO: ESTUDO SOBRE O PROJETO CDD – CIDADE DE DEUS

-IBGE (2014). Pesquisa nacional por amos-


tra de domicílios - PNAD/2014. Recuperado Ministério do Trabalho e Emprego (2015).
de http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ 1º. Plano Nacional de Economia Solidária
populacao/.../pnad2014/. (2015-2019). Brasília: Conselho Nacional de
Economia Solidária. Recuperado de http://
Kim, D. (2017). Microcredit in Bangladesh trabalho.gov.br/images/Documentos/Econo-
and Haiti: Helping poor families to overcome miaSolidaria/PlanoNacionalEcoSol.pdf.
poverty. Global Majority E-Journal, 8(1), 18-
33. Miranda, R. (2011). Microfinanças: Um le-
vantamento bibliográfico sobre o panorama
Ledgerwood, J. (1998). Microfinance hand- mundial e local sobre a inclusão social atra-
book: An institutional and financial perspec- vés do acesso a serviços financeiros. In XVI
tive. Washington, US.: The World Bank. SEMEAD – Seminários de Administração.

Liñares-Zegarra, J., & Wilson, J. O. S. (2017). Navajas, S., Schreiner, M., Meyer, R. L.,
The size and growth of microfinance institu- Gonzalez-Vega, C., & Rodriguez-Meza,
tions. The British Accounting Review, 50(2). J. (2000). Microcredit and the poorest of
https://doi.org/10.1016/j.bar.2017.11.006. the poor: Theory and evidence from Boli-
via. World Development, 28(2), 333-346.
Lønborg, J. H., & Rasmussen, O. D. (2014). doi:10.1016/S0305-750X(99)00121-7
Can microfinance reach the poorest? Eviden-
ce from a community managed microfinance Parente, S. (2006). Microfinanças: Saiba o
intervention. World Development, 64, 460- que é um banco do povo. 5ª Ed. Brasília,
472. doi:10.1016/j.worlddev.2014.06.021 DF: AED.

Loubere, N. (2016). Indebted to develop- Passos, O. V. (2007). Estudo exploratório em


ment: microcredit as (de)marginalisation in bancos comunitários: Conceitos, caracte-
rural China. The Journal of Peasant Studies, rísticas e sustentabilidade. 139 f. (Tese de
45(3), 585-609. doi:10.1080/03066150.2016 mestrado). Universidade Federal da Bahia,
.1236025 Escola de Administração, Salvador.

Marques, V. S., Santos R. R., Siqueira, J. R. Pereira, A. C., Mross, C., Alves, J. C., Lavo-
M., & Santos, R. (2011). Microcrédito no Rio rato, & Aguiar, L. J. B. (2009). Massificação
de Janeiro: Uma análise do caso BNDES- das microfinanças no Brasil: Análise e pro-
-VIVACRED. Revista de Informação Contá- posições. In L. N. Feltri, E.C.F. Ventura, & A.
bil, 5(3), 31-42. V. B. Dodl. (Coord.), Perspectivas e desafios
para inclusão financeira no Brasil: Visão de
Mason, D. R. (2014). Who gets what? De- diferentes autores. Brasília, DF: BCB. 254 p.
terminants of loan size and credit rationing
among microcredit borrowers: Evidence Polato, A. (2013). Muhammad Yunus: “Todos
from Nicaragua. Journal of International De- somos empreendedores”. Revista Época-
velopment, 26(1), 77-90. negócios e carreira . Edição 783. Recupe-

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019
24

Vera Lúcia de Aguiar Kelly - Ana Carolina Pimentel Duarte da Fonseca - Fernanda Filgueiras Sauerbronn

rado de quality of life of microentrepreneurs’s families.


http://revistaepoca.globo.com/Negocios-e- Revista de Administração Mackenzie, 17(4),
-carreira/noticia/2013/05/muhammad-yunus- 176-200. doi:10.1590/1678-69712016/adminis-
-todos-somos-empreendedores.html tracao.v17n4p176-200

Prahalad, C. K. (2006). A riqueza na base da Soares, M. M., & Sobrinho, A. D. M. (2008). Mi-
pirâmide: Como erradicar a pobreza com o crofinanças: O papel do Banco Central do Bra-
lucro. Porto Alegre, RS: Bookman. sil e a importância do cooperativismo de crédi-
to (2ª Ed.). Brasília, DF: BCB.
Rede Brasileira de Bancos Comunitários.
(2006). Banco comunitário. Serviços financei- Vasconcelos, D. S. (2006). Microcrédito. Com-
ros solidários em rede. Fortaleza, CE: Rede bate a pobreza e desenvolvimento econômico:
de Bancos Comunitários. Uma análise do debate sobre a focalização e
sustentabilidade dos programas de microfi-
Rigo, A. S. (2014). Moedas sociais e bancos nanças. Prêmio Ipea 40 anos. Ipea.
comunitários no Brasil: Aplicações e implica-
ções, teóricas e práticas. 339 f. (Tese de dou- Vieira, S. (2011, setembro 15). Cidade de
torado). Universidade Federal da Bahia, Esco- Deus ganha primeiro banco comunitário do
la de Administração. Salvador. Rio de Janeiro. Rede Record, Rio de Janei-
ro. Recuperado de http://www.noticias.r7.com/
Rigo, A. S., França Filho, G. C., & Leal, L. P. rio-de-janeiro/noticias/cidade-de-deus-ganha-
(2015). Os bancos comunitários de desenvol- -primeiro-banco-comunitario-do-rio-de-janei-
vimento na política pública de finanças solidá- ro-20110915.html.
rias: Apresentando a realidade do Nordeste e
discutindo proposições. Desenvolvimento em Worthen, H. (2012). Women and microcredit: Al-
Questão, 13(31), 70-107. doi:10.21527/2237- ternative readings of subjectivity, agency, and
6453.2015.31.70-107 gender change in rural Mexico. Gender, Place
& Culture, 19(3), 364-381. doi:10.1080/096636
Sachs, J. D. (2005). The end of poverty: eco- 9X.2011.624740
nomic possibilities for our time. New York, NY:
Penguin Books. Yunus, M. (2009). Um mundo sem pobreza. A
empresa social e o futuro do capitalismo. São
Santos, A. F. C. D., & Santos, T. L. (2017). O Paulo, SP: Ática.
microcrédito como ferramenta de desenvolvi-
mento socioeconômico. Pensamento & Reali- Zouain, D. M., & Barone, F. M. (2007). Excer-
dade, 32(1), 31-40. tos sobre política pública de acesso ao crédito
como ferramenta de combate à pobreza e in-
Sen, A. (2000). Desenvolvimento como Liber- clusão social: O microcrédito na era FHC. Re-
dade. São Paulo, SP: Companhia das Letras. vista de Administração Pública, 41(2), 369-380.
doi:10.1590/S0034-76122007000200010
Silva, W. A. C., Fonseca, R. F., & Santos, A.
O. (2016). Microbusiness development and

ISSN 2236-5710 Cadernos Gestão Pública e Cidadania | São Paulo | v. 24 | n. 77 | 1-24 | e-67268 | 2019

Você também pode gostar