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ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA ou ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA:

ARGUMENTAÇÃO/FUNDAMENTAÇÃO EM FACE DA DECISÃO/SENTENÇA DA


CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO TJSP

Rodrigo Mendes Pereira1

Assunto: Argumentação / Fundamentação inicial (esboço, que necessita de


aprofundamento) de parecer/estudo técnico-legal, que tem como foco "combater" a
argumentação da sentença/decisão em recurso da Corregedoria Geral da Justiça / TJSP
(processo nº 2013/00147741 – processo origem nº 15547-23/13 ou 0015547-
23.2013.8.0100) sobre o seguinte assunto:

I – DECISÕES / SENTENÇAS COMBATIDAS

SENTENÇA PROCESSO DE ORIGEM de 22 de julho de 2013 (15547-23/13 ou 0015547-


23.2013.8.01) em anexo.
EMENTA: Registro civil de pessoas jurídicas – pedido de providências – averbação de
reforma de estatuto – pessoa jurídica de vocação religiosa que não se dedica somente ao
culto, mas também a atividades educacionais – correta classificação como sociedade,
associação ou fundação religiosa (CC02, art. 44, I-III), e não como organização religiosa,
que é a de finalidade unicamente espiritual – pedido indeferido.

SENTENÇA EM RECURSO (EXTRAJUDICIAL) de 21 de janeiro de 2014 (processo nº


2013/00147741 – Corregedoria Geral de Justiça do TJSP) em anexo.
EMENTA: RECURSO – AVERBAÇÃO DE ATA DE ASSEMBLÉIA – ASSOCIAÇÃO –
ALTERAÇÃO PARA ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA – NÃO DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO

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Consultor, assessor, advogado, gestor, professor e palestrante em projetos sociais, em terceiro setor, em políticas
públicas sociais e em responsabilidade social. Graduado em direito pela USP, doutor em serviço social pela PUC-SP
(Capes 7), mestre em ciências da religião com ênfase em terceiro setor pela PUC-SP (Capes 5) e especialista no MBA
Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA/USP (com honra ao mérito), com diversos cursos de extensões (carga
horária total de aproximadamente 400h) em projetos sociais, terceiro setor, políticas sociais, indicadores sociais e marco
regulatório das organizações da sociedade civil pela EAESP/FGV, CEDEPE/PUC-SP e por outras instituições
reconhecidas em suas áreas de atuação. Além de atuar em organizações do terceiro setor, exerceu em Jundiaí-SP
cargos de Superintendente de fundação pública com “status” de Secretário Municipal de Habitação, de Secretário
Municipal de Assistência Social e de Assessor do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC),
assim como foi membro de Conselhos de Políticas (assistência social e habitação). Membro fundador e Vice-Presidente
da Comissão de Direitos do Terceiro Setor da OAB/SP.
CULTO E À LITURGIA – AUSÊNCIA DO ORIGINAL TÍTULO – RECURSO NÃO
CONHECIDO.
DETALHAMENTO: RECURSO ADMINISTRATIVO – REGISTRO CIVIL DE PESSOA
JURÍDICA – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS OBJETIVANDO AVERBAÇÃO, JUNTO AO 1º
OFICIAL DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA
DA CAPITAL, ATA DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – REFORMA DE
ESTATUTO – QUALIFICAÇÃO COMO ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA E NÃO MAIS COMO
ASSOCIAÇÃO CIVIL – A INTERESSADA, PORÉM, DEDICA-SE, TAMBÉM, A
ATIVIDADES EDUCACIONAIS – RECUSA MANTIDA – PEDIDO INDEFERIDO –
PROCESSO 0015547.

II – FUNDAMENTOS / ARGUMETAÇÃO

(1) Confusão na argumentação da sentença/decisão em recurso a ser


combatida, que ao misturar e confundir a personalidade jurídica da organização com suas
finalidades, interpreta equivocadamente o Acordo entre Brasil e Santa Sé (Decreto nº
7.107/10), ao não considerar que as instituições eclesiásticas (art. 3º do Acordo), com
natureza jurídica de organizações religiosas a partir do Código Civil (CC) de 2002 com a
inclusão deste tipo de personalidade jurídica, podem ter finalidades mistas (tanto religiosas
quanto de assistência e solidariedade social - educação, saúde, assistência social) e
gozarem de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios concedidos às entidades
com fins de natureza semelhante (educação, saúde, assistência social etc.) no
ordenamento jurídico brasileiro (art. 5º do Acordo).
Também essa "mistura" induz a confusão no tocante a imunidade de
impostos das pessoas jurídicas eclesiásticas decorrentes das finalidades e atividades
religiosas (art. 15 caput, do Acordo) e no tocante ao mesmo tratamento e benefícios
tributários outorgados às entidades filantrópica e decorrentes de suas finalidades e
atividades social e educacional sem fins lucrativos (educação, saúde e assistência social)
(art 15, parágrafo primeiro, do Acordo).

(2) Confusão na argumentação da sentença/decisão em recurso a ser


combatida, que ao misturar e confundir a personalidade jurídica da organização com suas
finalidades (confundindo as normas legais / artigos do Acordo), também não considera as
questões histórico-jurídicas sobre a inexistência, até a inclusão ao CC de 2002, de
personalidade jurídica própria e específica para as entidades religiosas, que em vez de se
constituírem sob a forma de "organização religiosa" eram obrigadas, por falta de opção, a
se constituírem sob a forma de "sociedade religiosa" ou "associação religiosa", muitas
delas (por exemplo as congregações religiosas) com finalidades mistas "de apostolado, de
formação e ação religiosa, social e de educação".
Neste sentido, também não considera ser um avanço (antes existia uma
lacuna) da inclusão do CC de 2012 da personalidade jurídica "organização religiosa", pois
quer reduzir, de forma contrária à realidade social e as normas do Acordo, este tipo de
personalidade jurídica a entidades exclusivamente com finalidades religiosas.
Destacamos, que a decisão em recurso da Corregedoria chega simplesmente
a afirmar, sem fundamentação, que a expressão "instituições eclesiástica" não é sinônimo
da expressão "organizações religiosas" e que o Acordo não define "organização religiosa".
Ora, "instituições eclesiásticas" são instituições/organizações com
personalidade jurídica de direito canônico (religioso), criadas, modificadas e extintas
livremente pela Igreja Católica (pela Igreja) e cuja personalidade jurídica civil deve ser
reconhecida pelo Brasil por meio do registro dos atos de criação e averbação das
alterações (art. 3º e paragrafos do Acordo).
Ora, o Código Civil prevê atualmente (a ele compete definir as "espécies" /
"tipos" de pessoas jurídicas no âmbito civil) três "espécies" de pessoas jurídicas de direito
privado sem fins lucrativos ou econômicos (arts. 44 combinado especialmente com o 53 e
62), quais sejam: as associações, as fundações e as organizações religiosas (essas
últimas para preencher uma lacuna/omissão histórica no direito civil brasileiro).
Ora, dentre as três "espécies" de pessoas jurídicas de direito privado sem fins
lucrativos, fica evidente que a "espécie" / "tipo" "organização religiosa" é a que foi instituída
no direito brasileiro para reconhecer a personalidade jurídica das "instituições
eclesiásticas" (instituições religiosas), inclusive porque não existe qualquer vedação no
âmbito civil para que as "organizações religiosas" desenvolvam, além de atividades
estritamente religiosas, também atividades mistas de assistência e solidariedade social -
educação, saúde, assistência social etc.
Ressaltamos, que interpretações reducionistas e em desconformidade com a
realidade social e com a sistemática e contexto histórico-jurídico, acabariam por esvaziar
por completo a "espécie" civil "organização religiosa" e fazer com que uma única
"instituição eclesiástica" (instituição religiosa) para ser reconhecida pelo direito civil
brasileiro, seja obrigada a cindir-se (separar suas atividades, dividindo-se em duas ou mais
pessoas jurídicas) ou a adotar uma "espécie" de personalidade jurídica (hoje associação,
antes do CC de 2002 sociedade) que não representa (não é adequada) sua essência e sua
efetiva natureza jurídica (antes tinha que o fazer, pela ausência de personalidade jurídica
civil adequada; hoje, quando essa omissão parecia estar superada, por força de
interpretações reducionistas equivocadas).

3) Não consideração na argumentação da sentença/decisão em recurso de


histórica Jurisprudência do STF que, na apreciação de questões tributárias: inter-relaciona
“templos de qualquer culto” e “instituições de educação e assistência social, sem fins
lucrativos”, no tocante a imunidade de impostos; reconhecem a natureza mista (religiosa e
assistencial/social/filantrópica) das organizações religiosas; ampliam o conceito de
“templos de qualquer culto” e o de “finalidades essenciais”.
Como exemplo e referência do argumentado, indicamos as seguintes
decisões do STF: RE nºs 221.395-8 ("Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados") e
578.562-9-8 ("Sociedade da Igreja de São Jorge e Cemitério Britânico").

4) Explicitação de que a argumentação acima diz respeito tanto a Igreja


Católica quanto às outras tradições religiosas, como também que as normas do Acordo
são vetores de interpretação e, desta forma, também aplicáveis as demais tradições
religiosas, inclusive porque o texto do acordo lança ao cenário jurídico internacional uma
norma que o poder civil brasileiro havia estabelecido na sua Constituição Federal e com
abrangência a todas as religiões (liberdade de crença e de exercício de cultos religiosos -
art. 5º, VI; vedação de embaraçar o funcionamento de cultos religiosos ou Igrejas - art. 19;
imunidade tributária de impostos a "templos de qualquer culto"; imunidade tributária de
impostos a instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos - art. 150, VI,
"b" e "c"; imunidade de contribuições sociais as entidades beneficentes de assistência
social - art. 195, parágrafo 7º).

São Paulo, 17 de agosto de 20162


Rodrigo Mendes Pereira

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Data que redigi na integra essa argumentação e encaminhei por email a dois colegas da área jurídica (advogada e
promotor de justiça) .

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