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25/04/2021 Acordão do Supremo Tribunal Administrativo

Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo


Processo: 01200/16.7BESNT-A
Data do Acordão: 08-04-2021
Tribunal: 1 SECÇÃO
Relator: JOSÉ VELOSO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
TERMO INICIAL
Sumário: I - A «prescrição» - como excepção material que torna inexigível
a obrigação de indemnização - funda-se no não exercício judicial
do direito durante determinado lapso de tempo, tendo como
pressupostos a disponibilidade do direito pelo seu titular, e a
presunção de que o não exercício do mesmo significa a falta de
diligência exigível ou vontade de não o fazer valer;
II - O termo inicial da contagem do prazo de prescrição de 5
anos, neste caso aplicável, deverá ser o que resulta dos exactos
termos do artigo 498º, nº1, do CC, e não o que resulta da 1ª
parte, do nº1, do artigo 306º, do CC, para o qual o artigo 5º da
Lei nº67/2007, de 31.12, não remete;
III - Mas isto não quer dizer que estejamos perante normas
antagónicas, mas antes, no caso do artigo 498º, nº1, perante a
fixação especial do termo inicial de contagem do prazo de
prescrição que, no fundo, concretiza a norma geral ínsita no dito
artigo 306º;
IV - O conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, de
forma a ele, lesado, poder reclamá-lo - nomeadamente perante
os tribunais - terá de ser um conhecimento que o habilite a fazê-
lo e não um qualquer conhecimento, fruto de conjecturas mais ou
menos alicerçadas;
V - Uma vez que o «direito que compete ao lesado» emerge da
verificação dos requisitos da responsabilidade civil, compreende-
se que a jurisprudência dos tribunais superiores tenha acolhido
essa verificação, profusamente, como marco a considerar para
efeitos de contagem do prazo de prescrição previsto no artigo
498º do CC;
VI - Deverá ser um conhecimento que, embora empírico, porque
do lesado, se traduza na consciência de que tem direito a
indemnização porque alguém o lesou indevidamente.
Nº Convencional: JSTA000P27516
Nº do Documento: SA12021040801200/16
Data de Entrada: 16-12-2020
Recorrente: A...................
Recorrido 1: COMPANHIA DE SEGUROS F................., SA E OUTROS
Votação: UNANIMIDADE
Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: I. Relatório


1. A………………. - identificado nos autos - interpõe recurso de revista do
acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 18.06.2020,
que, concedendo provimento à «apelação» interposta por B……………,
S.A. - anteriormente designada «Hospital …………, Sociedade Gestora, S.A.» -,
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«revogou» a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF],


de 09.11.2016, na parte em que ela julgara improcedente a excepção
peremptória de prescrição deduzida pela ré B…………….. - no âmbito da
«acção administrativa» em que ele e os filhos demandam C………….., D…………,
E…………… PORTUGAL, HOSPITAL ………… - Sociedade Gestora, S.A., e F………. -
Companhia de Seguros, S.A. - absolvendo-a do pedido.

Culmina assim as suas alegações de revista:

I- O presente recurso vem interposto, nos termos do artigo 150º do CPTA, do douto
acórdão proferido pelo TCAS que deu provimento ao recurso interposto que pugnava pela
procedência da alegada excepção de prescrição do direito indemnizatório dos réus;

II- Estamos perante uma questão jurídica controversa, de relevância fundamental e que
justifica o presente recurso, para uma melhor aplicação do direito;

III- Nos casos em que esteja em causa responsabilidade extracontratual do Estado por
factos ilícitos e que os factos praticados constituam crime, está ou não obrigado o lesado a
deduzir o pedido de indemnização cível no processo? Está o lesado obrigado a ficar numa
situação em que o prazo de prescrição ocorra passados 3 anos, sem que este veja
acusação proferida, não podendo assim jamais pugnar pelo seu direito? Podendo os
factos praticados constituir crime, o lesado apenas estará em condições de poder exercer
o seu direito quando os factos concretos do processo determinarem que, efectivamente,
existiu crime? Ou ao invés deve o lesado logo exercer o seu direito independentemente de
verificados os factos que provam a existência de crime?

IV- Tais questões são juridicamente controversas e levantam-se não só nos presentes
autos, como em possíveis outras acções que venham a ser intentadas com o mesmo
fundamento;

V- Estamos perante questões cuja expansão e controvérsia se reveste de importância


fundamental pela sua relevância jurídica, sendo necessária uma reapreciação por este
Venerando Tribunal, que proceda à interpretação e integração das questões jurídicas
levantadas que assegure a melhor aplicação do direito a todos os casos semelhantes;

VI- O acórdão recorrido entendeu que o artigo 5º do RRCEE, não opera uma remissão
genérica ou global para o regime de prescrição previsto no Código Civil, mas antes para o
regime da prescrição previsto no âmbito da regulação da responsabilidade civil
extracontratual por factos ilícitos;

VII- Considera assim o aresto recorrido que o artigo 5º do RRCEE, remete apenas para o
artigo 498º do CC, na medida em que este disciplina de forma única, quer o prazo, quer o
termo inicial da contagem do prazo de prescrição;

VIII- Considera ainda que a aplicação do artigo 498º do CC é incompatível com a


aplicação do disposto no nº1 do artigo 306º;

IX- Não podemos admitir que as regras de prescrição do direito de indemnização, fundada
no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas
públicas possam ser interpretadas de forma a o Estado poder ser desresponsabilizado
pelo decurso de um prazo mais curto, do que qualquer outro sujeito processual;

X- Não se considera ser incompatível a aplicação dos regimes do nº1 do artigo 306º e do
artigo 498º do CC, já que o direito pode ser exercido no prazo de 3 anos a contar data em
que o lesado teve conhecimento do seu direito, mas apenas nas situações em que o
possa exercer;

XI- Nas situações em que o lesado não esteja em condições de exercer o seu direito, não
o fará, começando a contar o prazo no momento em que o mesmo possa ser exercido;

XII- Também não se aceita a interpretação e aplicação feita pelo acórdão recorrido no que
respeita aos artigos 71º e 72º do CPP;

XIII- O aqui recorrente no momento em que se queixou e deduziu o pedido de


indemnização cível contra os arguidos e demandados cíveis, desconhecia o dolo e o
alcance da condenação, estando ainda obrigado ao princípio da adesão do artigo 71º do
CPP;

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XIV- O único facto conhecido era a morte da esposa do aqui recorrente devido a uma
ruptura da aorta, durante uma cirurgia para retirar a banda gástrica;

XV- Pelo menos até à dedução da acusação [ou arquivamento] não poderia o aqui
recorrente exercer o seu direito, nem o mesmo poderia prescrever por não se verificar o
seu termo inicial;

XVI- Apenas após a acusação o aqui recorrente poderia exercer o seu direito, como fez,
deduzindo o pedido de indemnização cível;

XVII- A dedução da acusação aconteceu em 21.01.2011, pelo que o prazo de prescrição


de 5 anos apenas ocorreria em 2016 [os réus, aqui recorridos foram citados em 2015 para
os presentes autos];

XVIII- Mesmo que se defendesse que apenas seria de aplicar o artigo 498º do CC, no que
respeita ao prazo inicial da prescrição, o certo é que o nº3 desse mesmo artigo alarga o
prazo de prescrição de acordo com o ilícito criminal praticado;

XIX- Não se pode defender que o prazo de prescrição no caso dos autos é de 3 anos a
contar do falecimento da esposa do autor, aqui recorrente, já que para o crime praticado, o
prazo de prescrição seria de 5 anos;

XX- O pedido de indemnização civil poderia ter sido conhecido pelo mesmo tribunal que
condenou os arguidos, ao contrário do que também é sufragado no sempre douto acórdão
de que se recorre;

XXI- Nesse sentido nomeadamente: AC TRL de 08.05.2012 e AC TRG de 25.06.2007, CJ,


2007, T3, página 297;

XXII- Em cumprimento do princípio da adesão e em respeito do artigo 71º do CPP, na data


do falecimento da esposa do aqui recorrente, não podia este deduzir o pedido de
indemnização cível em separado;

XXIII- Correndo o processo-crime, estava o direito indemnizatório do aqui recorrente e


seus filhos, sujeito ao princípio da adesão vigente em processo penal, tendo deduzido o
seu pedido de indemnização cível após ser proferida acusação;

XXIV- Os autores apenas sabiam que G……………… havia falecido no Hospital


………………., tendo sido contra o hospital deduzido o pedido de indemnização cível;

XXV- Andou bem o Tribunal de 1ª Instância ao decidir pela improcedência da excepção de


prescrição com base na circunstância interruptiva e suspensiva adveniente do processo
crime, considerando o princípio da adesão, previsto no artigo 71º do CPP, sendo aplicável
o prazo de prescrição de cinco anos, previsto no nº3, do artigo 498º do CC e o disposto do
nº1 do artigo 306º, também do CC;

XXVI- Não se pode dizer que a aplicação do nº1 do artigo 306º, e do nº1 do artigo 498º, do
CC, são incompatíveis, porque admitem aplicação conjunta de acordo com o caso
concreto;

XXVII- Da aplicação das regras previstas no artigo 5º do RRCEE e do nº1 do artigo 498º
do CC resulta que o prazo de prescrição se inicia a contar da data em que o lesado tiver
conhecimento do direito que lhe compete, a não ser que nessa data não o possa exercer,
por estar obrigado a deduzir o pedido no processo-crime, caso em que começará a contar
da data em que tal direito possa ser exercido;

XXVIII- A jurisprudência dos tribunais [também administrativos] sustenta que o prazo de


prescrição apenas começa a correr com o desfecho do inquérito, que in casu aconteceu
em 21.01.2011 com a dedução de acusação;

XXIX- Há jurisprudência nos Tribunais Superiores [como por exemplo o processo AC do


STJ de 13.10.2009, processo nº206/09.7YFLSB] que sustenta que o prazo de prescrição
apenas começa a correr com o desfecho do inquérito [o que nos presentes autos
aconteceu em 21.01.2011];

XXX- Já outros acórdãos, como o AC STJ de 23.10.2012, processo


198/06.4TBFAL.E1.S1, vai mais longe, referindo que o prazo de prescrição apenas se
começa a contar após o trânsito em julgado do processo-crime;

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XXXI- Ou ainda o AC do TCAS de 21.04.2016, processo nº13102/16, que refere que não
se pode julgar verificada a prescrição sem se saber se os factos alegados, susceptíveis de
integrar o tipo legal de crime, ocorreram ou não;

XXXII- Está aberta a possibilidade de aplicação do nº1, do artigo 306º do CC, por
articulação com o nº3 do artigo 498º do CC, não se violando, de qualquer modo, o
estipulado no artigo 5º RRCEE;

XXXIII- Os tribunais superiores referem ainda que a pendência do processo-crime


representa uma interrupção contínua ou continuada do prazo de prescrição do direito à
indemnização contra o civilmente responsável, quer o pedido de indemnização cível
possa, quer não possa, ser deduzido em separado;

XXXIV- Qualquer facto interruptivo que possa ser oposto aos agentes, pode ser oposto a
quem, em nome e no interesse estavam a agir e praticaram os factos geradores de danos
indemnizáveis;

XXXV- O douto acórdão de que se recorre viola o princípio constitucional da realização da


justiça, violando com a sua interpretação a aplicação do artigo 498º do CC, por remissão
do artigo 5º do RRCEE, e também o artigo 2º da CRP, por colocar em causa a garantia de
efectivação dos direitos e liberdades fundamentais;

XXXVI- A citação do réu nos presentes autos teve a virtualidade de interromper o prazo de
prescrição previsto no nº3, do artigo 498º, uma vez que não havia ainda passado 5 anos
da data da acusação proferida no processo-crime;

XXXVII- Ocorreram erros de interpretação e aplicação das normas subsumíveis aos


presentes autos que terão de ser corrigidos;

XXXVIII- Nenhuma censura deveria ter merecido a douta decisão proferida em 1ª


instância;

XXXIX- Deverá ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência ser


revogada a decisão recorrida, e, em sua substituição, proferido novo acórdão que julgue
improcedente a excepção peremptória de prescrição, seguindo o processo os seus termos
até final.

2. A demandada e ora recorrida [B………………] contra-alegou, concluindo


assim:

I- O recurso ora sob resposta vem interposto pelo recorrente do acórdão proferido pelo
TCAS a 18.06.2020, que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição,
absolvendo a ora recorrida do pedido;

II- Salvo o devido respeito, o presente recurso é processualmente inadmissível, porquanto


não se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 150º, nº1, do CPTA, nos termos
do qual o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo assume carácter excepcional,
apenas sendo admissível [i] quando esteja em causa a apreciação de uma questão que,
pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou, [ii]
quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do
direito;

III- Não só o recorrente não logrou demonstrar, conforme lhe competia, o preenchimento
dos referidos requisitos, como os mesmos não se verificam no caso dos autos;

IV- Com efeito, está em causa uma questão de diminuta complexidade jurídica, a qual não
tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina;

V- De igual modo, a situação em causa não apresenta contornos indiciadores de que a


solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, nem está em
causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade
da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

VI- De resto, a decisão do tribunal «a quo» baseia-se num raciocínio lógico, coerente e
cristalino, pelo qual são enunciadas as normas jurídicas relevantes que foram aplicadas ao
caso, deixando-se expressa a interpretação que motivou a decisão final, pelo que nunca
se poderia afirmar ser claramente necessária uma melhor aplicação do direito;

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Nestes termos, é por demais evidente que o presente recurso é processualmente


inadmissível ao abrigo do artigo 150º, nº1, do CPTA, devendo por isso ser rejeitado, o que
desde já se REQUER.

VII- Em qualquer caso, o presente recurso carece, em absoluto, de fundamento jurídico;

VIII- Em primeiro lugar, o artigo 5º do «Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual


do Estado e Demais Entidades Públicas» [RRCEE] remete expressamente, em matéria de
prescrição da responsabilidade civil, para o disposto no artigo 498º do CC e para as regras
relativas à suspensão e interrupção da prescrição [ou seja, para os artigos 318º a 327º
daquele diploma];

IX- É manifesto que o legislador quis excluir da remissão operada pelo artigo 5º do
RRCEE as normas que se encontram nos artigos 300º a 308º do CC [disposições gerais],
nos artigos 309º a 311º [prazos de prescrição] e nos artigos 312º a 317º [prescrições
presuntivas];

X- Se assim não fosse, perante uma letra da lei tão cristalina que remete para um círculo
de normas expressamente determinado, teríamos forçosamente de concluir que o
legislador se encontraria sempre sujeito ao ónus inultrapassável de nomear singularmente
todas as outras disposições que desejasse excluir do âmbito da remissão, o que se
encontra claramente desprovido de sentido;

XI- Em paralelo, a norma do artigo 9º, nº3, do CC, impõe ao intérprete a obrigação de
presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados;

XII- De resto, uma interpretação do artigo 5º do RRCEE e dos artigos 306º e 498º do CC
mediante a qual se considerasse que o prazo de prescrição só começa a correr após o
trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo penal é inconstitucional,
por violação do disposto nos artigos 2º e 3º, nºs 1 e 2 da CRP;

XIII- Tudo implicando que, para efeitos do início da contagem do prazo de prescrição da
putativa responsabilidade civil da ora recorrida deve ter-se apenas em conta o disposto no
artigo 498º do CC, como bem se decidiu no acórdão recorrido;

XIV- Ora, conforme se encontra provado nos presentes autos, o momento a partir do qual
o recorrente tomou conhecimento do direito que lhe competia ocorreu em 10.08.2008, data
do falecimento de G………….;

XV- A partir dessa data, verificou-se o conhecimento empírico por parte do recorrente do
facto ilícito e danoso que, em abstracto, poderia levar à sua pretensão indemnizatória;

XVI- Donde, qualquer hipotético direito de indemnização do recorrente, com base na


responsabilidade civil extracontratual da recorrida, prescreveu muito antes da acção de
condenação que foi instaurada apenas em 17.04.2015, e isto, independentemente de se
aplicar o prazo de prescrição de 3 ou de 5 anos, previstos no artigo 498º, nºs 1 e 3, do CC;

XVII- Em segundo lugar, a aplicação simultânea do disposto nos artigos 498º e 306º do
Código Civil é manifestamente incompatível;

XVIII- Tanto mais que a norma do artigo 498º do Código Civil constitui norma especial face
à norma geral do artigo 306º do mesmo diploma;

XIX- O artigo 306º do Código Civil consubstancia uma regra geral em matéria de
prescrição, como bem se depreende do seu enquadramento sistemático, encontrando-se
o mesmo previsto na subsecção relativa às disposições gerais sobre matéria;

XX- Foi intenção clara do legislador adoptar um regime especial para o termo inicial da
contagem do prazo de prescrição quando está em causa a responsabilidade civil
extracontratual [nº3 do artigo 9º, do Código Civil];

XXI- Sendo aquele artigo 498º, nº1, do Código Civil, uma norma especial em relação ao
artigo 306º, nº1, do Código Civil, o termo inicial do prazo de prescrição nele previsto
aplica-se preferencialmente no seu domínio específico de aplicação - isto é, da
responsabilidade civil extracontratual -, ficando afastado o regime daquela última norma;

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XXII- Não encontra qualquer sustentação legal o entendimento de acordo com o qual deve
ser afastada a norma do artigo 498º, nº1, se o lesado estiver impedido de exercer o seu
direito na data em que teve conhecimento do mesmo, o que, de resto, não se verificou no
presente caso;

XXIII- Este tipo de situações encontram-se acauteladas pelo artigo 321º, nº1, do Código
Civil, mediante o qual fica suspensa a contagem do prazo de prescrição nos últimos três
meses quando o titular do direito se encontre impedido de fazer valer esse direito;

XXIV- Em terceiro lugar, no caso dos presentes autos, não existe nenhuma causa jurídica
que impedisse o exercício do direito, em particular, o recorrente não estava sujeito ao
princípio da adesão;

XXV- Nos termos do artigo 72º, nº1, alínea f), do Código de Processo Penal, o pedido de
indemnização cível do recorrente nunca esteve sujeito ao princípio da adesão, donde
resulta que o recorrente estava em condições de exercer o seu putativo direito desde
10.08.2008, isto é, desde a data em que G………….. veio a falecer;

XXVI- A responsabilidade civil emergente de crime a que se refere o artigo 71º do Código
de Processo Penal é aquela que poderia ser efectivada perante o «tribunal civil» e cuja
disciplina substantiva se encontra «regulada pela lei civil», conforme prevê o artigo 129º
do Código Penal;

XXVII- Nos presentes autos está em causa a apreciação de uma responsabilidade


regulada pela disciplina substantiva do RRCEE, sendo o seu conhecimento da
competência dos tribunais administrativos [artigo 4º, nº1, alínea h) do ETAF, na versão
aprovada pela Lei nº114/2019, de 12.09], pelo que nada impedia o recorrente de instaurar
acção autónoma de indemnização contra a ora recorrida;

XXVIII- Não sendo os tribunais comuns competentes para julgar tal acção de
responsabilidade civil, impunha-se mesmo ao recorrente que tivesse instaurado acção
autónoma, nos tribunais administrativos;

XXIX- Pelo que não se pode falar em relação ao recorrente em impossibilidade de


exercício do direito, nem em interrupção da prescrição do [alegado] direito indemnizatório;

XXX- De resto, não tendo sido parte no processo-crime, a recorrida nunca foi notificada de
qualquer acusação, despacho de pronúncia ou despacho que designasse dia para a
audiência de julgamento, não tendo igualmente sido deduzido qualquer pedido de
indemnização cível, naquele processo, contra a ora recorrida e, nesses termos não se
verificou qualquer facto interruptivo da prescrição quanto à ora recorrida, sendo evidente
que, para este efeito, é absolutamente irrelevante a eventual interrupção da prescrição
quanto aos restantes réus, resultante daqueles factos;

XXXI- Acresce que, a mera pendência de um processo penal não constitui, por si só, uma
causa interruptiva do prazo de prescrição, sendo certo que o artigo 306º [o qual, de resto,
nem sequer é aplicável] também não prevê, em si, uma causa de interrupção do prazo de
prescrição, mas antes uma regra geral quanto ao termo inicial para esse prazo de
prescrição;

XXXII- Nestes termos, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3, do artigo 498º, do Código Civil,
é manifesto que qualquer hipotético direito de indemnização do recorrente, com
fundamento na responsabilidade civil extracontratual da recorrida já prescreveu, porquanto
a acção de condenação apenas foi instaurada em 17.04.2015 [e a ora recorrida apenas
citada em 24.04.2015], ou seja, cerca de 6 anos e 8 meses desde que tomaram conhecido
do putativo direito;

XXXIII- Em face do exposto, é evidente que o recurso interposto pelo recorrente carece de
fundamento, devendo o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão
recorrido.

3. O recurso de revista foi admitido por este STA - Formação a que alude o nº6
do artigo 150º do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso de


revista - artigo 146º, nº1, do CPTA. Esta pronúncia não mereceu qualquer
resposta das partes - artigo 146º, nº2, do CPTA.
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5. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir a


revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêm das instâncias:

A) Da 1ª instância:
- Em 21.01.2011, foi deduzida acusação no processo de inquérito criminal;

- Em 08.02.2012, foi proferido despacho de pronúncia, na instrução criminal;

- Em 14.06.2013, foi proferida a sentença criminal [folhas 21 e seguintes dos autos], que
condenou os réus médicos pela prática de um «crime de homicídio negligente», previsto e
punido pelos artigos 15º, alínea b) [negligência inconsciente], e 137º, nº1, do CP.

- Em 02.04.2014, transitou em julgado a sentença criminal.

B) Aditados pela 2ª instância:


1) Em 10.08.2008 faleceu G………….. - documentos 5 e 6 juntos com a petição inicial, a
folhas 212 e seguintes do processo físico;

2) No mesmo ano de 2008 foi instaurado processo-crime contra os médicos C…………..,


D…………. e H……………, o qual seguiu termos sob o processo nº5434/08.0TDLSB, do
2º Juízo Criminal de Lisboa - documento 4 junto com a petição inicial, a folhas 196 e
seguintes do processo físico;

3) Por sentença proferida em 14.06.2013, os médicos, 1º e 2º réus, foram condenados


pelo crime de «homicídio negligente» - documento 4 junto com a petição inicial;

4) Em 17.04.2015 os autores, ora recorridos, instauraram acção de condenação contra os


réus, C………….. [1º réu], D………… [2ª ré], E…………. Portugal, Companhia de Seguros,
SA [3ª ré], o Hospital …………….., EPE [4º réu] e Hospital ………. - Sociedade Gestora,
SA [5ª ré], no Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste, Instância Central - Sintra, a qual
correu termos sob o processo nº8755/15.1T8SNT, pedindo a sua condenação no
pagamento de indemnização emergente dos danos patrimoniais e não patrimoniais
decorrentes da morte de G……………. - ver petição inicial, a folhas 91 e seguintes do
processo físico;

5) Na referida acção os réus foram todos citados em 24.04.2015 - acordo;

6) Em 01.06.2016 foi proferida decisão de «incompetência em razão da matéria» e


absolvidos os réus da instância - ver SITAF;

7) Em 11.10.2016 os citados autos foram remetidos para o TAF de Sintra - ver SITAF.

III. De Direito

1. A……………. - viúvo de G……………… - e seus 3 filhos – I……….., J…………e


K………. - demandaram na jurisdição administrativa - na sequência da
declaração de incompetência material do «Tribunal Judicial de Sintra» - os médicos
C…………. e D…………., a seguradora E…………. - Portugal, o
HOSPITAL ………………………., EPE, e o HOSPITAL …….…………… -
Sociedade Gestora, S.A. - actual «B………………, S.A.» -, tendo este último
chamado a intervir a seguradora F………………..

Pedem a condenação solidária dos demandados a pagar a cada um dos


quatro autores a quantia 30.000,00€ [total de 120.000,00€] a título de
indemnização por «danos morais» por eles sofridos, a quantia de
100.000,00 pelo dano da «perda do direito à vida» da vítima – esposa e
mãe dos autores, respectivamente -, e ainda a pagar ao autor pai a quantia de

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2.585,13€ a título de «danos patrimoniais», tudo com juros de mora


vencidos, e vincendos, desde a citação até integral pagamento.

Alegam, para tanto, em resumo, que o decesso de G……………….. -


esposa e mãe dos autores, respectivamente - ocorrido em 10.08.2008, na
sequência da operação a que foi submetida 6 dias antes [04.08.2008], se
ficou a dever à violação das legis artis por parte dos médicos
demandados, os quais, aliás, já foram condenados no tribunal criminal
pelo crime de homicídio por negligência [processo nº5434/08.0TDLSB, do 2º
Juízo Criminal de Lisboa].

Em sede de «despacho saneador», o TAF de Sintra - para o qual a acção foi


remetida na sequência da declaração de incompetência material do Tribunal Judicial de
Sintra -, apreciando excepções deduzidas nas contestações, julgou
«carecerem de legitimidade» os dois médicos, a sua seguradora
E……………, bem como o primeiro hospital demandado, relegou «para
conhecimento ulterior a caducidade» invocada pela seguradora
F……………., e julgou improcedente a questão da «prescrição do direito»
invocado pelos autores, a qual tinha sido suscitada pela, então,
sociedade gestora HOSPITAL ………………. - actual «B…………….., SA».

Esta última decisão - julgamento de improcedência da questão da «prescrição do


direito» - foi objecto de apelação da actual sociedade B……………. junto
do TCAS, o qual, mediante o «acórdão ora recorrido», concedeu
provimento ao recurso, revogou o despacho saneador do TAF de Sintra
«na parte em que julgara improcedente a excepção da prescrição», e
«absolveu do pedido» a aí apelante.

Agora é o autor pai que pede «revista» da decisão da 2ª instância,


atribuindo-lhe «erro de julgamento de direito» relativamente à questão da
«prescrição», única, aliás, que foi apreciada e decidida pelo tribunal de
apelação.

2. Vejamos, e antes de mais, os contornos factuais do litígio cuja decisão


nos é pedida, pois é a eles que deverá ser aplicada o «regime jurídico da
prescrição» cuja interpretação não foi consensual nas instâncias.

Assim: - a 04.08.2008, G…………………. - esposa e mãe dos autores, respectivamente -


foi operada no HOSPITAL ………………………….; - a 10.08.2008, G………………..
faleceu; - ainda no ano de 2008, foi instaurado inquérito-crime contra os médicos
C………………, D…………………, e H…………………; - a 21.01.2011 foi deduzida
acusação contra esses três médicos; - a 08.02.2012 foi proferido despacho de pronúncia
contra os mesmos médicos; - a 14.06.2013 foi proferida sentença no processo-crime
nº5434/08.0TDLSB [2º Juízo Criminal de Lisboa] que condenou o médico
C…………………. e a médica D……………….. por crime de homicídio por negligência; - a
02.04.2014 tal sentença transitou em julgado; - a 17.04.2015 os aqui autores intentaram
acção no «Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste - Instância Central - Sintra»
[nº8755/15.1T8SNT] exigindo responsabilidade civil extracontratual aos aqui réus
relativamente à morte de G……………………..; - a 24.04.2015 os réus foram citados
nessa acção; - a 01.06.2016 o tribunal judicial declarou-se incompetente em razão da
matéria e absolveu os réus da instância; - a 11.10.2016 os autos foram remetidos ao TAF
de Sintra.

Perante tais «factos», o tribunal administrativo de 1ª instância - TAF de


Sintra - entendeu que não se verificava a invocada prescrição do direito
dos autores, sendo que o tribunal de apelação - TCAS - veio a entender ao
invés.

Em essência: para o TAF, o prazo de prescrição a aplicar no presente


caso é de 5 anos, de acordo com a aplicação conjugada dos artigos 5º da
Lei nº67/2007, de 31.12, 498º, nºs 1 e 3, do Código Civil [CC], 15º alínea
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b), 118º nº1 alínea c), e 137º nº1, do Código Penal [CP]; o termo inicial da
sua contagem será o dia 10.08.2008, data do falecimento de
G……………………. - esposa e mãe dos autores, respectivamente - e,
simultaneamente, dia em que os autores - enquanto lesados - tiveram
«conhecimento» do seu direito; porém, tal contagem manteve-se
interrompida até ao trânsito em julgado da sentença criminal que
condenou os 2 médicos, o que decorrerá da aplicação conjugada dos
artigos 71º e 72º do Código de Processo Penal [CPP] e 306º do CC.

Assim, a acção intentada a 17.04.2015, no tribunal judicial, depois


remetida ao tribunal administrativo, teria sido atempada uma vez que
«ainda não estava prescrito o direito» dos autores responsabilizarem os
médicos e o hospital por conduta ilícita e culposa.

O TCAS concorda com a aplicação do prazo de prescrição de 5 anos -


«aplicação conjugada» dos artigos 5º da Lei nº67/2007, de 31.12; 498º, nº3, do CC; 15º
alínea b), 118º, nº1 alínea c), e 137º, nº1, do CP - e com o início da respectiva
contagem em 10.08.2008, mas recusa a aplicação ao caso do princípio
da adesão [artigos 71º e 72º do CPP], e da regra geral sobre o «início do
curso da prescrição» consagrada no artigo 306º, nº1, do CC. Assim,
porque a B………………., S.A. - anteriormente «Hospital ………………., Sociedade
Gestora, S.A.» - não teve qualquer «participação» no âmbito do processo
penal, só se poderia falar em interrupção da prescrição, nos termos do
artigo 323º do CC - aplicável por força do artigo 5º da Lei nº67/2007, de 31.12 -
aquando «da sua citação na acção cível», isto é, em 24.04.2015. E nessa
altura, contados desde Agosto de 2008, há muito tinham decorrido os 5
anos da prescrição do direito dos autores. Daí a revogação da sentença
recorrida e o julgamento de procedência da prescrição.

O recorrente da revista - autor «pai» - defende que o acórdão recorrido erra


ao considerar incompatível a aplicação do artigo 498º e do artigo 306º,
nº1, do CC, já que «o direito poderá ser exercido no prazo de três anos, a
contar da data do seu conhecimento pelo lesado, mas apenas nas
situações em que este o possa exercer», defende que no caso se aplica
o «princípio da adesão» do pedido cível à acção penal, e ainda que os
lesados só tiveram efectivo conhecimento do seu direito aquando da
dedução da acusação, em 21.01.2011.

Vejamos.

3. Já é pacífico, nestes autos, que nos encontramos no âmbito da


«responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas de
direito público» cujo regime jurídico consta da Lei nº67/2007, de 31.12, e
que ao presente caso é aplicável o prazo de prescrição de 5 anos de
acordo com os artigos 5º dessa lei, 498º, nº3, do CC, 137º, nº1, e 118º,
nº1 alínea c), ambos do CP.

A primeira questão litigada tem a ver com a determinação do termo inicial


de contagem desse prazo de prescrição, que a 1ª instância entendeu ser
a data do trânsito em julgado da sentença proferida no processo penal -
02.04.2014 -, pois que só a partir de então os lesados «puderam exercer o
seu direito» [artigo 306º, nº1, do CC], e a 2ª instância entendeu ser a do
falecimento da esposa e mãe dos autores - 10.08.2008 -, pois que a partir
de então eles, enquanto lesados, tiveram «conhecimento do direito que
lhes compete» [artigo 498º, nº1, do CC].

É de sublinhar, e desde logo, que o artigo 5º da referida Lei nº67/2007 -


segundo o qual «O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do
Estado, das demais pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos respectivos
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órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do
artigo 498º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria
de suspensão e interrupção da prescrição» - faz uma remissão material para
normas de direito privado - artigo 498º, 318º a 322º [suspensão da prescrição], 323º
a 327º [interrupção da prescrição], todos do CC - em atenção ao seu conteúdo,
operando uma importação e incorporação, pelo direito de indemnização
por responsabilidade pública, de normas originárias do direito privado.

Isto significa que tais normas, nomeadamente a do artigo 498º do CC,


quando aplicada ao direito de indemnização por responsabilidade
extracontratual dos poderes públicos, se desentranha do seu contexto
natural de direito privado, e deve ser interpretada e aplicada no quadro
constitucional e legal que rege as relações jurídicas em matéria de direito
público.

Deste modo, o termo inicial da contagem do prazo de prescrição de 5


anos - aqui aplicável - deverá ser o que resulta dos exactos termos do artigo
498º, nº1, do CC - segundo o qual «O direito de indemnização prescreve no prazo de
três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe
compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral
dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a
contar do facto danoso» -, e não o que resulta da 1ª parte, do nº1, do artigo
306º do CC - segundo a qual «O prazo da prescrição começa a correr quando o direito
puder ser exercido» - para o qual o artigo 5º da Lei nº67/2007 não remete.

Mas isto não quer dizer que estejamos perante normas antagónicas, mas
antes, no caso do artigo 498º, nº1, perante a fixação especial do termo
inicial de contagem do prazo de prescrição que, no fundo, concretiza a
norma geral ínsita no dito artigo 306º. Isto é, o nº1, do artigo 498º do CC,
não traduz propriamente um afastamento do usual início de contagem do
prazo de prescrição que consta do nº1, do artigo 306º, antes concretiza,
ou explicita, quando se deverá considerar exigível o direito de
indemnização fundada em responsabilidade aquiliana. Assim, do mesmo
modo que o prazo de prescrição, normal, não se inicia na data da
celebração do contrato sempre que o credor não esteja, nessa altura, em
condições de exigir o seu cumprimento - nomeadamente nas «obrigações com
prazo» em benefício do devedor -, analogamente não se poderá aceitar que o
«direito» do lesado a uma indemnização comece a prescrever em
momento em que ele «ainda o desconhece». Em ambos os casos, não
seria curial e aceitável prejudicar o credor, uma vez que, em rigor, o não
exercício do seu direito não está associado a qualquer inércia ou incúria
da sua parte.

Sublinhando este último aspecto, lembremos que a prescrição, como


excepção material que torna inexigível a obrigação de indemnização,
funda-se no não exercício judicial do direito durante determinado lapso de
tempo, tendo como pressupostos a disponibilidade do direito pelo seu
titular, e a presunção de que o não exercício do mesmo significa falta de
diligência exigível ou vontade de não o fazer valer.

Nesta conformidade, o «início de contagem do prazo de prescrição de 5


anos» - aqui em causa - coincide com «a data em que o lesado teve
conhecimento do seu direito», pois é essa data que o legislador elegeu -
com o «nº1 do artigo 498º do CC» - como data a partir da qual ele poderia
exercer o seu direito à indemnização «embora com desconhecimento da
pessoa do responsável e da extensão integral dos danos».

Destarte, o conhecimento, pelo lesado, do direito que lhe compete, de


forma a ele, lesado, poder reclamá-lo - nomeadamente perante os tribunais -
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terá de ser um conhecimento que o habilite a fazê-lo e não um qualquer


conhecimento, fruto de conjecturas mais ou menos alicerçadas. Neste
sentido, uma vez que o «direito que compete ao lesado» emerge da
verificação dos requisitos da responsabilidade civil, compreende-se que a
jurisprudência dos tribunais superiores tenha acolhido essa verificação,
profusamente, como marco a considerar para efeitos de contagem do
prazo de prescrição previsto no artigo 498º do CC [ver, entre outros, AC STA
de 04.11.2009, Rº01076/07; AC STJ de 04.11.2008, Rº08A3127; AC STJ de 21.03.2006,
Rº06A411; AC STJ de 18.04.2002, Rº02B950]. Mas tem também salientado a
jurisprudência, a esse respeito, que um tal conhecimento pelo lesado do
direito que lhe compete «não significa, necessariamente, conhecer na perfeição e na
sua integralidade todos os elementos que compõem o dever de indemnizar, não se
traduzindo na consciência de que haja uma possibilidade legal de ressarcimento» - ver,
entre outros, e por mais recente, AC do STA de 02.07.2020, Rº0368/08.0BECTB. Ou
seja, deverá ser um conhecimento que, embora empírico, porque do
lesado, se traduza na consciência de que tem direito a uma
indemnização porque alguém o lesou indevidamente.

Como se afirmou em acórdão deste tribunal de revista, esse


conhecimento «…não tem de ser um conhecimento jurídico, bastando que o lesado
conheça os factos constitutivos do direito, ou seja, esteja em condições de formular um
juízo subjectivo pelo qual possa qualificar, aquele acto, como gerador de responsabilidade,
e seja perceptível que sofreu danos em consequência dele…» [AC STA de 21.11.2013,
Rº0929/12].

No presente caso, teremos de determinar qual a data em que o lesado


teve conhecimento do direito que lhe compete com base nos factos que
nos são fornecidos pelas instâncias - artigo 150º, nº4, do CPTA - se bem que
eles se manifestem bastante precários.

O acórdão recorrido elegeu como data desse conhecimento o dia do


decesso da esposa e mãe dos autores, ou seja, o dia 10.08.2008.
Relativamente a isto apenas sabemos que ela foi operada a 04.08.2008 e
que faleceu 6 dias depois.

Não podemos ignorar que estamos no âmbito da responsabilidade


médica, melindrosa, sempre difícil de apurar, porque contende com a
observância das chamadas legis artis, e, portanto, de difícil captação pelo
comum dos mortais. Não é crível, pois, que apenas com base no
falecimento da sua esposa, e mãe, mesmo que ocorrido a escassos 6
dias da respectiva cirurgia, os autores tivessem conhecimento relevante
do direito em causa, para efeitos de início de contagem do prazo de
prescrição. Dúvidas, conjecturas, suposições certamente que as
poderiam ter, é normal, mas isso não chega face ao que já deixamos dito
para consubstanciar o conhecimento do direito de indemnização que lhes
compete, até porque, como veio a apurar-se posteriormente, no âmbito
do processo criminal, a censura dirigida aos médicos é a título de
«negligência inconsciente» [artigo 15º alínea b), do CP], o que significa a linha
mais ténue da censura ético-jurídica indispensável para a sua
responsabilização.

Da «matéria de facto provada» teremos de concluir que esse


conhecimento relevante só ocorreu a 21.01.2011, com a «dedução de
acusação contra os médicos» que assistiram a sua esposa e mãe
G…………………. Apenas então, com a acusação, os autores souberam
que o dano daquela morte, e os danos colaterais, patrimoniais e morais,
a ela associados, seriam de imputar à conduta profissional dos médicos.
Isto é, apenas então os autores, enquanto lesados, estariam em
condições de «conhecer» o direito que lhes assistia a serem
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indemnizados. A partir de então, o prazo de prescrição começa a contar,


o tempo começa a «correr contra eles».

Obviamente que começando o prazo de prescrição de 5 anos a contar a


partir dessa data, 21.01.2011, quando os autores intentaram a «acção
cível» no tribunal judicial de Sintra, em 17.04.2015, fizeram-no
perfeitamente a tempo, ou seja, numa altura em que o seu direito a
reclamar uma indemnização ainda não estava prescrito.

E isto bastaria, desde logo, para revogar o acórdão recorrido e manter na


ordem jurídica a decisão da 1ª instância sobre a questão da prescrição
do direito dos autores.

Porém, o TAF julgou improcedente a excepção peremptória com


diferentes fundamentos, e, na sua esteira, o recorrente da revista
também vem defender que, no caso, se aplica o «princípio da adesão»
do pedido cível à acção penal, e que, por via disso, tal como a 1ª
instância entendeu, nunca o direito dos autores podia estar prescrito em
17.04.2015, já que o prazo de prescrição, de 5 anos, teria estado
continuamente interrompido durante a pendência do processo criminal.

Em ordem a apreciar todo o «objecto» da revista, constante das


respectivas conclusões, mas sem esquecer que a decisão judicial visa
resolver um determinado litígio, tendo, por isso, um escopo
eminentemente «prático», e não meramente académico, apreciaremos
ainda essa vertente do objecto da revista mas apenas «naquilo que tiver
de útil» para a resolução deste caso concreto.

4. Segundo o «princípio da adesão», que se encontra consagrado no


artigo 71º do CPP, «O pedido de indemnização civil fundado na prática de
um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em
separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei», e estes
casos são os previstos no artigo 72º, segundo o qual, além do mais, «O
pedido de indemnização cível pode ser deduzido em separado, perante o
tribunal civil, quando: […] f) For deduzido contra o arguido e outras
pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas
haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido;
[…]».

Este «princípio geral da adesão» [artigo 71º], que nos casos previstos
neste artigo 72º se transmuta num «princípio de opção», fundamenta-se
essencialmente em vantagens que dele resultam para a vítima do crime -
que economizaria tempo e dinheiro -, e em vantagens de «interesse geral» - com
repercussão na descoberta da verdade material, a que tende o processo penal, no
afastamento do perigo de contradição de julgados, entre o civil e o penal, e mesmo a nível
de prevenção geral e especial, já que à pena, em si, é acrescentada a indemnização pelos
danos sofridos.

A pertinente questão de saber se o princípio geral da adesão se aplica


também aos casos em que o pedido de indemnização se funda na
responsabilidade extracontratual dos poderes públicos não se impõe,
neste caso, e face à economia do processo, de modo útil à nossa
apreciação. Apenas anotaremos a tal respeito - porque na sequência do que já
referimos -, que os fundamentos nucleares que levaram o legislador a
consagrar o «princípio da adesão» se verificam, também, nesses casos
de responsabilidade extracontratual cabíveis na «área da jurisdição
administrativa».

É
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É que, no nosso caso, tendo começado por demandar no tribunal judicial


os condenados no processo-crime – C……………… e D……………. -
juntamente com entidades com responsabilidade meramente civil - hospital
e seguradora -, os aí autores encontrariam sempre conforto jurídico no
princípio da opção, nomeadamente na opção facultada pela alínea f) do
artigo 72º do CP supra citada - note-se que a «conclusão XIII» das alegações de
revista supõe ter sido deduzido pedido cível no âmbito do processo criminal, o que,
efectivamente, é confirmado no «relatório» da sentença penal junta aos autos. Porém isso
não consta nem directa nem indirectamente da factualidade provada.

E daí decorre que, mesmo a aceitar-se que a responsabilização


extracontratual dos poderes públicos obedece também ao princípio geral
da adesão, o certo é que ele não funcionou no presente caso, tendo os
autores optado por deduzir o pedido cível em separado. Isto significa que,
uma vez verificada a tempestividade do exercício do direito dos autores
com base na regra consagrada no nº1 do artigo 498º do CC - para que
remete o «artigo 5º da Lei nº67/2007 - não importará conjecturar sobre uma
eventual repercussão da pendência do processo-crime sobre o prazo de
prescrição cível.

5. Impõe-se, assim, revogar o acórdão recorrido, e manter na ordem


jurídica a decisão da 1ª instância no sentido do julgamento de
improcedência da invocada «prescrição do direito dos autores», mas com
o actual fundamento.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento a este recurso de


revista e revogar o acórdão recorrido, mantendo-se o decidido pelo
TAF com o actual fundamento.
Custas pela recorrida.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator


atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros ANA
PAULA PORTELA e ADRIANO CUNHA - têm voto de conformidade.

Lisboa, 8 de Abril de 2021

José Veloso

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