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Texto Integral
I- O presente recurso vem interposto, nos termos do artigo 150º do CPTA, do douto
acórdão proferido pelo TCAS que deu provimento ao recurso interposto que pugnava pela
procedência da alegada excepção de prescrição do direito indemnizatório dos réus;
II- Estamos perante uma questão jurídica controversa, de relevância fundamental e que
justifica o presente recurso, para uma melhor aplicação do direito;
III- Nos casos em que esteja em causa responsabilidade extracontratual do Estado por
factos ilícitos e que os factos praticados constituam crime, está ou não obrigado o lesado a
deduzir o pedido de indemnização cível no processo? Está o lesado obrigado a ficar numa
situação em que o prazo de prescrição ocorra passados 3 anos, sem que este veja
acusação proferida, não podendo assim jamais pugnar pelo seu direito? Podendo os
factos praticados constituir crime, o lesado apenas estará em condições de poder exercer
o seu direito quando os factos concretos do processo determinarem que, efectivamente,
existiu crime? Ou ao invés deve o lesado logo exercer o seu direito independentemente de
verificados os factos que provam a existência de crime?
IV- Tais questões são juridicamente controversas e levantam-se não só nos presentes
autos, como em possíveis outras acções que venham a ser intentadas com o mesmo
fundamento;
VI- O acórdão recorrido entendeu que o artigo 5º do RRCEE, não opera uma remissão
genérica ou global para o regime de prescrição previsto no Código Civil, mas antes para o
regime da prescrição previsto no âmbito da regulação da responsabilidade civil
extracontratual por factos ilícitos;
VII- Considera assim o aresto recorrido que o artigo 5º do RRCEE, remete apenas para o
artigo 498º do CC, na medida em que este disciplina de forma única, quer o prazo, quer o
termo inicial da contagem do prazo de prescrição;
IX- Não podemos admitir que as regras de prescrição do direito de indemnização, fundada
no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas
públicas possam ser interpretadas de forma a o Estado poder ser desresponsabilizado
pelo decurso de um prazo mais curto, do que qualquer outro sujeito processual;
X- Não se considera ser incompatível a aplicação dos regimes do nº1 do artigo 306º e do
artigo 498º do CC, já que o direito pode ser exercido no prazo de 3 anos a contar data em
que o lesado teve conhecimento do seu direito, mas apenas nas situações em que o
possa exercer;
XI- Nas situações em que o lesado não esteja em condições de exercer o seu direito, não
o fará, começando a contar o prazo no momento em que o mesmo possa ser exercido;
XII- Também não se aceita a interpretação e aplicação feita pelo acórdão recorrido no que
respeita aos artigos 71º e 72º do CPP;
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XIV- O único facto conhecido era a morte da esposa do aqui recorrente devido a uma
ruptura da aorta, durante uma cirurgia para retirar a banda gástrica;
XV- Pelo menos até à dedução da acusação [ou arquivamento] não poderia o aqui
recorrente exercer o seu direito, nem o mesmo poderia prescrever por não se verificar o
seu termo inicial;
XVI- Apenas após a acusação o aqui recorrente poderia exercer o seu direito, como fez,
deduzindo o pedido de indemnização cível;
XVIII- Mesmo que se defendesse que apenas seria de aplicar o artigo 498º do CC, no que
respeita ao prazo inicial da prescrição, o certo é que o nº3 desse mesmo artigo alarga o
prazo de prescrição de acordo com o ilícito criminal praticado;
XIX- Não se pode defender que o prazo de prescrição no caso dos autos é de 3 anos a
contar do falecimento da esposa do autor, aqui recorrente, já que para o crime praticado, o
prazo de prescrição seria de 5 anos;
XX- O pedido de indemnização civil poderia ter sido conhecido pelo mesmo tribunal que
condenou os arguidos, ao contrário do que também é sufragado no sempre douto acórdão
de que se recorre;
XXVI- Não se pode dizer que a aplicação do nº1 do artigo 306º, e do nº1 do artigo 498º, do
CC, são incompatíveis, porque admitem aplicação conjunta de acordo com o caso
concreto;
XXVII- Da aplicação das regras previstas no artigo 5º do RRCEE e do nº1 do artigo 498º
do CC resulta que o prazo de prescrição se inicia a contar da data em que o lesado tiver
conhecimento do direito que lhe compete, a não ser que nessa data não o possa exercer,
por estar obrigado a deduzir o pedido no processo-crime, caso em que começará a contar
da data em que tal direito possa ser exercido;
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XXXI- Ou ainda o AC do TCAS de 21.04.2016, processo nº13102/16, que refere que não
se pode julgar verificada a prescrição sem se saber se os factos alegados, susceptíveis de
integrar o tipo legal de crime, ocorreram ou não;
XXXII- Está aberta a possibilidade de aplicação do nº1, do artigo 306º do CC, por
articulação com o nº3 do artigo 498º do CC, não se violando, de qualquer modo, o
estipulado no artigo 5º RRCEE;
XXXIV- Qualquer facto interruptivo que possa ser oposto aos agentes, pode ser oposto a
quem, em nome e no interesse estavam a agir e praticaram os factos geradores de danos
indemnizáveis;
XXXVI- A citação do réu nos presentes autos teve a virtualidade de interromper o prazo de
prescrição previsto no nº3, do artigo 498º, uma vez que não havia ainda passado 5 anos
da data da acusação proferida no processo-crime;
I- O recurso ora sob resposta vem interposto pelo recorrente do acórdão proferido pelo
TCAS a 18.06.2020, que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição,
absolvendo a ora recorrida do pedido;
III- Não só o recorrente não logrou demonstrar, conforme lhe competia, o preenchimento
dos referidos requisitos, como os mesmos não se verificam no caso dos autos;
IV- Com efeito, está em causa uma questão de diminuta complexidade jurídica, a qual não
tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina;
VI- De resto, a decisão do tribunal «a quo» baseia-se num raciocínio lógico, coerente e
cristalino, pelo qual são enunciadas as normas jurídicas relevantes que foram aplicadas ao
caso, deixando-se expressa a interpretação que motivou a decisão final, pelo que nunca
se poderia afirmar ser claramente necessária uma melhor aplicação do direito;
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IX- É manifesto que o legislador quis excluir da remissão operada pelo artigo 5º do
RRCEE as normas que se encontram nos artigos 300º a 308º do CC [disposições gerais],
nos artigos 309º a 311º [prazos de prescrição] e nos artigos 312º a 317º [prescrições
presuntivas];
X- Se assim não fosse, perante uma letra da lei tão cristalina que remete para um círculo
de normas expressamente determinado, teríamos forçosamente de concluir que o
legislador se encontraria sempre sujeito ao ónus inultrapassável de nomear singularmente
todas as outras disposições que desejasse excluir do âmbito da remissão, o que se
encontra claramente desprovido de sentido;
XI- Em paralelo, a norma do artigo 9º, nº3, do CC, impõe ao intérprete a obrigação de
presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados;
XII- De resto, uma interpretação do artigo 5º do RRCEE e dos artigos 306º e 498º do CC
mediante a qual se considerasse que o prazo de prescrição só começa a correr após o
trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo penal é inconstitucional,
por violação do disposto nos artigos 2º e 3º, nºs 1 e 2 da CRP;
XIII- Tudo implicando que, para efeitos do início da contagem do prazo de prescrição da
putativa responsabilidade civil da ora recorrida deve ter-se apenas em conta o disposto no
artigo 498º do CC, como bem se decidiu no acórdão recorrido;
XIV- Ora, conforme se encontra provado nos presentes autos, o momento a partir do qual
o recorrente tomou conhecimento do direito que lhe competia ocorreu em 10.08.2008, data
do falecimento de G………….;
XV- A partir dessa data, verificou-se o conhecimento empírico por parte do recorrente do
facto ilícito e danoso que, em abstracto, poderia levar à sua pretensão indemnizatória;
XVII- Em segundo lugar, a aplicação simultânea do disposto nos artigos 498º e 306º do
Código Civil é manifestamente incompatível;
XVIII- Tanto mais que a norma do artigo 498º do Código Civil constitui norma especial face
à norma geral do artigo 306º do mesmo diploma;
XIX- O artigo 306º do Código Civil consubstancia uma regra geral em matéria de
prescrição, como bem se depreende do seu enquadramento sistemático, encontrando-se
o mesmo previsto na subsecção relativa às disposições gerais sobre matéria;
XX- Foi intenção clara do legislador adoptar um regime especial para o termo inicial da
contagem do prazo de prescrição quando está em causa a responsabilidade civil
extracontratual [nº3 do artigo 9º, do Código Civil];
XXI- Sendo aquele artigo 498º, nº1, do Código Civil, uma norma especial em relação ao
artigo 306º, nº1, do Código Civil, o termo inicial do prazo de prescrição nele previsto
aplica-se preferencialmente no seu domínio específico de aplicação - isto é, da
responsabilidade civil extracontratual -, ficando afastado o regime daquela última norma;
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XXII- Não encontra qualquer sustentação legal o entendimento de acordo com o qual deve
ser afastada a norma do artigo 498º, nº1, se o lesado estiver impedido de exercer o seu
direito na data em que teve conhecimento do mesmo, o que, de resto, não se verificou no
presente caso;
XXIII- Este tipo de situações encontram-se acauteladas pelo artigo 321º, nº1, do Código
Civil, mediante o qual fica suspensa a contagem do prazo de prescrição nos últimos três
meses quando o titular do direito se encontre impedido de fazer valer esse direito;
XXIV- Em terceiro lugar, no caso dos presentes autos, não existe nenhuma causa jurídica
que impedisse o exercício do direito, em particular, o recorrente não estava sujeito ao
princípio da adesão;
XXV- Nos termos do artigo 72º, nº1, alínea f), do Código de Processo Penal, o pedido de
indemnização cível do recorrente nunca esteve sujeito ao princípio da adesão, donde
resulta que o recorrente estava em condições de exercer o seu putativo direito desde
10.08.2008, isto é, desde a data em que G………….. veio a falecer;
XXVI- A responsabilidade civil emergente de crime a que se refere o artigo 71º do Código
de Processo Penal é aquela que poderia ser efectivada perante o «tribunal civil» e cuja
disciplina substantiva se encontra «regulada pela lei civil», conforme prevê o artigo 129º
do Código Penal;
XXVIII- Não sendo os tribunais comuns competentes para julgar tal acção de
responsabilidade civil, impunha-se mesmo ao recorrente que tivesse instaurado acção
autónoma, nos tribunais administrativos;
XXX- De resto, não tendo sido parte no processo-crime, a recorrida nunca foi notificada de
qualquer acusação, despacho de pronúncia ou despacho que designasse dia para a
audiência de julgamento, não tendo igualmente sido deduzido qualquer pedido de
indemnização cível, naquele processo, contra a ora recorrida e, nesses termos não se
verificou qualquer facto interruptivo da prescrição quanto à ora recorrida, sendo evidente
que, para este efeito, é absolutamente irrelevante a eventual interrupção da prescrição
quanto aos restantes réus, resultante daqueles factos;
XXXI- Acresce que, a mera pendência de um processo penal não constitui, por si só, uma
causa interruptiva do prazo de prescrição, sendo certo que o artigo 306º [o qual, de resto,
nem sequer é aplicável] também não prevê, em si, uma causa de interrupção do prazo de
prescrição, mas antes uma regra geral quanto ao termo inicial para esse prazo de
prescrição;
XXXII- Nestes termos, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3, do artigo 498º, do Código Civil,
é manifesto que qualquer hipotético direito de indemnização do recorrente, com
fundamento na responsabilidade civil extracontratual da recorrida já prescreveu, porquanto
a acção de condenação apenas foi instaurada em 17.04.2015 [e a ora recorrida apenas
citada em 24.04.2015], ou seja, cerca de 6 anos e 8 meses desde que tomaram conhecido
do putativo direito;
XXXIII- Em face do exposto, é evidente que o recurso interposto pelo recorrente carece de
fundamento, devendo o mesmo ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão
recorrido.
3. O recurso de revista foi admitido por este STA - Formação a que alude o nº6
do artigo 150º do CPTA.
II. De Facto
A) Da 1ª instância:
- Em 21.01.2011, foi deduzida acusação no processo de inquérito criminal;
- Em 14.06.2013, foi proferida a sentença criminal [folhas 21 e seguintes dos autos], que
condenou os réus médicos pela prática de um «crime de homicídio negligente», previsto e
punido pelos artigos 15º, alínea b) [negligência inconsciente], e 137º, nº1, do CP.
7) Em 11.10.2016 os citados autos foram remetidos para o TAF de Sintra - ver SITAF.
III. De Direito
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b), 118º nº1 alínea c), e 137º nº1, do Código Penal [CP]; o termo inicial da
sua contagem será o dia 10.08.2008, data do falecimento de
G……………………. - esposa e mãe dos autores, respectivamente - e,
simultaneamente, dia em que os autores - enquanto lesados - tiveram
«conhecimento» do seu direito; porém, tal contagem manteve-se
interrompida até ao trânsito em julgado da sentença criminal que
condenou os 2 médicos, o que decorrerá da aplicação conjugada dos
artigos 71º e 72º do Código de Processo Penal [CPP] e 306º do CC.
Vejamos.
órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do
artigo 498º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria
de suspensão e interrupção da prescrição» - faz uma remissão material para
normas de direito privado - artigo 498º, 318º a 322º [suspensão da prescrição], 323º
a 327º [interrupção da prescrição], todos do CC - em atenção ao seu conteúdo,
operando uma importação e incorporação, pelo direito de indemnização
por responsabilidade pública, de normas originárias do direito privado.
Mas isto não quer dizer que estejamos perante normas antagónicas, mas
antes, no caso do artigo 498º, nº1, perante a fixação especial do termo
inicial de contagem do prazo de prescrição que, no fundo, concretiza a
norma geral ínsita no dito artigo 306º. Isto é, o nº1, do artigo 498º do CC,
não traduz propriamente um afastamento do usual início de contagem do
prazo de prescrição que consta do nº1, do artigo 306º, antes concretiza,
ou explicita, quando se deverá considerar exigível o direito de
indemnização fundada em responsabilidade aquiliana. Assim, do mesmo
modo que o prazo de prescrição, normal, não se inicia na data da
celebração do contrato sempre que o credor não esteja, nessa altura, em
condições de exigir o seu cumprimento - nomeadamente nas «obrigações com
prazo» em benefício do devedor -, analogamente não se poderá aceitar que o
«direito» do lesado a uma indemnização comece a prescrever em
momento em que ele «ainda o desconhece». Em ambos os casos, não
seria curial e aceitável prejudicar o credor, uma vez que, em rigor, o não
exercício do seu direito não está associado a qualquer inércia ou incúria
da sua parte.
Este «princípio geral da adesão» [artigo 71º], que nos casos previstos
neste artigo 72º se transmuta num «princípio de opção», fundamenta-se
essencialmente em vantagens que dele resultam para a vítima do crime -
que economizaria tempo e dinheiro -, e em vantagens de «interesse geral» - com
repercussão na descoberta da verdade material, a que tende o processo penal, no
afastamento do perigo de contradição de julgados, entre o civil e o penal, e mesmo a nível
de prevenção geral e especial, já que à pena, em si, é acrescentada a indemnização pelos
danos sofridos.
É
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25/04/2021 Acordão do Supremo Tribunal Administrativo
IV. Decisão
José Veloso
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