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CENTRO 

DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ­ CCH 
PROGRAMA DE PÓS­GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ­ PPGH 
 
 
 
 
Tema: A produção de história pública e a memória da escravidão no Brasil 
 
 
 
Baía Formosa e a divulgação do passado histórico no tempo presente 
 
 
 
Candidata: Caroline Bárbara Ferreira Castelo Branco Reis 
(2015) 
 
 
 
 
 
 
 


 
I ­ Introdução 
Como  historiadora,  identifico  desde  a  graduação,  a  importância  em  valorizar,  divulgar  e 
construir  conhecimento  histórico  sobre  o  passado  de  escravidão  de  diversos  africanos  no  Brasil. 
Esse  interesse  surge  não  apenas  pelo  desejo  em  compreender  e  revelar  o  contexto  de violência e  
opressão  vivido  por  esses  grupos,  mas  também  de identificar e analisar as ações  que divulgam as 
histórias  e  memórias  do  passado  escravista  no  tempo  presente.  Nos  últimos  dois  anos,  entre  as 
ações  de  divulgação  mais  recentes,  estão  a  formação  da  Comissão  Nacional  da  Verdade  da 
Escravidão,  que  tomou  posse  em Brasília no dia  6  de fevereiro de 2015, uma iniciativa  da Ordem 
dos  Advogados  do  Brasil,  que  claramente tem como inspiração a Comissão Nacional da Verdade 
instituída  em  16  de  maio  de  2012,  ligada  aos  crimes  da  ditadura  civil­militar  no  país  e  o projeto  
Passados  Presentes:  memória  da  escravidão  no  Brasil​
,  um  trabalho  desenvolvido  pelo 
Laboratório  de  História  Oral  e  Imagem/UFF  encabeçado  pelas  historiadoras  Keila 
Grinberg/UNIRIO,  Hebe  Mattos/UFF  e  Martha   Abreu/UFF  desde 2014, com o financiamento do 
Edital Petrobras Cultural 2012 e apoio do convênio FAPERJ/Columbia Global Center.   
Sobre  a  implementação  da  Comissão  da  Verdade  da  Escravidao,  de  acordo  com  Marcus 
Vinicius  Furtado  Coelho,  presidente  nacional  da  OAB,  esta  é  uma  ação  afirmativa  cujo intuito é 
de  não  apenas  contribuir  com a valorização da memória da escravidão, mas também de reforçar a 
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importância  das  ações  de  afirmação  como método de reparação aos grupos negros ​
. Advogados e 
historiadores  compõem  o  conjunto  de  membros  selecionado  pela  OAB  para  dar  início  aos 
trabalhos  que  têm  objetivos  e   propostas  voltados  para  a  análise  e  investigação  dos  detalhes 
referentes aos crimes cometidos contra africanos e  seus descendentes no período de escravidão no 
país, bem como identificar os principais responsáveis por esses crimes. 
Passados  Presentes  ​
Com  o  projeto  ​ a publicização da história da escravidão e da trajetória 
de  africanos  e seus descendentes no Brasil torna­se ainda mais real. Uma  das principais propostas 
é  desenvolver  “um  aplicativo  de  geo­localização   para  o  turismo  de  memória,  iniciando  com 
quatro  roteiros  ligados  ao  patrimônio  imaterial  do  Rio  de  Janeiro  (jongos,  quilombos  e  lugares 

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  ​
Disponível  em: 
http://www.oab.org.br/noticia/28065/comissao­da­verdade­da­escravidao­negra­toma­posse­na­oab­nacional​

Acessado em: 21/07/2015. 


históricos  da  capoeira)  listados no Inventário UFF/UNESCO dos  Lugares de Memória do Tráfico 
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Atlântico  de Escravos e  dos Africanos Escravizados no Brasil” ​
, bem como a organização de uma 
exposição  permanente  e  de  um  roteiro  histórico  para  o  Cais  do  Valongo,  no  Rio  de  Janeiro.  Os 
moradores  das  comunidades  remanescentes  de  quilombo  de  São  José  da  Serra,   em  Valença/RJ, 
Santa  Rita  do  Bracuí,  em  Angra  dos  Reis/RJ  e   da  cidade  de  Pinheiral  estão  diretamente 
envolvidos  com  os  trabalhos  ligados  ao  projeto  indicando  os  lugares  que  estarão  nos  roteiros 
turísticos mapeados por satélite e registrados no aplicativo.  
Ambas  iniciativas  sinalizam  a   intensa  mobilização  de  agentes  e  instituições  em  torno  da 
reparação  e  divulgação  do  passado  escravista  no  país  e  evidenciam  a  importância  de  tornar 
pública  a  história  e  a  memória  não  apenas  da  escravidão  e   seus  efeitos,  mas  também  da 
experiência  africana  e  de  seus  descendentes  no  Brasil,  além  de  possibilitarem  o  diálogo  entre  o 
meio  acadêmico  e  não  acadêmico.  ​
Há,  a  meu  ver,  urgência  em  trabalhar  na  construção  de  uma 
consciência  histórica  que  cada  vez  mais  compreenda  o  processo da escravidão não pela cor, nem 
pelas  chibatas,  tão  pouco  pela  submissão,  mas  sim pelo protagonismo de homens e mulheres que 
mesmo na condição de escravos foram sujeitos da própria história. 
Nesse  sentido,  acredito  que  tanto  as  pesquisas  acadêmicas,  quanto  a  produção de história 
pública  referentes  a  passados  traumáticos  precisam  se  conectar  à  luta  por  direitos humanos, com 
o  intuito  de  evitar  que  se  olhe  para  o  passado  de  forma  acrítica  e  sem  transformações, 
contribuindo  para  a  formação  de  olhares  menos  vitimizadores  e  mais  conscientes  dos  processos 
de  luta e resistência vivenciados por grupos e sujeitos históricos, o que contribui, por exemplo, na 
luta  contra  o  racismo  e  na  valorização  da  cultura afro nos dias de hoje. Em entrevista ao jornal O 
Globo,  o  historiador  Andreas  Huyssen,  falou  sobre  a  importância  de  fazer  com  que   os  estudos 
relacionados  à memória estejam conectados não apenas com a divulgação e entendimento sobre o 
passado, mas com as demandas do presente e preparação para o futuro. Para ele: 
Uma abordagem que relacione os dois discursos [memória e direitos  humanos] me parece mais 
frutífera  para   ambos.  Nos  EUA   e   Europa,  há  cada  vez  mais  estudos  sobre  memória,  muitos 
deles  apenas  autoindulgentes,  sem  vitalidade  política.  Um  risco   do  discurso  da  memória  é 
buscar  legitimação  para  o   presente  olhando  para  o  passado,  mas  sem  pensar  no  futuro.  Já  o 

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 ​
Disponível  em:  ​
http://conversadehistoriadoras.com/2015/06/30/memoria­da­escravidao­no­brasil/​
.  Acessado  em: 
21/07/2015. 


discurso  dos  direitos  humanos  olha  também  para  o   futuro,  porque  deseja  transformar  a 
legislação.  Por  outro  lado,   o  típico   discurso  liberal  sobre  os  direitos  humanos  individuais 
muitas   vezes  não  presta  atenção  na  história,  nem  nas   culturas  locais  fazendo  uma  mera  
transposição de  valores ocidentais para contextos  onde essas  questões se estruturam de outras 
formas.  Quando   falamos  de  direitos  culturais  de  minorias,  seja  na  Ásia  ou  na  Amazônia,  o 
discurso  da  memória  pode  abrir  caminho  para  a  compreensão  de  particularidades  históricas e 
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sociais que o discurso de direitos humanos individuais relega ao segundo plano.  

 
A  produção  de  história  pública  é  uma  discussão  que  ganha  força  no  cenário 
historiográfico  e  cada  vez  mais  movimenta  a  produção  de  discursos  históricos   e memorialísticos 
voltados  para  o  grande  público.  Para  além  de  se  tornar  um  nicho  de  trabalho  para  profissionais 
que  não  querem  ou  não  conseguem  ingressar  em  instituições  acadêmicas  e  escolares,  a  história 
pública  relaciona­se  a  outros  propósitos  que  vão  além  dos  programas  de  pós­graduação  e  de 
pesquisa.  Passa  pela  relação  com a consciência histórica, assim como pela  relação com memórias 
individuais  e  coletivas,  pela  mobilização  de  comunidades,  entre  outros.  Há  cada  vez  mais  a 
urgência  em  não  apenas  refletir  sobre  a  importância  de  se  construir  discursos  problematizados, 
mas  de  pensar  os  caminhos  que  conduzem  os  trabalhos  de  história  pública  a  alcançarem 
resultados  de  qualidade,  o  que  a  meu  ver  dialoga  com  os  incentivos  direcionados  a  participação 
do historiador na organização de atividades direcionadas ao público não especializado. 
O acesso ao conhecimento histórico é irrestrito através da história pública e pode se dar de 
algumas  maneiras,  como  através  dos  bancos  escolares,  dos  chamados  “lugares  de  memória”,  da 
produção  de  documentários,  filmes  de  viés  histórico,  etc.  Todos  esses  exemplos  são 
compreendidos  como  canais  de  divulgação  de  histórias  e  memórias,  que  não  excluem 
necessariamente  um  caráter  historiográfico  e  científico.  Assim,  o  processo  de  formação  de  uma 
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educação   histórica  do  senso  comum  mantém  diálogo  com  o  universo  acadêmico ​
.  A  história 
pública  leva  a  história  científica  à  praça  pública,  discute   problemas  históricos  semelhantes  ­  se 
não idênticos ­ aos da história produzida academicamente.  

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  ​
Entrevista  cedida  por   Andreas  Huyssen  ao  jornal   O  Globo,  no  dia  24/05/2014.   Disponível  em: 
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2014/05/24/usos­abusos­da­memoria­entrevista­com­andreas­huyssen­53
6931.asp​ . Acessado em: 21/06/2014. 
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ALBIERI,  Sara.  "História  pública   e  consciência  histórica"  In:  ALMEIDA,   Juniele  Rabelo  de;  ROVAI,  Marta 
Gouveia de Oliveira (Orgs). ​Introdução à história pública. ​ São Paulo: Letra e Voz, 2011, p.19­28. 


Diante  disso,  acredito  ser  imprescindível  trazer  à  tona  o  debate  em  torno  dos  diferentes 
campos  de  atuação  do  historiador.  Primeiro,  porque  essa  é  uma  discussão  que  reforça  a 
necessidade  de  refletir sobre a função social da carreira do profissional da história; pensar sobre o 
seu  papel  na  sociedade  dos  dias  de  hoje,  papel  esse  que  está  ligado,  principalmente,  a  um 
alargamento  dos  campos  de  atuação  do  historiador,  o  que  com  frequência  não  ocorre  em  função 
de  uma  desvalorização  curricular  que  se  atribui  aos  trabalhos  com  a  história  pública  e  com  a 
educação   básica.  Os  próprios  cursos  de  graduação  quase  não  incentivam  tal  reflexão  e  pouco 
estimulam os graduandos a compreenderem a importância de agregar os saberes científicos com o 
que  é  produzido  para  o  grande  público  e  para  estudantes escolares. Segundo, porque o campo do 
turismo  histórico  cultural  vem  crescendo  com  força  ao  longo  do  tempo  e  cada  vez  mais  com  o 
propósito  de  organizar  eventos  e  atividades  culturais,  cujas  narrativas  divulguem  informações  e 
contextos  históricos.  A  atuação  do  historiador,  nesse  sentido,  dará  teor  científico  ao  que  está 
sendo  produzido  para  o  grande  público  justificando a importância de incentivar a  participação do 
profissional da história na produção de história pública. De acordo com Keila Grinberg: 
(...)  São  pouquíssimos  os  cursos  de  graduação  em  história  que  têm  disciplinas  como  
“Patrimônio”  ou  “Relações  internacionais”  em  seus  currículos.  Candidatos  a  historiadores 
pouco   estagiam  em  museus  ou   em  centros  culturais.  Mesmo  a  área de  ensino  de  história  na 
educação   básica  é  frequentemente  negligenciada.  O  resultado  disso  é  que  a  maioria  dos 
graduados  na  área  foge  das  salas  de  aula dos ensinos fundamental e médio e nenhum curso de 

pós­graduação  se  dedica   a   formar  professores  para  a  educação  básica.   ​ Seguindo  esse 
(...)   ​

padrão,   perdemos  todos:  pesquisadores,  professores  e  alunos;  perdem  os  programas  de 
pós­graduação,  viciados  em  produzir  apenas  o  que  é  bem  pontuado   na  avaliação  da  Capes; 
perdem  os  alunos  universitários,  que  têm  uma  formação  voltada  para  um  trabalho  que 
dificilmente  exercerão  e  que  deixam   de  ser  qualificados  em  competências  que  fatalmente 
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deverão desenvolver.  

O  campo  do  turismo  histórico  cultural  possui  relevante  papel  nos  projetos  de  divulgação 
da  história  ao possibilitar a difusão  de diversos trabalhos de história pública para além do circuito 
midiático.  Na  região  do  Vale  do  Paraíba  fluminense,  desde  a  década  de  1990,  proprietários  de 
fazendas  históricas  investem  na  recepção  de  turistas  e  atualmente  conseguem  movimentar  um 

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  ​
GRINBERG,  Keila.  ​ Historiadores  pra  quê?  In  Revista  Ciência  Hoje,  09/03/2012.  Disponível  em: 
. Acessado em: 14/09/2014. 
http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/em­tempo/historiadores­pra­que​
 

intenso  fluxo  de  visitantes  em  suas  propriedades,  sobretudo,  nos  períodos  que  ocorrem  festivais 
gastronômicos  e  culturais   na  região,  como  o  ​
Festival  Vale  do  Café  e  o ​
Festival Café, Cachaça e 
Chorinho​
.  As  fazendas  Florença,  em  Conservatória/RJ,  Ponte  Alta,  Arvoredo  e  Taquara,   em 
Barra  do  Piraí/RJ  e  São  Luís  da  Boa   Sorte,  em  Vassouras/RJ,  são exemplos de propriedades que 
fazem  parte  do  roteiro  histórico  da  região  e  através  da  organização  de  visitas  guiadas,  saraus  e  
uma  gama  de  serviços,  como  hospedagem,  almoços,  entre  outros,  conseguem  atrair  numeroso  e 
variado grupo de turistas, apostando fortemente na oferta de atividades culturais e de lazer. 
As  ações  em  torno  da  divulgação  do  passado  histórico  através  do  turismo  histórico 
cultural,  no  entanto,  não  estão  restritas  ao  trabalho  desempenhado  por   guias  e  proprietários  de 
fazendas  do  Vale  do  Paraíba  fluminense.  Comunidades  quilombolas como São José da Serra, em 
Valença/RJ,  cada  vez  mais  se  consolidam  como  territórios  de  identidade  e  protagonismo. 
Atualmente,  uma  das  principais frentes de ação da comunidade é a organização de visitas guiadas 
Festa  da Cultura Negra​
e  a  ​ . Ambos simbolizam algumas das articulações feitas pela comunidade 
que  possibilitam  manter  no  presente  a  memória  acerca  da  história  de  seus  antepassados,  bem 
como  divulgar  o  quilombo  nos  dias  de  hoje  para  o  grande  público.  A  festa  é  organizada  duas 
vezes  ao  ano  e  as  visitas  guiadas  são  agendadas.  Ambas  fazem  parte  do  circuito  do  turismo 
histórico  cultural  da  região  do  Vale  fluminense  e  são  divulgadas  pelo  ​
Guia  Cultural  do  Vale  do 
Café​

A  comunidade  São  José  da  Serra,  em  Valença/RJ,  é  apenas  um  dos  exemplos  de 
quilombolas  que  embarcaram  na  organização  de  atividades  culturais  com  o  intuito  de  divulgar o 
passado  histórico  e  realizar  a  manutenção  de  suas  lutas  e  reivindicações  enquanto  descendentes 
de  africanos  escravizados  no  país.  No  litoral  fluminense,  a  comunidade  quilombola  Baía 
Formosa,  em  Búzios/RJ,  cada  vez  mais  se  insere  no  circuito  do  turismo  histórico  através  da 
mobilização  de  lideranças  e  grupos de moradores interessados em não apenas contar a história do 
quilombo  e  usá­la  como  ferramenta  para  suas  demandas  atuais,  como  também  ampliar  o 
conhecimento  sobre  as  histórias  que  os  mais  velhos,  os  griôs  de  Baía  Formosa,  contam  para  as 
gerações  de  quilombolas  mais  recentes.  A comunidade luta para ganhar visibilidade e adquirir ao 
longo  do  tempo  não  apenas  o  reconhecimento  dos  limites  de  suas  terras,  mas  também  de  sua 


própria  identidade  enquanto  quilombo.  De  acordo  com  Elizabeth  Fernandes  Teixeira,  presidente 
da Associação de moradores do quilombo: 
 
Tudo  começou  na fazenda Campos Novos., que fica nas terras de  Baía Formosa e  a gente não  
vê  nada  nosso  em  lugar  nenhum.  Também sabemos pouca coisa  sobre nossa própria história. 
O  que  sabemos  é  o  que   os  nossos  griôs  contam,  porque  muitos   já  morreram  e   pouco  nos 
contaram.  (...)  Fomos  até  o  prefeito.  Falamos  com  ele.  A  gente   queria  um  terreno   para  
montarmos  uma  casa  de  farinha  e  um  restaurante.  Uma  área  pra  gente  dançar  ciranda, 
capoeira,  etc.  [...].   O  quilombo  começou  a  mais  ou  menos  quatro anos.  Começou  em 2011. 
Nós  fazíamos   parte  do  quilombo da  Rasa.  Nos  emancipamos,  porque  não  conseguíamos  ter 
visibilidade.   Então,  a  gente  ficava  dependente  do  quilombo  de  Rasa.  Por  isso,  solicitamos 
uma  reunião  com  o   pessoal  da  Fundação  Cultural  Palmares,  que  esteve   lá,   no  quilombo. 
Falamos  que  queríamos  nos  emancipar,  se  tornar  um quilombo. E a Fundação  falou que sim, 
porque  Baía  Formosa  era  um  bairro  e  Rasa  era  outro  (...)  Nós  temos  processo  de 
reconhecimento,  o  certificado  da  Fundação  Palmares,  mas  ainda  não  temos  a  titulação  da 
terra,  e  estamos   buscando  isso.  Nós  fomos  atrás  do  prefeito.  Pedimos  um  terreno  e ele  nos 
deu  uma  quadra.  Nós  montamos  o  projeto  do  que  queríamos  na  cartolina  e  levamos.  Aí  ele 
falou  que  nós  estávamos  sozinhos  arquitetando  tudo,  que  não  queríamos  a  contribuição  da 
Prefeitura.  Eu  rebati  e  disse   que  queríamos  sim  ajuda,  mas  que   a  comunidade  sabia  o que 
queria, que é divulgar a própria história. Diante disso, ele disse que realmente sabíamos o que 
estávamos  propondo,  que  isso  seria muito bom para Búzios, porque a região não tem turismo 
cultural. Então, ele disse que para Búzios seria bom e para  o mandato dele também seria bom. 
Por  isso  que  ele  está  apoiando o  projeto  da gente e a nossa titulação. Hoje tem um secretário 
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que está lá nos ajudando a fazer a topografia ​ .  
 
A  partir  da  fala  de  Elizabeth  Fernandes  é  possível  identificar  a  existência  de  disputas  de 
memória  entre  os  quilombos  de  Rasa  e  Baía  Formosa  tanto  pela  separação  entre  as  duas 
comunidades,  quanto  pela  fala  da  liderança  em  afirmar  que  houve  a  separação  “porque  a  gente 
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não  conseguia  ter  visibilidade,  então  a  gente ficava dependente do quilombo de Rasa” ​
. Ainda de 
acordo  com  ela,  a  iniciativa  pela  separação  não  foi  mobilizada  por  todos  os  moradores,  mas  por 
parte  deles  que  decidiram  ir  até  a  Fundação  Cultural  Palmares  e  a  Prefeitura  local  expôr  suas 
demandas.  Ao  aceitarem  a  proposta  de  separação  entre  os  quilombos,  tanto  a  Prefeitura  de 
Búzios,  quanto a Fundação Cultural Palmares deram início junto com boa parte dos moradores de 
Baía  Formosa  à organização de práticas culturais que passariam a ser  identificadas como próprias 
do  quilombo,  como  a ciranda, o artesanato, a gastronomia com comidas típicas ­ o escaldado ­, as 
histórias  referentes  ao  passado do quilombo contadas pelos griôs ­ os mais velhos da comunidade 

6
Entrevista cedida por Elizabeth Fernandes Teixeira, em Ferradura, Búzios/RJ, no dia 27/07/2015. 
 ​
7
 Idem. 

­,  bem  como  a  organização  da  Associação  de  Moradores  e  a  inserção  de  Baía  Formosa  em 
projetos  como  o  QUIPEA  ­  quilombos  no  projeto  de  educação  ambiental  ­  financiado   e 
organizado pela SHELL.  
Todo  este  contexto  nos  leva  à  busca  pela  compreensão  acerca  das  disputas  de  memória 
que  estão  em  jogo  no quilombo, além de  investigar os interesses que estão presentes no desejo de  
parte  da comunidade de Baía Formosa em divulgar suas histórias e manter sua trajetória ligada ao 
passado  de  escravidão  de  milhares  de  africanos  que  desembarcaram  nas  regiões  do  litoral  sul 
[esse  sul  se  refere  ao  do  Brasil  ou  ao  Rio  de Janeiro? Se for RJ é região norte, sul fluminense  é a 
região  do  vale  e  Mangaratiba]  para  servirem  como  mão  de obra escrava. Desse modo, o presente 
estudo  para  além  de   defender  a  produção  de  história  pública  como  ferramenta  de  divulgação  do 
passado  histórico  através  do  diálogo  com  as  produções  acadêmicas  pretende  investigar  de  que 
forma  grupos  como  comunidades  remanescentes  de  quilombo  estão  criando  narrativas  e  se 
apropriando  das  mesmas  para  tornar  pública  suas  histórias, bem como identificar de que maneira 
os  saberes  científicos  podem   contribui  e  dialogar  com  os  trabalhos  ​
desenvolvidos  por 
comunidades como Baía Formosa.  
 
II. Justificativa e relevância 
Pesquisas  e  reflexões  sobre  o  uso  da  história  pública  e  de  sua  importância  enquanto 
ferramenta  de  divulgação  histórica  ocupam  um  importante  espaço  no  cenário  acadêmico  entre 
pesquisadores  e  historiadores.   Cada  vez  mais  se  ampliam  os  debates  em torno da importância de 
se  investir  na  formação  histórica  do  grande  público  a  fim de contribuir com  a construção de uma 
consciência  histórica  mais  problematizada  sobre  os  fatos  e  contextos  históricos  do  passado  e  do 
presente.  Somado  a  isso,  ​
os  estudos  e  trabalhos  voltados  para  a  trajetória  de  africanos 
escravizados  no  país   se  multiplicam,  o  que  evidencia  uma  crescente  preocupação,  nacional  e 
internacional,   com  a  divulgação  da  história  e  da  memória  de  homens  e   mulheres  mantidos  aqui 
como  escravos  desde  o  período  colonial.  A  historiografia  sobre o tema vem crescendo  bastante e 
desde  a  década  de  1980  se  inclina  fortemente  nos  debates  em  torno  do  protagonismo  dos 
escravizados e na problematização da dinâmica do sistema escravocrata no Brasil. Cada vez mais, 
os estudos acadêmicos ligados à escravidão analisam a experiência africana para além do trabalho 


e  açoitamento,  para  além  da  submissão  e  coisificação  do  indivíduo,  com  o  intuito  de  divulgar  o 
sistema escravista a partir de sua complexidade e múltiplas facetas.   
Para  além  disso,  a  problematização  em  torno  da  escravidão  e  da  experiência  africana   no  
Brasil  também  está presente em  estudos  acadêmicos recentes  sobre o tema, como a elaboração do 
Inventário  dos  lugares  de  memória  do  tráfico  atlântico  de  escravos  e  da  história  dos  africanos 
escravizados no Brasil8, proposto no ano de 2011, coordenado pelo Laboratório de História  Oral e 
Imagem  (LABHOI)   da  Universidade  Federal  Fluminense,  em  parceria  com  o  Comitê  Científico 
Internacional do Projeto da UNESCO “Rota do Escravo: Resistência, Herança e Liberdade” e que 
possibilitou,  a  nível  internacional,  publicizar,  tornar  pública  a  memória  da  escravidão  e  da 
trajetória  dos  negros  africanos no país. O trabalho reúne cem lugares de  memória e foi construído 
a  partir  da  indicação  e  contribuição  de  diversos  historiadores,  antropólogos  e  geógrafos  do  país, 
após  consultas  e  trocas  de  informações,  ​
o  que  motiva  os  argumentos  defendidos  ao  longo  deste 
projeto  sobre  a  importância  de  cada  vez  mais  aproximar  do grande público os estudos, pesquisas 
e análises produzidos no meio acadêmico.  
Há  de  se  pensar  a  história  pública  não  apenas  como  uma  ferramenta  de  divulgação  do 
passado  histórico  a  partir  do  diálogo  com  as  produções  acadêmicas,  mas  também  como  um 
mecanismo  capaz  de  estimular  mudanças  político­sociais,  que  possibilite  a  grupos  e  indivíduos 
problematizarem  o mundo em que  vivem e influenciarem na construção de um aparato legislativo 
mais  justo  e  menos  desigual,  por  exemplo.  Toda  essa  discussão,  sem  dúvida,  está  diretamente 
relacionada  ao  espaço  do  quilombo  enquanto  um  território  que  não  apenas  se  ressiginifou  ao 
longo do tempo, mas que também abarca disputas e demandas.  
Este  estudo,  portanto,  através  da  comunidade  remanescente  de  quilombo  Baía  Formosa, 
localizada em Búzios/RJ, busca compreender de que forma a história pública pode contribuir com 
a  visibilidade  do  quilombo  entre  o  grande  público,  bem  como  possibilitar  a  construção  de  uma 
consciência  histórica  mais  problematizada  não  apenas  em torno  da experiência africana e de seus 
descendentes  no  período  da  escravidão,  mas  também  do  espaço  do  quilombo  como  um território 
ressignificado,  de  lutas,  resistência  e  identidade.  A  escolha  por  Baía   Formosa   se  deu  por  dois 
motivos:  em  função  de  conversas  com  pesquisadores  da  área  ao  indicarem  a  recente  e  crescente 

8
 Mais informações disponíveis em: ​
http://www.labhoi.uff.br/memoriadotrafico​
. Acessado em: 21/05/2014. 

mobilização  da  comunidade  em  torno  da  divulgação  da  história  do  quilombo,  o  que  foi  possível 
identificar  durante  a  entrevista  com  Elizabeth  Teixeira  Fernandes,  presidente  da  Associação  de 
Moradores  e  pelo  engajamento  da  comunidade  em  projetos  financiados  por  empresas  como  a 
Shell,  que  atualmente  patrocinam  cursos  de  guia  turístico,  artesanato,  entre  outros,  e  também 
pelas  disputas  memorialísticas  e  culturais  que  existem  dentro  da  comunidade.  Exemplo  disso, 
atualmente,  é  o  fato  de  boa  parte  da  comunidade  ser  protestante,  o  que  determinou  a  escolha  da 
ciranda  e  não  do  jongo  como  uma  prática  cultural entre os moradores e de divulgação da história 
do quilombo.  
É  importante,  contudo,  especificar  não  apenas  com  qual  comunidade  remanescente  de 
quilombo  estamos  aqui  trabalhando,  mas  também  com  qual  entendimento  sobre  comunidades 
quilombolas  este  projeto  opera.  Sem  dúvida,  os  quilombos  existentes  nos  dias  de  hoje  possuem 
inúmeras  especificidades,  várias  formas  de  entender  a  própria  luta  e  o  passado  de  escravidão  de 
seus  antepassados  e  olhares  diferentes  sobre  como  conduzir  suas  reivindicações.  Muitas 
comunidades  hoje  em   processo   de  titulação  de  suas  terras,  como  é  o  caso  de  Baía  Formosa, 
tiveram  percurso  semelhante  em  relação  à  ocupação  de  terras  após  a  abolição.  Inicialmente,  a 
ocupação  foi consensual, mas ao longo do tempo com o crescimento da urbanização, das redes de 
turismo  e  da  intensa  especulação  imobiliária  os  conflitos  vieram  à  tona.  Eliane  Cantarino 
Apresentação do Caderno Terra de Quilombos​
O’Dywer, na ​ , em 1995, explica que:  
Contemporaneamente,  ​
a  expressão  “quilombo”  não  se  refere  estritamente  a 
resíduos  ou  resquícios  arqueológicos  de  ocupação  temporal  ou  comprovação 
biológica.  Também  não   se  limita  a  grupos  isolados,  uma  população 
homogênea  ou  que  necessariamente  se  tenha  constituído   a  partir  de 
movimentos  de  insurreição.  São,  de  fato,  grupos  que  desenvolveram práticas 
cotidianas  de  resistência  em  manter  e  reproduzir   modos  de  vida 
característicos  e  de  consolidação  de  um  território  próprio.  A  identidade 
quilombola  não  se  define  pelo  tamanho  e  número  dos  membros  da  
comunidade,  mas  pela  experiência  vivida  e  as  versões compartilhadas de sua 
9
trajetória comum e da continuidade enquanto grupo.   

A  produção de história pública enquanto ferramenta de divulgação  do  passado histórico, 


visa  não  apenas  indicar  a  importância  do  diálogo com as produções acadêmicas, como também 

9
O’Dwyer, Eliane Cantarino. Apresentação do Caderno Terra de Quilombos. Rio de Janeiro: UFRJ/ABA, 1995. 
 ​
10 
apontar para  a necessidade de cada vez mais tornar a história um instrumento capaz de interferir 
na  construção  de   uma  consciência  histórica  que  problematize  os  diferentes  tempos  e  espaços. 
Contextos  traumáticos  como  o  da  escravidão,  por  exemplo,  podem  e  devem  ser  cada  vez  mais 
trabalhados  entre  o  grande  público,  a  fim  de  contribuir  para  a  formação  de  olhares  menos 
preconceituosos,  vitimizadores  e  mais  conscientes  da  cultura  e  da  luta  de  africanos  e  seus 
descendentes no Brasil. 
Nesse  sentido,  acredito  na  importância  do  papel  do  turismo  histórico  cultural  como 
porta  de  entrada  para  a  organização  e  realização  de  atividades  voltadas  para  o  grande  público, 
não  apenas  por  mobilizar  estratégias  de  divulgação,  mas também por se tornar uma ponte entre 
o  turista  e  experiências  que  o  permita  estabelecer  contato  com  diferentes  hábitos  e  costumes, 
com  narrativas  que  explorem  o  binômio  tempo­espaço.  Para  tanto,  se  deve  problematizar  a 
prática turística escapando das teorias que limitam o turismo ao passeio, ao lazer e se aproximar 
das  definições  que  apontam  o  turismo  como  uma  experiência  histórica  e  o  turista  como  um 
10
“ser” histórico em construção ​
.  
Tendo  em  vista  as  considerações  acima,  investigar  e  analisar  de  que  forma  o  quilombo 
Baía  Formosa  se  apropria  da  divulgação  de  seu  passado  histórico  enquanto  comunidade 
remanescente  de  quilombo  é  de  extrema  importância  para  compreender  não  apenas  de  que  
forma  as  narrativas  sobre  a  escravidão  e  a  experiência  africana  e  de  seus  descendentes  são 
organizadas  e   apresentadas  ao  grande  público,  mas  também  de  que  forma  o  campo  da  história 
pública  pode  contribuir  para  que  atividades  organizadas  pela  comunidade  contribuam  com  a 
formação  histórica   do   grande  público.  Acredito  que  ao  optar  pelo  espaço  do  quilombo  como 
objeto  de  investigação,  este  estudo  está  contribuindo  com  a  divulgação  e a problematização da 
trajetória  histórica  das  comunidades  remanescentes  de  quilombo,  inclusive,  de  suas  lutas  e 
demandas recentes.  
A  escolha  por  Baía  Formosa,  neste  sentido,  está  pautada  por  suas  singularidades 
relacionadas às práticas culturais apropriadas pela comunidade, que muito falam sobre as disputas 
de  memória  existentes  no  espaço  do  quilombo,  por  estarem  localizados  em  uma  região  que 
construiu  sua  imagem  turística a partir das praias, dos resorts e de outros elementos voltados para 

10
 ​
NETTO, Alexandre Panosso. ​  São Paulo: Aleph. 2 ed., 2011, pg. 36. 
Filosofia do turismo: teoria e epistemologia.​
11 
o  turismo  de  passeio,  pela  recente  ​
emancipação  da comunidade remanescente de quilombo Rasa, 
também  situada  em  Búzios/RJ  e  por  manifestarem  o  desejo  e  o  anseio  de  angariar  apoio  para  a 
elaboração de atividades culturais que promovam a circulação de turistas dentro do quilombo. 
 
III. Objetivos da pesquisa 
­  Identificar  de  que  forma  a  história  pública  pode  contribuir  com  a  divulgação  do  passado 
histórico  de  escravidão   do   quilombo  e  com  a  manutenção  das  lutas  e  reivindicações  atuais  dos 
quilombolas de Baía Formosa; 
­  Verificar  quais  são  as  narrativas  referentes  ao  passado  de  escravidão  que  circulam  entre  os 
moradores  e  através  de  quais  ações  pretendem  divulgá­las,  a  fim  de  evidenciarem  ao  grande 
público o espaço do quilombo como um território de luta, resistência e identidade; 
­  Compreender  o  interesse  que  mobiliza  parte  dos  moradores  do  quilombo  em  tornar  público  o 
passado da comunidade; 
­  Analisar  de  que  forma  o  próprio  quilombo,  bem  como  agentes  e  instituições  que  atuam  ou 
podem  vir  atuar  em  projetos  de  divulgação  do  histórico  da  comunidade,  podem  estabelecer  e 
proporcionar  novas  relações  com  o  passado  configurado  no  espaço  do  quilombo  e  possibilitar  a 
construção  de  um  olhar  menos   vitimizador  e  mais  consciente  da  cultura  e  da  luta  de  africanos  e 
seus descendentes. 
 
IV. Quadro teórico ­ metodológico:  
(...)  ​
A  história  pública  se  relaciona  a  propósitos  que  vão  além  da  realização  de  testes  de 
doutorado  e  programas  de  pesquisa.  Passam  pela  relação com a  consciência histórica,  ou 
mesmo   por  sua  produção,  pela  relação  com   as  memórias  individuais  e  coletivas,  pela 
11
mobilização de comunidades, pela disponibilização de acervos de conhecimento.  
 
O  trecho  acima  problematiza  a  produção  de  história  pública  e  ressalta  sua  importância 
frente  à  sociedade  e  comprometimento  com  a  formação  histórica  de  grupos  e  indivíduos. 
Sinaliza  seu  papel   como  uma  porta  de  entrada,  nos  dias  de  hoje,  para  a  divulgação  das 
pesquisas científicas e os entraves enfrentados por profissionais da área pelo reconhecimento da 
legitimidade  daquilo  que  produzem.  O  termo  história  pública  significa  “acesso irrestrito de um 

 ​
11
FONSECA,  Thaís Nívia de Lima e. "Mídias e divulgação do conhecimento histórico" In ​
Revista  do corpo discente 
do Programa de Pós­Graduação em História da UFRGS.​  V.4, n.11, 2012, pg.132.  
12 
conhecimento  histórico  franqueado  a  todos”,  enquanto  consciência  histórica  é  aquilo  que 
“designa  o  modo  como  os  seres  humanos  interpretam  a experiência da evolução temporal de si 
12
mesmos  e  do  mundo  em  que  vivem” ​
,  de  acordo  com  a  historiadora  Sara  Albieri.  Ao 
apresentar  tais  definições,  a  autora  busca  articular   argumentos  em  torno  da  importância  em 
estabelecer  uma  sintonia  entre  a  pesquisa  histórica  realizada  na  academia  e  a  publicização  da 
mesma,  a  fim  de  facilitar  o  acesso  à História e contribuir para a construção de uma consciência 
histórica  problematizada.  No  entanto,  há  um  sentido  prático  e de relação com a comunidade na 
produção  de  história  pública  que  não  necessariamente  está  atrelado  ao  campo  do  ensino,  mas 
que  a  meu  ver,  não  torna  a  história  pública  um  campo  descomprometido  com  a  formação 
histórica da sociedade. De acordo com a Rede Brasileira de História Pública: 
A  noção  de  história  pública  é  tão  ampla  que  quase   qualquer  atividade  que  o  historiador 
desenvolva  fora  do campo de ensino e  da pesquisa universitária pode  ser considerada como 
história  pública.  Este  sentido  prático  e  de  relação  com  a  comunidade  chamou  atenção dos 
historiadores  e  tem  contribuído  para  a  resolução  de problemas  sociais  mediante  o  uso  de 
testemunhas  para  processos de  memória  histórica,  pós­conflito,  recuperação  de  identidade 
das  comunidades  e  do  patrimônio  material  e  imaterial  das   regiões.  Ademais,  levou  a  
consideração  de  novos  projetos  de  história  aplicada em âmbitos públicos  e privados, como 
também  empreendimentos de  historiadores que criaram empresas lucrativas onde a história 
se  afasta  totalmente  do  ensino  para  atuar  no  setor  de  serviços,  como  na  contribuição  para 
organização  de  arquivos  empresariais  (memória  empresarial/institucional),   ou  no 
fornecimento  de "produtos"  para  a  definição  e  litígios  legais,  como  nos casos de  definição 
dos   territórios  naturais  de  certas  comunidades.  Também  se  incluem  no  campo  da  história 
13
pública a assessoria em restauração e conservação patrimonial.  
 
Por  muito  tempo  a  produção  de  história  pública  implicou  na  banalização  do  historiar  à 
medida que a chamada "cultura de massas" significou para a mídia de grande circulação  encarar 
o  público  leigo  como  um  grupo  acrítico,  meramente  inclinado  a  alimentar  o  mercado 
consumidor  cultural  ­  o  que  favoreceu  o  surgimento  de  produções  pouco  qualificadas  e 
14
distantes  do  meio  acadêmico  e  científico  do  fazer  história ​
,  o  que  não  deve  estabelecer  uma 
imagem  da  grande  mídia  como  vilã,  tão  pouco  a  produção  de  história  pública  como 
desqualificada,  mas  sim  contribuir  para  a  aproximação  entre  acadêmicos  e  profissionais  da 

 ​
12
ALBIERI,  Sara.  "História  pública   e  consciência  histórica"  In:  ALMEIDA,   Juniele  Rabelo  de;  ROVAI,  Marta 
Introdução à história pública. ​
Gouveia de Oliveira (Orgs). ​ São Paulo: Letra e Voz, 2011, p.19­28. 
 
13
 Disponível em: ​ . Acessado em: 03/07/2014. 
http://historiapublica.com.br/​
 ​
14
LIDDINGTON,  Jill.  "O  que  é  história  pública?"  In  ALMEIDA,   Junilele  Rabelo  de;  ROVAI,  Marta  Guveia  de 
Introdução à história Pública. ​
Oliveira (Orgs). ​ São Paulo: Letra e Voz, 2011, p.31­52 
13 
história  pública.  A  ideia  de  que  “o  passado,  ou  ao  menos  suas  formas  populares,  estão  a  nos 
15
rodear ​
”  dialoga  em  grande  parte  com  o  chamado “boom” da memória ­ exposto por boa parte 
da  historiografia  recente  ligada  aos  debates  memorialísticos.  A  rememoração  se  torna  algo 
comerciável,  que  circula  entre  o  grande  público  para  além  da  divulgação  de  um  passado 
histórico  e  do  contato  com  o  mesmo,  a  partir  da suposta emergência, nos dias atuais, em tornar 
16
viva a presença do passado ​

A  história  pública,  nesse  sentido,   torna­se  importante  ferramenta  de  circulação  da 
memória  e  de  divulgação  de  histórias  referentes  ao  passado  e   contribui  para  a  formação 
histórica  do  público  leigo.  Afinal,  a  sala  de  aula  não  é  o  único  espaço  a  tornar  possível  a 
formação de uma consciência histórica. Sobre essa ideia Jorn Rusen esclarece:  
Com  a  expressão  “formação  histórica”  me  refiro  aqui  a  todos  os  processos  de 
aprendizagem  em  que  a  “história”  é  o  assunto  e  que não se destinam,  em primeiro lugar, à 
obtenção  de  competência  profissional.  Trata­se  de   um   campo  a  que  pertencem  inúmeros 
fenômenos  do  aprendizado  histórico:  o  ensino  de  história  nas  escolas,  a  influência  dos 
meios  de comunicação de massa sobre a consciência histórica e como fator da vida humana 
prática  o  papel  da  história  na  formação dos adultos como influente sobre a vida cotidiana ­ 
em  suma,  esse  campo  é  extremamente  heterogêneo.  É  nele  que  se  encontram  todos  os 
demais  que  servem  à  orientação da vida prática mediante  consciência histórica, e nos quais 
o ensino  de  história  (no  sentido  mais  amplo  do  termo:  como  exposição  do  saber  histórico 
com  o  objetivo  de  influenciar   terceiros)  desempenha  algum  papel.  (..)  São  as  situações 
genéricas  e  elementares  da  vida  prática  dos  homens  que  constituem  o  que  conhecemos 
17
como consciência histórica ​ . 
 
No  fragmento  acima   é  possível,  portanto,  compreender  que  a  consciência  histórica  não 
necessariamente  é  construída  nos  bancos  escolares,  através  de  deveres  de casa e aulas montadas. 
A  experiência  cotidiana  dos  indivíduos  e  dos  grupos  serve  como  fonte  principal  de  formação 
histórica  e,  no  caso  das  visitas  guiadas,  o  turismo  histórico  cultural  representa  parte  dessa 
experiência  que  contribui  para  a  construção  de  uma  cultura  histórica  sobre  o  passado.  São  as 
experiências  e  interpretações  do  tempo  que  constituem  o  saber  histórico  e,  portanto,  aquilo  que 
fica  sobre  os  eventos  passados  e  presentes.  Desse  modo,  é  imprescindível  que  as  atividades 
culturais produzidas para o grande público tenham a responsabilidade de atrelar às suas narrativas 
informações  minimamente comprometidas com a verdade histórica e metodologicamente capazes 

15
Idem, p.33 
 ​
16
 ​HUYSSEN, Andreas. ​  Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. 
Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia.​
17
 ​
RUSEN, Jorn. ​ Brasília: UNB, 2001, pg.54. 
Razão histórica. ​
14 
de  fazer  com  que  o  público  compreenda  o  que  está  sendo  contado,  problematize  os  fatos  que 
estão sendo apresentados e reflita sobre o contexto narrado. Rusen acrescenta que: 
A  consciência  histórica  (...)   é  uma  das  formas  da  consciência  humana  que  está  relacionada  
imediatamente  com  a  vida  humana  prática.  É  este  o  caso  quando  se  entende por consciência 
histórica  a  suma  das operações  mentais  com  as  quais os homens interpretam sua experiência  
da   evolução  temporal  de  seu  mundo  e  de  si  mesmos,  de  forma  tal   que  possam  orientar,  
18
intencionalmente, sua vida prática no tempo ​ . 
 
Um  importante  e  necessário  debate  que  cresceu  bastante  entre  acadêmicos  diz  respeito 
às  representações  midiáticas  que  são  criadas  acerca do contexto escravista e de que forma  estas 
mesmas  representações  interferem  na  formação  histórica  do  público  não  especializado  na  área 
de  História.  Ao  longo  do  tempo,  muitos  discursos  foram  construídos,  sobretudo  no  âmbito  da 
histórica  pública,  com  base  na  exibição  da  violência  como  característica  principal  do  período 
escravista, o que contribuiu para a formação de uma cultura histórica acerca da escravidão  e dos 
africanos  quase  que  incapaz  de  apontar  o  protagonismo  dos  negros  e  as  diferentes  formas  de 
resistência  e  relações  que  foram  construídas  dentro  do  sistema  escravocrata.  Não  levanto  a 
bandeira  da  omissão  e  do  silenciamento  da  violência  física  e  moral  produzida  pela escravidão, 
mas  defendo  a  ideia   de  que  cada  vez  mais  a  história  pública,  seja  ela  produzida  dentro ou fora 
da  escola,  esteja   interessada  e  fortemente  preocupada  em  desconstruir  estereótipos  e  acredito  
que um dos caminhos é estreitar cada vez mais o diálogo entre história pública e academia.  
A  historiadora  Ana  Lúcia  Araújo,  professora  da  Universidade  de  Howard,  publicou 
Afro­Ásia​
recentemente  uma  resenha,  na  revista  ​ Doze  anos  de  escravidão​
,  sobre  o  filme  ​ , 
ganhador  do  Oscar  de  melhor  filme,  em  2013,  e  dirigido  pelo  britânico  Steve  Mcqueen.  Ao 
longo  do  texto,  Araújo  constrói  seu  argumento  em  torno  das  cenas  surpreendentemente  reais 
dos  açoitamentos,  torturas,   estupro  e  humilhações,  alegando  que  embora  tenha  sido  uma  das 
produções  mais  bem  feitas  e  de  maior  sucesso  dos  últimos  anos  sobre  o  tema  da  escravidão, o 
filme  se  mostra  como  mais  uma  produção  no  âmbito  da  história  pública que explora o tema da 
escravidão  sob  o foco da violência física e moral, o que limita a afirmação da ideia de que esses 
mesmos  africanos  escravizados  eram  sujeitos  da  própria  história e que o sistema escravista não 
pode ser reduzido às ações de violência. Para a autora:  

18
 Idem, pg.57. 
15 
(...)  Mesmo  sendo  a  grande  ênfase  nas  punições  físicas  apresentadas  no  filme 
esclarecedoras para a  compreensão da escravidão e da violência contra os afro­americanos, 
que  continuou   a  se   intensificar   no  período   pós­emancipação,  esse  foco  coloca  homens  e 
mulheres  escravizados  em  posição indefesa, negando­lhes qualquer tipo de protagonismo e 
meios  de  resistir  aos  horrores  da  escravidão.  Tal   imagem,  aliás,   não  e  diferente  da  que 
predomina  na  memória  pública  e  coletiva  da escravidão no Brasil, nos EUA,  na Inglaterra, 
e  em  outros  países  de passado  escravocrata,  e que é particularmente visível em exposições 
sobre  a  escravidão  em  vários  museus  nesses  países.   (...)  Mas,  ao  mesmo  tempo,  seria 
importante  ter  em  mente,  que  quem  nasceu  escravizado  e  que  não  teve  a  oportunidade  de 
ser   libertado  também  encontrou  numerosas  maneiras  de  resistir  e  negociar  suas  vidas, 
mesmo   vivendo  sob  um  assombroso  sistema  de  extrema  violência.   Esses  homens  e  
mulheres  também  foram ativos combatentes e sobreviventes,  e  não apenas vítimas passivas 
como  são  às  vezes  retratados  no  filme.  A  desunamização  é  representada  pela  perda  do 
controle  dos  escravos  sobre  seus  próprios  corpos.  Isso  é   visível  nas  repetidas  cenas   de 
castigos  físicos  com chicotes, correntes,  algemas  e  outros  instrumentos de tortura. O filme 
também  enfatiza  a  promiscuidade  imposta  a  homens,  mulheres  e  crianças  escravizados. 
Northup  [um  dos  personagens]  e  outros  cativos  mantidos   com   ele  dormiam  e  tomavam 
19
banho juntos, compartilhando seus corpos nus e ​ feridos.   
 
A  problemática  acima  nos  convida  a  refletir  sobre  os  usos  da  história  pública  e  seus 
efeitos  na  formação  da  consciência  histórica  do  grande   público   e,  nesse  sentido,  atividades 
como  as  visitas  guiadas,  exposições  em  museus,  documentários,  teatro,  desfiles  de  escola  de 
samba,  entre  outras,  assumem   a  responsabilidade  de  influenciarem  e  contribuírem  na 
construção  de  saberes  sobre  o  passado  histórico  e  na reflexão crítica sobre o presente. Há de se 
pensar  sobre  os  agentes  que  atuam  na  produção  de  história  pública  e  como  atuam;  quais  os 
temas  que  estão  sendo  divulgados  e  de  que  forma  essa  divulgação  ocorre.  Isso  não  quer  dizer 
que  a  história  pública  estará  necessariamente  sob  monopólio  de  historiadores,  tão pouco estará 
restrita  a  escolha   de  temáticas,  mas  é  fundamental  que  o  trabalho  com  o  grande  público  tenha 
para  além  de  qualidade,  responsabilidade  histórica.  Nas  últimas  décadas,  os  meios  de 
divulgação  do  conhecimento  histórico  se  alargaram  e  a  história  pública   passou  a  ser  pensada 
dentro e fora da academia como uma ferramenta de democratização do conhecimento.  
Outra  contribuição  importante  para  a  construção  teórica  deste  projeto  está  relacionada 
ao  campo  do  turismo  histórico  cultural.   A  proposta  é  analisar  o  turismo  enquanto  movimento, 
deslocamento  humano   e,  nesse  sentido,  o  homem  está inserido nesta ideia, já que é considerado 
20
objeto  e sujeito de seus deslocamentos turísticos ​
. Desse  modo, se ultrapassa a visão positivista 

19
  ARAÚJO,  Ana  Lúcia.  "Doze  anos  de  escravidão  e  o  problema  da  representação  das  atrocidades   humanas"  IN 
, n.50, ed.2015, p.263.  
Revista Afro­Ásia​
 
20
 PANOSSO, Op.Cit., pg. 26. 
16 
que  reduz  o  turismo  à  diversão,  ao  passeio  de  férias  ou  do  final  de  semana  e  se  prioriza  uma 
reflexão  filosófica  do  termo,  o  que  acredito  facilitar   o   entendimento  sobre  a  interação  entre  o 
quilombo  e  o  turismo  histórico  cultural.  Isso  não  quer   dizer  que  participar  de  visitas  guiadas  e 
de  atividades  culturais  não  seja  divertido  ou  não  esteja  atrelado  ao  lazer  e  à  ideia  de  passeio, 
mas é importante refletirmos a prática turística para além dessa definição.  
O  turismo  histórico  cultural  vem  sendo  pensado  ao  longo  do  tempo  como  uma  atividade 
contrária  aos  turismos  de  massa   das  décadas  de  1960/1970,  que  estavam  fortemente  atrelados às 
praias,  por  exemplo.  Os  termos  ​
turismo  cultural   e  ​
turista cultural têm sido usados para se referir 
a  um  novo  tipo  de  atividade  turística  e  de  pessoa  turista.  Em  linhas  gerais,  o  turista  cultural  não 
busca  somente  viajar  para  se  distanciar  por  um  tempo  de  seu  local   de  vida  rotineira,  mas  sim 
21
viver  experiências  significativas,  entrando  em  contato  com  diferentes  hábitos  culturais ​
.  Esse  é 
um  dos  principais  fatores  que  distingue  o  turismo  histórico  cultural  do  chamado  turismo  de 
massa:  a  motivação  do  viajante  em  ter  contato  com  uma  dimensão  cultural  do  local  de  destino. 
Mas,  o  que  pode  ter  contribuído  para  que  a  cultura  tenha  se  tornado  uma  fonte  de  demanda  do 
turismo? Para o Ministério do Turismo:  
As  razões  para  o  aumento  deste tipo de demanda turística são várias (...). Um argumento que 
se  sobressai  é  o  de que isto se deve à necessidade de ir ao encontro de “identidades  culturais” 
específicas,  que  no  imaginário  desses  potenciais  turistas,  estariam  fadadas  ao 
desaparecimento   com  a  alardeada  globalização.  (...)  No  caso  brasileiro, pode­se  adicionar a  
esse  fluxo  aquele  intra­nacional  que  provém  de  regiões  mais  abastadas  economicamente 
(centros  industriais,  urbanizados  e  cosmopolitas)  para  outros  onde  o  turista  cultural  pode 
22
entrar em contato com uma cultura preservada de propalada globalização  
 
23
Esta  forma  de  turismo  está  inserido  no  chamado  “novo  turismo” ​
.  Desde  a  década   de 
1980,  que  a  cultura  passou  a  se  fazer  presente  na  prática   turística  de  muitos  grupos  e  a  ser 
incorporada  por  ofertantes  dos  serviços  de  turismo  em  seus  pacotes  de  viagens.   O  velho  padrão 
de  turismo  tinha  como  características  férias  padronizadas, com pacotes inflexíveis. Além disso, a 
clientela alvo era tratada de forma homogênea. As férias pareciam ser consumidas em massa, sem 

21
  Ver  Estudos  de  Competitividade  do  turismo  brasileiro.  Documento   de  propriedade  do  governo  federal,  com  o 
objetivo  de  ampliar  o  debate  nacional   sobre  o  futuro  do  setor  turístico   e  fomentar  a   pesquisa  nesse  campo  de 
conhecimento.  Produzido  na  década  de  2000  por  profissionais   e  teóricos  da  área.  Disponível  em: 
http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/publicacoes/cadernos_publicacoes/13estudos.html​ .  Acessado  em: 
29/07/2014. 
22
 PANOSSO, Op.Cit., pg.8. 
23
 Idem, pg.10. 
17 
a  menor  consideração  pela  cultura  e  meio  ambiente  dos   locais  que  recebiam  os  turistas.  À  nível 
global  era  esse  o  modelo  de  turismo  que  se  tinha  difundido  e  que  passou  a  movimentar  a 
economia  de  vários  países.   Aos  poucos,  a  política  de  atração  hoteleira,  as  novas  tecnologias  no 
que  diz  respeito  ao  transporte,  a  prosperidade  do  pós­guerra  entre   outros   fatores  deixam  de 
alimentar  esse  tipo  de  turismo.  Em  todo  o  mundo,  o  turismo  de  massa  parece  aos  poucos perder 
sentido,  mas  não  espaço  e  o  turismo  histórico  cultural  se  constitui  enquanto  manifestação  desse 
24
“novo turismo” ​
.  
Pensar  o  turismo  somente  enquanto   prática  não  é  o  bastante.  É  importante  também 
refletí­lo  enquanto  conceito. No final de 2003, por iniciativa do Ministério do Turismo, um grupo 
técnico  temático  sobre  turismo  cultural, composto por representantes de diversas organizações da 
área  foi  criado  com  o  intuito  de  chegar  a  uma  definição mais precisa do termo, afim de nortear o 
debate  e  a criação de políticas relacionadas à  área. Tanto o IPHAN, como o Ministério da Cultura 
fizeram  parte  desse  esforço  de  definir  com  mais  precisão  o  fenômeno  do  turismo  histórico 
cultural.  A  partir  dessa  comissão,  foi  possível  delimitar  uma  definição  mais precisa para o termo 
que  foi  expressa  no  documento  “Marcos  conceituais  dos  segmentos  de  turismo”,  que  veio  a 
público no salão do turismo de São Paulo, em junho de 2006. A definição adotada foi a seguinte:  
Turismo  cultural  corresponde  às atividades relacionadas à vivência do conjunto de elementos 
significativos  do  patrimônio  histórico  e  cultural  e  dos  eventos  culturais,  valorizando  e 
25
promovendo os bens materiais e imateriais da cultura ​ . 
 
Ao  longo  do  processo  de  pesquisa  acredito  poder  reunir  um cabedal maior de conceitos  e 
teorias  que  somadas  aos  debates  propostos  neste  projeto  contribuam  de  fato  para  o 
enriquecimento  do  trabalho proposto, bem  como o estudo e análise de documentos que permitirão 
entender  o  histórico  do  quilombo  Baía  Formosa,  bem  como  suas  ações,  lutas  e  reivindicações 
atuais.  
Entrevistar  moradores  e  lideranças  do  quilombo  será  de  extrema  importância  para 
identificar  e  analisar  não  somente  as  disputas  de  memória  e  as  relações  estabelecidas  entre  os 
moradores,  mas  também  compreender  os  propósitos  envolvidos  com o desejo pela divulgação da 

 Idem, pg.12. 
24
25
  Ver:  “Marcos   conceituais   dos  segmentos  do  turismo”,  junho  de   2006.   Disponível  em: 
http://www.turismo.gov.br/turismo/o_ministerio/publicacoes/cadernos_publicacoes/14manuais.html​
.  Acesso  em: 
02/08/2014. 
18 
comunidade  e  de  seu  histórico,  quais  são  as  memórias  sobre  o  passado  que  circulam  entre  os 
moradores  e  quais  as  histórias  que  se  deseja  narrar  para  o  grande  público.  Além  disso,  acredito 
ser  relevante  produzir  entrevistas  com  a  prefeitura  local,  a  fim  de  investigar  se  há  uma  ação 
coletiva  entre  o  prefeito  e  os  moradores  de  Baía  Formosa  que  estimule  o  desenvolvimento  do 
turismo  histórico  cultural  na  região  de  Búzios,  local  que  consolidou  sua  imagem  frente  às 
propagandas  turísticas  a  partir  das  praias  e  do  comércio  local,  mas  que   pode  e  deve  ceder  maior 
abertura aos eventos e práticas culturais existentes na região.  
A  inserção  de  Baía  Formosa  em  projetos  como  o  QUIPEA  ­  quilombos  no  projeto  de 
educação  ambiental ­ organizado pela SHELL, nos dá indicativos acerca da mobilização existente 
dentro  do  quilombo  em  torno  da  divulgação  da  comunidade  e  de  sua  história  não  apenas  por 
terem  aceito  fazer  parte  de  um  projeto  voltado  para  as  comunidades  tradicionais  localizadas  na  
26
Bacia  de  Campos/RJ ​
,  mas  pelo  fato   de  terem  optado  receber  como  financiamento  da  SHELL 
cursos  de  especialização  em  guia  de  turismo,  artesanato,  entre  outros,  o  que  traz  à  tona  o  desejo 
de  grande  parte  dos  moradores  em  investir  e  conduzir  as  ações  de  divulgação  da  comunidade 
Baía Formosa. 
Os  documentos  alocados  na  Associação  de  Moradores  da  comunidade  também  serão  de 
grande  importância.  O   registro  de  reconhecimento  da  Fundação  Cultural  Palmares, o estatuto, as 
atas,  o  documento  de  cadastro  das  famílias  pertencentes  à  comunidade  são  registros  que 
permitem  identificar  de  que  forma  a  identidade  quilombola  está  posta  para os  moradores, de que 
maneira  se  organizam  enquanto  comunidade  e  quilombo,  além  das  demandas  e  reivindicações 
atuais.  
Baía  Formosa  se  apropria  de  diversas  manifestações  culturais  nos  dias  de  hoje  e  que 
refletem  a  forma  como  a  comunidade  compreende  o  passado  de  escravidão  vivenciado  por  seus 
antepassados,  além  de  evidenciarem  as  disputas  e  os  conflitos  existentes  entre  os  moradores. De 
maioria  evangélica,  se  optou  por  escolher  a  ciranda  como  uma  prática identitária da comunidade 
ao  invés do jongo. De acordo  com Elizabeth Teixeira, as músicas são compostas  por eles mesmos 
e  suas  letras  narram  episódios  do  período  de  escravidão.  O  artesanato,  a  culinária  e  as  histórias 

26
 ​
A existência  do  QUIPEA  é  condicionante  ao  licenciamento  ambiental federal para  as atividades de  exploração  e 
produção   de  petróleo  e  gás   natural.  Baía  Formosa  faz  parte  do  projeto  desde  o  ano  de  2010.  Em  2012,  o  projeto 
entrou em sua segunda fase da concretização das principais reivindicações das comunidades envolvidas.  
19 
contadas  pelos  griôs  também  são  apropriadas  como  forma  de  construção  identitária  da 
comunidade.  É  inclusive  através  das  histórias  contadas  pelos  griôs,  os  mais  velhos do quilombo, 
que  os  moradores  constroem   saberes  sobre  a  escravidão  e  a  origem  das  terras  onde  vivem.  A 
análise  destes  documentos  permite  não  somente  identificar  quais  são  as  histórias  sobre  a 
escravidão que  circulam na comunidade, mas também quais histórias os moradores querem tornar 
pública.  
O  método,  portanto,  é  combinar  a  análise  das ações de divulgação do quilombo no tempo 
presente  com  o  debate  historiográfico  sobre  história  pública,  turismo  histórico  cultural,  políticas  
patrimoniais,  memória  e  a  análise  dos  registros  históricos  mencionados  acima,  com  o  intuito  de 
compreender   e  identificar  de  que  forma  a  história  pública  pode  contribuir  para  estabelecer  e 
proporcionar  novas  relações  com  o  passado  configurado  no  espaço  do  quilombo  e  possibilitar  a 
construção  de  olhares  menos  vitimizados  e  mais  conscientes  da  cultura  e  da  luta  de  africanos  e 
seus descendentes no país.  
 
V. Cronograma de atividades 
 
 

  1º  2º  3º  4º  5º  6º  7º  8º 


semestre  semestre  semestre  semestre  semestre  semestre  semestre  semestre 

Reuniões com  X  X  X  X  X  X  X  X 
orientador 

Coleta de  X  X  X           
dados 

Análise dos  X  X  X  X  X       
dados 

Escrita da tese      X  X  X  X  X  X 

Defesa                X 
 
 
 

20 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
VI. Bibliografia 
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HARTOG, François. “Tempo e patrimônio”. Varia História, v. 22, n. 36, p. 261­ 73, 2006; 

21 
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MATTOS,  Hebe;  ABREU,  Martha;  DANTAS,  Carolina  Vianna;  MORAES,  Renata. 
“Personagens  negros  e  livros  didáticos:   reflexões  sobre  a  ação  política  dos  afrodescentes  e  as 
representações da cultura brasileira” In ROCHA, Helenice, Aparecida Bastos;  
MATTOS,  Hebe;  ABREU,  Martha;  GURAN,  Milton.  “Por  uma  história  pública  dos   africanos 
escravizados  no  Brasil”.  Estudos  Históricos.   Rio  de  Janeiro,  vol.  27,  nº  54,  p.  255­273, 
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MAYNARD,  Cândido  Santos  Dilton.  Escritos  sobre  história  e  internet.  Rio  de  Janeiro: 
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MENESES,  Ulpiano  T.  Bezerra  de.  “Visão,  visualização  e  usos  do  passado”.  Anais  do  Museu 
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22 
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23 

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